A prescrição é um instituto típico das tutelas condenatórias, e como tal, amplamente utilizável nas ações civis públicas promovidas para reparação dos danos causados ao erário. Muito embora haja o disposto no art. 37, § 4o, da Constituição Federal, que dá margem a uma interpretação gramatical e simplista, no sentido de serem as ações ressarcitórias de danos ao erário imprescritíveis, a proposta desta pesquisa é demonstrar que se faz necessário uma interpretação conglobante, lógica, histórica, sistemática, e, sobretudo razoável, no sentido de se considerar tais ações como igualmente a mercê da prescrição.
1. Introdução
O tema da prescrição, em qualquer ambiente jurídico, é extremamente complexo e discutível. Não sem razão Washington de Barros Monteiro[1] pondera que “dentre todos os institutos jurídicos, o da prescrição foi provavelmente o que mais se prestou às especulações filosóficas. Já na antiguidade, divergiram a seu respeito os pontos de vista”.
Instituto disciplinado em regra pelo Direito Civil[2], repercute em todas as matérias jurídicas, inclusive quando se fala de interesse da Fazenda Pública. Deveras, as ações que a Fazenda pode promover, e as ações que podem lhe ser promovidas, contam sempre com prazos prescricionais.
No entanto, há várias posições, sobretudo nos quadros do Ministério Público nacional, notadamente em arrazoados de ações civis públicas de indenização por atos de improbidade causadores de danos ao erário, entendendo que tais pedidos são imprescritíveis. Sustentam essa tese por uma interpretação literal da Constituição Federal, que no seu art. 37, § 5º, prevê:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
……..
§ 5º. A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.
A tese defendida pelos adeptos da teoria da imprescritibilidade das ações de danos causados ao erário, em casos de improbidade administrativa, é aparentemente simples: a Constituição disse que a lei estabeleceria os prazos de prescrição para atos ilícitos, “ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”.
Logo, todo ato de improbidade administrativa seria passível de prescrição, cujos prazos seriam fixados em lei infraconstitucional. No entanto, ressalva-se “as respectivas ações de ressarcimento”. Portanto, estas ações seriam imprescritíveis.
A proposta deste trabalho é demonstrar que a intenção do constituinte não foi criar uma ação imprescritível. Neste passo, as ações indenizatórias por danos causados ao erário, em razão de atos de improbidade administrativa, são, sim, passíveis de prescrição.
Para tanto, num primeiro momento haverá a busca dum conceito de prescrição, diferenciando-a dos demais institutos similares.
Após isso, far-se-á uma análise dos atos de improbidade administrativa que podem causar danos ao erário.
E, finalmente, conjugando os dois institutos, defender-se-á a tese da prescritibilidade das ações deste tomo.
2. O que é prescrição?
A palavra prescrição procede do vocábulo latino praescriptio, derivado do verbo praescribere, formado de prae e scribere, com a significação de escrever antes ou no começo (LEAL, 1939, p. 09).
Sua origem aparentemente remonta à romana Lei Aebutia, no ano 520 D.C. Nesta época[3], quando um litigante levava uma pretensão para ser resolvida ao pretor romano, este designava um magistrado para solucionar o litígio, que predeterminava a orientação do julgamento de acordo com as fórmulas preordenadas. Pela Lei Aebutia, o pretor foi investido do poder de criar ações e fórmulas que não tivessem previsão no direito honorário, fixando, contudo, um prazo para sua duração, dando origem as chamadas ações temporárias. Antônio Luiz da Câmara Leal (1939, p. 10) explica:
Ao estatuir a fórmula, e a ação era temporária, ele fazia preceder de uma parte introdutória, em que determinava ao juiz a absolvição do réu, se estivesse extinto o prazo de duração da ação. Essa parte preliminar da fórmula, por anteceder a esta, se dava a denominação de praescriptio
Como se vê, esse termo praescriptio nenhuma relação direta tinha com o conteúdo da determinação do pretor, mas derivava do caráter introdutório dessa determinação, porque era escrita antes, ou o começo da fórmula.
Deste modo, caso um litigante demandasse uma “ação temporária” cujo prazo estivesse expirado, o pretor sequer enviava a questão para o magistrado, “pré-escrevendo” a inexistência da ação. Eis o embrião da prescrição extintiva de direitos moderna.
Modernamente, em linhas gerais, entende-se a prescrição extintiva como a exceção que alguém tem contra aquele que não exercitou durante certo tempo fixado em regra jurídica a sua pretensão[4]. Contudo, esse conceito é recente. Muito se discutiu sobre as conseqüências advindas pela prescrição. A doutrina civilista alemã do início do século XX, por exemplo, advogava a tese de que a prescrição fulminava o direito às ações judiciais, como direito público, subjetivo, autônomo e abstrato. Já os civilistas italianos e franceses eram adeptos da tese de que a prescrição aniquilava o próprio direito em tese.[5]
Todavia, Pontes de Miranda (1971, v. VI, p. 131) já alertava que prescrição atingia, na verdade, a pretensão a uma ação válida. A propósito:
A prescrição não atinge, de regra, somente a ação; atinge a pretensão, cobrindo a eficácia da pretensão e, pois, do direito, quer quanto à ação, quer quanto ao exercício do direito mediante cobrança direta (aliter, alegação de compensação, que depois estudaremos), ou outra manifestação pretensional.
Portanto, a prescrição não fulmina nem o direito, nem o exercício de uma ação, posto que pode haver ações de direitos prescritos, que embora “inválidas”, são possíveis. Tanto é assim que se alguém paga judicialmente uma dívida prescrita, o juiz não pode conhecer de ofício essa prescrição[6], nem tampouco aquele que pagou a dívida prescrita poderá recobrá-la[7]. Neste passo, mesmo tendo havido prescrição, houve ação, e inclusive com efeitos concretos no mundo fático.
Ademais, conforme o Código Civil brasileiro (Lei 10.406, de 10-01-2002), “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”[8]. Neste desdobramento, o legislador, categoricamente, disse que a prescrição fulmina a pretensão à preservação de um direito.
Essa proposta legislativa vem ao encontro da melhor doutrina, que reconhece na prescrição a perda à pretensão[9] valida do exercício judicial de um direito pelo decurso do prazo fixado em lei.
2.1. Do fundamento da prescrição
Muito se discute sobre o fundamento jurídico da prescrição. Para Coviello, seu principal fundamento é a força destruidora do tempo, ao passo que Savigny estabelece que a prescrição se fulcra no castigo à negligência (apud LEAL, 1939, p. 21).
Outros, como Carvalho Mendonça, preferem a tese de que na prescrição ocorre a presunção de abandono ou renúncia do direito (LEAL, op. cit., p. 22). Essa negligência temporal equiparar-se-ia à renúncia da própria pretensão, pois as relações humanas devem ter caráter temporal (VALLE, 1918, p. 06). Neste sentido as lições de Numa P. do Valle (op. cit., p. 06):
Eis como a prescripção tende a legitimar o que é normalmente contrário ao direito. Ella suppõe no titular do credito a inércia e o abandono de seu direito. Estabelece-se, então, uma contradição entre o prescribente e o sujeito activo da obrigação, de modo tal que o direito d’aquelle augmenta á medida que o deste decresce e attinge o seu maximum quando o do outro se anulla inteiramente.
Poder-se-ia argumentar também, ainda que empiricamente, que a prescrição visa proteger o devedor ou mesmo diminuir as demandas.
Antônio Luiz da Câmara Leal (1939, p. 23) preconiza que os fundamentos da prescrição no direito romano eram basicamente três: “necessidade de fixar as relações jurídicas incertas, evitando as controvérsias; castigo à negligência; e interesse público”.
Ao nosso sentir, a prescrição, discutida de há muito, tem inegável e especial efeito pacificador. O seu fundamento maior é a necessidade e a ordem social (VALLE, 1918, p. 07). Conforme o já citado Pontes de Miranda (Loc. cit), os prazos prescricionais existem para garantir a paz social:
Os prazos prescricionais servem à paz social e à segurança jurídica. Não destroem o direito, que é; não cancelam, não apagam as pretensões; apenas, encobrindo a eficácia da pretensão, atendem à conveniência de que não perdure por demasiado tempo a exigibilidade ou a acionabilidade. Qual seja essa duração, tolerada, da eficácia pretensional, ou simplesmente acional, cada momento da civilização o determina. Os prazos do Código Comercial correspondem a concepção da vida já ultrapassada; porém o mesmo já se pode dizer de alguns prazos do Código Civil. A vida corre célere, — mais ainda na era da máquina.
No mesmo sentido Maria Helena Diniz (1991, p. 202)[10], para quem “esse instituto foi criado como medida de ordem pública para propiciar segurança às relações jurídicas, que seriam comprometidas diante da instabilidade oriunda do fato de se possibilitar o exercício da ação por prazo indeterminado.”
Segundo Planiol (apud VALLE, 1918, p. 11), o motivo que levou a se introduzir a prescrição extintiva foi o desejo de impedir processos difíceis de serem julgados, pois no interessa da ordem e da paz social convém liquidar o passado e evitar contestações sobre contratos e fatos cujos títulos se perderam e cuja lembrança se acha apagada da memória.
Assim, a rigor, a prescrição existe para garantir a paz social. Portanto, a existência de prazos imprescritíveis é temerária, na medida em que isso traz ínsita a insegurança jurídica.
O exercício de um direito não pode ficar pendente indefinidamente. Deve ser exercido pelo titular dentro de determinado prazo. Não ocorrendo isso, perde o titular a prerrogativa de exigir uma pretensão válida de seu direito (VENOSA, 2002. v. I., p. 611).
2.2. As diferenças entre prescrição e decadência
Instituto similar, porém inegavelmente distinto, é a decadência. Há inegável confusão entre estes tipos jurídicos. Tanto é assim que o antigo Código Civil brasileiro (Lei 3071, de 01-01-1916) tratava de ambos sob o nome comum de prescrição, sequer fazendo menção sobre a decadência.
No entanto, a prescrição não é o mesmo que a decadência.
O vocábulo decadência provém do verbo latino cadere, que significa cair. É formado pelo prefixo de, que implica dizer de cima; também pela fórmula verbal cadere, que como visto significa cair; e, finalmente, pelo sufixo entia, que denota ação ou estado. Deste modo, literalmente, decadência significa dizer ação de cair ou estado daquilo que caiu.
Conforme a linguagem jurídica, foi introduzida para indicar a queda ou o perecimento do direito pelo decurso do prazo fixado ao seu exercício, sem que seu titular o tivesse exercido. Apresenta um ponto em comum com a prescrição: ambas se fundam na inércia continuada de seu titular durante certo lapso de tempo. Daí serem muitas vezes confundidas.
No entanto, a prescrição extingue a pretensão ao direito de ação válida, ao passo que a decadência extingue o próprio direito.
Outrossim, o prazo decadencial, que não se suspende, interrompe e nem possui óbices, inicia-se desde o momento em que o direito nasce; já a prescrição, cujos prazos são passíveis de impedimentos[11], suspensões[12] e óbices[13], somente inicia-se quando o direito é violado, ameaçado ou desrespeitado, porque esse será o momento em que nasce o direito à pretensão válida, contra a qual a prescrição se dirige.
Um terceiro aspecto que merece consideração: a decadência supõe um direito que, embora nascido, não se tornou efetivo pela falta de exercício; ao passo que a prescrição supõe um direito nascido e efetivo, mas que pereceu pela falta de proteção pela ação, contra a violação sofrida (LEAL, 1939, p.123).
Ainda é digno de nota que os prazos decadenciais podem ser estipulados livremente pelas partes[14], ao passo que os prazos prescricionais estarão sempre fixados em lei, sendo que se não houver prazo específico aplicar-se-á a regra geral do art. 205, do Código Civil, que prevê: “a prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.”
Quanto à atuação judicial, o juiz poderá conhecer de ofício a prescrição somente no interesse de incapaz[15]; já no respeitante à decadência, o juiz poderá decretá-la oficiosamente quando o prazo estiver fixado em lei[16].
Cabe destaque o fato de que a prescrição não corre contra determinadas pessoas (ex: entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal[17]; entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar[18]; contra os menores de dezesseis anos[19]; contra os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos[20] etc.). Por seu lado, a decadência corre contra todos, indistintamente.
Admite-se, no entanto, ser extremamente difícil no caso concreto reconhecer-se quando o prazo é prescricional, ou quando é decadencial, o que, com o advento do novo Código, restou um pouco mais facilitado.
Agnelo Amorim Filho[21] partiu da premissa de que para se reconhecer se um prazo é decadencial ou não, basta verificar qual a tutela judicial que o protege. Assim, são prescritíveis as ações condenatórias, sendo que as desconstitutivas ficam a mercê da decadência, e as declaratórias livres dos dois institutos.
Deste modo, se o direito é protegido mediante uma ação com carga predominantemente declaratória, seria imune à prescrição ou à decadência.
Fosse o direito protegido mediante tutela condenatória por excelência, falar-se-ia de prescrição, ao passo que se o direito fosse defendido mediante tutela constitutiva ou desconstitutiva, o instituto era a decadência.
Todavia, desde o Código Civil de 2002, há forte tendência em se admitir que os prazos prescricionais estariam dispostos numerus clausus no art 206, deste texto. Todo e qualquer outro prazo que estivesse lançado fora deste rol seria prazo decadencial[22].
2.3. Das ações imprescritíveis
Pontes de Miranda (Op. cit, p. 132), ao tratar da eventual possibilidade da imprescritibilidade de ações, disse que tal expediente é exceção excepcional, cabendo apenas em casos muito sui generis. A propósito:
Imprescritibilidade. (1) São imprescritíveis: a) as pretensões de direito de família, sempre que tenham por fim restabelecer, ou estabelecer para o futuro situação que corresponda a relações jurídicas de família (…); pretensão dos cônjuges para a posse das coisas que entraram na comunhão; b) a pretensão para dividir a coisa comum; c) a pretensão oriunda de direitos registrados no registro de imóveis, exceto a pretensão à reparação do dano (art. 177, P parte), a pretensão de enriquecimento injustificado (arts. 967 e 968) e as pretensões a juros ou outros interesses (arts. 178, § 10, II e III); d) as pretensões que nascem das relações de vizinhança (arts. 554-588), exceto as de indenização nos casos dos arts. 561, 570, 579, 580-583 e 587; e) a ação de regulação do exercício de direito, em caso de concorrência; fl a ação de demarcação (…) A ação de retificação do registro de imóveis é imprescritível; o que se pode dar é que cesse, por estar prescrita a ação do titular do direito. Não se pode dizer que, prescrita a ação do titular do direito, esteja prescrita a ação de retificação; essa desaparece, o que é mais, porém ressurge com a renúncia à prescrição. Não se trata de pretensão acessória, mas de pretensão que nasce da inexatidão do registro em relação ao estado da pretensão do titular do direito. (II) São imprescritiveis: a) as pretensões declarativas (não pela razão, que muitos apontam, de se tratar de ações a que não corresponde a pretensão); b) as pretensões à decretação da nulidade; e) as pretensões do direito formativo gerador, modificativo, ou extintivo, se bem que possa haver, na espécie, prazo de preclusão; d) as pretensões à cessação da comunhão (pretensão divisional, síricto sensu) e à partilha; e) as pretensões a fazer terminar confusão de limites e as demais pretensões concernentes a direitos de vizinhança; fl as pretensões à retificação do registro de imóveis, de aeronaves e de navios. (…) A ação de investigação da paternidade ilegítima é imprescritivel. Trata-se de ação declaratória, com limitação legal de pressupostos de direito material; as ações declaratórias são imprescritíveis. Quando nas leis se entende limitar a duração da pretensão relativa a status, cria-se prazo preclusivo (art. 178, §§ 3º e 42,1); se não foi criado tal prazo, não há cogitar-se dele.
Com o perdão da extensão da citação, extrai-se desse posicionamento importantes questões, como a de que são imprescritíveis apenas as pretensões declaratórias. Note, por exemplo, que ele diz: “(são imprescritíveis) a pretensão oriunda de direitos registrados no registro de imóveis, exceto a pretensão à reparação do dano (art. 177, 1a. parte).”
Note-se, ademais, que mesmo admitindo a pretensão da imprescritibilidade da ação declaratória em sede de registro público, ele opõe como exceção a essa prescrição a reparação do dano (ação indenizatória).
Em outro momento, Pontes de Miranda propõe: “(são imprescritíveis): d) as pretensões que nascem das relações de vizinhança (arts. 554-588), exceto as de indenização nos casos dos arts. 561, 570, 579, 580-583 e 587[23];”
Outra vez mais o autor deixa de fora a pretensão indenizatória (reparatória de danos) do rol das ações imprescritíveis.
Ao debruar-se sobre o tema da imprescritibilidade, Silvio de Salvo Venosa (2002, V. I., p. 617.) advoga a tese de que há, sim, relações jurídicas incompatíveis, inconciliáveis por sua própria natureza com a prescrição. E cita exemplos referentes aos direitos da personalidade (vida, honra, nome, liberdade etc) e as chamadas ações de estado de família. Inclui, ainda, os chamados direitos facultativos ou potestativos[24]. Em nenhum momento arrolou nenhum interesse reparatório da Fazenda Pública como imprescritível, ou mesmo questões de fundo reparatório.[25]
Cabe repetir que com o advento do novo Código ficou ainda mais clara a distinção entre prescrição e decadência[26]. Conforme Agnelo Amorim Filho[27], são prescritíveis as ações condenatórias, sendo que as desconstitutivas ficam a mercê da decadência, e as declaratórias livres dos dois institutos.
Concluiu o autor, então, que estão sujeitas à prescrição “todas as ações condenatórias e somente elas” (op. cit., p. 12). Neste diapasão, todas e quaisquer ações que tenham cunho condenatório estão sujeitas aos prazos prescricionais.
Por outro lado, todas as pessoas, naturais ou jurídicas, privadas ou públicas, estão sujeitas aos efeitos da prescrição. Claro está que qualquer pessoa pode ter a condição de prescribente; a ninguém se concede o privilégio de estar imune aos efeitos da prescrição (GOMES, 1971/453).
No mesmo pensar Washington de Barros Monteiro (op. cit., p. 339), para quem a prescrição também atinge as pessoas jurídicas de direito público:
…a prescrição aproveita realmente, de modo indistinto, tanto às pessoas físicas como às jurídicas, quer as de direito público, quer as de direito privado. Nenhum privilégio outorga o direito nesse particular. Não existem entidades imunes aos seus efeitos, como sucedia outrora com a Ordem de Malta, que pretendia não estar sujeita a qualquer prescrição.
Para Hely Lopes Meirelles (1995, p. 627), essas regras civis devem ser aplicadas ao Direito Administrativo: “A prescrição das ações da Fazenda Pública contra o particular é comum da lei civil ou comercial, conforme a natureza do ato ou contrato a ser ajuizado.”
Por conseguinte, salta à vista, num primeiro momento, a possibilidade da prescrição das ações civis públicas reparatórias dos danos causados ao erário.
Todavia, há quem pregue em contrário. Nos tópicos abaixo ver-se-ão as duas posições. Daqueles que defendem a imprescritibilidade das ações indenizatórias de danos causados ao erário, e, ato seguinte, dos defensores da tese antagônica
3. As ações de indenização de danos causados ao erário.
3.1. Da Imprescritibilidade destas ações.
Em que pese os argumentos acima expendidos, há teses exponenciais no sentido de se admitir a imprescritibilidade das ações civis públicas quanto tenham por objeto a reparação de danos causados ao erário. Para os adeptos da imprescritibilidade destas ações, a Constituição Federal, no artigo 37, § 5º, dispôs claramente neste sentido:
CF, art. 37…
§ 5º. A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.
Pondera-se ademais que a Lei 7.347, de 24-07-85[28], é silente no tocante a prescrição das ações civis públicas. Lacunosa que é, estaria delegando a função de estabelecer os prazos prescricionais das ações civis públicas para outras leis específicas.
Neste passo, a Lei 8.249, de 02-06-92[29], no seu artigo 23, propõe a prescrição nas ações por ato de improbidade administrativa. Todavia, tal prescrição somente se aplicaria às ações destinadas a levar a efeito as sanções previstas nesta Lei. A propósito:
Art. 23. As ações destinadas a levar a efeito as sanções previstas nesta Lei podem ser propostas:
I – até 5 (cinco) anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;
II – dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão à bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.
“Sanção ao infrator” e “reparação de danos que esse viesse a causar” são situações distintas. Por conseguinte, quando se falasse de reparação dos danos causados ao erário não haveria que se impor a regra do artigo 23, mas sim aplicar-se in integrum a Constituição, no artigo 37, § 5º. Sim, pois a regra constitucional seria de solar clareza, na medida em que sustenta que a “lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento” – grifos intencionais.
Neste desiderato, a lei fixaria prazos apenas para prescrição das sanções dos ilícitos, ressalvado porém os casos de ressarcimento de danos. Ora, se ressalvado está, restaria concluir que as ações de ressarcimento de danos ao erário não se incluem no rol das ações prescritíveis.
Sustenta-se, inclusive, que qualquer interpretação destoante deste quilate seria negar vigência à norma constitucional. Waldo Fazzio Júnior (2001, p. 309) é neste pensar:
Dessa norma de eficácia contida complementável, desde logo, é possível inferir que é imprescritível a ação de ressarcimento de danos causados ao erário, mercê da ressalva estabelecida em sua parte final. Assim, o prefeito que, mediante ato de improbidade administrativa, carrear danos ao erário não se livrará da ação de ressarcimento, com apoio na prescrição. Claro que, em relação às outras sanções cominadas para as condutas tecidas no artigo 10 da LIA, o prazo prescricional incindirá.
Tem-se, pois, como conclusão lógica, que a regra prescritiva do qüinqüênio vale para todas as sanções previstas na LIA, exceto para as ações de ressarcimento de danos.
Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (2002. p. 420-9) também possuem tese semelhante:
Repisando o que já fora anteriormente dito, é voz corrente que o art. 37, § 5º, da CF dispõe sobre o caráter imprescritível das pretensões a serem ajuizadas em face de qualquer agente, servidor ou não, visando ao ressarcimento dos prejuízos causados ao erário.
Justifica-se tal posicionamento, além da eventual clareza do texto constitucional, ao fato de que o constituinte foi sensível ao problema da dificuldade da apuração dos danos causados ao erário.
José Afonso da Silva (2002, p. 574) é um ardoroso crítico dessa tese da imprescritibilidade. Contudo, ao cabo de suas explanações sobre o artigo 37, § 5º, da CF, acaba por reconhecer que, de fato, essa era a intenção do constituinte:
Vê-se, porém, que há uma ressalva ao princípio. Nem tudo prescreverá. Apenas a apuração e punição do ilícito, não, porém, o direito da administração ao ressarcimento, à indenização do prejuízo causado ao erário. É uma ressalva constitucional e, pois inafastável, mas, por certo, destoante dos princípios jurídicos que não socorrem quem fica interte.
Encontram-se nos mananciais da jurisprudências arestos que perfilham essa tese. O Tribunal de Justiça de São Paulo[30], num acórdão cujo relator fora o Desembargador Magalhães Coelho, decidiu pela imprescritibilidade destas ações:
PRESCRIÇÃO – Inocorrência – Ação civil pública – Demanda que tem por objeto a anulação de contrato administrativo, celebrado entre particulares e empresa integrante da administração pública indireta – Aplicação do prazo prescricional previsto no art. 178, § 9.º, V, b, do CC – Inadmissibilidade – Imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao Erário, afastando a incidência de princípios e normas de direito privado – Inteligência do art. 37, § 5.º, da CF.
Ementa da Redação: Não se aplica o prazo prescricional previsto no art. 178, § 9.º, V, b, do CC, à ação civil pública que tem por objeto a anulação de contrato administrativo, celebrado entre particulares e empresa integrante da administração pública indireta, uma vez que o art. 37, § 5.º, da CF estabelece a imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao Erário, afastando a incidência de princípios e normas de direito privado.
Contudo, não obstante os ponderáveis e sérios argumentos ora alinhavados, temos que essa tese não pode prosperar. De fato, as ações civis públicas para ressarcimento de danos causados ao erário são, sim, prescritíveis.
3.2. Da prescritibilidade das ações indenizatória de danos causado ao erário, num prazo de 05 anos.
A lei não pode contrariar a natureza das coisas. Com efeito, a lei não tem força, no tratar as categorias jurídicas, de contrariar a natureza das coisas. A palavra final não é a do legislador, mas a da ciência do direito. Neste passo, repugna aos princípios informadores do nosso sistema a prescrição indefinida.[31]
Nem se diga que a autoridade da Constituição fez nascer a imprescritibilidade destas ações. A Constituição é igualmente norma. Konrad Hesse (1991, p. 14), contrariando Fernando Lassale – que a entendia como elemento meramente político e sociológico -, disse que a Constituição é documento eminentemente jurídico. E, como tal, não pode divorciar o “ser” do “dever ser”; o mundo real do mundo normativo-jurídico. E completa:
A norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade. A sua essência reside na sua vigência, ou seja, a situação por ela regulada pretende ser concretizada na realidade. Essa pretensão de eficácia não pode ser separada das condições históricas de sua realização, que estão, de diferentes formas, numa relação de interdependência criando regras próprias que não pode ser desconsideradas. Devem ser contempladas aqui as condições naturais, técnicas, econômicas e sociais. A pretensão da norma jurídica somente será realizada se levar em conta essas condições.
Muito se disse que o poder constituinte originário é soberano, absoluto, ilimitado (SILVA, 2000, p. 67 e 82). No entanto, esse conceito deve ser matizado em face da conjugação do “ser” com o “dever ser”. A “Constituição real” e a “Constituição jurídica” devem estar numa relação de coordenação (HESSE, op. cit., p. 15). E, mais uma vez citando-se Konrad Hesse (op. cit., p. 18):
Se não quiser permanecer eternamente estéril, a Constituição não deve procurar construir o Estado de forma abstrata e teórica. Ela não logra produzir nada que já não esteja assente na natureza singular do presente. Se lhe faltam esses pressupostos, a Constituição não pode emprestar “forma e modificação” à realidade; onde inexiste força a ser despertada – força essa que decorre da natureza das coisas – não pode a Constituição emprestar-lhe direção; se as leis culturais, sociais, políticas e econômicas imperantes são ignoradas pela Constituição, carece ela do imprescindível germe de sua força vital. A disciplina normativa contrária a essas leis não logra concretizar-se
Segundo Hesse, a Constituição não pode contrariar a realidade, nem ferir as leis culturais, sociais, e a formação histórica de um povo. Não sem razão leciona Dalmo de Abreu Dallari (1985, p. 53) que “a Constituição não deve conter preceitos de aplicação impossível ou que contrariem a realidade social”.
Por conseguinte, o constituinte e a Constituição não podem desrespeitar a realidade histórica jurídica de que as ações condenatórias são imprescritíveis.
Aliás, Canotilho (1998, p. 1100) ensina que uma norma, mesmo a norma constitucional, possui dois elementos: a) o programa normativo, que é resultado de um processo parcial de concretização assente na interpretação do texto normativo. É o enunciado lingüístico da norma, ponto de partida da interpretação; b) domínio normativo, que éo resultado de um processo parcial assente nos elementos empíricos (dados da realidade). Assim, a norma constitucional seria constituída por uma medida de ordenação, expressa através de enunciados lingüísticos e por um campo e dados reais. Destarte, o enunciado lingüístico da norma constitucional sempre deve estar ligada à realidade fática.
A prescrição é um fenômeno inerente à própria existência e validade do direito, sendo que a quantidade de tempo necessária para a consumação da prescrição decorre de disposição legal.
Historicamente, bem como pela filosofia jurídica reinante, verifica-se a incidência da prescrição naqueles casos em que a demanda formulada em juízo tem por escopo exigir uma “prestação” por parte de alguém, nas quais se revela prevalente função condenatória da tutela jurisdicional, quando está presente a denominada “crise de adimplemento”.
Neste desiderato, o artigo 37, § 5º, da Constituição Federal, ressalvou as ações de ressarcimento, sem, contudo, pretender ou conseguir consagrar a regra da imprescritibilidade[32].
Como se sabe, apenas as ações declaratórias são imprescritíveis[33], nunca as ações condenatórias. E no caso de uma ação para ressarcimento ao erário, tem-se, inegavelmente, um pleito condenatório. Logo, prescritível
Tanto é assim que a própria CF, no artigo 37, § 5º, dispõe, in verbis:
CF, art. 37…
§ 5º. A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.”
Portanto, o próprio constituinte disse ser prescritível a ação de reparação de danos causados ao erário, cabendo ao legislador infraconstitucional dispor a respeito tão-somente quanto aos prazos. Nesse diapasão já decidiu, entre outros, o Tribunal mineiro:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – RESSARCIMENTO – PRESCRIÇÃO – A responsabilidade civil do servidor público apura-se em caso de dano causado ao estado ou de dano causado a terceiro. Em se tratando de dano causado ao estado, a ação de improbidade submete-se à prescrição fixada em lei. (TJMG – AC 000.237.752-1/00 – 4ª C.Cív. – Rel. Des. Almeida Melo – J. 16.05.2002)”[34]
O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial nº 406.545, esposou tese semelhante:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Ministério Público. Legitimidade. Prescrição. (…) A ACP não veicula bem jurídico mais relevante para a coletividade do que a Ação Popular. Aliás, a bem da verdade, hodiernamente ambas as ações fazem parte de um microssistema de tutela dos direitos difusos onde se encartam a moralidade administrativa sob seus vários ângulos e facetas. Assim, à míngua de previsão do prazo prescricional para a propositura da ACP, inafastável a incidência da analogia legis, recomendando o prazo qüinqüenal para a prescrição das Ações Civis Públicas, tal como ocorre com a prescritibilidade da Ação Popular, porquanto ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio. O STJ sedimentou o entendimento no sentido de que o julgamento antecipado da lide (art. 330, I, CPC) não implica cerceamento de defesa, se desnecessária a instrução probatória. (STJ – REsp 406.545 – SP – 1ª T. – Rel. Min. Luiz Fux – DJU 09.12.200212.09.2002)[35] (não há grifos no original)
Num caso onde se discutia o acumulo indevido de cargos, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do sul, em lapidar acórdão relatado por Araken de Assis, pontificou:
ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. CUMULAÇÃO INDEVIDA DE CARGOS. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL.
O prazo de cinco anos, consistindo o ato de improbidade na cumulação indevida de cargos, empregos ou funções públicos, fluirá da data em que cessar tal cúmulo, ou seja, do desligamento de um dos cargos, empregos ou funções públicas, a teor do art. 23, II, da Lei 8.429/92. A preclusão é fenômeno que não atinge os poderes do juiz. 2. APELAÇÃO PROVIDA.[36]
Neste aresto, o relator deu provimento à apelação para pronunciar a prescrição, e, portanto, aceitar a tese de que o acúmulo de cargos públicos está sim sujeito aos rigores do transcurso do prazo.
A analogia para determinação do prazo prescricional, na hipótese, deve ainda ser estabelecida com o direito administrativo, que sempre teve por regra, ainda quando não expressamente positivada, o prazo de prescrição máximo de 05 (cinco) anos. Sim, verifica-se que o direito administrativo adotou como regra, desde sempre, o prazo máximo de prescrição de 05 (cinco) anos, tanto em favor da Administração, como contra ela. Acompanhe-se a demonstração do argumento, começando por exemplos legislativos:
a) Código Tributário Nacional, art. 174: prazo prescricional de 5 anos para cobrança de crédito tributário;
b) Código Tributário Nacional: prazo decadencial de 5 anos para constituição do crédito tributário;
c) Código Tributário Nacional, art. 168: prazo prescricional de 5 anos para ação de restituição de indébito;
d) Lei 8.884/94 (Lei do Cade), art. 28: infrações da ordem econômica prescrevem em 5 anos;
e) Decreto 20.910/32: prazo prescricional de 5 anos contra a Fazenda Pública.
f) Lei 8.112/90, art. 142: ação disciplinar contra funcionário público prescreve, no máximo, em 5 anos (no mesmo sentido dispunha a Lei 1.711/52, antigo Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União). Também os prazos prescricionais para punição disciplinar previstos nas Leis Complementares 75/93 e 80/94 (Ministério Público Federal e Defensoria Pública) nunca são superiores a 5 anos;
g) Lei 8.429/92, art. 23: atos de improbidade administrativa prescrevem, no máximo, em 5 anos;
h) Lei 6.838/80, art. 1.º: infrações disciplinares de profissionais liberais prescrevem em 5 anos. Também a Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB), art. 43, prevê o prazo prescricional máximo de 5 anos para punição.
De todos esses prazos, há de se destacar o contido no artigo 21, da Lei 4.717, de 29-06-65, que trata da ação popular, e dispõe quanto à prescrição: “A ação prevista nesta lei prescreve em 5 (cinco) anos.”
Como se sabe, qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.[37]
Logo, essa ação visa, dentro outras coisas, preservar a moralidade, a probidade administrativa, e está sujeita a prazo prescricional de 05 (cinco) anos.
A ação civil pública com o objetivo de ressarcimento ao erário, indisfarçavelmente, tem o mesmo condão. E conforme os ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro(2000, p. 640)[38],
Da mesma forma que a ação popular e o mandado de segurança coletivo, a ação civil pública foge aos esquemas tradicionais do direito de ação, estruturado para proteger o direito subjetivo, o direito individual. Nas três hipóteses são os interesses metaindividuais, os chamados interesses públicos, que abrangem várias modalidades: o interesse geral, afeto a toda a sociedade; o interesse difuso, pertinente a um grupo de pessoas caracterizadas pela indeterminação e indivisibilidade; e os interesses coletivos, que dizem respeito a um grupo de pessoas determinadas e determináveis.
Sendo assim, tanto a ação civil pública quanto a ação popular, uma vez que abordem atos de moralidade administrativa, terão similitude de objeto, e igualmente ficarão a mercê das regras de substituição processual. Seu tratamento, destarte, deve ser rigorosamente o mesmo, inclusive no tocante aos aspectos prescricionais.
Por outro lado, e em face de um tratamento isonômico, muito bem vindo ante o princípio constitucionalizado da igualdade, o que vale para a Fazenda também vale contra ela. Neste sentido, a Lei 9494, de 10-09-1997, com a redação dada pela Medida Provisória 2180-35, de 24-09-2001, afirmou, no seu artigo 1º -C, que “prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização dos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos”.
Ora, se o prazo conta a favor da Fazenda, também deverá ser contado em seu desfavor.
4. Considerações finais
A interpretação gramatical – e por conseguinte simplista – leva a indubitável conclusão de que as ações de indenização por danos causados ao erário são imprescritíveis.
No entanto, ao cabo do exposto, forçoso concluir que essa não é a melhor hermenêutica. A Constituição dogmática não pode ser desvencilhada da realidade social e jurídica. A palavra final não é a do legislador – mesmo do constituinte -, mas a da ciência do direito. A “Constituição real” e a “Constituição jurídica” devem estar numa relação de coordenação. Neste passo, repugna aos princípios informadores do nosso sistema a prescrição indefinida.
Como se viu, apenas as ações declaratórias são imprescritíveis, nunca as ações condenatórias. E no caso de uma ação para ressarcimento ao erário, tem-se, inegavelmente, um pleito condenatório. Logo, prescritível.
Ademais, é da tradição do direito pátrio a regra da prescrição das ações condenatórias, sobretudo em face da exigência da segurança jurídica, que não pode dar guarida aos credores inertes. Não se conhece nenhuma situação em que a tutela condenatória pudesse se perenizar sem a atuação do interessado. E não poderia haver, neste momento, a quebra deste dogma secular – e, aliás, muito bem vindo.
Por outro lado, a histórica jurídica brasileira mostra que, em regra, as ações contra o Poder Público, bem como aquelas que são promovidas em seu favor, prescrevem num prazo de 05 (cinco) anos.
Sendo assim, tem-se que a melhor exegese do texto constitucional, consentânea com a tradição jurídica brasileira, é no desiderato de se considerar as ações indenizatórias de danos causados ao erário prescritíveis num prazo de 05 (cinco) anos.
[1] Curso de direito civil, 39ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 331.
Informações Sobre o Autor
Jesualdo Eduardo Almeida Junior
Advogado, sócio do escritório Zanoti & Almeida Advogados Associados; Mestre em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos; Pós-Graduado em Direito das Relações Sociais; Pós-Graduado em Direito Contratual; Prof. de Direito Civil e Processual Civil da Associação Educacional Toledo, de Presidente Prudente, da FEMA/IMESA, de Assis, e da FADAP/FAP, de Tupã; Prof. de Processo Civil Constitucional do curso de Pós-Graduação da PUC/PR; Prof da Escola da Magistratura do Trabalho do Paraná; Prof. da Escola Superior da Advocacia de Assis/SP e de Presidente Prudente/SP