Resumo: O princípio da boa-fé, com a entrada em vigor do Novo Código Civil, ganhou importância ímpar em todo ordenamento jurídico, exigindo um padrão de conduta honesto e diligente a todos que se põem em relações negociais e contratuais. Neste sentido, pretende o presente trabalho estudar sua aplicação na relação entre sócios quotistas, tendo em vista as características particulares das relações entre sócios, neste tipo societário que é o mais comum no território Brasileiro.[1]
Palavras-chave: princípio da boa fé. Relação entre quotistas. Direito comercial. Societário.
Abstract: The good faith Principle, with the New Civil Code, gained special importance in all legal environment, requiring a certain honest and diligent standard of behavior for all those in negotiation and contractual relationships. As so, this paper intends to study its application in the relationships among “quotistas”- partners of limited liability companies in Brazil, in face of the peculiar characteristics of the relationships among partners, in this corporate form that is the most common in the Brazilian territory.
Keywords: good faith principle. Quotaholder relationship. Commercial law. Corporate.
Sumário: Introdução. PrincÍpio da Boa-fé e a Affectio Societatis. Novo Código Civil e Princípio da Boa-Fé. Affectio societatis e Boa-Fé. Da Relação Contratual dos Sócios. Natureza do Contrato e Interpretação do Contrato Social. Acordo de Quotistas. Da Relação dos Sócios na Sociedade e do Dever de Lealdade. Conflito de interesses e aprovação de matérias. Sócio Controlador e do Abuso de Direito. Sócio Administrador. Conclusão.
Introdução.
“casa de ferreiro, espeto de pau”
Nas relações societárias, nas quais em tese as partes estariam unidas e em busca de um interesse comum[2], por vezes se verificam repetidos comportamentos que violam o princípio da boa-fé consagrado pelo novo Código Civil na forma de cláusulas gerais[3] e não seriam esperados nem mesmo em relações bilaterais – onde espera-se que as partes teriam interesses opostos.
Deve-se notar que o direito civil, em especial o direito contratual, encontra-se em processo de funcionalização e afastamento da idéia de patrimônio e liberdade individual, sendo cada vez mais influenciado pela boa-fé, a função social do contrato e o equilíbrio econômico, bases de nosso ordenamento.[4]
Com o advento do novo Código Civil, consolidou-se a união do direito civil e comercial. O novo estatuto disciplinou ambos, incluindo-se aí a sociedade limitada, estabelecendo-se novas regras e princípios que devem ser obedecidos pelos sócios.[5]
O novo Código[6] prevê como possíveis regulamentadoras das limitadas, de forma subsidiária e no que forem aplicáveis, as regras para sociedades simples ou, se houver opção das partes nesse sentido, ou subsidiariamente as normas das sociedades anônimas.
Note-se que os dispositivos jurídicos relativos às sociedades simples, introduzidos pelo novo Código, são considerados normas gerais societárias, sendo aplicáveis subsidiariamente aos diversos tipos societários e até, no que couber e no que a Lei 6.404/76 for omissa, às anônimas.[7]
O tema da incidência de dispositivos na vida das limitadas ainda é bastante discutido na doutrina, que não é pacífica quanto ao entendimento de quais as regras incidentes e à ordem de aplicação.[8]
Desta forma, assentada a premissa de que, no relacionamento de quotistas, as partes visam a interesses comuns (diversamente do que ocorre na relação entre comprador e vendedor, entre prestador e tomador de um serviço e em outras relações bilaterais nas quais, a princípio, um perde e outro ganha[9]) e tratando-se de uma sociedade na qual a identidade dos participantes no capital importa, seria intuitivo que se exigisse maior grau de boa-fé entre os membros da sociedade, implicando a especial interpretação dos contratos sociais, surgimento da obrigação de informar e a criação de obrigações complementares.
Não obstante, uma primeira leitura dos dispositivos legais aplicáveis leva-nos à conclusão de que a regra geral é a de que, caso os sócios entendam que seu relacionamento está desgastado ou verifiquem atitudes contrárias ao princípio da boa-fé, o caminho é exercer o direito de recesso nos casos possíveis,[10] notificar da resolução parcial[11] ou, quando houver dispositivo prévio no contrato social permitindo a exclusão do sócio, fazê-lo extrajudicialmente.[12]
Isto porque não há previsão especifica tratando da boa-fé nas relações entre sócios, quotistas ou não. Da mesma forma, a doutrina que trata do assunto é exígua.[13]
O objeto do presente é identificar nas relações societárias o princípio da boa fé. Especificamente, pretendemos analisar alguns dispositivos aplicáveis à relação dos quotistas de forma a verificar como a lei vigente, doutrina e jurisprudência atual trata as obrigações existentes entre os sócios e os requerimentos de boa-fé entre estes. A análise de tais artigos será feita caso a caso, utilizando-se de pesquisa jurídico-exploradora, em uma interpretação sistemática dos mesmos em face do ordenamento aplicável.[14]
Princípio da Boa-fé e a Affectio Societatis
Novo Código Civil e Princípio da Boa-Fé
O princípio da boa-fé teve origem no direito romano pelo culto da deusa Fides, garantidora das estipulações negociais. Tal noção religiosa, transposta para o mundo jurídico, alcançou logo relevante papel nas relações entre povos (inicialmente entre romanos e estrangeiros – jus gentium). A Fides então tinha o sentido de cuidado, poder e promessa consistente no vínculo determinante da manutenção da palavra empenhada.[15]
Posteriormente, disciplinaram-se os liames entre os negócios, com o surgimento da noção de bona fide, que determinava ser o acordo efetuado nos termos do espírito das promessas e levando em consideração o padrão do comportamento de homem normal aplicado ao caso específico. Criaram-se então ações de boa-fé (bonae fidei iudicia) visando tutelar novas situações advindas com os contratos consensuais e obter julgamentos por eqüidade, passando a fides bona a constituir padrão de vínculo.[16]
No direito brasileiro, inicialmente a boa-fé era utilizada na sua acepção subjetiva[17], caracterizando um aspecto psicológico de desconhecimento de certa situação de ilicitude.
Entretanto, aos poucos, por meio de construção doutrinária e jurisprudencial, e finalmente com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor,[18] o princípio adotado foi o da boa-fé objetiva, desvinculado das intenções íntimas do sujeito e que vem exigir comportamentos objetivamente adequados aos parâmetros de lealdade, honestidade e colaboração.
O princípio da boa-fé objetiva, hoje consolidado no Código Civil[19], tem respaldo constitucional, de acordo com a doutrina nacional majoritária, não obstante haver divergência sobre o tema.[20]
Com o novo Código Civil, a tendência jurisprudencial de estender a aplicação da boa-fé objetiva às relações contratuais que não as consumeristas foi confirmada, mas diferindo da versão protetiva que os tribunais brasileiros empregavam.[21]
A boa-fé objetiva foi positivada em nosso ordenamento jurídico, por meio de cláusula geral[22], possuindo conteúdo indeterminado e dependendo de interpretação a fim de criar efetivar a criação de padrões de convívio social.
Vejamos as cláusulas do Código Civil que tratam da boa-fé:
“Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”[23]
Logo, vê-se que os dispositivos acima são normas aplicáveis a uma gama de situações jurídicas bastante extensa, gerando regras interpretativas dos negócios jurídicos, limitando o exercício de direitos e criando obrigações adicionais.
Entretanto o novo Código Civil não estabeleceu standards de conduta[24] que servissem de auxílio na determinação e aplicação das cláusulas gerais.
A doutrina brasileira sustenta, portanto, haver limites em sua aplicação.
Tepedino e Scheiber[25] ressaltam que a boa-fé objetiva no âmbito do direito civil, por faltar parâmetros de aplicação, deve ser estudada de forma a garantir maiores precisão e contornos dogmáticos, em especial quanto às suas funções e aos seus limites.[26]
Adicionalmente aos contornos que serão dados pelos intérpretes da lei à boa-fé, vale ressaltar, brevemente, outros princípios limitadores de nosso ordenamento.[27]
A função social serve como tempero para comportamentos, em especial no tocante aos contratos. O Código Civil, em seu artigo 421, determinou que a liberdade contratual deve ser “exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. [28] Tal dispositivo será utilizado, por conseguinte, juntamente com outros limitadores, para ponderar os interesses de forma a alcançar uma solução justa.[29]
Assim, a boa-fé estará adstrita à finalidade econômico-social do contrato[30] e toda e qualquer conseqüência da boa-fé terá limites da lei e da situação específica analisada, ou seja, as características do caso concreto importarão na aplicabilidade do princípio referido.
Outra limitação é a da onerosidade excessiva decorrente de fatos supervenientes à celebração do contrato e inimputáveis às partes (mais comuns em relação aos contratos de execução continuada). Neste caso, como bem observado por Sylvio Capanema,[31] seria atentatório aos princípios da função social e da boa-fé que se mantivesse a parte aprisionada pelo vínculo contratual que a levaria à ruína, e que não teria constituído, se lhe fosse possível prever o futuro.[32]
Assim a aplicação da boa-fé será ponderada em face de outros princípios e a doutrina reconhece que uma análise judicial e futuros estudos deverão delimitar sua atuação e implementação.
No tocante às funções da boa-fé, a doutrina classifica, com base nos artigos referidos do Código Civil (artigos 422, 133 e 187), três desdobramentos desse princípio. Assim, a boa-fé objetiva tem as funções de criação de deveres anexos[33], de limitação do exercício de direitos e de interpretação de cláusulas.[34]
Entre a criação de deveres anexos[35], temos o de proteção como evitar perigos, lealdade e cooperação e ainda de informar e esclarecer. O descumprimento dos deveres secundários pode atingir a própria prestação, conforme a gravidade deste, e significar o descumprimento da obrigação stricto sensu ou cumprimento imperfeito desta.[36]
Note-se que a aplicação de tais deveres secundários deriva da boa-fé objetiva, não sendo necessária a manifestação de vontade para que seja exigida, “independentemente da regulação voluntaristicamente estabelecida.”[37]
Quanto à segunda função do princípio da boa-fé objetiva – limitação ao exercício dos direitos – vê-se que esta é bastante relacionada à figura do abuso de direito, que será estudado adiante.[38]
A doutrina considera como modalidades de tal função as situações de exceptio doli[39], nemo potest venire contra factum proprium[40], suppressio[41], surrectio[42] e tu quoque.[43]
No tocante à função interpretativa, consolidada no Art. 113 do Código Civil acima disposto, o princípio da boa-fé pode ser utilizado a fim de permitir a melhor aplicação das regras existentes.
Nas relações societárias, que têm características próprias, o princípio da boa-fé objetiva deverá ser aplicado e interpretado conforme as demais regras particulares. Tal diferenciação é reconhecida pela doutrina.
Karl Larenz[44] já acentuava que, com base na boa-fé, em certos casos há que se exigir um comportamento mais acurado, sendo mais amplos os deveres de recíproca consideração e observação da confiança nos contratos de sociedade, entre outros, mediante o qual se estabelece relação de colaboração duradoura. Desse modo, haverá obrigações adicionais e complementares decorrentes da relação societária.
Já Judith Martins-Costa declara, comentando sobre aspectos do venire contra factum proprium:
“O Direito Societário recebe com traços particulares o dever de respeitar a confiança em razão da affectio societatis que potencializa os deveres de confiança. Por isso mesmo o venire aí incide com intensidade particular, mormente na relação intra-societária.”[45]
É bastante claro, pois, que no âmbito societário, exigindo maior confiança e lealdade que as relações contratuais genéricas, o princípio da boa-fé incidirá de forma especial. Destarte, é importante a análise da relação entre estes institutos.
Affectio societatis e Boa-Fé
A affectio societatis é, de acordo com Rubens Requião[46] “um elemento característico do contrato societário”. Fran Martins igualmente compartilha desse conceito, definindo a affectio societatis como “o desejo de estarem os sócios juntos para a realização do objeto social”[47]. Jorge Lobo, por sua vez, define como:
“(…) a vontade firme de os sócios unirem-se, por comungarem de idênticos interesses, manterem-se coesos, motivados por propósitos comuns, e colaborarem, de forma consciente, na consecução do objeto social da sociedade.”[48]
A affectio societatis é reconhecida no direito brasileiro tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência[49], sendo sua ausência causa para exclusão de sócio ou dissolução social.[50]
Essa circunstância decorre da própria essência do contrato de sociedade, na medida em que a vontade associativa tem conseqüências para as partes e é criadora de direitos e deveres adicionais, como pertinentemente ressalta a doutrina. Waldo Fazzio Júnior assim dispõe:
“O ânimo societário é requisito fático, de índole subjetiva, da existência da sociedade, posto que, a sua ausência, descaracterizada estará a própria natureza constitutiva desta. Mais que um elemento impulsionador, é um dever dos sócios, envolvendo a lealdade, a conduta coerente com o propósito declarado e a implementação contínua do intento societário.”[51]
Vê-se que a bona fide societatis é, portanto, criadora de obrigações adicionais para as partes envolvidas.
Sobre a relação da boa-fé com a affectio, vale citar Fábio Konder Comparato:
“(…) Ora, essa exigência de perseverança em certo e determinado acordo social – único e infungível – acarreta, por via de conseqüência, a exigência de acendrada boa-fé. Característica de actio pro socio é que se deixa condenar pelo inadimplemento de uma de suas obrigações contratuais por insignificante que seja, comete um ato de grave malícia (dolus malus) e incorre na infâmia.
A affectio societatis é, portanto, não um elemento exclusivo do contrato de sociedade, distinguindo-o dos demais contratos, mas um critério interpretativo dos direitos e responsabilidades dos sócios entre si, em vista do interesse comum. Quer isto significar que a sociedade não é a única relação jurídica marcada por esse estado de ânimo continuativo, mas que ele comanda, na sociedade, uma exacerbação do cuidado e diligência próprios de um contrato bonae fidei. Em especial, o sócio que descumpre disposição estatutária e, sobretudo, contratual (pois a relação convencional é mais pessoal e concreta que a submissão a normas estatutárias), como é o caso de acordos de acionistas numa sociedade anónima, pratica falta particularmente grave sob o aspecto da ética societária; ele se põe em contradição com sua anterior estipulação ou declaração de vontade, revelando-se pessoa pouco confiável enquanto sócio (venire contra factum proprium”).
Há, assim, dois elementos componentes da affectio ou bona fides societatis, representativos do duplo aspecto dessa relação: a fidelidade e a confiança. A fidelidade é o escrupuloso respeito à palavra dada e ao entendimento recíproco que presidiu à constituição da sociedade, ainda que o quadro social se haja alterado, mesmo completamente. Por outro lado, a confiança é também um dever do sócio para com os demais, dever de tratá-los não como contrapartes, num contrato bilateral em que cada qual persegue interesses individuais, mas como colaboradores na realização de um interesse comum.”[52]
Assim, a relação de sociedade, impondo às partes um comportamento pautado em lealdade e confiança, exige delas uma postura de colaboração, boa-fé e todos os deveres e direitos decorrentes.
Da Relação Contratual dos Sócios
Os contratos no âmbito societário são utilizados como bases para regular a convivência entre os detentores de participação no capital social.
Natureza do Contrato e Interpretação do Contrato Social
É indiscutível a natureza diferente e particular do contrato social. Como elementos e requisitos para a sua existência, Orlando Gomes[53] inclui o fim comum, que deve ser patrimonial, a ser alcançado com a cooperação dos sócios, a contribuição destes e a affectio societatis.
Ainda, o contrato social é plurilateral pressupõe a capacidade das partes[54] e deve ser por escrito e registrado no órgão competente para que gere efeitos de personalidade jurídica.
Não cabe aqui estendermo-nos acerca da natureza do contrato societário. Entretanto, devemos ressaltar que a interpretação de seus termos deverá, tanto quanto qualquer outro contrato, obedecer aos princípios e às regras gerais aplicáveis à generalidade das relações contratuais.
Uma vez constituída a sociedade, a interpretação das cláusulas contratuais[55] dar-se-á sempre no sentido de beneficiar a sociedade e de acordo com os princípios da boa-fé, aplicando-se as regras gerais de contratos e as particulares do direito societário.
O contrato social, como principal ato jurídico gerador de direitos e obrigações na sociedade, subordinado à lei e aos princípios legais, atuará também como instituto que estabelece limites e rege as relações societárias. Vê-se, então, a importância da redação minuciosa e cuidadosa do mesmo, a fim de evitar interpretações duvidosas ou conflituosas de suas cláusulas e garantir a boa relação entre os quotistas e a continuidade da sociedade.
Não obstante, a boa-fé (seja por aplicação direta de acordo com a letra da lei – vide regras supracitadas do Código Civil – ou quando, de acordo com o disposto na Lei de Introdução ao Código Civil, houver lacunas da lei e do contrato) atuará utilizando as regras existentes e comparando ao padrão comum para alcançar uma decisão equilibrada para as partes.
Acordo de Quotistas
O acordo de quotistas é um contrato firmado por sócios para regular direitos da participação em determinada sociedade.
Modesto Carvalhosa define o acordo de acionistas[56] como contrato que, submetido às normas comuns, é concluído entre sócios de mesma companhia, tendo por objeto a regulação do exercício dos direitos referentes às suas ações constituindo modalidade negocial que permite a conservação de titularidade e posse, submetendo-se a determinadas restrições negociais no exercício dos direitos respectivos. O mesmo jurista, em outro estudo, reconhece que as normas e princípios que disciplinam e regem o instituto do acordo de acionistas são aplicáveis às limitadas.[57]
Os acordos podem ser unilaterais (quando gerarem obrigações e deveres somente para uma das partes, como promessas de vincular o exercício de direito de voto dos sócios na forma do contrato referente ou preferências para aquisições de ações), bilaterais (quando produzem deveres e obrigações recíprocas, havendo dois centros de interesses e obrigações) e plurilaterais (quando visarem alcançar finalidades comuns). Não obstante a ausência de previsão legal acerca do acordo de quotistas, a doutrina reconhece a sua existência e validade de tais contratos.
Sergio Campinho discorre acerca da figura do acordo de quotistas:
“Na hipótese de acordo de cotista, verificando-se no contrato a utilização a utilização subsidiária da Lei das S/A, não se tem dúvida da possibilidade de sua celebração pelos sócios, aplicando-se à espécie o disposto no artigo 118 da Lei 6.505/76, com as necessárias adaptações ao tipo societário de limitada. Todavia, ainda na ausência da prefalada previsão, regrando-se supletivamente a limitada pelas normas da sociedade simples, sustentamos ser possível aos quotistas a celebração do pacto, por aplicação analógica do preceito que não violenta sua natureza e apresenta-se como regra benéfica aos cotistas, ao permitir que regulem o exercício de certos direitos.”[58] (sic)
Jorge Lobo, ao tratar de acordo de sócios nas sociedades limitadas, define:
“contrato atípico e parassocial, celebrado, em geral, por instrumento público ou particular, por sócios, para atender seus interesses particulares, criar vínculos de caráter pessoal e disciplinar, livremente, direitos, deveres, e obrigações recíprocas, atuais e futuras, produzindo efeitos perante a sociedade, quando arquivado na sede social (…).”[59]
Trata-se, pois, de contrato sem previsão legal expressa no qual as partes livremente pactuam diversas obrigações e direitos sendo subordinado e coligado ao contrato societário principal. No caso, tal contrato visa à composição dos interesses de cada sócio no âmbito social criando vínculos pessoais.
O acordo de quotistas terá, portanto, como pressupostos e requisitos de existência que as partes sejam sócios e os pactos sejam formalizados por instrumento público ou particular, podendo haver prova de existência para efeitos dos sócios, mesmo que não por escrito, através de testemunhas, documentos, indícios e circunstâncias.
Os requisitos de validade são os comuns aos demais contratos[60] como agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. No que tange à licitude do objeto, o acordo não pode violar a lei, os bons costumes e o estatuto social, nem ser prejudicial à sociedade ou gerar abusos.
Ora, se o princípio da boa-fé deve-se incidir, pelas cláusulas gerais do Código Civil supramencionadas, em todas as relações contratuais, a regra não tem exceção no caso em tela.
A boa-fé influenciará na determinação das regras e da vida dos sócios, criando obrigações adicionais e limitando o exercício do direito.
Ao incluir a previsão de tal acordo, a Lei de Sociedades Anônimas visou limitar quais seriam os contratos que deveriam ser válida e obrigatoriamente respeitados pela sociedade e por terceiros, cumpridas as devidas formalidades.[61]
Nas sociedades limitadas, contudo, Jorge Lobo[62] considera que, na falta de restrição legal, não há limitação de validade dos dispositivos que deverão ser observados pela sociedade ou por terceiros. Havendo arquivamento na sede social, o teor do acordo de quotistas deverá ser observado pela sociedade, limitado pelo contrato social, da lei, dos bons costumes e do interesse da sociedade, independentemente de se tratar das hipóteses de classificação, mais especificamente tratadas adiante, listadas de acordos de acionistas ou não.[63] Entende ainda o autor que, uma vez registrado o documento em registros públicos, o mesmo deverá ser respeitado por terceiros.
Os deveres e direitos relacionados aos acordos podem decorrer diretamente destes ou das obrigações adicionais derivadas do princípio da boa-fé, como acima discutido.
De toda forma, pode-se concluir que os acordos de quotistas são válidos, permitindo aos sócios a estipulação de direitos e deveres relacionados à sua posição perante a sociedade. Não obstante, os termos dos acordos e a sua aplicação serão sempre limitados à lei, ao interesse social, à boa-fé, à função social do contrato e aos bons costumes.
Da Relação dos Sócios na Sociedade e do Dever de Lealdade
A lei brasileira não explicita, mas é reconhecido que o sócio tem um dever de lealdade perante os demais sócios e a própria sociedade. Esse entendimento se depreende da noção geral de colaboração para o sucesso do empreendimento comum, e da affectio societatis, que acima de tudo representa a abstenção do sócio de praticar atos prejudiciais aos interesses comuns, podendo, inclusive, gerar responsabilidade.
A deslealdade do sócio se configura quando o seu comportamento prejudica o pleno desenvolvimento da sociedade. O descumprimento do dever de lealdade acarreta, na maioria das vezes, apenas problemas internos à sociedade, que se resolvem com a aplicação da lei, acordo ou expulsão do sócio desleal, seja quando permitido no contrato social, por deliberação societária, seja judicialmente. Entretanto, quando a deslealdade tratar de competição do sócio com a sociedade, o descumprimento do dever pode ser tipificado como conduta criminosa, como veremos adiante.
Para analisar o dever de lealdade e a configuração do crime – semelhantemente à doutrina francesa[64] e à italiana,[65] que diferenciam as espécies de sócios para configurar o grau de lealdade exigido deles -, Fabio Ulhoa[66] considera ser preciso distinguir o empreendedor do sócio investidor. Logicamente, ambos têm interesse no desenvolvimento da sociedade, mas, como tais interesses não se expressam do mesmo modo, o doutrinador entende que as obrigações destes em face da sociedade não podem ser equiparadas.
Assim, os investidores podem alocar recursos em duas sociedades concorrentes, desejando o crescimento de ambas, não configurando nenhuma irregularidade para fins societários, haja vista que não integram a gestão de nenhuma das duas.
Já no caso de um investidor ser empreendedor de outra sociedade, sem a obtenção de anuência por escrito dos seus demais sócios, poderá estar descumprindo o dever de lealdade, pois a condição de empreendedor implica um vínculo mais estreito.
Há, então, graus de dever de lealdade. No caso descrito no parágrafo acima, é possível tratar-se somente de infração societária, encerrando-se na eventual expulsão do investidor e na possível indenização dos danos.
A situação mais grave de deslealdade é a circunstância de o sócio ser empreendedor em duas sociedades concorrentes, já que pode haver, por exemplo, a utilização de informações de uma em proveito da outra ou o uso da fama da primeira em benefício da segunda, desviando clientela irregularmente. Se as informações não forem confidenciais ou não sejam aproveitadas, a deslealdade é um problema exclusivo dos sócios. Porém, se as informações forem sigilosas e se verificar o mau uso destas e/ou a conduta ficar tipificada como crime de concorrência desleal[67], esta extrapolará o direito societário.[68]
Contudo, há jurisprudência no sentido de que se sócios anuem com atos de outro quotista que busca a associação com empresa concorrente, estes não podem, posteriormente, alegar que tais atos eram desleais tendo em vista a concordância prévia com os mesmos.[69]
Vê-se, portanto, que aceitação de diferentes níveis de intensidade do princípio da boa-fé e do dever de lealdade induz a que se exija um grau de lealdade menor quando o sócio tenha menos relação com a sociedade, intensificando-se esse dever, de outro lado, quando maior for esse envolvimento.
Havendo dever de lealdade e verificando-se que os atos do sócio ocorreram em prejuízo para a sociedade ou em benefício de terceiros sem justificativa (conforme veremos adiante), há diversos remédios jurídicos para a sociedade prejudicada.
Conflito de interesses e aprovação de matérias
Doutrina e jurisprudência, independente da posição em relação aos interesses sociais e dos sócios, (se estes são iguais, convergentes ou divergentes) constatam que existe a possibilidade de os sócios terem interesses conflitantes com a sociedade em determinado momento.
Quando há tal conflito, a lei protege os interesses da sociedade.[70]
O Direito Brasileiro optou por estabelecer conceitos objetivos de conflito de interesses. Deste modo, não se perquirirá a intenção do sócio durante o voto, mas sim se o mesmo tem potencial de alcançar fins ilegais. Já para o voto abusivo há entendimento diverso.[71]
Disciplinando as sociedades limitadas, o Parágrafo 2º do artigo 1.074 do Código Civil[72] dispõe que nenhum sócio – por si ou na condição de mandatário – pode votar matéria que lhe diga respeito diretamente.[73] Desta forma, verifica-se vedação de voto em determinados casos em que o sócio tem interesse.[74]
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu haver impedimento mesmo quando os diretores são os únicos sócios em sociedade fechada.[75] Há divergência, entretanto, no próprio órgão.[76]
Note-se, não obstante, que o sócio impedido sempre poderá buscar sua proteção judicial visando prevalecer o interesse social. Os demais sócios poderão ser, portanto, responsabilizados.
Em relação à responsabilidade do sócio pelo voto, há previsão expressa da Lei das S.A.s. que cria obrigação de indenização pelo voto conflituoso independente deste prevalecer.
Já o artigo 1.010 do Código Civil, cujo § 3o, referente às Sociedades Simples estabelece que “Responde por perdas e danos o sócio que, tendo em alguma operação interesse contrário ao da sociedade, participar da deliberação que a aprove graças a seu voto.” Assim, poderíamos interpretar que, conforme a lei subsidiariamente aplicável, haveria as exigências de que o voto prevaleça e que o ato gere danos.
Analisando a doutrina a respeito, é clara a distinção de casos de impedimento ou obrigação de abstenção de voto, que são hipóteses em que a lei presume o conflito e proíbe o voto, no tocante ao resultado de tais atos, e outras em que a existência ou não de conflito será avaliada in casu.[77] Há também discussão de quando há responsabilidade, se há necessidade de dano.[78]
Visando padronizar os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais acerca das limitadas, o Enunciado Aprovado nº 217 da III Jornada de Direito Civil assim conclui:
“Artigos 1.010 e 1.053: Com a regência supletiva da sociedade limitada, pela lei das sociedades por ações, ao sócio que participar de deliberação na qual tenha interesse contrário ao da sociedade aplicar-se-á o disposto no Artigo 115, § 3º, da Lei n. 6.404/76. Nos demais casos, aplica-se o disposto no Artigo 1.010, § 3º, se o voto proferido foi decisivo para a aprovação da deliberação, ou o Artigo 187 (abuso do direito), se o voto não tiver prevalecido.”[79]
Não obstante, o Artigo 1.074 do Código Civil, que se encontra no capítulo específico de sociedades limitadas, em seu Parágrafo Segundo, parece impedir a participação de sócio em votação quando a matéria for de seu interesse[80].
No entanto, independente da opção legislativa, parece-nos que o conflito poderia ser bastante atenuado através da prestação de informações aos demais sócios sobre a existência da situação fática in casu, permitindo estes deliberarem com plena ciência da situação.[81]
Adotando-se a máxima do juiz da Suprema Corte dos EUA, Louis Brandeis, de que “o sol é o melhor desinfetante”, a tendência, já concretizada no direito americano[82] e aplicada pelas cortes de Delaware,[83] especializadas em direito societário, parece-nos o caminho mais adequado para delimitar a situação de conflito no âmbito das relações societárias.
Destarte, adotando como regra a obrigação de informar a existência de qualquer situação que possa ser considerada conflituosa ou passível de suspeita, as partes envolvidas que eventualmente discordassem da deliberação ou considerassem que a decisão resultante poderá ser prejudicial à sociedade teriam os meios legais de buscar a proteção de tais interesses. Tal posição pode ser uma alternativa para o critério legal atual.[84]
Por fim, notamos que já há posicionamento em nossa jurisprudência que segue esta tendência. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro validou uma deliberação assemblear em que o conflito se encontrava presente, entendendo que o demais sócios atuaram por livre escolha em deliberação na qual se declarou a existência do mesmo.[85]
Sócio Controlador e do Abuso de Direito
Nas regras aplicáveis à sociedade limitada não existe a menção ao sócio controlador[86] a fim de regular suas atividades. Contudo, a doutrina nacional costuma fazer referência a tal categoria no tocante às limitadas quando trata da exclusão pelos demais sócios.
A figura do controlador[87] existe em qualquer tipo societário.[88] A lei das sociedades anônimas[89] definiu a figura do acionista controlador refletindo a realidade econômica subjacente podendo este ser um único indivíduo ou pessoa jurídica ou um grupo que detém tal poder. O artigo 116 da Lei 6.404/76 determina que o controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar seu objetivo e cumprir suas funções sociais.[90]
Assim, entende-se que do poder de controle deriva um dever de cuidado para com os minoritários em face da relação entre os sócios. Em decorrência de tais obrigações, há certas restrições ao exercício de poderes. Atos que atentarem contra a boa-fé, os costumes, os contratos sociais e a lei serão tidos como abusivos.
É importante pontuar o que é tido como abuso de poder. Barros Leães[91] considera que o abuso de direito se dá, quando dentro das prerrogativas que o ordenamento concede, a parte deixa de ter em vista o fim social para qual o direito subjetivo foi concedido, levando a um desvio no exercício regular deste, seja por faltar interesse legítimo, seja porque destinação econômica ou social foi frustrada. O r. Ministro Moreira Alves em voto perante o Supremo Tribunal Federal afirmou, em voto proferido, ‘revistas, ver normas, p. sma obra e mesma pque o abuso de poder de controle resulta da causa ilegítima de decisões tomadas com a única fidelidade de prejudicar interesses exclusivamente pessoais de alguns deles.[92]
Note-se, contudo, que o novo Código Civil estabelece a figura do abuso de direito na combinação de seu artigo 187 com o artigo 927[93] equiparando o este ao ato ilegal, tendo em vista os efeitos decorrentes.[94]
Voltando ao âmbito societário, no tocante às companhias, o artigo 117 da Lei 6.404/76 enumera atos abusivos determinando a responsabilidade pelos danos causados à sociedade, aos sócios e a terceiros. Tal enumeração entende ser a doutrina exemplificativa, não limitando a responsabilidade no tocante a outros atos possivelmente danosos.[95]
A análise ocorrerá de forma objetiva comparando a conduta lesiva do controlador e a norma legal, sobrepondo o interesse deste ao da sociedade. Entre as formas de abuso verifica-se o voto abusivo.[96]
Logo, a parte controladora, nos termos da lei vigente (que tenha o poder de decisão e exerça tal poder), que use de tal poder de forma contrária ao interesse social estará praticando abusos e agindo de forma contrária à boa-fé esperada.[97]
Assim, conclui-se que a lei busca proteger o interesse da sociedade e dos demais sócios, punindo quem aja em desacordo com o que seria benéfico àquela. Por essa razão, um acompanhamento diário pelos interessados é necessário para garantir a aplicação da lei e assegurar a boa continuidade da instituição.
Sócio Administrador
Os administradores são encarregados de gerir a sociedade e decidir os planos estratégicos e negociais da empresa, tendo como marco inicial de sua responsabilidade a nomeação a tal cargo e a aceitação do mesmo.
O Manual de Atos de Registro de Sociedades Limitadas determina que somente pessoas físicas podem ser escolhidas para administradores de sociedades limitadas.[98] Estas poderão ser não sócias, se devidamente autorizado no Contrato Social (Art. 1.061 do Código Civil). Não obstante, deverão ser residentes no país, com visto permanente, a fim de adequadamente conduzir os negócios sociais.
Nota-se aqui que o novo Código Civil inovou ao permitir a possibilidade de não sócios; não existe mais, contudo, a delegação de gerência.[99]
Os poderes da administração serão estabelecidos no documento que os nomear, ou, no silêncio, os administradores terão amplos poderes, excetuando-se a oneração e a alienação de bens imóveis se tais atos não forem parte do objeto social.[100]
Quando houver competência conjunta, os administradores deverão sempre agir em concurso, salvo em caso de urgência responsabilizados pelos atos que praticarem ou pelos danos que sua omissão ou atraso gerar.[101]
O administrador da sociedade, em geral, atuando no limite de suas funções não é responsável pelos seus atos. Sê-lo-á, contudo, pelos atos ilícitos e danosos à sociedade[102], sócios e terceiros, fora de suas atribuições e poderes ou quando agir com culpa ou dolo.[103]
Cabe fazer uma breve análise dos dispositivos legais aplicáveis em relação aos casos em que os administradores serão responsáveis.
Vê-se que no caso de sócio administrador, os deveres de diligência, lealdade[104] e informação, prescritos aos administradores de sociedade anônima na Lei 6.404/76[105], bem como os dispositivos das sociedades simples[106], podem ser vistos como preceitos gerais, aplicáveis a qualquer pessoa que tenha a incumbência de administrar bens e/ou interesses alheios.[107]
Em relação às normas das Sociedades Simples, o Enunciado 220 da III Jornada de Direito Civil considerou o artigo 1.016, que determina responsabilidade por atos culposos, aplicável a todas limitadas, ainda que prevejam aplicação subsidiária da Lei 6.404/76. [108]
O novo Código Civil, ao tratar das normas da sociedade simples, exige que o administrador tenha no exercício de suas funções, o cuidado e diligência[109] do homem probo,[110] respondendo por perdas e danos quando agir em desacordo com a maioria e quando agir com culpa ou utilizar-se de bens em proveito próprio[111] ou contrariamente à sociedade.[112]
Rubens Requião[113], em posição semelhante àquela que distingue as obrigações dos quotistas conforme sua relação com a sociedade, considera que, se existe o dever de lealdade para os sócios, por mais fortes razões deve o administrador pautar sua atuação dentro de princípios de lealdade para com a empresa.
Nestes limites, a prática de atos de liberalidade[114], como renúncia de direitos e outorga de aval e fiança a terceiros por parte dos administradores exige prévia autorização para tanto.[115]
Ainda, tal obrigação determina que o administrador não aproveite de sua posição para obter ganhos sobre os interesses da sociedade, não faça uso pessoalmente de oportunidades da mesma que tenha ciência em razão do exercício de seu cargo, omitindo-se no exercício ou proteção de direitos da companhia, visando à obtenção de vantagens, para si ou para outrem, rejeitando oportunidades de negócio de interesse da companhia e não adquirindo, para revender com lucro, bem ou direito que sabe necessário à companhia, ou que esta tenha interesse em adquirir.[116]
A lealdade está estritamente relacionada ao conflito de interesses.[117] O administrador deverá comunicar a quem competir a existência de tal conflito[118], bem como se abster de participar da aprovação da operação e todos os contratos deverão ser firmados em condições equivalentes às oferecidas no mercado.[119] No caso de não cumprimento de tais obrigações, o ato será anulável e o administrador poderá ser obrigado a ressarcir a sociedade.
O administrador deverá prestar contas devidamente aos sócios, bem como lhes relatar do que for pertinente em relação à sociedade a fim de cumprir com seus deveres. A obrigação de informar (bem como não o fazer)[120] existe sempre que for relevante para interesses legítimos da sociedade.
Quaisquer benefícios a si próprio ou a terceiros,[121] inclusive a distribuição de lucros fictícios[122] ou em prejuízo à sociedade e seus bens, bem como quaisquer atos praticados com culpa ou dolo, gerarão responsabilidade e a possibilidade de ajuizamento de ação pertinente.
Assim, quando o administrador da limitada descumpra seus deveres e a sociedade sofra prejuízos por isso, ele será responsável pelo ressarcimento dos danos e poderá ser afastado de suas funções. O sócio administrador será obrigado ao mais exíguo cumprimento da boa fé objetiva em sua atuação. Ele será responsável, ainda, conforme adiante relatado, se aproveitar indevidamente de bens da sociedade.
Normalmente, quando o administrador incurso em ato de má administração não é o sócio majoritário, este provavelmente será destituído, e responderá à ação indenizatória proposta pela sociedade ou pelos sócios, nos termos da lei.
O problema surge quando o sócio majoritário é o administrador. Isso porque a destituição pelos minoritários é impraticável sem o apelo ao judiciário, pois o ato referente não poderá ser arquivado sem assinatura dele, o que por vezes gera abusos. Ainda, notemos que a ação judicial será objeto de requisitos formais para seu ajuizamento, como veremos a seguir.
Não obstante, verifica-se crescente proteção aos minoritários não só na legislação aplicável às sociedades anônimas, como na doutrina e jurisprudência empresarial em geral.[123]
Tal posição também foi verificada em decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que, provada a má atuação, afastou o sócio gerente temporariamente, apesar de este ser o único sócio à época (os outros interessados eram herdeiros do ex-sócio).[124] Sérgio Campinho valida tal decisão.[125]
Assim, verificamos que, para o administrador, quais forem as regras aplicáveis, existem padrões mínimos de conduta que são sempre serão exigidos.
CONCLUSÃO
O sistema jurídico brasileiro é construído com base em princípios que servem para, pela interpretação da lei existente com base em seus ideais tornar o mesmo completo e coerente.
O princípio da boa-fé, em sua função objetiva, tem respaldo constitucional e previsão no Código Civil e atua em toda relação entre sócios.
A boa-fé objetiva adotada nas relações contratuais exige determinado padrão de conduta razoável, imputando às partes, independentemente de aspectos subjetivos, deveres e limitações. Servirá então para impor limites ao exercício de direitos decorrentes de tal posição societária, criar obrigações adicionais de proteção e cuidado em respeito à situação de confiança existente e auxiliar na interpretação dos contratos existentes.
A relação de sócios, em especial nas sociedades de pessoas como as limitadas, tem características próprias pela existência da affectio societatis.
Portanto, ao invés de as partes se encontrarem em relação bilateral, na qual os interesses se opõem, estas se unem com intenções semelhantes e visando fim comum, sendo claro o caráter pessoal e de confiança existente.
Destarte, a exigência de um padrão de boa-fé é maior que nas relações bilaterais sinalagmáticas.
Contudo, o grau de cuidado exigido variará conforme a intensidade do relacionamento do quotista com a sociedade e os sócios. O controlador e o administrador terão regras próprias estabelecendo maior obrigação de zelo enquanto sócios capitalistas serão menos exigidos.
Não obstante, qualquer quotista será responsável por ilegalidade e abusos.
No contrato social a função da boa-fé será principalmente de interpretação das regras existentes. Atuará também, na falta de tais regras, para buscar uma situação justa entre os sócios e permitir a continuidade da sociedade.
O acordo de quotista servirá como regramento adicional na relação de sócios.
A infração dos deveres, o abuso, a quebra de boa-fé e da affectio societatis entre os sócios poderão levar a exclusão da sociedade, destituição – em caso de atuar como administrador, dissolução parcial, remissão, além da responsabilidade civil e penal (em especial no caso de concorrência desleal) e/ou a obrigação de restituir valores obtidos por enriquecimento ilícito.
Entretanto, um cuidado na elaboração dos contratos aplicáveis e prévia preocupação em promover meios facilitadores para eventuais conflitos são imprescindíveis para garantir a continuidade da sociedade e boa relação dos quotistas.
Ainda, a jurisprudência e a doutrina atuarão no futuro consolidando os princípios do Código Civil e talhando cada vez mais os padrões e comportamentos esperados em decorrência da boa-fé objetiva.
Informações Sobre o Autor
Ana Beatriz Nunes Barbosa
Master of Laws pela New York University – NYU, 2002 e pós-graduada pelo LLM em Direito Societário e Mercado de Capitais IBMEC, 2005 e Curso de Especialização Latu Sensu em Direito de Empresa – CEPED – UERJ, 2004. Admitida pelo New York Bar 2003 e Sócia de Denis Borges Barbosa Advogados