A responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais

Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar a possibilidade de responsabilização penal de pessoa jurídica, notadamente nos crimes ambientais à luz da teoria da dupla imputação, examinando as posições doutrinárias e o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribuna de Justiça, bem como verificar se a teoria da dupla imputação seria um resquício do direito penal do inimigo. Por fim, destacar questões de alta aplicação prática sobre o tema, especialmente no que se refere a situações de possível responsabilização penal de pessoa jurídica durante a liquidação da mesma, bem como da discussão sobre a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica de direito público.

Palavras-Chave: Direito Ambiental. Direito Penal. Responsabilidade penal. Pessoa jurídica. Teoria da Dupla Imputação. Crimes ambientais.

Abstract: The purpose of this article is to analyze the possibility of criminal liability of a juridical person, especially in environmental crimes in the light of the double imputation theory, examining the doctrinal positions and the current understanding of the Federal Supreme Court and the Superior Tribunal of Justice, as well as verifying If the theory of double imputation would be a remnant of the criminal law of the enemy. Finally, to highlight issues of high practical application on the subject, especially with regard to situations of possible criminal liability of legal person during the liquidation of the same, as well as the discussion on the possibility of criminal liability of the legal entity under public law.

Keywords: Environmental Law. Criminal Law. Criminal responsibility. Legal person. Dual Imputation Theory. Environmental crimes.

Sumário: Introdução. 1. Responsabilidade penal da pessoa jurídica e a teoria da dupla imputação. 2. Questões controvertidas. Conclusão. Referências bibliográficas.

INTRODUÇÃO

Primordialmente, é necessário relembrarmos a concepção tradicional do sujeito ativo de crime no ordenamento jurídico brasileiro, segundo o qual, em síntese, autora de crime é toda pessoa física capaz, ou seja, pessoa maior de dezoito anos com potencial consciência de ilicitude, sendo dela exigível conduta diversa.

Partindo da definição clássica acima, paira o seguinte questionamento: pessoa jurídica poderia figurar como sujeito ativo de crime?

Para responder tal questionamento, cumpre asseverar que a Constituição Federal de 1988 reconheceu a responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos casos de lesões ao meio ambiente, através de seu artigo 225, §3º, verbis:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.[…]

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

Em harmonia com o mandado constitucional, com natureza de mandado constitucional de criminalização (imperativo de tutela), nasceu a Lei nº 9.6050/98 (Lei dos Crimes Ambientais), na qual prescreve em seu artigo 3º, caput, que:

“As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da entidade”.

1. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA E A TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO

Daí a celeuma foi instaurada, primeiro porque pessoa jurídica, obviamente, estava impossibilitada de praticar condutas e, por isso, a referida norma não encontrava subsunção com a teoria tradicional do delito, e, segundo porque a imputação da pessoa jurídica e de seu representante pelo mesmo fato, para alguns, caracterizava-se resquício do direito penal do inimigo. Daí surgiu a seguinte indagação: pessoa jurídica pode figurar como sujeito ativo de crime? Respondendo este questionamento, três correntes se formaram.

A primeira corrente, defendida por Juarez Cirino dos Santos[1], defende que pessoa jurídica não pode praticar crimes, tampouco ser responsabilizada penalmente, uma vez que a empresa é uma ficção jurídica, um ente virtual, desprovido de consciência e vontade. Para os adeptos desta corrente, a intenção da Constituição Federal não foi criar a responsabilidade penal da pessoa jurídica, pois o texto do art. 225, §3º, da CF, apenas reafirma que as pessoas físicas estão sujeitas a sanções de natureza penal, e que as pessoas jurídicas estão sujeitas a sanções de natureza administrativa.

Já a segunda corrente, representada por Fernando Galvão[2], conclui que apenas pessoa física pratica crime, entretanto, em crimes ambientais, havendo relação objetiva entre o autor do fato típico e ilícito e a empresa – infração cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da entidade –, admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Por fim, a terceira corrente, defendida pela maioria da doutrina, assevera que a pessoa jurídica, por se tratar de ente autônomo e distinto de seus membros, dotada de vontade própria, pode cometer crimes ambientais e sofrer pena, uma vez que a atual Carta Política autorizou a responsabilidade penal do ente coletivo, objetiva ou não. Para esta corrente, deve haver adaptação do juízo de culpabilidade para adequá-lo às características da pessoa jurídica criminosa. O fato de a teoria tradicional do delito não se amoldar à pessoa jurídica, não significa negar sua responsabilização penal, demandando novos critérios normativos, daí o surgimento da chamada “conduta funcional da empresa”, entretanto, obviamente sua responsabilização estará sempre associada à atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio (dolo ou culpa). O Superior Tribunal de Justiça[3] chegou a adotar tal posicionamento. Defendendo tal corrente quanto à necessidade de dupla imputação para ajuizamento de eventual ação penal, leciona Luiz Flávio Gomes[4]:

“Forte doutrina entende que a lei ambiental contempla verdadeira situação de responsabilidade penal. Nesse caso, então, pelo menos se deve acolher a teoria da dupla imputação, isto é, o delito jamais pode ser imputado exclusivamente à pessoa jurídica. E quando não se descobre a pessoa física? Impõe-se investigar o fato com maior profundidade. Verdadeiro surrealismo consiste em imputar um delito exclusivamente à pessoa jurídica, deixando o criminoso (o único e verdadeiro criminoso) totalmente impune”.

Daí o surgimento da chamada Teoria da Dupla Imputação, segundo a qual a responsabilização penal no caso concreto só seria possível com a responsabilização em conjunto de pelo menos uma pessoa física (necessidade de imputação de dois entes: pessoa física e pessoa jurídica), sendo necessário atrelar a culpabilidade da pessoa física com a responsabilização da pessoa jurídica.

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal já decidiu em sentido contrário, concluindo que a responsabilização penal da pessoa jurídica independe de pessoa física. Argumentou-se que a obrigatoriedade da dupla imputação caracterizaria afronta ao art. 225, §3º, da Constituição Federal, pois condicionaria a punição da pessoa jurídica à condenação simultânea da pessoa física, o que, na visão da Suprema Corte, seria um resquício do direito penal do inimigo, tão rechaçado em nosso ordenamento jurídico. Além disso, conclui também a Suprema Corte que o sistema da Dupla Imputação é clara proteção deficiente do bem jurídico tutelado, ao passo que seria possível a responsabilização da pessoa jurídica apenadas quando houvesse a imputação de pessoa física. Vale citar trecho da mencionada decisão, in verbis:

“Crime ambiental: absolvição de pessoa física e responsabilidade penal de pessoa jurídica

É admissível a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, ainda que absolvidas as pessoas físicas ocupantes de cargo de presidência ou de direção do órgão responsável pela prática criminosa. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma, por maioria, conheceu, em parte, de recurso extraordinário e, nessa parte, deu-lhe provimento para cassar o acórdão recorrido. Neste, a imputação aos dirigentes responsáveis pelas condutas incriminadas (Lei 9.605/98, art. 54) teria sido excluída e, por isso, trancada a ação penal relativamente à pessoa jurídica. Em preliminar, a Turma, por maioria, decidiu não apreciar a prescrição da ação penal, porquanto ausentes elementos para sua aferição. Pontuou-se que o presente recurso originara-se de mandado de segurança impetrado para trancar ação penal em face de responsabilização, por crime ambiental, de pessoa jurídica. Enfatizou-se que a problemática da prescrição não estaria em debate, e apenas fora aventada em razão da demora no julgamento. Assinalou-se que caberia ao magistrado, nos autos da ação penal, pronunciar-se sobre essa questão.

No mérito, anotou-se que a tese no sentido de que a persecução penal dos entes morais somente se poderia ocorrer se houvesse, concomitantemente, a descrição e imputação de uma ação humana individual, sem o que não seria admissível a responsabilização da pessoa jurídica, afrontaria o art. 225, §3º, da CF.

Sublinhou-se que, ao se condicionar a imputabilidade da pessoa jurídica à da pessoa humana, estar-se-ia quase que a subordinar a responsabilização jurídico-criminal do ente moral à efetiva condenação da pessoa física. Ressaltou-se que, ainda que se concluísse o legislador ordinário não estabelecera por completo critérios ambientais, não haveria como pretender transpor o paradigma de imputação das pessoas físicas aos entes coletivos.

Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Luiz Fux, que reconheciam a prescrição. O Min. Marco Aurélio considerava a data do recebimento da denúncia como fator interruptivo da prescrição. Destacava que não poderia interpretar a norma de modo a prejudicar aquele a quem visaria beneficiar. Consignava que a lei não exigiria a publicação da denúncia, apenas o seu recebimento e, quer considerada a data de seu recebimento ou de sua devolução ao cartório, a prescrição já teria incidido.

RE 548181/PR, rel. Min. Rosa Weber, 6.8.2013. (RE-548.181)”.

Imperioso mencionar que, após a decisão emblemática acima, o Superior Tribunal de Justiça se curvou ao respectivo julgado, passando a seguir o mesmo entendimento.

Em síntese, a disposição constitucional na qual estabelece a responsabilidade penal sobre as condutas lesivas ao meio ambientes é cristalina, entretanto ainda não há entendimento uniforme entre a doutrina e os Tribunais Superiores, havendo o entendimento do Supremo Tribunal Federal (decisão mais recente sobre o tema) de que tal responsabilização da pessoa jurídica na dependência da responsabilização da pessoa física configura-se resquício de um direito penal do Inimigo, posição a qual nos filiamos.

2. QUESTÕES CONTROVERTIDAS

Após todo o explanado acima, surge questão interessante: e se, constatada a prática de um crime, a pessoa jurídica for dissolvida durante a apuração ou o processo criminal?

Respondendo a tal indagação de grande relevância prática, a maioria da doutrina aponta não existir óbice de apuração ou do processo criminal, tampouco à aplicação de pena, desde que isso ocorra antes da liquidação. Tal entendimento apoia-se no teor do artigo 51 do Código Civil, com a seguinte redação:

“Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que esta se conclua”.

Nestas hipóteses, haveria, por exemplo, a possibilidade de aplicação de pena de multa, penas restritivas de direito, etc.

Vale acrescentar que a doutrina se divide quando o assunto é a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica de direito público.

Uma primeira corrente leciona que pessoa jurídica de direito público não pode figurar como sujeito ativo de crime, não podendo admitir-se o Estado na qualidade de delinquente, isso porque seus fins se pautariam sempre pela legalidade. Além disso, considerando que o direito de punir é monopólio do próprio Estado, tal situação configuraria hipótese do Estado punindo a si mesmo, o que soaria no mínimo de forma absurda. A sanção penal contra o Estado constituiria um ônus contra a própria sociedade.

Por outro lado, em sentido diametralmente oposto, há parcela da doutrina que admite a possibilidade de pessoa jurídica de direito público delinquente, responsabilizada, portanto, penalmente. Argumenta-se que o artigo 225, §3º, da CF não restringe a responsabilidade penal à pessoa jurídica de direito privado e, sendo assim, ambas devem receber tratamento igualitário. Ou seja, se o legislador não fez tal distinção, não caberia ao intérprete fazê-la. Além disso, se o Estado se lança em atividades por meio de pessoas jurídicas nada impede que tais entidades venham a delinquir.

Ante a ausência de jurisprudência condenando criminalmente pessoa jurídica de direito público, pode-se concluir que vem prevalecendo o entendimento da primeira corrente supra. Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a responsabilidade penal de sociedade de economia mista, o que demonstra certa tendência em admitir-se pela responsabilidade penal da pessoa jurídica de direito público.

CONCLUSÃO

Por fim, o que se espera das mencionadas celeumas são, no mínimo, argumentos sólidos, para que o sistema jurídico penal possa alcançar um caminho de se assegurar ampla segurança jurídica e previsibilidade para os casos pertinentes com a responsabilidade penal da pessoa jurídica, notadamente quando da prática de crimes ambientais.

 

Referências
DOS SANTOS, Juarez Cirino. Direito Penal – Parte Geral. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008.
GALVÃO, Fernando. Direito Penal – Parte Geral. 5ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2008.
THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental. Editora JusPodivm, 1ª edição. Salvador: 2011, p. 592
STJ – REsp 800817/SC, Recurso Especial 2005/0197009-0, Sexta Turma, Rel. Min. Celso Limongi, DJe 22/02/2010.
STF – RE 548.181, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 19/06/2013.
 
Notas
[1] DOS SANTOS, Juarez Cirino. Direito Penal – Parte Geral. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008.

[2] GALVÃO, Fernando. Direito Penal – Parte Geral. 5ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2008.

[3] Precedente: STJ – REsp 800817/SC, Recurso Especial 2005/0197009-0, Sexta Turma, Rel. Min. Celso Limongi, DJe 22/02/2010.

[4] Apud THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental. Editora JusPodivm, 1ª edição. Salvador: 2011, p. 592.


Informações Sobre o Autor

Diego Luiz Victório Pureza

Advogado. Pós-Graduado em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera Uniderp – LFG. Pós-Graduando em Docência do Ensino Superior pela Universidade Anhanguera Uniderp – LFG. Pós-Graduando em Corrupção: Controle e Repressão a Desvios de Recursos Públicos pela Universidade Estácio de Sá. Bacharel em Direito pela Universidade Anhanguera Educacional de Jacareí. Professor de Direito Penal e Legislação Penal Extravagante. Membro da Comissão OAB vai à escola da 36 Subseção da OAB/SP


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