Muito provavelmente, dentro de quatro
meses, o mundo estará voltando suas atenções para cidade de Doha,
Qatar. Lá, ao que tudo indica, se desenrolarão as
negociações internacionais mais importantes deste ano, pois as decisões que
serão tomadas terão um claro reflexo nas áreas comerciais e conseqüentemente
sociais do mundo. O Qatar irá sediar a próxima
e mais importante rodada da OMC até o momento. Os principais atores deste
acontecimento, União Européia e Estados Unidos, já
estão trabalhando a pleno vapor em negociações que definam uma pauta de
discussão convergente para o encontro.
Entretanto, ainda existe a
possibilidade de a rodada não se realizar. Há um grupo de países, intitulados
de Like-Minded Group (LMG),
que significa “grupo com afinidades”, liderados pelo Egito, Índia, Malásia e
Paquistão que se opõe veementemente à realização desta reunião, pois segundo
eles, ainda existem pontos pendentes em relação à última rodada que devem ser
esclarecidos. De qualquer forma, uma agenda positiva para os países membros,
sejam da UE, do LMG, do “Sete Magníficos” – apelido dado aos países neutros, ou
dos EUA, já está sendo negociada, o que torna as chances de realização desta rodada bastante grandes.
A OMC, principal alvo dos ativistas antiglobalização, paradoxalmente, se caracteriza por ser um
dos fóruns mundiais de discussão mais democráticos. A sede é localizada em
Genebra, Suíça e conta com cerca de 500 funcionários. Lá, estão presentes 142
países e suas decisões em torno das questões comerciais são
tomadas por consenso, o que leva muitos a caracterizar o fórum de caótico. Como
conseqüência de sua estrutura, tanto a pauta de negociações, como os acordos
propriamente ditos, são minuciosamente discutidos, avançando aos poucos. Em
função disto entende-se melhor a preocupação com as posições do Like-Minded Group que podem
impedir a tomada de importantes decisões.
Contudo, a grande discussão do momento
reside na pauta de assuntos que serão discutidos em Doha. As
duas grandes forças econômicas, UE e EUA, não encontraram, ainda, uma
harmonização dos temas a serem discutidos. Enquanto a União Européia deseja a
discussão de uma agenda ampla, que discuta assuntos como
políticas de investimento, meio ambiente, regras multilaterais de
concorrência ou acordos de cooperação para combate de práticas infrativas à livre concorrência, do outro lado, os Estados
Unidos estão propondo uma agenda restrita, que trate de abertura comercial,
acordos para facilitação do comércio e regras comuns para o e-commerce.
Entretanto, até o momento, os EUA se colocam contrários a
discussão e revisão de pontos relativos a políticas de antidumping
e anti-subsídio. No que tange a concorrência, os EUA tem medo que as
regras multilaterais afetem demasiadamente sua legislação nacional.
Vale ressaltar que apesar de o governo
republicano ser favorável a inclusão pontos que
discutam políticas de antidumping, é notório que sem
“Trade Promotion Authority” (antigo fast track), o governo americano ficará de mãos atadas quando
tentar colocar estes acordos firmados perante a OMC em prática dentro dos
Estados Unidos, pois o lobby protecionista é muito forte dentro do Congresso. A
revista “The Economist”
resumiu bem a posição do governo norte-americano neste momento: “o espaço de
manobra dos EUA é limitado”.
O Brasil está prestes a enfrentar um
grande desafio. Nos próximos anos, estará frente às
negociações multilaterais da OMC, rodadas de negociação regionais, no caso da Alca e até plurilaterais entre a
UE, Mercosul e blocos afins. A harmonização de legislações comerciais
pode começar a tomar forma com todos estes acordos, como se espera que aconteça
nos casos de cooperação internacional contra práticas infrativas
a livre-concorrência e a diminuição de barreiras protecionistas. Será uma prova
de fogo para os negociadores brasileiros, que deverão estar preparados e
acompanhados dos melhores times de consultores, advogados, diplomatas e
empresários. Além disto, o Brasil, articulando interesses com a UE, OMC e ALCA,
deve perceber que está em uma situação extremamente privilegiada, pois atuando
de maneira inteligente, pode se tornar o grande mediador destas negociações,
realizando a interconexão entre os “tabuleiros” e interesses da UE e EUA e
blocos afins. Doha será o primeiro teste.
Informações Sobre o Autor
Márcio C. Coimbra
advogado, sócio da Governale – Políticas Públicas e Relações Institucionais (www.governale.com.br). Habilitado em Direito Mercantil pela Unisinos. Professor de Direito Constitucional e Internacional do UniCEUB – Centro Universitário de Brasília. PIL pela Harvard Law School. MBA em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas. Especialista em Direito Internacional pela UFRGS. Mestrando em Relações Internacionais pela UnB.
Vice-Presidente do Conil-Conselho Nacional dos Institutos Liberais pelo Distrito Federal. Sócio do IEE – Instituto de Estudos Empresariais. É editor do site Parlata (www.parlata.com.br) articulista semanal do site www.diegocasagrande.com.br e www.direito.com.br. Tem artigos e entrevistas publicadas em diversos sites nacionais e estrangeiros (www.urgente24.tv) e jornais brasileiros como Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil, Zero Hora, Jornal de Brasília, Correio Braziliense, O Estado do Maranhão, Diário Catarinense, Gazeta do Paraná, O Tempo (MG), Hoje em Dia, Jornal do Tocantins, Correio da Paraíba e A Gazeta do Acre. É autor do livro “A Recuperação da Empresa: Regimes Jurídicos brasileiro e norte-americano”, Ed. Síntese – IOB Thomson (www.sintese.com).