Aspectos da relevância, transcendência ou repercussão geral

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Nos sistema jurídico positivado, a relevância, transcendência ou repercussão geral é um requisito de admissibilidade específico dos recursos extraordinário e de revista.

No Brasil, as discussões envolvendo a relevância como requisito para o recurso extraordinário tiveram início com a alteração do art. 119, CF/67, pela EC nº 1/69, passando a ter a seguinte redação: “art. 119 – … § 1º – As causas a que se refere o item III, alíneas a e d deste artigo, serão indicadas pelo Supremo Tribunal Federal no Regimento Interno, que atenderá à sua natureza, espécie, valor pecuniário”.

Diante disso, o STF alterou seu Regimento Interno (art. 308), enumerando as causas em que, salvo nos casos de ofensa à Constituição ou relevância de questão federal, não caberá recurso extraordinário.[1]

Com a EC nº 7/77, foi acrescido de forma expressa ao art. 119, § 1º, CF a expressão “relevância da questão federal”.[2]

Em 1985, o STF alterou seu Regimento Interno de 1980, para enumerar no art. 325 as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário e, no item XI, admitir o recurso “em todos os demais feitos, quando reconhecida a relevância da questão federal”.

O Regimento Interno definia a “relevância da questão federal”, ao prever “entende-se relevante a questão federal que, pelos reflexos na ordem jurídica, e considerados os aspectos morais, econômicos, políticos ou sociais da causa, exigir a apreciação do recurso extraordinário pelo Tribunal” (art. 327, § 1º).

Interessante notar que a argüição era apresentada em autos apartados e apreciada pelo STF em sessão de conselho. Das mais de 30.000 argüições feitas, apenas 5% das argüições foram acolhidas, sendo que 20% deixaram de ser conhecidas por deficiência do instrumento de argüição e o restante (75%) foram rejeitadas.[3]

Com a Constituição de 1988, a exigência de relevância deixou de existir.

Objeto de inúmeros debates doutrinários e políticos, principalmente no âmbito da “Reforma do Judiciário”, essa exigência veio para o recurso de revista, atualmente, denominada de transcendência (ou critério de transcendência ou repercussão geral[4]), com a inserção do art. 896-A, pelo Projeto de Lei nº 3.267/2000.

Ocorre que parte do PL nº 3.267/2000 foi inserido na CLT, pelo art. 1º, da MP nº 2.226, de 4/9/2001, que estabeleceu a transcendência como pré-requisito de admissibilidade para o recurso de revista e acrescentou o art. 896-A ao Texto Consolidado, com a seguinte redação: “O Tribunal Superior do Trabalho, no recurso de revista, examinará previamente se a causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica.”

Com isso, o legislador brasileiro desprezou o termo relevância, utilizado na vigência da CF/67, e buscou a transcendência no art. 280 do Código de Processo Civil e Comercial da Argentina.[5]

Na língua portuguesa, a transcendência, esclarece o dicionário Houaiss,[6] é o caráter do que transcendente; superioridade de inteligência; perspicácia, sagacidade; importância superior.

A transcendência, aduz João de Lima Teixeira Filho,[7] é noção meta-jurídica, com notável subjetividade, ainda mais porque tem a ver com reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica.

O PL nº 3.267/2000, que serviu de base para a edição da MP nº 2.226/2001, mencionava a transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza jurídica, política, social ou econômica, considerando: a) jurídica, o desrespeito patente aos direitos humanos fundamentais ou aos interesses coletivos indisponíveis, com comprometimento da segurança e estabilidade das relações jurídicas; b) política, o desrespeito notório ao princípio federativo ou à harmonia dos Poderes constituídos; c) social, a existência de situação extraordinária de discriminação, de comprometimento do mercado de trabalho ou de pertubação notável à harmonia entre capital e trabalho; d) econômica, a ressonância de vulto da causa em relação à entidade de direito público ou economia mista, ou à grave repercussão da questão na política econômica nacional, no segmento produtivo ou no desenvolvimento regular da atividade empresarial.

Ives Gandra da Silva Martins Filho,[8] ao analisar o PL nº 3.267, no que se refere à transcendência jurídica, aponta, de plano, quatro hipóteses: a) recursos oriundos de ações civis públicas, cujo objeto envolva interesses difusos e coletivos; b) processos em que o sindicato atue como substituto processual da categoria, defendendo interesse individuais homogêneos; c) causas que discutam norma que tenha por fundamento maior o próprio direito natural, cujo desrespeito pode ensejar a necessidade de defesa dos direitos humanos fundamentais; d) processos em que um Tribunal Regional do Trabalho resista a albergar a jurisprudência pacificada do TST ou do STF.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou, perante o STF, ação direta de inconstitucionalidade em relação à MP nº 2.226 (ADIN nº 2.527-9, Rel. Min. Ellen Gracie), com solicitação de medida cautelar, a qual está pendente de julgamento. Antônio Álvares da Silva,[9] depois de analisar inúmeros questionamento sobre a constitucionalidade da MP, como: a) falta dos pressupostos de relevância e urgência (art. 62, CF); b) ofensa ao art. 246, CF; c) ofensa aos arts. 1º, 5º, II, e 37, CF, e d) falta de previsão constitucional para o exercício da transcendência, afirma que a mesma “não tem nada de inconstitucional”.

Nos termos da legislação vigente, o requisito da transcendência será regulamentado pelo TST, em seu regimento interno, assegurada a apreciação da transcendência em sessão pública, com direito à sustentação oral e fundamentação da decisão (art. 2º, MP nº 2.226).

Como até a presente data não houve a regulamentação pelo TST e não se há uma posição sobre sua constitucionalidade, não se tem à exigibilidade da transcendência no processamento do recurso de revista.

A partir da EC. nº 45, a exigência da repercussão geral, como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, retornou à Constituição (art. 102, § 3º). Assim, deverá o recorrente, no recurso extraordinário, demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.

Com a Lei nº 11.418, de 19/12/2006, a repercussão geral prevista no art. 102, § 3º, CF, passou a ser disciplinada pelos arts. 543-A e 543-B, do CPC. A nova Lei possui uma vacatio legis de 60 dias

Além da previsão legal, caberá ao Regimento Interno do STF dispor sobre as atribuições dos ministros, das turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral, e estabelecer as normas necessárias à execução da nova Lei.

O STF, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, assim considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. Também haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.

Caberá ao recorrente demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do STF, a existência da repercussão geral.

Se a turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao plenário.

Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do STF.

Poderá o relator admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno.

A súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão.

Em havendo multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno e do art. 543-B, CPC.

Nesse caso, caberá ao tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao STF, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.

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Na hipótese de ser negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.

Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos tribunais, turmas de uniformização ou turmas recursais, que poderão declará-los prejudicados ou se retratar.

Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o STF, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.

Objetivando evitar controvérsias nos tribunais, a disciplina jurídica da repercussão geral, por previsão expressa, aplica-se aos recursos interpostos a partir do primeiro dia de vigência da Lei nº 11.418/2006.

 

Notas:
[1] Art. 308, RISTF – Salvo nos casos de ofensa à Constituição ou relevância da questão federal, não caberá recurso extraordinário, a que alude o seu art. 119, parágrafo único, das decisões proferidas: …”
[2] Art. 119 – …
§ 1º – As causas a que se refere o item III, alíneas a e d deste artigo, serão indicadas pelo Supremo Tribunal Federal no Regimento Interno, que atenderá à sua natureza, espécie, valor pecuniário e relevância da questão federal.
[3] Martins Filho, Ives Gandra da Silva. “Critérios de Transcedência no Recurso de Revista – Projeto de Lei nº 3.267/00”, in Revista LTr v. 65, nº 8, p. 912.
[4] “A repercussão geral deve ser estendida a todos os tribunais superiores e não apenas ao STF, em matéria constitucional” (Silva, Antônio Álvares da. A Transcendência no Recurso de Revista. São Paulo: LTr, 2002, p. 49).
“O TST goza da mesma natureza do STF, de instância extraordinária, atuando por delegação na interpretação final do ordenamento jurídico-trabalhista infraconstitucional, razão pela qual o tratamento a ser dado, em termos de mecanismos redutores de recursos ao STF, deve ser adotado também para o TST (e STJ)” (Martins Filho, Ives Gandra da Silva. Ob. cit., p. 905).
[5] Silva, Antônio Álvares da. Ob. cit., p. 10.
[6] Instituto Antônio Houaiss. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004, p. 2.749.
[7] Süssekind, Arnaldo; Maranhão, Délio; Vianna, Segadas; Teixeira, Lima. Instituições de Direito do Trabalho, v. 2. São Paulo: LTr, 22ª ed., 2005, p. 1498.
[8] Martins Filho, Ives Gandra da Silva. Ob. cit., p. 916.
[9] Silva, Antônio Álvares da. Ob. cit., p. 69-87.

 


 

Informações Sobre os Autores

 

Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante

 

Advogado. Professor da Faculdade de Direito Mackenzie. Ex-coordenador do Curso de Direito da Faculdade Integrada Zona Oeste (FIZO). Ex-procurador chefe do Município de Mauá. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP/PROLAM). Autor de várias obras jurídicas em co-autoria com Francisco Ferreira Jorge Neto, com destaques para: Direito do Trabalho (4ª ed., no prelo) e Direito Processual do Trabalho (3ª ed., 2007), todos pela Lumen Juris.

 

Francisco Ferreira Jorge Neto

 

Desembargador Federal do Trabalho (TRT 2ª Região). Coordenador e Professor da Pós-Graduação Lato Sensu do Pró-Ordem em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho em Santo André (SP). Professor Convidado: Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Escola Paulista de Direito. Mestre em Direito das Relações Sociais – Direito do Trabalho pela PUC/SP. Autor de livros, com destaques para: Direito do Trabalho (5ª edição) e Direito Processual do Trabalho (4ª edição), publicados pela Lumen Juris, em co-autoria com Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante

 


 

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