Resumo: O presente estudo busca traçar a moldura contemporânea em que se encarta a usucapião e seus aspectos materiais, buscando paralelamente estabelecer as diferenças evolucionais do instituto, abordando assim as questões mais relevantes á compreensão do tema. Trata-se de instituto milenar que confere a propriedade a alguém que não é originariamente proprietário, mediante o exercício da posse mansa, contínua e ininterrupta, por um lapso temporal fixado na ordem jurídica. Impôs-se no curso deste estudo, breve análise de questões dogmáticas enfrentadas pela doutrina sobre o tema, as quais, receberão tratamento específico para sistematizar a exposição. Na elaboração desse trabalho, servirão de suporte ao conteúdo e fundamentos, basicamente, a pesquisa na doutrina nacional, bem como o direito positivo brasileiro, além de julgados dos nossos tribunais. Não é propósito, nem função deste trabalho, exaurir o tema abordado, muito menos tratar exaustivamente os aspectos incontroversos do mesmo, mas apresentar com clareza os requisitos da usucapião em geral, bem como as inovações evolucionais desde as nossas origens históricas, até os dias de hoje.
Palavras-Chaves: Propriedade, posse, prescrição, ação, requisitos
Abstract: This study seeks to draw the contemporary frame on which encarta Usucaption and its material aspects, seeking at the same time establish differences evolucionais Institute, addressing the issues most relevant to understanding of the theme. This millennial Institute that confers property to someone who is not originally owner, through the exercise of ownership mansa, continuous and uninterrupted by a lapse in time fixed in the legal order. Imposed in the course of this study, brief analysis of issues faced by dogmatic doctrine on the subject, which will receive specific treatment to systematize the exhibition. In preparing this work, will provide support to content and fundamentals, basically, the research on national doctrine, as well as the Brazilian positive law, as well as judged by our courts. Not incidentally, neither function of this work, exhaust the subject addressed, much less deal exhaustively uncontroversial aspects of the same, but present clearly the requirements of Usucaption in General, as well as innovations evolucionais since our historical origins, to this day.
Sumário: 1. A origem histórica; 2. O gênero da palavra; 3. A prescrição aquisitiva; 4. Usucapião – modo originário de aquisição; 5. Fundamentos da usucapião; 6. A usucapião no direito pátrio; 7. Requisitos pessoais da usucapião; 8. Requisitos reais da usucapião; 9. Requisitos formais da usucapião; 10. Requisitos especiais da usucapião; 11. Conclusão
1 – ORIGEM HISTÓRICA
É indeclinável reconhecer a ligação dos mais diversos conceitos jurídicos com os momentos históricos donde se originam ou se amoldam. Um determinado instituto pode atravessar séculos sem alterar o seu fundamento, contudo, os valores reais distintos dar-lhe-ão configuração compatível com a mutação dos tempos. Assim se enquadra a usucapião[1].
Dentre os institutos mais antigos, a propriedade privada passou por diversas etapas, mormente no direito romano, que nos presenteou com a essência do direito civil brasileiro “moderno”. Todavia, os romanos não conheceram as noções de direito real e direito pessoal tal como temos hoje. A propriedade não era entendida como um poder sobre as coisas mas, o pátrio poder do pater familias abrangia, além das pessoas livres, os escravos pertencentes a família e os bens patrimoniais desta. Assim, o poder jurídico sobre coisas, na origem, estava incluído na patria potestas e a propriedade não tinha nome distinto.
Com a transformação de Roma em potência mercantilista desmembra-se a antiga potestas do pater familias: manus, sobre a mulher; patria potestas, sobre os filhos; dominica potestas, sobre escravos; dominium sobre demais coisas corpóreas; sendo proprietas vocábulo que só veio a surgir mais tarde, com sinonímia perfeita a dominium. Essa proprietas contudo não era concebida como um direito real mas, um direito garantido no plano processual, através da dicotomia actio in rem – actio in personam (ação real – ação pessoal). A primeira era uma ação erga omnes em que o autor afirma o seu direito sobre a coisa, e em que o réu surge como a pessoa que se colocou entre o autor e a coisa; a segunda é uma ação contra determinada pessoa (o devedor), e em que o autor reclama contra a obrigação que o réu deixou de cumprir.
Ensina Moreira Alves citando Manoel Monier[2] que, Gaio em suas Institutas, agrupa certos fatos aos quais a ordem jurídica romana atribuía a eficácia de fazer surgir, para alguém, o direito de propriedade sobre uma coisa, os quais estavam divididos em duas categorias: os modos de aquisição de direito civil (iuris ciuilis) acessíveis apenas aos cidadãos romanos; e os modos de aquisição de direito natural (iuris naturalis) acessíveis aos cidadão romanos e estrangeiros.
Os autores modernos, preferem outra classificação não romana, pela qual os modos de aquisição da propriedade são: a título originário quando não há conexão entre o direito que surge e o direito precedente; ou a título derivado, quando houver conexão mas, até Justiniano não se concebia a transferência do direito de propriedade mas, apenas da coisa (translatio rei). Assim, não era o direito mas, a coisa, que se transferia de uma pessoa à outra que afirmando sua senhoria sobre a coisa, se tornava proprietária dela, enquanto a outra a perdia, por ter renunciado a ela.
Prosseguindo, Moreira Alves leciona que são modos de aquisição a título originário: ocupação, acessão, especificação, confusão, comistão, aquisição de tesouro, aquisição de frutos, adiudicatio, litis aestimatio, aquisição ex lege, sendo que, em relação a usucapião (usucapio), discute-se em qual das categorias pode-se r incluí-la[3].
Durante sua evolução histórica, nos períodos pré-clássico e clássico, a usucapião tinha como objetivo converter em proprietário de uma coisa quem não o era, ou porque a havia adquirido de quem não era o dono (a non domino), ou porque não se observara o modo de aquisição necessário para a transferência da propriedade sobre a coisa (mancipatio ou a in iure cessio para as res mancipi ou a traditio para as res nec mancipi) sendo que, no direito justinianeu, desaparece a mancipatio e a in iure cessio, restando como finalidade da usucapião, a transformação em proprietário daquele que adquiriu a coisa de boa-fé, de quem não era seu dono.
É de Moreira Alves o ensinamento de que na constância do direito pré-clássico, para ocorrer a usucapião, é necessário usus auctoritas fundi biennium est, ceterarum rerum omnium annuus est usus, ou seja, o usus no sentido de posse, por um ano, de coisas móveis, e, por dois anos, de coisas imóveis”[4], e autctoritas que era a garantia que o transmitente, através da mancipatio, dava ao adquirente contra a evicção, em virtude da qual este poderia buscar a tutela de seu direito, através de uma actio auctoritatis para obter o dobro do preço pago pela coisa, caso o transmitente não fosse o dono dela e ela a perdesse em razão de uma ação de reivindicação intentada pelo verdadeiro proprietário. Todavia, se superados os prazo de um ou dois anos, conforme a característica da coisa, a auctoritas deixava de existir, porque se o alienante não fosse o dono da coisa, o adquirente se tornava seu proprietário em virtude da usucapio, e não havia mais a possibilidade de evicção.
Nesse período, não se exigia outros requisitos positivos, além da posse e do intervalo de tempo para a usucapião, mas, sim a proibição de certas coisas serem usucapidas, como por exemplo, as coisas furtadas (res furtiuae), o que mais adiante foi permitido, se a coisa furtada retornasse, ainda que por instantes ao seu proprietário (reuerso ad dominum), assim como era proibida a usucapio sobre coisas que tivessem sido apossadas com atos de violência (res ui possessae).
No período clássico, paralelamente a usucapião, surge a longi temporis praescriptio, que era um instituto semelhante, uma vez que a usucapião era modo de aquisição iuris ciuilis, somente aplicável aos ciues e, sobre coisas suscetíveis de dominium ex iure quititium, ou seja, beneficiava apenas cidadão romanos na proteção da propriedade quiritária, o que resultou na necessidade de criação de um instituto que pudesse ser utilizado em favor de estrangeiros nas províncias.
Por isso, adotou-se a longi temporis praescriptio, provavelmente de um modelo do direito grego, em que, os magistrados provinciais, quando o proprietário de um imóvel provincial o reivindicasse de quem o possuía por largo espaço de tempo, este se opunha no processo como um meio de defesa, assim, a praescriptio era um instituto processual semelhante à exceptio romana.
Conclui-se assim, que a longi temporis praescriptio era meio de defesa e não um modo de aquisição de propriedade tanto que, se o possuidor que podia se defender através da praescriptio perdesse sua posse, não dispunha de proteção judicial para recuperá-la, pois, ele não se tornava proprietário da coisa, ao contrário da usucapio, que era modo iuris ciuilis de aquisição da propriedade quiritária.
Nessa época, exigia-se alguns requisitos para ocorrer a usucapio, tais como: res habilis, iusta causa, bona fides, possessio e tempus. As denominadas res habilis, são as coisas passíveis de serem usucapidas, com exceção para as res extra commercium; as res furtiuae; as res ui possessae; as coisas insuscetíveis de posse; as coisas doadas a magistrados nas províncias em que exerciam suas funções; as res mancipi alienadas por mulher sob tutela legítima, sem a auctoritas tutoris; as coisas do Estado, do Príncipe, da Igreja e das obras pias; as coisas do menor e do ausente; as coisas alienadas pelo possuidor de má-fé e as coisas a respeito das quais havia proibição de alienar.
No que atine à iusta causa, no sentido de causa jurídica ou da relação jurídica que por si só seria apta e suficiente para transferir a propriedade, se não houvesse um vício de fundo (aquisição a non domino) ou vício de forma (ausência de mancipatio ou in iure cessio), devendo-se ressaltar que os romanos não conheceram um conceito abstrato de iusta causa, mas iustae causae concretas, e indicadas nas fontes de pesquisa pela preposição pro seguida do nome da relação jurídica de que se tratava, como por exemplo: a pro emptore, pro donato, pro dote, etc…
Quanto a bona fides, trata-se de um conceito ético, a crença do possuidor, ao entrar na posse da coisa, de que não está ferindo direito alheio. Em geral, a boa-fé se baseia num erro, de que quem está transferindo a coisa é seu proprietário e, não precisa ser escusável, bastando para configurar a boa-fé, um início da posse, pois, vigorava o princípio em que a má-fé superveniente não causa prejuízo (mala fides superueniens non nocet). A ordem jurídica romana, à exemplo da atual presume a boa-fé, sendo da parte contrária o ônus de provar a sua inexistência.
Outrossim, o cumprimento do requisito possessio, exigia a posse civil (possesio ciuilis) a que confere o direito à usucapio (ad usucapíonem), não bastando mera detenção, muito menos posse ad interdicta, que confere o direito aos interditos possessórios mas não à usucapião. Ademais, a posse deve ser contínua pois, qualquer interrupção (usurpatio) gera necessidade de recomeçar a contagem do tempo.
Também é possível transferir a posse, por uma successio possecionis, quando o herdeiro continua a posse do falecido, com o mesmo título (iusta causa) e com a mesma qualificação de boa ou de má-fé ou; por uma accessio possessionis onde o sucessor a título singular do possuidor (o comprador ou o donatário), pode somar à sua posse a do alienante. Esta última modalidade de transferência, no direito clássico, era mais evidenciada na longi temporis praescriptio, sendo duvidoso, no dizer de Moreira Alves[5] que isso ocorresse com a usucapio.
Por fim, o requisito tempus que, ainda no período clássico continua sendo de um ano para coisas móveis e de dois anos para as imóveis. Entretanto, nesse período, encontra-se três formas anormais de usucapio: a usucapio pro herede, que ocorria quando alguém se apossava de uma herança pelo herdeiro mantendo-se na posse por um ano e, adquirindo, assim a qualidade de herdeiro; a usureceptio ex fiducia a qual surgia quando quem havia transferido a propriedade de uma coisa a título de garantia do cumprimento de obrigação (fiducia) tornava a entrar na posse da coisa, readquirindo, depois de um ano, a propriedade sobre ela, qualquer que fosse a espécie; e a usureceptio ex praediatura ocorria quando o Estado vendia uma coisa que lhe fora dada em garantia e o antigo dono a readquiria por tê-la possuído por um ano (móvel) ou dois (imóvel).
Doutro lado, em relação à longi temporis praescriptio, nesse período eram exigidos os requisitos da iusta causa; bona fides; e posse por dez anos entre presentes, ou seja, quando proprietário e possuidor residem na mesma cidade ou província, ou por vinte anos entre ausentes, ou seja, quando proprietário e possuidor residem em cidades ou províncias diversas.
Na era pós-clássica, o imperador Constantino criou uma forma especial de usucapião: a longissimi temporis praescriptio, que os intérpretes denominam de usucapião extraordinária, onde quem tivesse possuído, por quarenta anos, de boa-fé, mas sem iusta causa, podia defender-se contra a rei uindicatio do proprietário com uma exceptio e por fim, o imperador Justiniano deu eficácia aquisitiva à longi temporis praescriptio, fundindo-a com a usucapio e usando essa denominação, quando se tratava de coisas móveis, e de praescriptio para imóveis mas, mantendo os mesmos requisitos do direito clássico, com as seguintes modificações:
1-) as coisas dotais (res dotales) são insuscetíveis de usucapião;
2-) a iusta causa passa a ser denominada de titulus, sendo eventualmente admitido o titulos putatiuus (título putativo) quando o erro fosse escusável;
3-) quanto ao requisito tempus, ele passa a ser de três anos para coisas móveis e, no caso dos imóveis, de dez anos entre presentes, ou seja, quando proprietário e possuidor residem na mesma cidade, ou por vinte anos entre ausentes, ou seja, quando proprietário e possuidor residem em cidades diversas.
Todavia, Justiniano estabeleceu que a longuissimi temporis praescriptio passaria a ter eficácia aquisitiva, quando alguém possuísse uma coisa de boa-fé mas, sem justo título, por trinta anos ou por quarenta anos, no caso de coisas do fisco (agri publici), da Igreja, das obras pias, do imperador ou da imperatriz.
Com efeito, a recepção do direito romano na ordem jurídica brasileira se manifesta por via ibérica, no regime das ordenações portuguesas, figurando como fonte subsidiária, sem caráter de lei. Os períodos de retomada dos textos romanos clássicos passam pela fase dos glosadores até a reelaboração pandectística alemã do séc. XVIII. Considerando esse estado de coisas, afirma Lafayette Rodrigues Pereira ser o direito romano a fonte mais abundante de princípios e de leis do direito pátrio. Ainda aferir a sobrevivência dos princípios jurídicos romanos, sua utilização na interpretação do fato jurídico, como forma de reconhecimento do legado deixado às civilizações, como técnica social de interesses em convivência.
Ademais, convém sublinhar a precisão e instrumentação conceitual dos institutos jurídicos que persistem no tempo e no espaço, provenientes dos textos das constituições imperiais, sentenças dos jurisconsultos romanos. As tentativas de codificação do direito civil na era imperial tiveram base nas orientações do direito romano, juntamente com obras publicadas por juristas brasileiros, cujos comentários remontam às fontes romanísticas, com freqüentes remissões aos textos romanos.
No fim do séc. XIX, inicia-se a publicação da obra sobre o direito civil, de autoria de Clóvis Beviláqua, seguindo juristas europeus, atualizado no estudo e referências bibliográficas a respeito da reestruturação dogmática elaborada por autores estrangeiros, de formação romanística. É sabido, que Clóvis Beviláqua pertenceu à Escola do Recife, e que teve como expoente Tobias Barreto, de sólida formação germânica, inclusive no conhecimento de literatura alemã.
Nota-se que a tradição jurídica brasileira é assentada no direito português e no direito romano, fato que mereceu de Abelardo Lobo, referindo-se ao código de 1916, o seguinte comentário: “Se passarmos em revista os 1.807 artigos do nosso código civil, verificaremos que mais de quatro quintos deles, ou sejam 1.445, são produtos de cultura romana….
Com efeito, o direito pátrio foi influenciado pelo direito romano, uma vez que adota em nosso sistema a presença da boa-fé e justo título para a usucapião ordinária, e a desnecessidade destes requisitos para a usucapião extraordinária, porém com prazo maior para sua configuração. Deve-se dizer que, modernamente, a usucapião é considerada matéria de ordem constitucional, figurando na própria Lei Maior, no código civil e na legislação esparsa.
2- O GÊNERO DA PALAVRA:
Antes de verificar a conceituação que recebe o instituto usucapião pela doutrina, cumpre destacar o gênero da palavra, uma vez que divergem os lexicógrafos. Disserta Aurélio[6] que o vocábulo usucapião é do gênero feminino, o que determinaria sempre a utilização do artigo ”a” antecedente à palavra. Porém, este não era o entendimento da maioria dos autores, pois, conforme elucida Theotônio Negrão[7], observa-se que “a Lei n.º 6.969, de 10.12.1981, manda dizer ”a usucapião”, o que está de acordo com a etimologia”, mas afirma que “continuaremos, porém, em nossas notas, a dizer ‘o usucapião’, até que o uso consagre o gênero feminino, mesmo porque Caesar non super grammaticos[8].
Compactuando com a primeira posição, nesta pesquisa utilizaremos a terminologia “a usucapião”, muito embora não ser esta a mais próxima da tradição do nosso direito, bem como a utilizada pelo código civil, de 1916 que, na seção IV do capítulo II do livro II, utiliza a expressão “Do Usucapião” e no art. 553 refere-se “ao usucapião”[9] mas, trata-se da forma adotada pelo Código Civil Brasileiro em vigor (Lei n.º 10.406/02) que, na Seção I do Capítulo II do Título III Livro III, utiliza a expressão “Da Usucapião” e no art. 1.244 refere-se ”à usucapião”.
3 – A PRESCRIÇÃO AQUISITIVA:
Feitas estas considerações, pode-se apresentar o conceito da usucapião com certa dicotomia, pois que, segundo alguns autores, como Edmundo Gatti, seria uma espécie de prescrição aquisitiva, posto que “la prescripción aquisitiva es un modo de aquisición de los derechos reales sobre cosa propria y de los de oce o disfrute sobre cosa ajena por la continuación de la posesión o de los actos posesorios durante el tiempo fijado por la ley”[10].
Por outro lado, civilistas, como Caio Mário[11], consideram imprópria a denominação prescrição aquisitiva, sendo a usucapião uma entre várias modalidades de aquisição da propriedade, disso o citado autor afirma que a “usucapião é a aquisição da propriedade ou outro direito real pelo decurso do tempo estabelecido e com a observância dos requisitos instituídos em lei”.
Tal discussão tem sentido porque a rigor, a prescrição propriamente dita é sempre extintiva, enquanto a usucapião sob a óptica do usucapiente, é sempre aquisitiva. Assim, na essência, enquanto aquela se encontra ligada à extinção de ação que assegura pretensões, esta se vincula à aquisição de direitos.
Orlando Gomes[12] diz que a tese da autonomia da usucapião é consagrada nas modernas legislações, traçando com clareza a distinção entre os dois institutos. Quanto a sua finalidade, a prescrição é um modo de extinguir pretensões, enquanto a usucapião é um modo de adquirir direitos reais. A base dos institutos é diversa; na prescrição, a inércia do sujeito de direito; na usucapião, a posse continuada. Diverso é o aspecto da aplicabilidade; a usucapião restringe-se aos direitos reais.
A prescrição tem sentido negativo de extinção, enquanto na usucapião é positivo, como força geradora, concluindo o citado autor que: “Não há que falar, por conseguinte, em prescrição aquisitiva”.
No mesmo sentido, Eduardo Espínola, citado por Luiz Edson Fachin[13], reconhece que há regras comuns às duas espécies de prescrição, aquisitiva (suposta usucapião) e extintiva, porém há diferenças substanciais: a aquisitiva tem base na posse, e exige a boa-fé; a extintiva, em regra, dispensa a posse, não exige do devedor a boa-fé; a aquisitiva pode ser fonte de ação ou de exceção em proveito do adquirente; a extintiva, sendo meio de repelir a ação será sempre uma exceção; o campo da aquisitiva não é tão vasto como o da extintiva: a primeira limita-se à aquisição da propriedade e direitos reais; a extintiva abrange todo o domínio do direito civil, aplicando-se a todas as classes de relações jurídicas[14].
Dessa forma, sustentam não se poder, sob a análise científica, considerar a usucapião como espécie de prescrição aquisitiva, uma vez que diversos são os seus regimes, somente tendo incidência comum do decurso de tempo, como forma de contato entre os dois institutos. Essa afirmativa acompanha o entender de Nélson Luiz Pinto[15], que, citando Lafayette, assevera “ter a prescrição conotação negativa, isto é, nascer da inércia, tendo por efeito dissolver a obrigação e paralisar o direito correlato, e, conseqüentemente, não gerar direitos. O usucapião, ao contrário, é positivo, porque no seu modo de atuar predomina a força geradora; o proprietário perde o domínio não só por sua inércia, mas também porque o adquire o possuidor. Assim, o não uso do direito de propriedade não importa sua extinção, por ser imprescritível, enquanto existir o seu objeto (propriedade). De sorte que a única possibilidade que se apresenta é a da aquisição por outrem, denominada usucapião, quando, então, o objeto passará a outro titular”.
Pode-se, assim, esclarecido que a usucapião é uma forma de aquisição da propriedade, dentre os vários conceitos oferecidos pela doutrina, apresentar, segundo Nélson Luiz Pinto[16], “o que mais se aproxima do nosso ordenamento jurídico”, de lavra de Modestino: “usucapio este adjectio dominii per continuationem possessionis temporis lege definit, ou, o modo de adquirir a propriedade pela posse continuada durante certo lapso de tempo, com os requisitos estabelecidos na lei”. Todavia, tal tese não encontra eco na jurisprudência hodierna que, de forma maciça reconhece a prescrição em sentido aquisitivo, como por exemplo:
“RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO. AÇÃO POSSESSÓRIA. IMPROCEDENTE. CITAÇÃO. EFEITO INTERRUPTIVO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO OU PROTESTO. CONDIÇÕES. DIVERGÊNCIA – Uma vez julgada improcedente a ação possessória, a citação não tem efeito interruptivo da prescrição aquisitiva. 2. Notificação judicial ou protesto para interromper a prescrição aquisitiva deve ter fim específico e declarado. 3. Só há dissídio jurisprudencial quando sobre o mesmo tema os julgados confrontados adotam posicionamento diferente. No caso, de qualquer modo, o entendimento pretoriano majoritário se encaminha no sentido do acórdão recorrido. 4. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. 5. Recurso Especial não conhecido.” (STJ – RESP 149186 – RS – 4ª T. – Rel. Min. Fernando Gonçalves – DJU 19.12.2003 – p. 00466)
Observa-se, dessa última conceituação, bem como das outras citadas, que dois são os elementos básicos, essenciais, para a aquisição pela usucapião: posse e tempo. Exigindo-se ainda, o animus domini. Ressalte-se que outros elementos podem se fazer presentes nas espécies de usucapião (ordinário, extraordinário e especial), tais como o justo título e a boa-fé, os quais serão analisados no momento oportuno.
4 – USUCAPIÃO – MODO ORIGINÁRIO DE AQUISIÇÃO
Atualmente, a aquisição da propriedade imobiliária ou mesmo mobiliária se dá quando consumado a usucapião. Logo, a usucapião é um modo de aquisição, muito embora para que se chegue a consumar exija uma paulatina e progressiva verificação de diversos pressupostos.
A doutrina, no entanto, de longa data, tem se dividido quanto à natureza da aquisição por usucapião, se originária ou derivada, perpetuando a discussão iniciada pelos romanos. Tal diferenciação possui reflexos práticos e de manifesta importância, pois, como afirma Oscarlino Moeller[17], “a integridade das múltiplas transações, circunscrita aos títulos que as cercam, impõe-se nas aquisições derivadas, visto que o encadeamento lógico dos títulos é indispensável, pelo menos até o tempo suficiente para eventual formação do prazo do usucapião extraordinário, vinte anos. Nas aquisições originárias a tal não se caminhará, visto que basta o exame do fato constitutivo atual dentro de seus requisitos legais”.
Há quem entenda a usucapião ao lado da propriedade, da desapropriação, da alienação, da renúncia, do abandono e do perecimento do objeto[18], sendo aquela, na verdade, forma derivada de aquisição, pois pressupõe a vinculação do novo titular do direito real ao antigo titular usucapido, sendo que, para este com a aquisição do direito real por aquele ocorre sua correlata perda. Nessa seara, Caio Mário[19] conclui que “o usucapião é uma modalidade aquisitiva que pressupõe a perda do domínio por outrem, em benefício do usucapiente”[20].
Conclui-se que, modo derivado de aquisição do direito de propriedade é aquele que se funda em direito do titular anterior, como pressuposto do direito transmitido, determinando-lhe a existência, a extensão e as qualidades. Todavia, a maioria de nossos doutrinadores, vê a usucapião como forma originária de aquisição, sob o fundamento de que ela consuma em razão da posse continuada e, tal fato, aliado aos demais pressupostos legais, resulta por constituir um direito real novo.
Pontes de Miranda[21] diz que na usucapião não se adquire de alguém: “No usucapião, o fato principal é a posse, suficiente para originariamente se adquirir; não para se adquirir de alguém. É bem possível que o novo direito se tenha começado a formar antes que o velho se extinguisse. Chega momento em que esse não mais pode subsistir, suplantado por aquele. Dá-se, então, impossibilidade de coexistência, e não sucessão, ou nascer um do outro. Nenhum ponto entre os dois marca a continuidade. Nenhuma relação, tampouco, entre o perdente do direito de propriedade e o usucapiente”. Na mesma seara, Nélson Luiz Pinto[22] afirma “ser o usucapião uma forma de aquisição originária, porque não deriva de ato entre usucapiente e proprietário, tal qual se dá na desapropriação e na ocupação, por exemplo”. A nosso ver, a aquisição da propriedade pela usucapião faz com que se extingam todos os direitos reais sobre coisa do antigo proprietário, durante a posse ad usucapionem.
Ademais, o art. 756, parágrafo único, do Código Civil revogado, e o art. 1.420, § 1º, do Código Civil vigente, rezam que não podem existir dois direitos reais idênticos sobre a mesma coisa, um instituído pelo proprietário; outro pelo possuidor. Assim, o possuidor adquire a propriedade da coisa com o mesmo caráter de quando começou a possuí-la, como diz Luiz Edson Fachin[23], “a transferência do domínio de um imóvel hipotecado, por venda, não levanta por si só a hipoteca que perdura sobre o imóvel adquirido. Isso se dá na aquisição derivada. A usucapião extraordinária de imóvel eventualmente hipotecado não respeita tal gravame, e o usucapiente o adquire livre desse ônus”.
O mesmo ocorre com a usucapião ordinária, embora possam existir defeitos que não permitam corporificar justo título. Em verdade, na usucapião há coincidência entre a aquisição pelo sujeito e o nascimento do direito, eis que a relação jurídica surge pela primeira vez, não havendo, sub-rogação de titular a titular. Daí, sendo a usucapião forma originária de aquisição da propriedade, não há que se falar na incidência do imposto sobre a transmissão inter vivus, de competência municipal, como de nota no art. 156, II, da Carta Magna de 1988. O STJ já decidiu que o fato gerador do ITBI é o registro imobiliário da transmissão da propriedade do bem imóvel, concluindo-se assim que, se não existe a ocorrência de fato gerador, nada justificaria a cobrança do tributo[24]. Nesse sentido:
“Usucapião. Imposto de transmissão intervivos. Inexigibilidade. O imposto de transmissão intervivos só é exigível quando ocorra ato translativo de propriedade, mas no usucapião isto não ocorre, porque, sendo modo originário de adquirir a propriedade, tal aquisição é direta, isto é, se faz sem transmissão” (RT 439/214).
Assim, conclui-se em harmonia com a maioria da doutrina que, a usucapião é modo originário de aquisição, pois se dá quando não existe relação entre um precedente e um subseqüente sujeito de direito. Tanto isso é verdade, que a jurisprudência mais recente e remansosa tem se firmado neste sentido, inclusive o STF, podendo-se arrolar os seguintes acórdãos: RT 435/206, 439/214, 623/58; RJTJESP 94/203, 107/239, 107/321, 112/238; e RTJ 117/652 (32), todos consolidando o entendimento de que a aquisição por usucapião é originária.
5 – FUNDAMENTOS DA USUCAPIÃO
A usucapião, desde as remotas origens, permite consolidar a propriedade em favor daquele que, possuindo como seu por tempo prolongado, trabalhou o bem e o reintegrou na função econômico-social, constitui-se em valioso elemento gerador de riquezas contribui para incrementar o bem-estar coletivo e, por conseqüência, para atenuar as tensões sociais. Dessa concepção, a doutrina buscou dar origens a teorias sobre o fundamento da usucapião, as quais Antônio Macedo de Campos[25] biparte em duas correntes: a subjetiva e objetiva. “A teoria subjetiva fundamenta o usucapião partindo do princípio segundo o qual o proprietário que não exerce seu direito autoriza a presunção de que houve de sua parte o ânimo de renúncia. Já pela teoria objetiva, a fundamentação do usucapião é baseada em ponderações ligadas à utilidade social, entendendo que, sob este aspecto, é conveniente que se dê à propriedade segurança e estabilidade.”
Segundo Luiz Edson Fachin[26], é possível agrupar em torno de dez teorizações acerca dos fundamentos da usucapião, muitas delas se entrelaçando, ora vista como pena de negligência, ora como medida de política jurídica, ora como ação destruidora do tempo, ora como adaptação da situação de direito à situação de fato, ora como motivo de utilidade pública, ora como regra imposta pela necessidade de certeza jurídica, ora como interesse social, ora como instituição necessária à estabilidade dos direitos e, ainda, como fundamento da ordem e estabilidade social.
Caio Mário[27], acerca da matéria, afirma que “ao fundamento ético do usucapião a tendência moderna imprime cunho nitidamente objetivo, considerando a função social da propriedade”.
À paz social interessa a solidificação da situação de fato na pessoa do possuidor, convertendo-a em situação de direito, evitando-se, assim, que a instabilidade do possuidor possa eternizar-se. Assim, conforme disserta José Carlos de Moraes Salles[28], “o proprietário desidioso, que não cuida do que é seu, deixa seu bem em estado de abandono, ainda que não tenha a intenção de abandoná-lo, perde sua propriedade em favor daquele, que se havendo apossado da coisa, mansa e pacificamente, durante o tempo previsto em lei, da mesma cuidou e lhe deu destinação, utilizando-a como se sua fosse”.
Deveras, a ação do tempo sana vícios e defeitos dos modos de aquisição, bem como acaba com as incertezas da propriedade, mas é a função social da propriedade que tem melhorado a usucapião, posto que se configura na própria estrutura do direito de propriedade, pondo-se concretamente como elemento qualificante na predeterminação dos modos de aquisição dos bens.
Destarte, observando-se os tempos atuais, nota-se que a função social da propriedade adquiriu traços mais nítidos, acentuando-se a tendência de pô-la em equilíbrio com interesses individuais e, de certa forma, até se sobrepondo a estes. Nessa seara Natal Nader[29] diz “esse papel atributivo de juridicidade a determinadas situações de fato revela-se importante em países, como o Brasil, cujo território tem dimensões continentais e apresenta ainda enormes vazios improdutivos, prejudicando a economia nacional e ocasionando sérios problemas de ocupação”.
A relevância da usucapião, na solidificação da situação de fato da pessoa do possuidor, convertendo-se em situação de direito, sobre todo bem, móvel ou imóvel, e a perspectiva da autonomia da posse frente aos direitos reais, equacionando os problemas de instabilidade da propriedade e sua conseqüente humanização. Daí, a imprescindibilidade da usucapião.
6 – A USUCAPIÃO NO DIREITO PÁTRIO
Concluídos os argumentos iniciais sobre a usucapião, ressaltando a importância do instituto, cabe enfatizar que o direito pátrio, admitia cinco espécies de usucapião, quais sejam: usucapião extraordinária, prevista no art. 550, do Código Civil revogado; usucapião ordinária, definido no art. 551; usucapião mobiliária, descrito nos arts. 618 e 619 do mesmo codex, respectivamente nas modalidades ordinária e extraordinária; usucapião especial rural ou pro labore, regulado pela Lei nº 6.969/81, com as alterações introduzidas pelo art. 191[30], da Carta Magna de 1988; e usucapião especial urbano ou pro misero, criado pelo art. 183[31] da Lei Maior.
O Código Civil vigente, como não poderia deixar de ser, reconheceu essas duas usucapiões, nos artigos 1.239 e 1.240, praticamente repetindo os textos da Constituição. No tocante às demais espécies de usucapião, o Código modificou-as significativamente, sobretudo no tocante aos prazos. A usucapião extraordinária, que independe de justo título e boa-fé, passa a ter prazo de quinze anos, podendo ser diminuído para dez, caso o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
Entendemos, que o parágrafo único do art. 1.238, do Código Civil, criou uma espécie híbrida de usucapião, que não se confunde com a usucapião pro labore, do art. 191, da CF, que só é possível em área rural de até 50 Há., na medida em que reduz o requisito tempus de 15 para 10 anos mas, protegendo aquele que houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo, ou seja, fazendo com que essa propriedade atenda sua função social, nos termos do art. 5º, XXIII, da Constituição Federal.
Por outro lado, a usucapião ordinária, que reclama justo título e boa-fé, teve redução do prazo de 15 anos para 10 anos. Por outro lado, também entendemos, que o parágrafo único do art. 1.242, do Código Civil, criou uma espécie híbrida de usucapião, que não se confunde com a usucapião pro moradia, do art. 183, da CF, que só incide sobre áreas urbanas de até 250 m², reduzindo o requisito tempus de 10 para 5 anos mas, sem dispensar o justo título e boa-fé mas, protegendo aquele que adquiriu o bem a título oneroso (venda e compra ou permuta), com base no registro imobiliário, cancelada posteriormente (como por exemplo nos casos de fraude à execução)[32] e, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico (edificando sua residência ou mesmo realizando obras de ampliação ou de melhoras introduzidas no imóvel, sem delimitar suas medidas.
Em julho de 2001 foi editada a Lei 10.257/01, denominada Estatuto da Cidade, traçando normas para execução da política urbana, regulando os artigos 182 e 183, da CF. Esse diploma legal, também trata da usucapião pro misero, exigindo no seu art. 10[33], os requisitos previstos na Lei Maior e no Código Civil, e criando uma nova modalidade até então desconhecida: a usucapião especial coletiva.
Essa inovação possibilita a usucapião coletiva de área urbana com mais de 250 m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados), “ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor” sendo que na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.
Outra característica da nova modalidade, é que será também constituído um condomínio especial, o qual será dotado de indivisibilidade, nem será passível de extinção, salvo deliberação tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio.
Entretanto, o novo instituto não eqüivale a denominada desapropriação privada criada pelo § 4º, do art. 1.228, do Código Civil vigente, na medida em que “o proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.” Isso porque, o § 5º, do mesmo dispositivo legal, determina que o juiz fixará a justa indenização, a qual será devida ao proprietário e somente após o pagamento do preço é que esta sentença valerá como título para registro na matrícula ou transcrição do imóvel, em nome dos possuidores.
Discriminadas as várias espécies de usucapião, nota-se que em termos fundamentais, não divergem entre si as formas de usucapir, exigindo-se sempre, dentre outros requisitos para sua concessão, coisa hábil, posse, lapso de tempo, animus domini e, em alguns casos, boa-fé e justo título. O Prof. Antônio Macedo de Campos afirma que “o que caracteriza a diferença entre as espécies de usucapião é a variação na obrigatoriedade da presença de alguns requisitos, tais como flutuação dos prazos, as dimensões da área e o trabalho” (ob. cit., pág. 109).
Por aí, percebe-se que para ocorrer a usucapião em geral, faz-se necessário o concurso de certos requisitos, que dizem respeito às pessoas a quem interessa (pessoais); às coisas e direitos que podem ser adquiridos desta maneira (reais); à forma por que se constitui (formais); e à qualificação da posse (especiais). Orlando Gomes, baseado nas lições de Gomes e Munhoz, apresenta os requisitos para a usucapião em geral em três tipos: pessoais, reais e formais (Direitos Reais, Rio, Forense, pág. 155).
A explicação atinente a cada qual será feita nos tópicos seguintes, quando forem dissecados os requisitos da usucapião em geral. Advirta-se, porém, como anota Antônio Macedo de Campos, que capacidade (pessoal) e coisa hábil (real) não estão expressas nos dispositivos referentes a usucapião. Resultam dos princípios gerais de direito.
7 – REQUISITOS PESSOAIS DA USUCAPIÃO
Os requisitos pessoais da usucapião, são relativos ao possuidor e o proprietário, de forma a abranger a capacidade jurídica e de fato de cada um dos sujeitos da relação jurídica, para a ocorrência da usucapião, concebendo-se, assim, a aquisição do domínio por um e perda da propriedade da coisa pelo outro. Assim, é regra manifesta que somente podem usucapir as pessoas capazes para possuir[34].
Entretanto, é digno de registro, que há entendimento, como por exemplo Sílvio de Salvo Venosa[35] sobre a posse do ausente, consubstanciado no art. 522, do Código Civil revogado e, no art. 1.224, do Código Civil Vigente que estas pessoas, ainda que não estejam exercendo uma vigilância permanente sobre o objeto de sua posse pode fazê-lo in continenti assim que tomar conhecimento de que está sofrendo esbulho ou turbação, lançando mão dos meios posto a sua disposição pela ordem jurídica, uma vez que o animus possidendi é um estado permanente. Enfatiza o citado autor, que trata-se de matéria de prova mas, num sentido geral, considera-se ausente aquele que não está presente e não se conhece o paradeiro para defender sua posse, seja pelo exercício de um desforço imediato ou de ação possessória, tão logo tenha conhecimento do esbulho ou da turbação.
Entretanto, trilhando o pensamento anterior, entende Lenine Nequete[36] que são capazes de possuir tanto as pessoas físicas quanto as pessoas jurídicas, a comunidade hereditária, a pessoa jurídica de direito público e, incapazes, por intermédio de seus representantes. Inclui, ainda, os sucessores legítimos ou testamentários do possuidor, bem como os credores e demais interessados.
Esta afirmação tem fundamento no art. 193 do Código Civil vigente, que permite a alegação da prescrição pela parte a quem aproveita. Assim, terceiros interessados que seriam “todos aqueles que em favor dos quais constitui o possuidor um direito qualquer, que pereceria não se consolidando a propriedade nas mãos deste, v.g., o usufrutuário, o usuário, o fideicomissário em relação ao gravado, o enfiteuta em relação ao senhorio direto, etc.”[37].
Em matéria de usucapião especial coletiva, a Lei 10.257/01, no art. 12, criou a hipótese da existência de uma legitimação extraordinária, ao dispor que: são partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial urbana: I – o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente; II – os possuidores, em estado de composse; III – como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados.
Nessa modalidade de usucapião, os interessados, em litisconsórcio ou isoladamente, podem propor ação, bem como a “associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados”, respeitados alguns requisitos, como: regularidade da constituição e autorização de seus representados, as quais devem ser provada no ato da distribuição da ação de usucapião coletiva.
Quanto ao sujeito passivo, para sofrer os efeitos da perda do direito, basta ser proprietário, inclusive os relativamente incapazes, e excetuando-se as pessoas jurídicas de direito público. Os primeiros, não estão abrangidos pelo art. 198, I, do CCB de 2002, na medida em que torna patente que não ocorre prescrição contra os incapazes de que trata o art. 3º, ou seja, os absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil. No que se refere aos segundos, a CF e o CCB de forma textual determinam que bens públicos não serão adquiridos pela usucapião[38].
Em suma, o usucapiente deve ser capaz, mas, em determinados casos, essa faculdade sofre restrições por várias razões, inclusive familiares, obrigacionais, etc., como pessoas e situações jurídicas que não se afinam com a usucapião:
a-) Entre cônjuges, na constância da sociedade conjugal (art. 197, I, do CCB), qualquer que seja o regime de bens.
b-) Entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar (art. 197, II, do CCB).
c-) Entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela (art. 197, III, do CCB).
d-) Em favor de credor pignoratício, do mandatário, e, em geral, das pessoas que lhe são equiparadas, contra o depositante, o devedor, o mandante e as pessoas representadas ou seus herdeiros, relativamente aos bens confiados à sua guarda (art. 168, IV, do CCB de 1916, não repetido no novo Código).
Interessante noticiar que, face à força declaratória de certeza jurídica, é possível ao proprietário intentar a usucapião sobre o seu próprio imóvel, pois não há a menor ilegalidade em que o possuidor, por não ter confiança em seu título dominial, recorra à ação de usucapião[39].
No entanto, sobre o tema, disserta Benedito Silvério Ribeiro[40], que não é cabível usucapião a quem possui registro ou transcrição, pois, a sentença declaratória de domínio seria redundância ou superfetação. A coisa que já é do autor não se pode tornar mais dele, ensinava a máxima romana: “res mea, amplius mea fieri nequit” (o que é meu não pode tornar mais meu). Ademais, o direito de aquisição do imóvel pela usucapião só se exercita sobre propriedade do domínio alheio, mesmo porque nem sequer tem sentido falar-se em aquisição de imóvel do próprio domínio.
Todavia, vez ou outra, encontra-se julgados mais liberais, demonstram que essa não é uma regra rígida, por exemplo, quando houver disparidade entre a metragem real e a realidade do registro (RT, 731:369), muito embora também se possa buscar satisfação numa ação retificadora, se não houver conflito sobre a retificação. É nosso entendimento que a ação de usucapião não compete apenas ao possuidor sem título algum de propriedade, mas àquele que o tenha mas, insuscetível de assegurar-lhe o domínio[41], o qual denominamos de justo título.
A propósito, comenta Celso Agrícola Barbi[42] que “não se justificam restrições ao uso da ação declaratória quanto à propriedade de imóveis. Pelo contrário, será de muita utilidade, quando alguém criar incerteza em torno do domínio de um bem dessa natureza, prejudicando seu uso, ou disponibilidade, pelo proprietário também possuidor. Poderá ele mover ação contra o pretenso dono, para ver declarado que é seu o domínio”[43].
8 – REQUISITOS REAIS DA USUCAPIÃO
No que concerne aos requisitos reais da usucapião, estes estão relacionados com as coisas e direitos que podem ser objeto de aquisição por usucapião (res habilis). Desse modo, para ser objeto de usucapião, é mister que a coisa esteja no comércio, não sendo usucapíveis, pois, as que estão fora do comércio (res extra commercium), são consideradas as insuscetíveis de apropriação e as legalmente inalienáveis, na definição do art. 69 do Código Civil revogado, cujo dispositivo não foi repetido no Código Civil vigente.
Nessa linha de idéias, ensina José Carlos de Moraes Salles[44], que existem coisas naturalmente insuscetíveis de apropriação e, conseqüentemente, de usucapião, como, por exemplo, o ar, a luz natural e as águas livres, bem como também é possível falar em coisas juridicamente inapropriáveis ou inusucapíveis, uma vez que assim foram declaradas pelo Direito, como os bens públicos de uso comum, os de uso especial e os dominiais ou patrimoniais, por força dos arts. 99 e 102 do Código Civil vigente.
As coisas legalmente inalienáveis também não são usucapíveis pois elas têm seu destino fixado em lei, como o bem de família (art. 1.717 do CCB); os imóveis dotais (arts. 293 e 298 do CC, de 1916); os bens de menores sob pátrio poder ou tutela (arts. 1.691, 1.748, IV, e 1.750 do CC); e os bens dos sujeitos à curatela (arts. 1.767, 1.774 e 22 do CCB)[45]. Entretanto, é mister mencionar que a doutrina hodierna entende que quando a inalienabilidade resulta de ato voluntário de testador ou doador, ainda assim, o bem assim clausulado pode ser objeto de usucapião[46].
Quanto aos direitos suscetíveis de usucapião, a doutrina reconhece que somente os direitos reais prescritíveis podem ser adquiridos, assim os que implicam posse dos objetos sobre que recaem, vale dizer, a propriedade, as servidões, a enfiteuse, o usufruto, o uso e a habitação. No caso específico das servidões, por força do art. 1.379, do Código Civil em vigor, determina que o exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente, por dez anos, com justo título e boa-fé, permite ao interessado a registrá-la em seu nome no álbum imobiliário, valendo-lhe como título a sentença que julgar consumado a usucapião mas, se o possuidor não tiver título, o prazo da usucapião será de vinte anos.
A propósito, ensina Wolff[47] que “sólo puede adquirir-se por usucapión los derechos reales que faculten para la posesión de una cosa o de un derecho: como la propriedad, la superfície, las servidumbres”.
Em regra, só podem ser usucapidos os bens do domínio particular, ao passo que os bens públicos não se subordinam a tal incidência, conforme impõe a Súmula 340 do STF, pois que “desde a vigência do Código Civil, os bens dominiais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”. Essa orientação do pretório excelso foi acompanhada pelo atual texto constitucional, como se vê nos seus arts. 183, § 3º, e 191, parágrafo único.
A coisa hábil para usucapião é coisa corpórea e tangível[48], sendo indispensável para os imóveis que ele estejam perfeitamente individualizados, com suas características exatas, mormente as dimensões, formas, extensão e confrontações, mesmo porque a posse ad usucapionem não seria compatível com a indeterminação dos limites ou de outros aspectos da coisa possuída.
Ressalta-se, entretanto, que foi crescente o número de julgados que admitiram posse e usucapião sobre bens intangíveis (incorpóreos) como, v.g., o direito ao uso de linha telefônica[49], hoje raros em razão do valor econômico. Vale dizer, também, que embora na usucapião de imóvel exija-se certeza e determinação, admitiu-se usucapião de compossuidores, sobre partes ideais, de imóvel divisível ou não, quando a posse do todo é exercida conjuntamente[50], o que também é consagrado na usucapião especial coletiva.
9 – REQUISITOS FORMAIS DA USUCAPIÃO
Os requisitos formais na usucapião devem ser, obrigatoriamente, a posse (ad usucapionem contínua e incontestada) e o transcurso de certo lapso temporal, que varia em função do prazo estabelecido em lei. Todavia, não se pode dar às costas ao conceito e natureza jurídica da posse, a qual trata-se de um poder de fato, protegido juridicamente, que se exerce sobre uma coisa, ao contrário da propriedade, que é um poder de direito.
Por outro lado, um dos efeitos fundamentais da posse é consumar a usucapião[51]. Toda propriedade, a rigor, começou pelo usucapião. Dessa forma, pode-se conceber, em sintonia com os ensinamentos de Arruda Alvim, que “a propriedade é, indubitavelmente, um fato social (Cogliolo) que parece fundar-se, em sua origem, na ocupação (Grotius). Tem existido, por isto, ao longo de todos os tempos, e ipso facto tem sido, de uma ou outra forma, disciplinada. Assim, aquele que ‘ocupa’, sob determinadas condições estabelecidas por regras jurídicas, torna-se proprietário, ainda que o bem ocupado, e finalmente usucapido, tivesse tido proprietário”[52].
Realmente, a história demonstra que a posse teve, ao longo dos tempos, caráter dinâmico, e que, por ser poder de fato, é a base da propriedade, constituindo-se em degrau para o poder de direito. Com efeito, posse e propriedade são dois conceitos distintos, não estando, pois, a primeira, simplesmente como complemento da segunda, haja vista ser aquela um instituto próprio com características específicas.
Benedito Silvério Ribeiro, realça a máxima romana: “Deve a posse ser separada da propriedade. Pois pode acontecer que o possuidor não seja dono; e que o proprietário não seja possuidor e finalmente que o possuidor seja também o proprietário – separata esse debet possessio a proprietate. Fieri enim potest, ut alter possessor sit, dominus non sit; alter dominus quidem sit, possessor vero non sit; fieri potest ut possessor idem et dominus est.[53]
Entretanto, a posse não deixa de ser complemento da propriedade, pois é instituto de proteção do direito de propriedade. Porém, como é autônoma instaura nova situação jurídica de apropriação de bens justificada pelo caráter ativo do uso desses bens. Adroaldo Furtado Fabrício diz: “o que a posse e a propriedade têm de comum é que os poderes exercitáveis pelo possuidor são em regra inerentes ao domínio. Contudo, nem sempre é o proprietário quem se encontra em estado de fato tal que lhe permita o efetivo exercício desses poderes. Quando os exercita, o proprietário o faz porque tem esse direito; o possuidor, se os exercita, é apenas porque tem possibilidade fática de exercitá-los, independente de qualquer direito”[54].
De fato, na propriedade há relação entre pessoa e coisa[55] e, conforme a vontade da lei implica em relação de direito e, na posse existe uma relação entre pessoa e coisa, fundada na vontade do possuidor, criando relação de fato. Porém, a relação de fato, mesmo sem encobrir relação de direito, pode existir e ser protegida até que o possuidor seja convencido por quem tenha melhor direito. Aliás, deve-se observar que, mesmo sem o respaldo de direito, o possuidor, de qualquer modo, tem uma melhor condição do que o terceiro, sendo, inclusive, protegido contra este.
Hodiernamente, face ao reconhecimento da função social do fenômeno possessório, a posse além de assumir conteúdo do direito de propriedade, corporifica-se como sendo causa e necessidade. Causa porque é sua força geradora. Necessidade porque exige manutenção sob pena de recair sobre aquele bem a força aquisitiva[56].
A posse, dessa forma, apesar de desvinculada da propriedade, não deixa de ser complemento desta, desempenhando papel importante, porque sua função social relaciona-se com o uso, a destinação econômica do bem, independentemente dessa utilização advir de um título ou de um fato. Por conseguinte, diante do significado social que se embute na posse, revela-se que as questões jungidas à usucapião devem receber especial atenção, tendo em vista, principalmente, aquelas relacionadas aos imóveis rurais e urbanos.
Nas classificações da posse, nos interessa analisar aquela que tem como critério aos efeitos da posse, e que estão subdivididas em ad interdicta ou ad usucapionem. O primeiro caso, é aquele onde o possuidor poderá, no caso de esbulho, turbação, ameaça ou perda do bem, amparar-se pelos interditos possessórios, a fim de que possa defender ou recuperar a coisa possuída.
Para que a posse tenha a proteção dos interditos, deverá ela ser justa, não devendo, entretanto, ser encarada no seu conceito absoluto, mas sim relativo, uma vez que os efeitos normais da posse somente serão produzidos quando não praticados contra os possuidores originários, o que força concluir que a proteção interdital como efeito da posse será considerada em relação a qualquer pessoa, que não o possuidor originário[57]. No segundo caso, trata-se da posse que faz surgir a usucapião, ou seja, é aquela que, além de apresentar os elementos indispensáveis à sua configuração, corporifica-se como hábil a gerar a aquisição do domínio.
Dessa forma, sendo a posse contínua, sem intervalos ou interrupções, mansa e pacífica, isto é sem oposição, e exercida com ânimo de dono, ensejará ao possuidor, além da faculdade de utilizar os interditos para a proteção de sua posse, a possibilidade de, obedecidos os requisitos legais, pleitear usucapião[58].
Deveras, com relação aos efeitos apresentados, ressalta Adroaldo Furtado Fabrício que ”é verdade que, para usucapir, precisa o possuidor juntar à posse outros requisitos, tanto que se ouve falar de posse ad interdicta em oposição à posse ad usucapionem. A distinção é artificial, pois o fato da posse, que é a mesma posse, em nada muda de uma hipótese para a outra: a diversidade está, realmente, nos caracteres da posse, que são acidentais, e variam de um para outro efeito”[59].
Portanto, a diferença entre os efeitos situa-se noutro fato que não a posse, pois, no caso da posse ad interdicta e da ad usucapionem, respectivamente, deve-se somar à posse para produção do efeito, a ofensa ou ameaça para a proteção interdital e o decurso do tempo para a usucapião. A posse ad usucapionem, segundo Natal Nader[60], “é a que, além dos elementos indispensáveis à configuração da posse, preenche ainda requisitos exigidos à aquisição da propriedade pelo usucapião. Deve ser sem interrupção, oposição e ser exercida com intenção de dono, animus domini“.
Outrossim, é possível entender que a posse ad interdicta é mais afeta aos casos em que há precariedade na posse, por muitos dito que se trata de caso de mera detenção. Assim, a posse precária é praticada com abuso de confiança, por aquele que tendo recebido a coisa com a obrigação de devolvê-la, nega-se a fazê-lo, retendo-a indevidamente[61].
Deveras, deve-se dizer, com relação aos vícios objetivos da posse, que o art. 1.208, do CCB reza: “não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade”. Assim, a posse injusta somente pode ser defendida, através dos interditos, contra terceiros, mas não contra o proprietário da coisa ou o seu legítimo possuidor. Portanto, os vícios que configuram a posse injusta são relativos, uma vez que se configuram apenas quando praticados contra os possuidores originários. Por sua vez, a posse viciada não será assim considerada em relação a qualquer outra pessoa, haja vista que, em não sendo contra o possuidor originário, não podem ser apontados os seus vícios, produzindo, consequentemente, os seus efeitos normais.
Segundo Natal Nader, quanto à posse injusta, os vícios da violência e da clandestinidade podem convalescer, “ganhando juridicidade, desde que, no caso da primeira, o esbulhado deixe que transcorra o prazo de ano e dia, após a violência, sem reagir; e, na segunda, se a posse tornar-se pública, deixando o proprietário de reagir por mais de ano e dia, após a cessação da clandestinidade”[62]. Dessa maneira, nos casos de posses viciadas com a violência ou a clandestinidade, transcorrido determinado tempo, pode haver a conversão da posse injusta em justa, o que não se aplica, entretanto, à posse precária, que jamais se convalesce.
Entretanto, e preciso dizer que há aqueles que pensam de forma contraria, como Silvio de Salvo Venosa, citando o exemplo do compromisso e da promessa de compra e venda, no qual após o adimplemento do preço, seria possível a inversão do animus possessório em favor do adquirente na medida em que o preço for integralmente pago, assim se manifestando: “A precariedade resulta de ato volitivo de quem concede posse nesse nível. No entanto, a precariedade não se presume. Se não houver expressa menção ou não decorrer o fenômeno de circunstâncias usuais, a posse não assume o caráter de precariedade.”[63]
Sobre tal noção a doutrina se debate mas, o posicionamento mais aceito e mais razoável, é que a posse injusta não se converte em posse justa nem pela vontade nem pela ação do possuidor, nem, ainda, pela ação do tempo. Neste sentido, ressalta José Carlos de Moraes Salles que, “… se houver a interferência de uma causa diversa (como no caso do que tomou a posse mediante violência vir a comprar o bem, do esbulhado; ou na hipótese de aquele que possuiu clandestinamente vir a herdar o bem, do desapossado), que não seja, nem por vontade nem ação do possuidor, uma posse inicialmente injusta poderá tornar-se justa.”[64]
Revela Caio Mário da Silva Pereira que “… a alteração da posse não provém da mudança de intenção do possuidor, mas de inversão do título, por um fundamento jurídico, quer parta de terceiro, quer advenha da modificação essencial no direito”.
Nessa seara, entende Cláudia Aparecida Simardi e Guido Arzua, com os quais comungo idéias, que somente a posse precária não cessa, pois os vícios da clandestinidade e da violência deixam de inquinar a posse quando finalizados os atos que lhe deram origem. Assim, assevera que “… enquanto a posse maculada pelo vício da violência ou da clandestinidade se pode transformar, sem solução de continuidade, em posse justa, uma vez cessados os atos de força ou furtividade, a posse precária nunca se legitimará por sua própria razão”[65].
Além da posse ad usucapionem é preciso ter posse contínua, sem interrupção, a qual deve-se entender aquela sucessão ordenada de atos possessórios, não bastando, pois, o comportamento exterior do agente em face da coisa, em atitude análoga à do proprietário. O usucapiente deve provar que foi diligente na prática de atos possessórios, não tendo havido desleixo, descaso ou ausência de cuidados no trato da coisa possuída e que sempre se manteve eficazmente na posse do bem[66].
Como esclarece Caio Mário da Silva Pereira[67], “o possuidor não pode possuir a coisa em intervalos, intermitentemente, nem tê-la maculada de vícios ou defeitos (vi, clam aut precario)”[68]. Todavia, ainda que a posse tenha sido obtida mediante violência, ou clandestinidade, é possível seu convalescimento para o efeito de usucapião, desde o momento em que cessarem os mencionados vícios[69].
Não retiram na posse ad usucapionem a sua característica de contínua as intermitências ocasionais e temporárias, provocadas por circunstâncias fortuitas, como por exemplo, uma eventual inundação. Por outro lado, os atos de posse podem ser praticados por prepostos do possuidor como, por exemplo, presença física no imóvel, seu cultivo, sua manutenção, etc..
O art. 1.243 do CCB[70], é enfático no sentido que a lei não exige durante o lapso prescricional, que a posse tenha pertencido à uma única pessoa (acessão da posse), com ressalvas quanto ao usucapião constitucional. A posse ad usucapionem também deve ser mansa e pacífica, e conhecida por aqueles contra que o usucapiente invocará o seu direito. Exige-se, também, que seja sem oposição, assim, somente a impugnação feita por quem tenha legítimo interesse para tanto, como o proprietário contra quem visa usucapir, poderá retirar-lhe essa característica, desde que logre êxito nessa pretensão. José Carlos de Moraes Salles[71] diz que a oposição deve se traduzir em “medidas efetivas e concretas, identificáveis na área judicial, visando a quebrar a continuidade da posse, opondo à vontade do possuidor uma outra vontade que lhe contesta o exercício daqueles poderes inerentes ao domínio qualificador da posse”.
Outra condição da posse ad usucapionem é que deve ser exercida com o ânimo de dono, de ter a coisa para si – animus domini. Caio Mário da Silva Pereira[72], diz que o requisito psíquico é essencial, excluindo todo contato físico com a coisa que não se faça acompanhar dele, como o locatário, comodatário e o usufrutuário, que embora tenham a posse direta da coisa, o que os habilita a invocar os interditos possessórios, lhes falta a intenção de ser dono.
Também Nélson Luiz Pinto[73] assevera que “para caracterizar-se o animus domini, não basta somente a vontade (do contrário, admitir-se-ia, assim, para o ladrão que sabe que a coisa não lhe pertence), sendo o elemento característico e identificador da posse ad usucapionem, a causa possessionis, ou o título em virtude do qual se exerce a posse. Logo, se a posse se funda em contrato, não há que se falar em animus rem sibi habendi, salvo se houver, posteriormente, inversão da causa de possuir”. O CCB adotou no art. 1.203, o princípio de que pessoa alguma pode mudar, com respeito a si, causa e princípio de sua posse. Ao contrário, v. RJTJESP 114/277.
Ainda sobre a posse, deve-se acrescentar que se o usucapiente vier a perdê-la, deixará de existir um dos requisitos essenciais da usucapião, de modo que não será possível o seu reconhecimento judicial, haja vista que a perda da posse inutiliza o tempo anteriormente vencido.
Importante dizer sobre o prazo na usucapião que, em relação aos bens móveis, aquele é menor, em razão da dificuldade de sua individualização e da facilidade de serem transmitidos através da tradição. Revela-se também que os bens móveis têm menor importância econômica do que os bens imóveis, ratificando o lapso temporal mais curto para a aquisição de sua propriedade pelo usucapião.
Nesse sentido temos que a usucapião pro misero ou pro moradia, do art. 183, da Carta Magna e a usucapião prolabore, do art. 191, ambas da Carta Magna, fixam o requisito tempus em cinco anos ininterruptos, a usucapião extraordinária, fixa atualmente no art. 1.238, do CCB, quinze anos, que poderá reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo (parágrafo único do art. 1.238) e, a usucapião ordinária fixa atualmente no art. 1.242, do CCB, dez anos, que poderá reduzir-se-á a cinco anos se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico (parágrafo único do art. 1.242),
Com relação às coisas, móveis, o Código Civil vigente, fixa esse requisito em três anos e cinco anos em seus arts. 1.260 e 1.261 e, a Lei n.º 10.257/01, que criou a usucapião especial coletiva, fixou o requisito em cinco anos. É bom lembrar que uma questão que influia no lapso temporal e não tem mais função em nossa ordem jurídica, é quando a usucapião corria entre presentes ou entre ausentes, por absoluta ausência de previsão no novo código, antes porém, se o possuidor e o proprietário residem no mesmo Município em que estava situado o imóvel, o prazo prescricional era menor, do contrário, mais dilatado, em favor das garantias jurídicas.
10 – REQUISITOS ESPECIAIS DA USUCAPIÃO
Os requisitos especiais, justo título e boa-fé, acrescentam à caracterização da posse ad usucapionem, na usucapião ordinária, qualificando esta modalidade de usucapir a propriedade e, conseqüentemente, reduzindo o lapso de tempo da posse. O conceito do justo título viveu durante muito tempo atrelado ao conceito de boa-fé, porém a doutrina e a jurisprudência têm procurado separá-los, tratando-os como realidades jurídicas autônomas, podendo aparecer juntas ou sozinhas.
O justo título deriva da iusta causa, que passou a ser titulus., é o título hábil para, em tese, transferir o domínio (causa habilis ad dominium transferendum), mas que não opera tal efeito, por ressentir-se de vício ou irregularidade, que o decurso do tempo (dez ou quinze anos) se encarrega de sanar[74]. A boa-fé (bona fidei), é a crença do possuidor de que a coisa possuída realmente lhe pertence, ignorando a existência de vício que macule o seu título aquisitivo.
Orlando Gomes[75] define como “ato jurídico abstrato, cujo fim é habilitar alguém a adquirir a propriedade” mas, por algumas determinadas causas, como: 1º) a aquisição a non domino; 2º) a aquisição a domino, em que o transmitente ou não gozava do direito de dispor ou transfere por ato nulo de pleno direito; 3º) existência de erro no modo de aquisição, deixa de produzir efeito, sendo, justo título “o ato translativo que não produziu efeito, o título de aquisição ineficaz”[76].
A maioria da doutrina coloca como requisito para a configuração do justo título a transcrição no registro imobiliário, para adquirir-se a propriedade. Nesse sentido, comenta Washington de Barros[77] que “a transcrição é ainda outro requisito para que o título havido seja como justo. Sem essa formalidade, inexiste aquisição do domínio. Título não registrado não preenche condição primacial para que seja havido como justo”.
Por outro lado, vem cresce a idéia de que a transcrição não é elemento essencial ao justo título, pois, como elucida Pontes de Miranda[78], “a-) se o título foi transcrito e houve boa-fé, se transferiu a propriedade, portanto é absurdo exigir-se para o usucapião título justo transcrito e boa-fé; b-) se tem confundido na maioria dos acórdãos plano da existência e plano da eficácia, o que se exige é o titulo habilis ad dominium transferendum, e não o título que haja transferido (se transferiu, tollitur quaestio)”.
Porém, o autor retro citado admite o justo título sem transcrição, mas exige que o título tenha efeito erga omnes. Desta forma, “não se pode apresentar como título para se adquirir, por usucapião contra alguém, escrito particular que não tem efeito erga omnes[79].
Entretanto, doutrina mais recente reconhece o compromisso de compra e venda como justo título para fins de usucapião ordinária, repercutindo em vários julgados (RT 566/97; 432/84 e LEX 226/109). José Osório de Azevedo Júnior, a esse respeito, conclui que “forçoso é admitir o compromisso como título hábil para gerar usucapião ordinário. Trata-se de negócio jurídico que, abstratamente considerado, leva à aquisição do domínio, pois, negando-se o promitente-vendedor a outorgar a escritura definitiva, a sentença produzirá os mesmos efeitos”[80].
Segundo Nélson Luiz Pinto[81], não se pode deixar de reconhecer ao compromissário-comprador, que quita o preço, o animus domini, a intenção de possuir a coisa como proprietário, independentemente de estar ou não o instrumento registrado”. As formalidades legais, inclusive a transcrição, devem ter em vista a interpretação da lei em função da realidade social, adequando os institutos jurídicos aos anseios da coletividade.
Outrossim, deve-se apontar que o atual Código Civil contemplou o compromisso irretratável, finalmente, o instituto como direito real, nos arts. 1.417 e 1.418, sob a epígrafe “Do direito do promitente comprador.” Nesse contexto, não se pode esquecer que a existência de compromisso de compra e venda, ainda que não registrado, é base segura para a ação de usucapião. A posse do imóvel e a existência de um compromisso quitado são aspectos mais do que suficientes e patentes para caracterizar justo título para a aquisição ad usucapionem. Desse modo, quando, por qualquer motivo, frustra-se a adjudicação compulsória ou o registro imobiliário, a ação de usucapião atingirá a mesma finalidade.
Todavia, ainda há mais uma possibilidade de usucapião versada no parágrafo único do art. 1.242 do Código Civil vigente: “Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelado posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.”
Essa hipótese contempla mais uma facilidade em prol da aquisição da propriedade, que pode ser denominado usucapião documental ou tabular. Nesse caso, como aponta Afrânio de Carvalho[82], o dispositivo visa proteger o proprietário aparente, isto é, aquele que já possuía uma inscrição dominial que fora cancelada por vício de qualquer natureza.
Nesse diapasão, pode ocorrer que o interessado tenha um título anterior que, por qualquer razão foi cancelado por irregularidade formal, vício de vontade etc. Assim sendo, a nova norma protege aquele que, nessa situação, mantém no imóvel a moradia ou realizou ali investimentos de interesse social e econômico, pois, atribuiu utilidade para coisa, em detrimento de terceiros. De qualquer forma, é hipótese de usucapião ordinária que não se isenta o justo título e boa-fé. Outrossim, a usucapião não pode beneficiar aquele que obteve o título com vício e o registrou, para poder ocupar o imóvel, restando-lhe apenas aguardar o prazo da usucapião extraordinária.
O passo do legislador neste aspecto, no entanto, ainda foi tímido, melhor seria permitir também a usucapião documental para os que tivessem compromisso de compra e venda devidamente quitado e posse contínua por esse período, juntamente com os demais requisitos expostos nesse dispositivo. Obrigar os compromissários compradores, nessa hipótese, a buscar a consagrada “escritura definitiva” é, como acentuamos, superfetação de inútil burocracia. Melhor seria, se o legislador tivesse permitido, nos compromissos registrados, que mera averbação de propriedade plena fosse feita ano registro de imóveis.
Dessa forma, pode-se concluir que não é só o compromisso de compra e venda como qualquer outro documento que retrate uma justa causa possessiones, posse com animus domini, e que possibilitaria ao possuidor futura transcrição desse documento ou substituição por outro definitivo, como é o caso, por exemplo, da promessa de cessão de direitos hereditários, de dação em pagamento, etc., desde que, naturalmente, cumprida a contraprestação do adquirente.
Além do justo título, é indispensável para a usucapião ordinária que o prescribente esteja de boa-fé. Esta, por sua vez, apesar da caracterização dada pelo art. 1.201, do CCB, traz muitas controvérsias na doutrina e na jurisprudência. Foi definida por Szladits como a estrela polar do direito. É a conduta leal. conduta segundo o direito, o cumprir honestamente o compromisso ou a obrigação assumida.
Tem um aspecto negativo: não lesar a ninguém (neminem laedere), e outro positivo: agir de maneira ativa na execução da prestação prometida, cumprir fielmente a sua parte na obrigação. Também pode ser vista como o respeito ao direito de terceiros, bem como a sinceridade ao contratar, a honestidade no cumprimento da obrigação, a elevação moral de idéias e sentimentos na prática dos atos jurídicos.
No Direito pátrio, encontra-se autores que separam ou fundem conceitos de justo título e boa-fé. Porém, como ressalta Nélson Luiz Pinto[83], “a separação desses conceitos se faz necessária, principalmente porque o justo título deve ter uma existência objetiva, ao lado da boa-fé, para que viabilize o usucapião ordinário previsto pelo art. 551 do CC”.
Como já dito anteriormente, o Código Civil vigente, em seu art. 1.242, não mais exige a figura dos ausentes ou presente mas, estabelece que adquire a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos, sendo que será de cinco anos o prazo previsto, se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro imobiliário, cancelado posteriormente desde que os possuidores tiverem estabelecido nele a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.
Observa Caio Mário da Silva Pereira[84] que “boa-fé é a integração ética do justo título (…) e reside na convicção de que o fenômeno jurídico gerou a transferência da propriedade. Internamente, a boa-fé assenta na convicção de não ofender o possuidor um direito alheio (…), ou no erro de entendimento do possuidor que, razoavelmente, se supõe proprietário”. Ressalte-se que o que importa é a ignorância de se estar lesando direito alheio.
A boa-fé ou é plena, total, ou não existe. Assim, há de estender-se sem qualquer interrupção durante todo o período prescricional, ou seja, deve perdurar durante todo o tempo necessário para aquisição por usucapião, não bastando a sua incidência no momento da aquisição. Esse é o entendimento de Armando Roberto Holanda Leite[85], para quem “a superveniência de má-fé impede a consumação do usucapião ordinário, devendo, pois, a boa-fé ocorrer do início ao fim do prazo prescricional”.
É preciso enfatizar que na usucapião extraordinária a boa-fé não é tratada como critério objetivo e, por sua vez, não admite prova em contrário. Na ordinária, a boa-fé se presume, admitindo, porém, prova em contrário. A prova incumbe a quem a alega. Destarte, na usucapião ordinária milita presunção iuris tantum de boa-fé em razão do justo título, é o que se nota pelo parágrafo único do art. 1.201 do CCB[86].
Por fim, temos que o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01) prevê diversos instrumentos para desenvolvimento da Política Urbana, incluindo entre estes, na Seção I, art. 4º, V, j e r, “a usucapião especial de imóvel urbano e a garantia da assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos”. Destaca-se, que os instrumentos da referida política apesar de deverem observar o disposto no Estatuto da Cidade, regem-se pela legislação que lhes é própria. (art. 4º, § 1º)
Assim, no que tange a concretização destes instrumentos da Política Urbana, a usucapião especial coletiva, como verifica-se no art. 10, que as áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
Assim sendo, como reza a legislação em comento, nessa última modalidade, exige-se que a área seja urbana, tal como reconhecida nos termos dos parágrafos 1º e 2º, do art. 32, do CTN[87], não sendo possível ao nosso ver, a usucapião especial coletiva sobre áreas ainda não incluídas na zona urbana municipal, bem como ter dimensões superiores a 250 m², ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor.
11 – CONCLUSÃO
De tudo que foi exposto sobre a usucapião, conclui-se que, desde os primórdios do Direito Romano, essa figura jurídica está diretamente ligada ao uso das coisas, especialmente as coisas imóveis. Sua evolução é marcada por constantes incursões no leito social, de modo a atender à nossa realidade, ganhando a configuração de matéria constitucional.
A usucapião como modalidade originária de aquisição, posto que resulta do desaparecimento de uma propriedade e surgimento de outra, proporciona ordem jurídica às incertezas da propriedade, evitando que a instabilidade do possuidor possa eternizar-se. Fundamenta-se tal intenção pelas ponderações ligadas à função social da propriedade, que chancela a transformação e sedimentação desse direito.
O Direito pátrio, ao longo dos anos, vem avançando no princípio da função social da propriedade, à medida que cria novas modalidades de usucapião, bem como estipula lapsos de tempo mais exíguos para efetivá-lo, o que denota a autonomia da posse frente aos direitos reais nos intrincados problemas sociais e jurídicos existentes em nosso País.
Todas as espécies de usucapião, na supremacia dos interesses sociais, servem como instrumentos tendentes a dar segurança aos direitos, sendo que os seus requisitos em geral, pelas novas tendências da doutrina e da jurisprudência, resguardadas pela própria Carta Constitucional, impõem, na época contemporânea, uma adequação dos seus institutos jurídicos à sua significação social, tendo em vista as peculiaridades de nosso País, o que inspira um abrandamento das formalidades legais e uma posição interpretativa menos rígida.
Informações Sobre o Autor
José Alexandre Junco
Advogado na Região de São José do Rio Preto/SP. Pós Graduado em Direito Civil e Processual Civil, pela UNORP, Pós Graduação de Direito Tributário em fase de conclusão no IBET, Professor Titular de Direito Tributário nos cursos de graduação, do Instituto Municipal de Ensino Superior de Catanduva/SP