Resumo: A elaboração deste trabalho ocorreu através da análise inicial da jurisdição e das teorias que tentam explicar a função estatal exercida pelo Poder Judiciário. Nesse caso, a jurisdição constitui um marco para a efetivação do processo e do direito de ação embasado nos princípios constitucionais para garantir o acesso à justiça. As Leis 8.952/1994, 10.444/2002 e 11.232/2005, vêm almejando dar efetividade as normas processuais existentes no tocante à execução dos julgados. Atualmente, a execução tornou-se uma fase de prolongamento da fase de cognição, dentro de um mesmo processo, tendo por objetivo antecipar a tutela jurisdicional com celeridade e eficiência. Desde a edição da lei 8.952/1994, o “processo de execução” autônomo deixou de existir em relação às obrigações de fazer, de não fazer e de entregar coisa, passando a execução a constituir uma fase de cumprimento a ser realizada depois da cognição. A lei 10.444/2002 reforçou a lei 8.952/1994 trazendo a antecipação de tutela como meio de dar maior celeridade ao exercício da função jurisdicional. Posteriormente, a lei 11.232/2005 alterou o conceito de sentença e a forma de procedência da liquidação, na tentativa de alcançar a efetividade e celeridade do processo civil brasileiro. Logo, o trabalho em epígrafe busca demonstrar a evolução dessas reformas processuais sofridas pelo CPC para alcançar à efetividade da tutela jurisdicional de forma mais célere.
Abstract: The preparation of this work occurred through the analysis of initial jurisdiction and theories that attempt to explain state functions exercised by the judiciary. In this case, jurisdiction is a milestone for the realization of the process and the right of action grounded in constitutional principles to ensure access to justice. Laws 8.952/1994, and 10.444/2002 11.232/2005, are aiming to make effective the existing procedural rules regarding the execution of the trial. Currently, the implementation has become an extension phase of the phase of cognition within the same process, aiming to advance the legal protection with speed and efficiency. Since the enactment of law 8.952/1994, the “implementation process” self ceased to exist in relation to obligations to do, and do not deliver anything, from implementation phase to constitute a meeting to be held later cognition. The Act strengthened the law 10.444/2002 8.952/1994 bringing early relief as a means to quicken the exercise of judicial functions. Subsequently, the law 11.232/2005 changed the concept of sentence, and so merits of the settlement in an attempt to achieve the effectiveness and speed of the Brazilian Civil Procedure. Therefore, the title search work to demonstrate the evolution of these procedural reforms suffered by the CPC to achieve the effectiveness of judicial protection more quickly.
Sumário: 1 Introdução – 2 Jurisdição; 2.1 Teorias que explicam a jurisdição; 2.2 Jurisdição Voluntária; 2.3 Jurisdição Contenciosa – 3 A importância dos princípios processuais para facilitar o acesso à justiça; 3.1 Princípio da celeridade processual; 3.2 Sincretismo e celeridade processual – 4 Inovações do “processo de execução” trazidas pelas Leis 8.952/1994 e 10.444/2002; 4.1 A execução no Direito Romano; 4.2 A execução no Direito Moderno; 4.3 Etapas da reforma processual civil – 5 Reformas processuais civis responsáveis pela busca do sincretismo e da efetividade processual; 5.1 Análise da lei 11.232/2005 – 6 Conclusão – 7. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O direito processual civil está alicerçado em três pilares de sustentação, denominados de jurisdição, ação e processo, sob os quais incide diretamente as recentes reformas processuais civis, principalmente, no que tange ao exercício concreto da jurisdição.
Essa estrutura é conhecida como “trilogia estrutural do direito processual” e, inicia-se pela jurisdição, que é o instituto processual responsável pela formação do processo, devido ao cumprimento da função estatal.
Por ser a jurisdição inerte, para que o Estado venha exercer sua função jurisdicional necessita de provocação da parte interessada, salvo as exceções legais onde pode atuar de offício.
O Estado-juiz ao exercer a função jurisdicional deve atuar com imparcialidade, já que investido constitucionalmente nesta função não deve envolver-se pessoalmente na resolução do conflito, afastando-se dos elementos contidos no processo, sob pena de influenciar diretamente na decisão final, prejudicando e violando direito da parte contrária.
Ao exercer a jurisdição, o Estado acaba substituindo a vontade das partes, em contrapartida a autotutela, que existia anteriormente, onde não havia limites para que as partes defendessem os seus “direitos”, através da justiça pelas próprias mãos.
Conceituar jurisdição não tem sido tarefa fácil devido ao fato de que não há consenso entre os doutrinadores, os quais se utilizam das teorias de Chiovenda e Carnelutti como forma de trazer para o ordenamento jurídico brasileiro um conceito mais moderno que se adéqüe a atual legislação pertinente ao processo civil atual.
Já Carnelutti traz à baila a idéia de lide e correlaciona a jurisdição com a “justa composição da lide”. Para ele a lide seria formada pela pretensão de uma parte e resistência da outra.
Mesmo alguns estudiosos do assunto como, por exemplo, Alexandre Freitas Câmara, entendendo que tais teorias são contrárias, Greco Filho e Amaral Santos, defende que essas teorias são complementares, pelo fato da jurisdição ser entendida como a função do Estado em aplicar a vontade concreta da lei e assim obter a justa composição da lide entre as partes em conflito.
Devido ao fato de a Constituição Federal em vigor ter adotado o modelo de Estado Democrático de Direito, a função jurisdicional a ser desempenhada pelo Estado deve observar e respeitar os princípios constitucionais e processuais aplicados ao processo como forma de respeitar os direitos e as garantias individuais.
As reformas ocorridas em 1994 e 2002 através das leis 8.952 e 10.444, respectivamente, alteraram significativamente a forma de execução das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa, substituindo o processo autônomo de execução pela execução como mero prolongamento da fase de cognição.
Tais leis foram incentivadoras para as mudanças trazidas pela lei 11.232 de 2005, com relação à execução e a liquidação do comando sentencial. No entanto, antes de adentrar na análise das alterações introduzidas pela Lei 11.232/2005 é imperiosos falar que a sentença que teve seu conceito legal modificado já foi conhecida como “ato jurisdicional magno”.
Analisando minudentemente a reforma legislativa a que se refere as leis 8.952/1994, 10.444/2002 e 11.232/2005, pode-se afirmar que a sentença continua sendo um ato do juiz que encerra uma fase do processo (cognição), encerrando o ofício do juiz de julgar e, resolvendo ou não o mérito da causa.
É importante ressaltar que as mudanças pelas quais o Código de processo Civil (CPC) vem atravessando revela a preocupação dos legisladores em tentar alcançar a efetividade e celeridade processual com a obtenção da satisfatividade do cidadão.
Tanto assim que a Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, inseriu o inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição Federal, afirmando que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Ao tornar esse dispositivo um direito individual expressamente consagrado, o legislador tenta proporcionar a sociedade uma expectativa de melhora na qualidade da função exercida pelo Poder Judiciário.
Afinal, cabe ao Estado criar mecanismos de defesa aptos a proporcionar a pacificação social, solucionando litígios de forma eficaz e com justiça, não sendo o judiciário um “remédio processual” a ser utilizado por quem possua melhores condições econômicas.
O presente trabalho, portanto, pretende chamar atenção para as alterações processuais civis, principalmente, no tocante a transformação do “processo de execução” em fase de um mesmo processo onde ocorre a cognição. Ou seja, nas obrigações previstas em lei, a execução será um prolongamento da fase cognitiva para tentar melhorar a prestação da função jurisdicional pelo Estado-juiz. Logo, o aplicador do direito deve utilizar-se dos meios processuais disponíveis para exercer o seu papel jurídico na prestação do serviço aos seus clientes, buscando dar celeridade aos processos.
2 JURISDIÇÃO
A jurisdição está diretamente ligada à noção de Estado politicamente organizado. Na Grécia Antiga, como não existiam normas escritas para dirimir os conflitos existentes, utilizava-se árbitros para tentar conciliar as questões que fossem suscitadas.
A existência de regras jurídicas escritas tornou-se de suma importância para garantir um convívio harmônico dentro da sociedade, afinal, cabe ao Estado politicamente organizado atender aos anseios de sua população na busca da pacificação social.
Com a criação do Estado pelo Espírito das Leis de Montesquieu, a jurisdição passa a ter uma relevante importância para se alcançar o modelo jurídico que se tem nos dias atuais, ou seja, houve a criação e divisão funcional dos três poderes em: legislativo, executivo e judiciário, todos com a delimitação de suas funções típicas e atípicas com ênfase em suas finalidades.
Reunindo os três poderes e associando-os ao Estado politicamente organizado, foi possível alcançar o modelo de Estado Democrático de Direito adotado pelo atual Ordenamento Jurídico do Brasil em especial, a Constituição Federal (CF), junto com a tripartição do poder caracterizando a autonomia e independência entre os mesmos.
Para Greco Filho[1] no tocante a caracterização e definição da jurisdição, tem-se que:
“Resumidamente, poder-se-ia deixar como estabelecido que jurisdição é o poder, função e atividade de aplicar o direito a um fato concreto, pelos órgãos públicos destinados a tal, obtendo-se a justa composição da lide. Este conceito engloba a definição de Chiovenda e a de Carnelutti, que tantas vezes foram consideradas como antagônicas, mas que na verdade se completam.
A jurisdição é, em primeiro lugar, um poder, porque atua cogentemente como manifestação da potestade do Estado e o faz definitivamente em face das partes em conflito; é também uma função, porque cumpre a finalidade de fazer valer a ordem jurídica posta em dúvida em virtude de uma pretensão resistida; e, ainda, é uma atividade, consistente numa série de atos e manifestações externas de declaração do direito e de concretização de obrigações consagradas num título.”
Outras características também marcantes da jurisdição brasileira estão relacionadas com a inércia, o devido processo legal, o contraditório, a instrumentalidade, o juiz natural dentre outros princípios do Código de Processo Civil (CPC) que estão previstos na Constituição Federal e que são indispensáveis ao amplo e justo acesso a justiça.
Jurisdição está associada à função do poder judiciário de dizer ou aplicar o direito ao caso concreto ou ainda mais longe, jurisdição é fazer valer o direito, por isso, essa função jurisdicional pertence ao Estado, o qual deve intervir quando solicitado por algum cidadão no intuito de solucionar determinado litígio. A jurisdição representa uma das formas de atuação estatal na busca da concretização do direito, buscando a pacificação social e a solução dos litígios.
Grinover[2] define a jurisdição como:
“Uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. Essa pacificação é feita mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso apresentando em concreto para ser solucionado; e o Estado desempenha essa função sempre mediante o processo, seja expressando imperativamente o preceito (através de uma sentença de mérito), seja realizando no mundo das coisas o que o preceito estabelece (através da execução forçada).”
Pelo entendimento acima demonstrado percebe-se que o termo jurisdição envolve três aspectos interligados a este poder jurisdicional do Estado, ou seja, o poder, a função e a atividade como elementos responsáveis pela sua caracterização.
A jurisdição demonstra o poder do Estado em substituir as partes na resolução do litígio através da utilização das normas jurídicas aplicadas ao caso em análise; como função demonstra que o objetivo desta função estatal é garantir o bem-estar social através da solução do dissídio e, é atividade porque constitui um conjunto de atos processuais que impulsionam o processo dando-lhe um provimento final.
A jurisdição ao lado da ação e do processo representa a estrutura do direito processual civil brasileiro, onde a jurisdição é vista como o objeto central desse estudo por representar a função que foi atribuída ao Estado, o qual para exercê-la precisa ser provocado.
2.1 TEORIAS QUE EXPLICAM A JURISDIÇÃO
A doutrina brasileira é quase unânime em afirmar que para se alcançar um conceito de jurisdição adequado é imprescindível analisar primeiramente as teorias desenvolvidas por Chiovenda e Carnelutti que contribuíram de forma significativa para evolução desse instituto jurídico e para o estudo do moderno processo civil brasileiro.
A teoria de Chiovenda parte do pressuposto de que o Estado para exercer a sua função jurisdicional deve aplicar a lei adequada ao caso concreto, declarando e estabelecendo direitos já existentes. Aqui, ressalta-se a vontade concreta da lei através da jurisdição.
Este foi o primeiro doutrinador a diferenciar as funções atribuídas a cada poder (executivo, legislativo e judiciário), por considerar a lei um limite de atuação, por isso, para ele cabe ao Judiciário julgar e aplicar a lei ao caso concreto.
Câmara[3] ao mencionar o posicionamento defendido por Chiovenda ressalta que:
“A teoria de Chiovenda sobre a jurisdição parte da premissa de que a lei, norma abstrata e genérica, regula todas as situações que eventualmente ocorram em concreto, devendo o Estado, no exercício da jurisdição, limitar-se à atuação da vontade concreta do direito objetivo. Em outras palavras, limita-se o Estado, ao exercer a função jurisdicional, a declarar direitos preexistentes e a atuar na prática os comandos da lei. Tal atividade caracterizar-se-ia, essencialmente, pelo seu caráter substitutivo, já enunciado.”
Essa teoria foi construída levando em consideração o caráter substitutivo da jurisdição e o escopo jurídico de atuação do direito. No tocante a essa substituição do Estado em relação aos envolvidos no litígio, tem-se que deve estar presente a imparcialidade do julgador para que a justiça possa ser feita sem a interferência da vontade pessoal daquele que irá julgar o litígio.
Com a aplicação desta teoria, o juiz deve aplicar a vontade concreta da lei, no processo de conhecimento, reconhecendo ou não o direito invocado pelas partes para a solução dos seus litígios.
Dessa forma, a jurisdição está completamente vinculada à lei como ressalta hoje o princípio da legalidade. No entanto, Chiovenda não se questionava sobre o acesso dos cidadãos menos privilegiados ao Poder Judiciário, muito menos no tocante a efetivação dos procedimentos a serem utilizados para tal.
A teoria defendida por Carnelutti está associada à justa composição da lide, vez que, segundo defendia o mesmo, só há lide quando a pretensão das partes for levada ao processo. Este foi o primeiro doutrinador a identificar a lide e correlacioná-la à jurisdição, como a justa composição da lide.
Neste caso, a lide era conceituada como um conflito de interesses qualificado por uma pretensão jurídica se for levada efetivamente levada ao crivo judicial. Para ele, só existia lide no processo de conhecimento.
No intuito de melhor explicar a teoria de Carnelutti, Marinoni[4] faz um paralelo com esta teoria e a teoria de Chiovenda, afirmando que:
“Carnelutti, entretanto, partiu da idéia de lide – compreendida como conflito de interesses, ou mais precisamente, marcada pela idéia de litigiosidade, conflituosidade ou contenciosidade – para definir a existência de jurisdição. A lide, dentro do sistema carneluttiano, é característica essencial para a presença da jurisdição. Havendo lide a atividade do juiz é jurisdicional, mas não há jurisdição quando não existe um conflito de interesses para ser resolvido ou uma lide para ser composta pelo juiz.
É evidente que o ângulo visual de Carnelutti revela uma compreensão privatista da relação entre a lei, os conflitos e o juiz. Enquanto Chiovenda procurava a essência da jurisdição dentro do quadro das funções do Estado, Carnelutti via na especial razão – no conflito de interesses – pela qual as partes precisam do juiz a característica que deveria conferir corpo à jurisdição. Carnelutti estava preocupado com a finalidade das partes; Chiovenda com a atividade do juiz. Por isso, é possível dizer que Carnelutti enxergava o processo a partir de um interesse privado e Chiovenda em uma perspectiva publicista.”
A teoria de Carnelutti aproxima-se do posicionamento de Chiovenda no momento em que o primeiro afirma que a lei sozinha é insuficiente para resolver a lide, necessitando da atividade a ser desenvolvida pelo magistrado.
Essas teorias acabam repercutindo na função desempenhada pela sentença quando exercida a função jurisdicional, ou seja, para Carnelutti, a sentença torna concreta a norma abstrata (teoria unitária – sentença constitutiva), ao passo que, para Chiovenda, adepto da teoria dualista, a sentença, chamada de declaratória, possui a função de declarar a lei porque está fora do ordenamento jurídico.
Como a jurisdição representa uma função do Estado de compor os litígios que são postos ao crivo do Poder Judiciário, não seria possível entendê-la em face de sua amplitude sem a análise de algumas características que a identificam e demonstram a sua importância para a prestação da tutela jurisdicional.
Com relação a essas características Câmara[5] fala em inércia, substitutividade e natureza declaratória, ao passo que Donizetti[6] traz a unidade, a imparcialidade e a substitutividade.
Essas características ajudam a identificar a atuação do Estado no momento do seu exercício caracterizando-a como uma atuação jurídica substitutiva à vontade das partes.
A jurisdição é una e indivisível da mesma forma que o próprio poder estatal em solucionar litígios, porém, a doutrina a classifica em espécies para facilitar o entendimento das peculiaridades de cada uma. Na realidade, o que pode ser divido é o poder de cada uma, que é chamado de competência.
O art. 2º do Código de Processo Civil traz expressamente o princípio da inércia, onde o magistrado não poderá exercer a tutela jurisdicional de ofício, ou seja, para que ele possa atuar na demanda é preciso que tenha sido solicitado. Quanto a esta inércia, Grinover[7] é bastante elucidativa quando expõe o que segue:
“Outra característica da jurisdição decorre do fato de que os órgãos jurisdicionais são, por sua própria índole, inertes (nemo judex sine actore, ne procedat judex ex officio). O exercício espontâneo da atividade jurisdicional acabaria sendo contraproducente, pois a finalidade que informa toda a atividade jurídica do Estado é a pacificação social e isso viria em muitos casos a fomentar conflitos e discórdias, lançando desavenças onde elas não existiam antes. Há outros métodos reconhecidos pelo Estado para a solução dos conflitos (conciliação endo ou extraprocessual, autocomposição e, excepcionalissimamente, autotutela – sobre os meios alternativos para a eliminação de conflitos e o melhor é deixar que o Estado só intervenha, mediante o exercício da jurisdição, quando tais métodos não tiverem surtido efeitos”.
Assim, o Poder Judiciário necessita de provocação, sem a qual não pode o Estado-juiz exercer a função jurisdicional. Da mesma forma que o magistrado não pode estar envolvido com nenhuma das partes sob pena de ser declarado suspeito ou impedido a depender da relação existente entre os mesmos.
A substitutividade é representada pela substituição do Estado ao particular com relação à vontade deste último ao julgar determinado caso concreto. Por tratar-se de uma função do Estado aplicar o direito ao caso concreto quando for chamado a solucionar um determinado conflito entre as partes, essa substituição é plenamente legal para a finalidade que possui.
Para Câmara[8]:
“Tal característica da jurisdição decorre do fato de originariamente ter cabido aos próprios interessados a função de tutela dos interesses. No início do desenvolvimento do Direito, a regra era a autotutela. Em determinado momento da evolução da consciência jurídica, porém, viu-se que a justiça não podia ser feita se tivesse o perfil de vingança que adquiria por ser feita de mão própria pelo titular Dio interesse lesado. Desta forma, proibiu-se a autotutela, a qual é possível hoje apenas em hipóteses excepcionais e expressamente previstas em lei, como no caso do desforço imediato para tutela da posse, previsto no art. 1.210, § 1º, do Código Civil de 2002.
Tendo sido proibida a autotutela, passou o Estado a prestar a jurisdição, substituindo a atividade das partes e realizando em concreto a vontade do direito objetivo. Em outros termos: o Estado, ao exercer a função jurisdicional, está praticando uma atividade que anteriormente não lhe cabia, a defesa de interesses juridicamente relevantes. Ao agir assim, o Estado substitui a atividade das partes, impedindo a justiça privada.”
Quando o Estado substitui as partes para decidir um litígio que lhe foi dado a apreciar e aplica ao caso concreto as normas legais que lhe sejam mais justas, não se está falando em poder arbitrário e ilimitado, mas sim em tentar buscar a pacificação social através da aplicação da norma mais justa ao caso em análise.
A jurisdição, como dito anteriormente, é una e por isso não comporta divisões, no entanto, para facilitar doutrinariamente o seu entendimento a mesma é dividida em espécies para demonstrar como o magistrado se comporta em face dos litígios.
Assim, a jurisdição pode ser voluntária ou contenciosa, a depender da existência ou não de pretensão, segundo o posicionamento defendido por Câmara[9], pois, para aqueles doutrinadores que se filiam a corrente de Carnelutti, a lide seria o ponto central de distinção. Justiça voluntária ou contenciosa possui as características inerentes a jurisdição, devido a sua função e os objetivos a serem alcançados.
2.2 JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
Existem duas doutrinas que tentam explicar o que é a jurisdição voluntária, uma denominada corrente clássica e, outra denominada corrente moderna, defendida por Calmon de Passos, Ovídio Baptista e Leonardo Greco.
De acordo com a teoria clássica apoiada por Chiovenda, a jurisdição voluntária não tem natureza jurídica de jurisdição, mas sim natureza jurídica administrativa. Assim sendo, o poder judiciário vai apenas homologar a vontade das partes porque só terá validade e eficácia se for levada ao poder judiciário.
Para a doutrina clássica a jurisdição voluntária desenvolve uma função administrativa e os seus provimentos não tem o condão de fazer coisa julgada. A corrente moderna defende que a jurisdição voluntária tem sim natureza jurisdicional, vez que o magistrado deve atuar sempre com imparcialidade e desinteresse no litígio, para que seja possível alcançar o interesse público a que se propõe (bem-estar social).
2.3 JURISDIÇÃO CONTENCIOSA
A jurisdição contenciosa é a jurisdição propriamente dita, vez que, a jurisdição relaciona-se diretamente com a controvérsia (lide) gerada entre as partes, pelo Estado possuir a função de pacificar os desentendimentos ocorridos e que foram levados até o seu conhecimento para posterior decisão.
Na atualidade a jurisdição precisa ser analisada sob uma ótica mais constitucional, com a análise e aplicação dos princípios constitucionais que presentes na legislação processual civil permitem a atuação do magistrado na tentativa de pacificação social.
Jurisdição contenciosa como atividade jurisdicional normalmente é caracterizada por um conflito de interesses entre as partes, por isso, Santos[10] afirma que:
“A idéia de conflitos de interesses traz em si a de contenda, contestação, litígio. E, de ordinário, a jurisdição se exerce em face de pretensões contestadas, de litígios. Daí a denominação de jurisdição contenciosa, que é a verdadeira e legítima jurisdição, a que tem por objeto a composição de conflitos de interesses. Jurisdição contenciosa – dizia-se – est quae in invictos exercetur (Pothier), ressaltando-se na expressão in invictos a existência de contenda, contestação, oposição, litígio.
Todavia, a jurisdição não se exerce apenas em face de litígios. Visa-se, sim, com o seu exercício, à composição de conflitos de interesses, mas que não são necessariamente litigiosos. A pretensão, sobre a qual terá de se manifestar na decisão o órgão jurisdicional, para acolhê-la ou repeli-la, poderá não ser contestada. Basta considerar que o réu poderá ser revel, caso em que não haverá contestação à pretensão do autor: poderá o réu até mesmo confessar a pretensão do autor, sem embargo do que terá o juiz de decidir.
Assim, posto de lado o sentido gramatical da denominação, a jurisdição contenciosa não se caracteriza por versar sobre litígios. Ela se exerce em face de conflitos de interesses qualificados por uma pretensão, Isto é, seu objeto são as lides a serem compostas.”
Alguns elementos acabam distinguindo a jurisdição contenciosa da jurisdição voluntária como, por exemplo, a forma de proceder, já que na primeira deve existir um processo e prevalecer o contraditório entre as partes, já na segunda, há um procedimento administrativo onde as partes resolvem entre si o negócio jurídico; a sentença na jurisdição contenciosa produz coisa julgada material e, na voluntária, em detrimento das circunstâncias supervenientes, não produz a coisa julgada material.
As duas espécies de jurisdição possuem a finalidade de manter e resguardar a paz social e a ordem jurídica, lembrando da existência ou não de interesses contrapostos e na conciliação do negócio jurídico praticado.
Mesmo a doutrina tendo se manifestado sobre o conceito e a finalidade da jurisdição há muitos anos, observa-se que tal conceito ainda é bastante utilizado nos dias atuais quando se analisa a reforma processual sofrida pelo Código Processual Civil em vigor e sua correlação com outras leis e, em especial, a Lei 11.232 de 2005.
3 A IMPORTÂNCIA DOS PRINCÍPIOS PROCESSUAIS CIVIS PARA FACILITAR O ACESSO À JUSTIÇA
O Código de Processo Civil representa um conjunto de normas jurídicas responsáveis pela garantia do bem-estar da sociedade. Os princípios acabaram se tornando responsáveis pela busca da instrumentalidade do processo, principalmente, porque atualmente o Poder Judiciário brasileiro encontra-se assoberbado de trabalho o que vem dificultando cada dia mais a celeridade e efetividade processual que tanto se almeja. De acordo com Rodrigues[11]:
“Os princípios nada mais são que normas orientadoras de um sistema jurídico, de forma que tanto podem estar nelas embutidos ou expressamente previstos. Em outras palavras, as normas de um sistema devem traduzir, sempre, seja direta ou indiretamente, os princípios que norteiam aquele sistema.”
Desde tempos remotos que os legisladores vêm buscando interagir os princípios norteadores do sistema processual civil vigente com a realidade processual do país, afinal, quando ocorre a transgressão de um princípio a situação é muito mais grave do que quando se desrespeita uma norma jurídica.
O artigo 5° da Carta Magna prevê expressamente uma variedade de direitos constitucionalmente garantidos, os quais darão base jurídica para a existência do Direito Processual Civil. Essa correlação tem feito com que as pessoas busquem um ideal de justiça equânime e de acordo com os seus anseios de ordem social.
A correlação existente entre a Constituição Federal e o Direito Processual Civil baseia-se principalmente nos princípios fundamentais que são previstos como normas reguladoras do país. Os princípios trazem consigo uma alta carga valorativa que acabou disseminando na Carta Magna uma importante e enfática atuação na proteção dos direitos individuais e coletivos.
Segundo Dinamarco[12]:
“Os princípios em que toda ciência se apóia são dados exteriores a ela própria, pelos quais ela se liga a uma área de conhecimento mais ampla. São as premissas que determinam o seu próprio modo de ser e dão-lhe individualidade perante outras ciências, constituindo em raízes alimentadoras de seus conceitos e de suas propostas. Até etimologicamente compreende-se que os princípios científicos constituem verdadeiros pontos de partida de uma ciência, ou elementos de sua inserção na grande árvore do conhecimento humano (são os pontos em que a ciência principia).”
O Código de Processo Civil seguindo a orientação da Carta Magna traz alguns princípios essenciais à proteção dos direitos individuais no que tange aos aspectos processuais, pois, existem os princípios gerais que norteiam todo o ordenamento jurídico e os princípios específicos relacionados a cada ramo do direito como acontece com o processo civil brasileiro.
3.1 PRINCÍPIO DA CELERIDADE PROCESSUAL
O princípio da celeridade processual também conhecido como princípio da tempestividade da tutela jurisdicional, foi recentemente explicitado na Emenda Constitucional nº. 45, com a inserção do inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição Federal. Porém, este já estava implícito nesse artigo, no entanto, agora já é uma garantia da dignidade da pessoa humana.
Segundo Câmara[13]:
“É preciso ter claro, porém, que a mera afirmação constitucional de que todos têm direito a um processo com duração razoável não resolve todos os problemas da morosidade processual, sendo necessário promover-se uma reforma estrutural no sistema judiciário brasileiro. Fique registrado meu entendimento segundo o qual a crise do processo não é a crise das leis do processo. Não é reformando leis processuais que serão resolvidos os problemas da morosidade do Poder Judiciário meios efetivos para bem prestar tutela jurisdicional, o que exige vontade política para mudar o atual estado das coisas.”
A celeridade processual está relacionada ao processo rápido, que após as reformas introduzidas pelas Leis 8.952/1994 e 10.444/2002, com a finalidade de atribuir auto-executividade às sentenças.
Celeridade também se refere à efetividade, eficiência e eficácia da prestação jurisdicional para que o acesso à justiça seja realmente pleno e eficaz.
3.2 SINCRETISMO E INSTRUMENTALIDADE PROCESSUAL
O sincretismo processual surgiu no Ordenamento Jurídico Brasileiro com o objetivo de proporcionar maior celeridade e efetividade processual para as partes envolvidas no litígio, até mesmo porque o próprio Poder Judiciário está abarrotado de processos que vem se procrastinando ao longo dos anos sem conseguir alcançar a tutela pretendida.
Durante anos, os aplicadores do direito foram obrigados a assistir pacificamente os entraves processuais nas demandas propostas, principalmente em decorrência da divisão doutrinária e legal dos processos em processo de conhecimento e processo de execução, onde, se fazia necessário a realização da cognição para posteriormente, através de outro processo, requerer a execução do mandamento judicial.
Ao tentar inserir o sincretismo processual na seara processual civil brasileira, faz-se necessário entender alguns fatores relevantes para a sua melhor compreensão, ou seja, qual a sua origem legal, o seu conceito e sua efetiva aplicabilidade nos dias atuais. Paiva[14] ao tratar das ações sincréticas assim as define:
“As ações sincréticas são, portanto, aquelas que numa mesma fase, concomitantemente faz-se a cognição (processo de conhecimento) e execução, inexistindo os dois procedimentos, um após o outro, como comumente é feito, razão pela qual, a sentença com trânsito em julgado é auto-exequível, ou executável mediante a simples expedição de um mandado.”
Na realidade, o sincretismo processual passou a ser visto com mais naturalidade após a entrada da Lei nº. 11.232/2005, já que, esta lei trouxe a previsão da concentração de dois processos em apenas um, ou seja, atualmente quando se fala em execução esta é vista como uma fase do processo e não como processo autônomo.
Essa alteração ocorreu com o intuito de conseguir de forma mais rápida a tutela pretendida que antes passava anos na “fase” de cognição para posteriormente alcançar a execução da decisão judicial. O sincretismo processual está atrelado a outros princípios processuais civis que buscam garantir a ampla defesa e o contraditório entre as partes, mas que também seja possível atender aos princípios da economia e celeridade processual.
O ilustre doutrinador Leite[15] ao analisar este sincretismo processual como uma inovação do Código de Processo Civil faz a seguinte explanação:
“Com a vigência da lei n. 11.232/2005, a sentença já não pode ser definida como o ato que implica o término do ofício jurisdicional, na medida em que o juiz, mesmo depois de proferir a sentença, continuará praticando, no mesmo processo cognitivo, isto é, independentemente de instauração de um “novo” processo (de execução), atos destinados ao cumprimento das obrigações nela contidas, nos termos do novel Capítulo X do título VIII do CPC. É o chamado sincretismo processual, pois num único processo são implementados atos cognitivos e executivos.
Podemos concluir, portanto, que surgiu, no ordenamento jurídico brasileiro, um novo processo sincrético destinado a realizar as funções cognitivas e executivas na mesma relação jurídica processual, cujo fundamento repousa na nova sistemática instituída pela Lei n. 11.232/2005.”
Em decorrência deste sincretismo processual adotado, o juiz que proferir decisão no primeiro grau de jurisdição será também o responsável pelo cumprimento de sua sentença, sem necessidade de interposição de um novo processo de execução para se alcançar a execução da sentença prolatada.
Como houve a união entre os processos de conhecimento e o de execução, deve-se falar em fases e não mais processos, já que houve significativa alteração nos procedimentos judiciais a serem adotados pelas partes e seus procuradores legalmente habilitados.
Assim, quando se busca maior celeridade para os processos que passam anos necessitando de um provimento judicial, estas reformas processuais que ocorrerem nos últimos anos, busca atender os anseios dos cidadãos que têm direito de ver seus litígios solucionados pela tutela jurisdicional desenvolvida pelo Estado.
Cabe ressaltar que as reformas processuais civis são sempre bem vindas, vez que, o processo é um instrumento do direito material que busca efetivar o mandamento legal contido na legislação pátria, e que passou a ser estudado como função social, no entanto, não eliminaram o caráter jurisdicional da execução de sentença.
A instrumentalidade e a efetividade que tanto se almeja nos dias atuais foi uma das formas encontradas para fugir do formalismo exacerbado, através da efetiva aplicação da tutela jurisdicional. Dinamarco[16] já há muito tempo falava dessa instrumentalidade da ciência processual afirmando que:
“É a instrumentalidade o núcleo e a síntese dos movimentos pelo aprimoramento do sistema processual, sendo consciente ou inconscientemente tomada como premissa pelos que defendem o alargamento da via de acesso ao Judiciário e eliminação das diferenças de oportunidades em função da situação econômica dos sujeitos, nos estudos e propostas pela inafastabilidade do controle jurisdicional e efetividade do processo, nas preocupações pela garantia da ampla defesa no processo criminal ou pela igualdade em qualquer processo, no aumento da participação do juiz na instrução da causa e da sua liberdade na apreciação do resultado da instrução.”
Depois da Emenda Constitucional 45 o processo passou a ser estudado como função social, não apenas tentando promover a pacificação social entre os povos, mas principalmente com a finalidade de proporcionar mais celeridade processual ao lado de uma justiça mais “justa” para todos, mesmo sendo difícil, às vezes, conciliar uma decisão célere e justa com uma decisão efetiva e segura.
Essa efetividade que se busca está atrelada as funções sócio-político-jurídica que deve ser alcançada pelo processo, ou seja, este deve atender aos anseios da sociedade como meio de garantir os direitos e garantias individuais. Didier Júnior e Braga[17] ao falar da instrumentalidade do processo fazem uma ressalva a respeito da tutela do direito material, vez que, para eles:
“Quando se fala em instrumentalidade do processo, não se quer minimizar o papel do processo na construção do direito, visto que é absolutamente indispensável, porquanto método de controle do exercício do poder. Trata-se, em verdade, de dar-lhe a sua exata função, que é a de co-protagonista. Forçar o operador jurídico a perceber que as regras processuais hão de ser interpretadas e aplicadas de acordo com a sua função, que é a de emprestar efetividade às regras do direito material.”
Independentemente das condições econômico-financeiras todos tem direito a uma tutela jurisdicional justa para aquele que tem um direito a ser tutelado pelo Estado e, em relação à outra parte, é indispensável garantir-se o direito de defesa proporcional a sua necessidade de estar em igualdade de condições.
Afinal, o acesso à justiça, enquanto garantia constitucional, não pode ser mitigado, muito menos, diferenciado entre as partes envolvidas no litígio, já que, a imparcialidade deve estar presente no órgão julgador.
4 INOVAÇÕES DO “PROCESSO DE EXECUÇÃO” TRAZIDAS PELAS LEIS 8.952/1994 E 10.444/2002
As recentes alterações pelas quais vem passando o Código de Processo Civil Brasileiro, que influenciaram diretamente no processo de execução dos títulos executivos judiciais, são na verdade uma conseqüência de outras mudanças significativas que vem ocorrendo desde 1994, através das leis 8.952/94 e 10.444/2002.
As Leis nº. 8.952/94, 10.444/02 e 11.232/2005 alteraram significativamente o processo de execução, no tocante as obrigações de fazer, de não fazer e pagar quantia. Em relação à primeira lei, esta alterou a execução da obrigação de fazer e de não fazer através do art. 461, caput, do Código de Processo Civil. Já a segunda, alterou a execução da obrigação de entregar coisa pelos arts. 461-A, 621, 624, 627 e 644, inserindo, ainda, os meios de coerção que podem ser aplicados pelo magistrado para o cumprimento da obrigação ou o seu resultado prático equivalente.
No tocante a lei 11.232, esta acabou revogando todos os artigos sobre a liquidação da sentença, bem como a execução de título judicial referente à obrigação de pagar quantia certa, como será abordado em capítulo próprio.
Em função do exposto, antes de adentrar na análise da lei 11.232 de 2005, que tanto vem causando discussões doutrinárias, é imprescindível fazer uma abordagem acerca da evolução da execução desde o Direito Romano até os dias atuais. Para Theodoro Júnior[18]:
“O direito processual civil do final do século XX deslocou seu enfoque principal dos conceitos e categorias para a funcionalidade do sistema de prestação da tutela jurisdicional. Sem desprezar a autonomia científica conquistada no século XIX e consolidada na primeira metade do século XX, esse importante ramo do direito público concentrou-se, finalmente, na meta da instrumentalidade e, sobretudo, da efetividade.
Pouco importa seja a ação um direito subjetivo, ou um poder, ou uma faculdade para o respectivo titular, como é desinfluente tratar-se da ação como direito concreto ou abstrato frente ao direito material disputado em juízo, se essas idéias não conduzem à produção de resultados socialmente mais satisfatórios no plano finalístico da função jurisdicional.”
Essas reformas acabaram inserindo no ordenamento jurídico brasileiro a tutela antecipada; novas regras para o cumprimento das sentenças que envolvem a obrigação de fazer ou não fazer, segundo a prescrição legal do art. 461 do Código de Processo Civil (CPC); a introdução do art. 461-A, relativo às obrigações de dar e, por fim, aboliu-se com o processo autônomo de execução da sentença judicial, com algumas ressalvas.
Assim, a Lei 11.232/2005 trouxe para o moderno processo civil brasileiro a busca pelo sincretismo processual o qual repercute no anseio de promoção da efetividade do processo pelo Poder Judiciário.
4.1 A EXECUÇÃO NO DIREITO ROMANO
Na Roma antiga para que fosse possível alcançar a via executiva era necessário instaurar a actio iudicati (nova ação), pois, naquela época como não havia uma estrutura judicial organizada pelo Estado, existia o praetor (um agente estatal, semelhante a figura do governador ou prefeito) o qual era responsável pela prestação da justiça, porém, a decisão dos litígios ficava por conta do iudex (particular), a quem cabia aplicar as regras de direito existentes aquele caso concreto submetido a sua apreciação.
O direito do credor, nesse caso, só era determinado através da sentença que possibilitava a instauração de uma nova ação, actio iudicati, para executar o direito do credor, representando, inclusive, a interferência do credor no patrimônio do devedor. Segundo o posicionamento defendido por Theodoro Júnior[19], a respeito deste modelo de execução forçada adotado na Roma Antiga:
“Dentro desse prisma, somente por meio de outra ação se tornava possível obter a tutela da autoridade pública (imperium) para levar a cabo a execução do crédito reconhecido pelo iudex, quando o devedor não se dispunha a realizá-lo voluntariamente. Daí a existência da actio iudicati, por meio da qual se alcançava a via executiva. Não existia, outrossim, o título extrajudicial, de modo que a execução forçada somente se baseava na sentença e somente se desenvolvia por meio da actio iudicati. Nem mesmo existia uma estrutura estatal encarregada especificamente da jurisdição, como a do atual Poder Judiciário.”
Observa-se que este modelo de justiça altamente privado baseado nas normas atinentes ao negócio jurídico necessitava da interferência do Estado para regulamentar o julgamento destes litígios.
Em face destas alterações, foi suprimida a justiça privada, mas também não era mais necessário realizar um novo processo para dar efetividade à sentença, já que o próprio juiz que proferisse a sentença deveria fazer com que esta fosse cumprida. Ou seja, substituiu-se a actio iudicati pela executio per officium iudicis (execução das sentenças em função do ofício natural do juiz).
4.2 A EXECUÇÃO NO DIREITO MODERNO
Esse modelo de processo único para discutir a pretensão jurídica e executá-la no mesmo processo permaneceu durante vários séculos na Europa. No início da Idade Moderna e final da Idade Média, a actio iudicati retornou em face do surgimento dos títulos de crédito, que necessitavam de um processo específico para que os mesmos fossem exigidos judicialmente. De acordo com Theodoro Júnior[20] quanto a esta fase histórica de transição, tem-se que:
“Durante vários séculos coexistiram as duas formas executivas: a executio per officium iudicis, para as sentenças condenatórias, e a actio iudicati, para os títulos de crédito. Prevalecia para o título judicial uma total singeleza executiva, visto que, estando apoiado na indiscutibilidade da res iudicata, não cabia ao devedor praticamente defesa alguma. Para o título extrajudicial, porém, era necessário assegurar mais ampla discussão, visto que, mesmo havendo equiparação de forças com a sentença, não lhe socorria a autoridade da coisa julgada. Por isso, embora os atos executivos fossem desde logo franqueados ao credor de título extrajudicial, era necessário dotar o devedor de meio de defesa adequado. A ação executiva que, para tanto, se estruturou, conciliava a atividade de execução, tomada prontamente, com a previsão de eventual e ulterior discussão e acertamento das matérias de defesa acaso suscitadas pelo executado.”
Dessa forma, a parte deveria, novamente, ingressar com duas ações para primeiro discutir a respeito do crédito para, posteriormente, executá-lo em face da sentença prolatada no processo de conhecimento também denominado de processo de cognição.
Por ironia do destino ou devido à busca da efetividade do provimento judicial, conforme elenca a Emenda Constitucional (EC) nº. 45, tornou-se atual a preocupação do legislador ordinário com a demora da prestação jurisdicional e com a busca pelo rompimento com as formalidades legais que vinham travando a justiça brasileira em face da necessidade de um processo autônomo de execução para dar efetividade ao comando sentencial.
Como a Constituição Federal em vigor adotou o modelo de Estado Democrático de Direito, as suas premissas devem estar pautadas na prestação de uma tutela jurisdicional justa e razoável não apenas em suas decisões, mas também em relação ao tempo de sua satisfatividade em relação aos seus cidadãos.
4.3 ETAPAS DA REFORMA PROCESSUAL CIVIL
Para melhor compreensão destas reformas há a sua divisão em etapas pela doutrina com a finalidade de facilitar o seu entendimento e para que o aplicador do direito possa visualizar tais alterações processuais como uma das formas encontradas pelo legislador ordinário para fazer com que a justiça não seja vista como obsoleta e afastada dos anseios da sociedade em ver os seus litígios sendo resolvidos da melhor forma possível e em um prazo razoável, como prevê a EC nº. 45.
A partir de 1994 passou a existir no ordenamento pátrio a possibilidade de antecipar a tutela pretendida após o preenchimento dos requisitos legais enumerados no caput, do art. 273 e, nos seus incisos os quais afirmam in verbis:
“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.”
Essa tutela antecipada é uma medida de urgência pautada no princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional, vez que, a sua finalidade é resguardar direitos que não possam esperar até a prolação da sentença final pelo magistrado, devido a urgência do caso apresentado.
Após estas reformas, a execução de sentença referente à obrigação de fazer e de não fazer não são mais feitas por ações autônomas, ou seja, são efetivadas no mesmo processo em que foram certificadas (ações sincréticas).
A reforma ocorrida em 1994 no Código de Processo Civil, através da Lei 8.952 de 1994, teve importância significativa para as normas processuais civis em vigor, em função do surgimento da tutela antecipada prevista no art. 273 deste diploma legal, com relação às obrigações de fazer e não fazer.
Foi através desta lei que a tutela antecipada foi introduzida no ordenamento processual civil, como forma de evitar a demora na prestação jurisdicional satisfativa. A tutela antecipada é um dos meios utilizados para que se obtenha o real e efetivo acesso à justiça e assim esteja realmente configurado o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional previsto no art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal.
No tocante a Lei Federal nº 8.952 de 1994, Didier Júnior[21] enfatiza:
“A discussão acabou, entretanto, com o advento da Reforma Legislativa de 1994 (Lei Federal n. 8.952/1994), que culminou com a modificação de mais de cem artigos do Código de Processo Civil, implementando a tutela específica das obrigações, contratuais ou legais, de fazer ou não fazer. Ampliou-se a possibilidade da mencionada modalidade de tutela de forma a alcançar o ideal chiovendiano de maior coincidência possível.
De acordo com o sistema implementado em 1994, a tutela específica das obrigações de fazer somente não poderia ser concedida em duas situações: (a) se o credor não quiser e preferir o ressarcimento pecuniário ou (b) se for impossível a prestação na forma específica.
Inverteu-se, portanto, o quadro: em vez de o devedor ter o poder de dizer se iria, ou não, cumprir o dever, o credor que passou a poder optar, em caso de descumprimento ou a exigência de ressarcimento pecuniário. A partir de 1994, estabeleceu-se o que se convencionou chamar de primazia da tutela específica.”
Na realidade, as alterações no processo de execução envolvendo as obrigações de fazer e não fazer foi surgindo desde 1994, através desta reforma legislativa do CPC, culminando a edição da lei 11.232 de 2005 para a execução de quantia certa.
A tutela antecipada criada pela lei 8.952/94 representou uma grande inovação para o CPC daquela época, pois, as tutelas de urgências necessitam de uma prescrição específica para que pudesse proteger direitos que pelas circunstâncias do caso pudessem ser prejudicados por ausência de norma regulamentadora.
Para Donizetti[22] a respeito da conceituação da tutela antecipada:
“Dá-se o nome de tutela antecipada ao adiantamento dos efeitos da decisão final, a ser proferida em processo de conhecimento, com a finalidade de evitar dano ao direito subjetivo da parte. O provimento antecipatório será apreciado e, se for o caso, deferido pelo juiz mediante requerimento da parte, sendo vedada a concessão ex officio. Por parte entende-se quem deduz pretensão em juízo, ou seja, quem pleiteia o reconhecimento de algum direito material. Assim, não só o autor tem legitimidade para requerer a antecipação da tutela, mas também o opoente, o denunciado, o autor da ação declaratória incidental e o réu, quando reconvém, quando, no procedimento sumário, formula pedido contraposto ou deduz pretensão nas ações dúplices. A antecipação dos efeitos da tutela pode ser requerida e concedida em qualquer fase do processo”.
Como se observa a principal finalidade desta tutela antecipada é antecipar os efeitos da tutela pretendida para proteger direitos urgentes que não podem esperar o longo processo de cognição a ser instaurado pelo Poder Judiciário.
Para Theodoro Júnior[23]:
“A inovação do art. 273 a um só tempo desestabilizou a pureza e a autonomia procedimental do processo de conhecimento e do processo de execução. Em lugar de uma actio que fosse de pura realização forçada de um direito adrede acertado, instituiu-se um procedimento híbrido, que numa só relação processual procedia às duas atividades jurisdicionais. Em vez de uma ação puramente declaratória (que era, na verdade, a velha ação condenatória), passou-se a contar com uma ação interdital, nos moldes daqueles expedientes de que o pretor romano lançava mão, nos casos graves e urgentes, para decretar, de imediato, uma composição provisória da situação litigiosa, sem aguardar o pronunciamento (sententia) do iudex.”
Outra norma também importante para complementar a prescrição legal da tutela antecipada foi a Lei 10.444 de 2002, que será analisada a seguir, já que trouxe uma nova modalidade de tutela antecipada. Passos[24] ao traçar elementos da crise do Poder Judiciário afirma que:
“A tutela antecipada, que se pensou inicialmente como mais uma hipóteses de julgamento abreviado, em face do abuso do direito de defesa pelo réu ou do seu intuito protelatório o que, por sua ilicitude, deveria ensejar a execução provisória, tornou-se um instrumento de favorecimento da corrupção, de abuso e de prepotência, às custas do enxerto infeliz do inciso I do art. 273, que a admite quando houver fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, deslocando para o processo de conhecimento o que sempre foi pertinente à tutela cautelar, em nome de um monstrengo chamado de cautelar satisfativa que “contaminava” o processo cautelar. Os casos vergonhosos de abusos impunes e negociatas ultimadas em Gabinetes tendo por objeto concessão de tutelas antecipadas sem audiência do réu, vale dizer, deferidas com o despacho de própria inicial falam mais alto do que qualquer argumento dogmático.”
A divisão desta reforma processual em etapas depende de cada doutrinador, pois, contando a partir de 1994, talvez a inserção da Lei 11.232 em 2005 seja considerada a terceira ou quarta etapa desta reforma que possui a finalidade de dar efetividade as sentenças e o comando nelas contido.
Essa tutela antecipada é uma forma de tutela jurisdicional satisfativa, prestada com base em juízo de probabilidade, trata-se de fenômeno próprio do processo de conhecimento, ou seja, consiste em permitir a produção dos efeitos da sentença de procedência do pedido do autor desde o momento em que o juiz tenha se convencido da probabilidade de existência do direito afirmado pelo demandante.
No tocante a Lei 10.444/2002, esta complementou os dispositivos inseridos pela lei 8.952/94 no tocante a inserção dos parágrafos 5º, 6º e 7º ao art. 273 do Código de Processo Civil e, principalmente, a inserção de alterações no art. 461, relacionado à efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente.
Com relação ao art. 273 e sua modificação pela Lei 10.444 uma das coisas que chama atenção dos aplicadores do direito é a fungibilidade, o pedido incontroverso e a efetivação da tutela. Na realidade, essa é considerada a segunda parte da reforma processual ocorrida a partir de 1994 e incrementada até os dias atuais. Neste momento, chama-se atenção para a tutela específica onde segundo o § 5º, do art. 461, in verbis:
“§5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.”
Através da previsão desta tutela específica o credor poderá ter acesso ao direito pleiteado sem depender do longo e exaustivo “processo” de execução de sentença. Ademais, o parágrafo acima transcrito dispõe sobre os diversos meios de coerção direta e indireta como, por exemplo, a multa coercitiva, responsáveis pelo cumprimento das obrigações de fazer e não fazer que estão a disposição do magistrado, mesmo sem ter sido requerido pela parte interessada.
Já com relação ao § 6º do art. 273, também introduzido pela lei 10.444, Câmara[25] esclarece que:
“A Lei nº 10.444/2002 introduziu no art. 273 do CPC um § 6º, que criou uma nova hipótese de prestação de tutela antecipada, diferente do que até aqui se viu. A tutela antecipada até aqui examinada é baseada, como já se afirmou, em juízo de probabilidade e, por isso mesmo, é – por natureza – provisória. Pode, assim, ser denominada “tutela antecipada interinal”, na medida em que se destina a proteger interinamente o demandante, cujo direito substancial se revela provável, presente um dos requisitos alternativos estabelecidos pelos dois incisos do art. 273. […]
Sendo assim, o provimento jurisdicional que concede a tutela antecipada com fulcro no art. 273, § 6º, embora seja uma decisão interlocutória (porque não põe fim ao módulo processual), é apto a alcançar a autoridade de coisa julgada material. O que se tem, pois, é uma cisão do julgamento da causa. Ao contrário do que se tinha no sistema original do CPC, em que todo o objeto do processo era julgado na sentença, a partir da entrada em vigor da Lei nº 10.444/2002 há uma verdadeira cisão do julgamento, devendo o juiz proferir decisões ao longo do processo a respeito das parcelas do mérito que se tornem incontroversas, reservando-se para a sentença a decisão a respeito daquilo que tenha se mantido controverso ao longo do processo.”
No tocante ao § 6º do art. 273 do CPC, pode-se afirmar que se trata de uma tutela antecipada diferente porque é baseada em um juízo de certeza e por isso é definitiva (cognição exauriente). Apesar de ser uma decisão interlocutória está apta a alcançar a coisa julgada.
Didier Júnior[26] ao correlacionar os dois artigos acima citados, enfatiza o que segue:
“Em vista do sucesso alcançado pela alteração do art. 461 do CPC, a Lei Federal n. 10.444/2002 veio estender às obrigações de dar coisa distinta de dinheiro a mesma forma de efetivação das obrigações de fazer e de não fazer, priorizando a tutela específica também desse tipo de dever, esteja ele fundado em direito real ou pessoal. Com isso, conseguiu criar um sistema bem mais eficiente de tutela, na medida em que, também para esses casos, fez previsão de uma execução sine intervalo, concedendo ao magistrado um poder geral de impor a medida coercitiva (direta ou indireta) que mais se adequasse à tutela do bem da vida em disputa.
Em função disso, as regras contidas no art. 461-A do CPC se prestam a regular o procedimento de efetivação das obrigações de restituir e as de dar propriamente ditas, bem assim as obrigações de dar coisa certa ou incerta, fungível ou infungível, móvel ou imóvel, desde que calcadas em título executivo judicial. Se a obrigação estiver contida em título executivo extrajudicial, o mecanismo de efetivação a ser utilizado é o previsto nos arts. 621 a 631 do CPC.”
Esse é considerado o terceiro momento da reforma e das conseqüentes inovações do CPC segundo as lições de Theodoro Júnior[27], segundo o qual resta configurado a ausência da actio iudicati no caso das ações condenatórias quanto ao cumprimento da obrigação de entregar coisa, pois, deve haver sumariedade como na executio per officium iudicis.
O processo de exclusão da ação autônoma de execução da sentença fundada em título judicial, em relação à obrigação de pagar quantia, do processo civil em vigor ocorreu recentemente através da Lei nº 11.232 de 22 de dezembro de 2005.
Com a transformação dos processos de conhecimento e de execução em fases de um mesmo processo, foi de suma importância analisar primeiro as regras inseridas no ordenamento processual civil vigente após algumas reformas, vez que, a partir de então, o cumprimento das sentenças deverá obedecer a critérios estabelecidos nos arts. 461 e 461-A a depender do caso concreto. Essa mudança ocasionada na legislação processual civil possui a finalidade de tornar mais ágil e eficaz a prestação da tutela jurisdicional pretendida.
Para Marinoni[28]:
“Pondo fim ao regime processo de conhecimento mais processo de execução, surgiu recentemente a norma que, alterando o regime da execução de sentença que condena ao pagamento de soma em dinheiro, eliminou a necessidade da propositura de ação de execução.
A última etapa da unificação entre os processos de conhecimento e o processo de execução de sentença ocorreu com a Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005. Essa lei eliminou, especificamente para a sentença que condena ao pagamento de quantia certa, a necessidade de ação de execução de sentença. Isso quer dizer que o sistema de execução de sentença, após esta lei, passou a fundar-se nos arts. 461, 461-A, e, no que diz respeito à sentença que condena ao pagamento de quantia certa, no procedimento instituído a partir do art. 475-J do Código de Processo Civil.
Como a sentença que depende de execução não põe mais fim ao processo, esta lei acabou alterando alguns conceitos como, por exemplo, o conceito de sentença. Tal fato, em virtude de sua complexidade, por envolver aspectos como a natureza jurídica desta decisão e o recurso adequado a ser utilizado. Essa explanação deve ser realizada em um capítulo próprio onde serão estudadas as principais alterações decorrentes da lei 11.232/2005. Assim, até a obrigação de pagar quantia agora segue o mesmo rito processual que aquele das obrigações de fazer e de não fazer que acabou abolindo o processo autônomo de execução.
Donizetti[29] ao fazer uma análise sobre a efetividade das leis 8.952/94, 10.444/02 e 11.232/05 afirma que:
“Por força das reformas implementadas no CPC pelas Leis nº 8.952/94, 10.444/2002 e 11.232/2005, essa desnecessária tricotomia (ações de conhecimento, liquidação, quando necessária, e execução) tornou-se excepcional. Agora, como regra, a tutela executiva constitui mera fase do processo de conhecimento, ou melhor, do processo sincrético (que alberga atos de cognição e de execução).
Ante essa nova sistemática, pode-se classificar as tutelas quanto à forma de execução, conforme se esteja diante de processo autônomo de execução ou mera fase do processo de conhecimento (processo sincrético).
A tutela executiva concedida por meio de processo autônomo somente ocorre nos casos de execução fundada em título extrajudicial (art. 585) e execução contra a Fazenda Pública, quer baseada em título judicial ou extrajudicial (arts. 730 e 731). Igualmente, quando o título judicial consistir em sentença penal condenatória, sentença arbitral ou sentença estrangeira (art. 475-N, II, IV e VI), a tutela executiva será prestada por meio de processo autônomo, embora, nesse caso, sigam-se as regras do cumprimento de sentença (arts. 475-I a 475-Q), aplicando-se apenas subsidiariamente as normas que regem o processo de execução do título extrajudicial (art. 475-R).”
Essas mudanças acabaram interferindo diretamente na liquidação da sentença que também não necessita mais de um procedimento burocrático e passou a obedecer aos preceitos legais dos arts. 475-A ao 475-H.
5 REFORMAS PROCESSUAIS CIVIS RESPONSÁVEIS PELA BUSCA DO SINCRETISMO E DA EFETIVIDADE PROCESSUAL
O Código de Processo Civil de 1973, devido à grande influência de Liebman, adotou o binômio processo de conhecimento-processo de execução através de processos distintos para a resolução do litígio. Após a entrada em vigor da Lei nº. 11.232/2005, as atividades de conhecimento e execução passaram a se desenvolver no mesmo processo, em fases distintas. Ou seja, esta lei deu uma nova “roupagem” à execução dos títulos judiciais.
Segundo Câmara[30] no tocante a estas mudanças:
“O novo modelo, porém, não extingue (nem poderia fazê-lo) o processo de execução. Este continua a existir como figura autônoma em pelo menos dois casos: quando o título executivo é extrajudicial, caso em que a execução se desenvolve sem que tenha havido prévia atividade jurisdicional cognitiva; e quando o título executivo é judicial mas a execução não pode ser mero prolongamento da atividade cognitiva, como se dá, por exemplo, no caso de execução de sentença arbitral.
Não se pode, pois, pensar que foi abolido do direito processual civil brasileiro o processo executivo. O que se fez foi transformar a execução da sentença em fase do mesmo processo em que o provimento jurisdicional é proferido. Nesses casos, deixa-se de falar no binômio processo de conhecimento- processo de execução e as passa a reconhecer a existência de um processo misto, sincrético, em que se desenvolvem duas fases distintas (conhecimento e execução).”
Antes da reforma processual ocorrida a partir do ano de 2005, havia necessidade de um processo de execução específico para que fosse possível a obtenção da execução da sentença e conseqüente cumprimento do mandamento judicial de forma mais célere para os cidadãos.
Com todas essas mudanças no Código de Processo Civil, alguns doutrinadores como Alexandre Câmara e Calmon de Passos denominavam essas mudanças setoriais como uma grande colcha de retalhos porque para eles o ideal seria a criação de um novo Código e não um emaranhado de normas, com muita incoerência legal. A Lei nº. 11.232 de 22 de dezembro de 2005 surgiu no Ordenamento Jurídico Brasileiro acrescentando os capítulos IX e X ao título VIII do Livro I, com o objetivo de dar celeridade e efetividade a execução da sentença.
Ademais, essa lei trouxe um novo procedimento para a execução dos títulos judiciais, com a finalidade de dar celeridade e efetividade ao processo de execução, utilizando para isso, o fim do processo autônomo de execução fundada em título judicial, respeitada as exceções previstas no art. 475-N do CPC. Antes da edição desta lei, havia e continua existindo, inúmeros problemas referentes à falta de aplicabilidade prática da lei no tocante a execução processual civil.
Na realidade, as alterações mais impactantes da legislação processual civil processual começaram a surgir desde o ano de 1994, como visto anteriormente e, ganhou reforço com a entrada em vigor da Emenda Constitucional 45, de 08 de dezembro de 2004, onde houve importantes mudanças denominadas de Reforma do Poder Judiciário.
É importante ressaltar que, mesmo após a entrada em vigor da Lei 11.232/2005 ainda é possível falar em processo autônomo de liquidação quando se tratar de sentença penal condenatória, sentença arbitral, sentença estrangeira, conforme prescreve o art. 630 do Código de Processo Penal (CPP), sentença coletiva que cuida de direitos individuais homogêneos.
5.1 ANÁLISE DA LEI 11.232/2005
A Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005, alterou significativamente a execução do título executivo judicial, tentando acabar com a possibilidade de várias relações jurídicas e criar um processo sincrético, onde o título executivo dará início a uma fase do processo de conhecimento e não mais a um processo autônomo. Esta lei também diz ter alterado o conceito de sentença, imprescindível compreender a sua extensão para aplicabilidade da liquidação e posterior cumprimento da sentença.
Uma das alterações relacionadas à lei 11.232/2005 e que trouxe muita discussão entre os doutrinadores e aplicadores do direito diz respeito ao conceito de sentença localizado no § 1º do art. 162, o qual afirma in verbis:
“§1º Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta lei.”
Falando em termos práticos, a Lei 11.232/2005 acrescentou algumas fases dentro de um mesmo processo como, por exemplo, a liquidação, o cumprimento e a impugnação da sentença. Logo, quando o juiz proferir a sentença não haverá mais término do processo, mas sim encerramento de uma fase do processo.
A posição defendida por Marinoni[31] é de que:
“Na Lei 11.232/2005, que tornou a sentença executável no próprio processo instaurado através da ação que se busca a condenação, foi imprescindível atentar para a circunstância de que o CPC afirmava que a sentença encerrava o processo. Ou seja, foi necessário evidenciar que a sentença condenatória – como, aliás, já acontecia com as sentenças mandamental e executiva – não mais coloca fim ao processo. Foi apenas por esta razão que foram alterados o § 1º do art. 162 e o caput do art. 463. o objetivo foi deixar claro que a sentença, embora julgue procedente o pedido, condenando o réu, não põe termo ao processo 9como antes afirmava o art. 162, § 1º) nem exaure e acaba o ofício jurisdicional (como antes supunha o art. 463).”
Também em virtude desta alteração a liquidação tornou-se um incidente do processo que passou a ser impugnado pelo agravo de instrumento e não apelação, afinal, trata-se de uma decisão interlocutória nesta fase processual.
Antes da entrada em vigor da Lei 11.232/2005, a sentença era conceituada como ato privativo do juiz que resolvendo ou não o mérito da causa, colocava fim no seu ofício de julgar. Segundo o § 1º do art. 162 do Código de Processo Civil, a sentença é definida como “ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta lei”, levando em consideração o seu conteúdo, o ofício do juiz em julgar e não apenas os seus efeitos.
Para alguns doutrinadores como, por exemplo, Theodoro Júnior[32], a alteração no conceito de sentença trazido pela Lei nº. 11.232/2005 interferiu diretamente no sistema recursal, ou seja, para ele:
“O problema que se instalou no sistema recursal foi o pertinente ao § 1º do citado artigo 162, não em decorrência da Lei nº. 11.276/2006, mas da Lei 11.232, de 22.12.2005, já que esta mudou o critério de definir a sentença sem atentar para os reflexos que a nova conceituação haveria de ter sobre o sistema de recursos do Código.
Com efeito, até então, sentença e decisão interlocutória se diferenciavam pelo fato de que a sentença sempre solucionava uma questão que punha fim ao processo (com ou sem solução do mérito da causa), enquanto a decisão interlocutória nunca encerrava o processo, pois apenas resolvia “questão incidente” (que também poderia envolver, ou não, temas de mérito). Não era o conteúdo do decisório o relevante para distinguir a sentença da decisão interlocutória, mas o seu efeito processual, o que tornava muito simples o sistema recursal.”
Outra questão que se tornou bastante discutida foi a natureza jurídica deste ato, ou seja, quando o magistrado resolver alguma questão de mérito sem solucionar o litígio por completo, qual seria o recurso cabível, agravo de instrumento ou apelação?
Neste caso, só seria apelação quando a sentença colocasse fim ao processo ou quando resolvesse por inteiro o objeto principal do processo sob a apreciação do juiz, ou seja, para uma decisão ser considerada sentença e conseqüentemente ser apelável, é indispensável que o magistrado tenha resolvido todos os pedidos da inicial, quer positivamente ou não.
Outra inovação acrescida pela Lei 11.232 de 2205 está presente no art. 475-J do CPC, em relação ao prazo concedido ao devedor sob pena de incidência da multa, vez que, ao estabelecer o prazo de quinze dias para o devedor pagar o valor correspondente a condenação e o seu não cumprimento incidirá na multa a ser paga pelo devedor, logo, tal prescrição legal tem como finalidade precípua atender as sentenças condenatórias.
No tocante a finalidade a ser alcançada pelo legislador ordinário na criação desta lei, Moreira[33] afirma o que segue:
“A cominação tem o intuito escopo de incentivar o executado a pagar desde logo. Se isso acontecer, haverá ainda a vantagem de poupar ao órgão judicial o trabalho de fazer prosseguir a execução, e ao exeqüente as despesas necessárias a esse prosseguimento. O pagamento pode ser feito direta e pessoalmente ao credor, ou a quem tenha poderes para receber em seu nome. Se a oferta parecer insuficiente ao credor, este ficará livre de recusá-la (art. 581), restando ao executado a possibilidade de depositar a quantia no juízo da execução.”
Entretanto, esta lei também criou a possibilidade de parcelamento do débito pelo devedor, caso tal situação seja aceita pelo credor. Quanto à aplicabilidade da multa tratada anteriormente, esta incidirá no valor remanescente quando não for pago no prazo legal estabelecido.
Essa multa faz lembrar as astreintes da tutela antecipada onde cabe ao magistrado utilizar os critérios da razoabilidade e proporcionalidade para estabelecer valores necessários a forçar o cumprimento da obrigação de pagar. Theodoro Júnior[34], ao fazer correlação entre a tutela antecipada e a multa trazida ao ordenamento processual brasileiro pela lei 11.232, afirma:
“Na verdade, porém, não se deve negar imediata executividade à multa imposta para cumprimento de tutela antecipada. É que esta se cumpre de plano, segundo os princípios da execução provisória (art. 273, § 3º). Assim, ao promover a execução da antecipação de tutela, havendo retardamento por parte do devedor, tornar-se-á exigível a multa, mesmo antes da sentença definitiva atingir a coisa julgada. O que é importante, no entanto, é que se apure a liquidez e certeza da pena coercitiva, antes de reclamá-la em juízo. O devedor deverá, portanto, ser intimado a cumprir a medida decretada em antecipação de tutela e o credor terá de comprovar o não cumprimento no prazo marcado, assim como o tempo de duração do inadimplemento. Esses dados não podem ficar apenas na singela afirmação do credor. Cumpre sejam adequadamente demonstrados nos autos. O procedimento, para tanto, há de ser singelo. Não se exige uma “ação de liquidação”, mas apenas um incidente processual nos moldes dos novos arts. 475-A a 475-H, submetido afinal a uma decisão interlocutória recorrível por meio de agravo. A execução, após a liquidação, também será sumária, tal como estatui o procedimento concebido pela Lei nº 11.231/2005 para “cumprimento” de sentença condenatória referente à obrigação de quantia certa (arts. 475-J e segs.).”
Para alguns aplicadores do direito, o prazo legal de 15 dias corre automaticamente do trânsito em julgado. Para outros, há a necessidade de intimação, porque prazo processual não pode correr automaticamente, já que o estado para obrigar as pessoas dá a ciência prévia. O problema desta última corrente é a demora.
O art. 475-N do CPC traz as exceções legais a essa nova sistemática introduzida pela Lei 11.232 no tocante a realização da execução como fase complementar a fase de cognição, onde a sentença proferida. Pois, nestes casos continuará existindo o processo executivo autônomo.
Mesmo com tantas modificações na lei processual civil, não se pode afirmar que todas elas serão proveitosas e que irão efetivamente atender as expectativas do legislador, vez que, somente com a prática e com o tempo será possível afirmar se houve ou não uma repercussão na prática do processo civil.
6 CONCLUSÃO
A prestação jurisdicional a ser realizada pelo Estado através da função exercida pelo magistrado está atrelada a alguns princípios processuais civis e aqueles específicos à jurisdição como forma de buscar a solução dos litígios entre os cidadãos.
As alterações sofridas recentemente pelo Código de Processo Civil, especialmente devido às mudanças introduzidas pelas Leis 8.952/1994, 10.444/2002 e 11.232/2005, possuem algumas coisas em comum como, por exemplo, a busca pelo sincretismo processual.
A jurisdição até hoje tem sido estudada com base nas teorias desenvolvidas por Chiovenda e Carnelutti, sendo que para o primeiro a jurisdição está associada a aplicação do direito ao caso concreto pelo juiz, ao passo que Carnelutti associa a jurisdição a existência de uma lide, sendo esta definida como conflito de pretensões.
Com a mudança do “processo de execução” autônomo para a execução como um prolongamento da fase de cognição, esta tem sido uma das mudanças mais comentadas, inclusive, porque já se previa tal situação desde o período romano, foi importante analisar a lei 8.952/94 que modificou desde então o modo de se executar as obrigações de fazer e de não fazer.
Em função de se obter uma coerência lógica do sistema processual civil as leis 10.444/2002 e 11.232/2005 seguiram o mesmo caminho, ou seja, com o objetivo de dar maior celeridade e efetividade ao processo, vem se tentando acabar com o processo de execução autônomo, para impedir que sejam instaurados dois processos até que o credor possa finalmente usufruir da tutela jurisdicional concedida.
Com as reformas processuais ocorridas em 1994 e 2002, as obrigações de fazer, de não fazer e dar coisa passaram a ser efetivadas sem que fosse necessário instaurar o processo autônomo de execução, já que a execução tornou-se um prolongamento da fase de conhecimento. Posteriormente, através da lei 11.232 de 2005, foi a vez da liquidação de sentença tornar-se mera fase de um mesmo processo e a execução para pagar quantia também foi alterada.
Como a finalidade destas mudanças é alcançar, dentre outras coisas, a efetividade do processo e a antecipação dos efeitos da execução, ao transformar a execução em um prolongamento do módulo de cognição, dentro de um mesmo processo, pretende-se dar celeridade a máquina estatal e a diminuição dos empecilhos existentes atualmente no Poder Judiciário.
Logo, mesmo em face de tantas desilusões em torno da função jurisdicional exercida pelo Estado-Juiz não se pode deixar de acreditar que ainda é possível que essas alterações processuais venham dar uma “roupagem” diferente ao Processo Civil Brasileiro, em relação ao procedimento adotado e a eficiência de suas decisões.
Informações Sobre o Autor
Carla Santos Junqueira
Advogada. Especialista em Direito Processual Civil pela UNIFACS – Universidade Salvador. Atualmente é advogada da Unidade de Semiliberdade de Camaçari/BA