A função social da propriedade e os contornos constitucionais

Resumo: Este trabalho tem como objetivo abordar a função social da propriedade em conformidade com os contornos constitucionais do texto da constituição federal vigente. Após o período do estado novo, rumo a redemocratização, a Constituição de 1946 restaurou a função social da propriedade integrando-se como um dos princípios da ordem econômica e fins sociais visando garantir os direitos fundamentais 


 INTRODUÇÃO


Este trabalho tem como objetivo abordar a função social da propriedade em conformidade com os contornos constitucionais do texto da constituição federal vigente. Após o período do estado novo, rumo a redemocratização, a Constituição de 1946 restaurou a função social da propriedade integrando-se como um dos princípios da ordem econômica e fins sociais visando garantir os direitos fundamentais.


Na constituição de 1934, que se falou pela primeira vez em condicionar o direito de propriedade ao cumprimento de sua função social.


Dentre todas constituições brasileiras, a que mais se preocupou com a função social da propriedade é a atual Constituição Federal de 1988.Pois este texto constitucional além de um perfeito posicionamento no sistema constitucional e a expressão de um conteúdo mínimo indicado a respeito da propriedade imobiliária garante o direito a somente aquela propriedade que cumpra a sua função social,conforme disposto no artigo 5º, incisos XXII e XXXIII da Constituição Federal de 1988,bem como o disposto no artigo 170, inciso III,do mesmo texto constitucional.


A exigência da função social da propriedade para garantirem-se os direitos tutelados constitucionalmente, impõe uma série deveres ao titular desses direitos, que se compõe pelas restrições de exercício à proibição de uso exclusivo, incluindo-se a observância de um aproveitamento eficiente e racional, utilizando-se adequadamente dos recursos naturais e preservando o meio ambiente. Logo, a garantia do direito de propriedade no Brasil existe em razão da função social, o que é tão importante, que está previsto constitucionalmente em cláusula pétrea, conforme o disposto no artigo 60, parágrafo 4º, da Constituição Federal de 1988. 


Desenvolvimento


Analisando o contexto histórico da propriedade, verifica-se presente já no Direito Romano à idéia de limitar o direito de propriedade. Segundo os historiadores, a Lei das XXII Tábuas, continha limitações ao uso da propriedade, dentro de uma concepção individualista.


Na Revolução Francesa de 1789, que inspirou o Código Civil Francês de 1804, chamado de Código da Propriedade, cogitou-se a idéia da supremacia do direito de propriedade. Estas influências tiveram tamanha importância, que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, especificou a propriedade como um direito sagrado e inviolável.


A mesma França que foi capaz de conceber a propriedade como um dos direitos mais absolutos, e difundir essa concepção no âmbito jurídico da época, refletiu sobre essa concepção numa posição totalmente antagônica, concluiu que o Estado só poderá garantir juridicamente, aquela propriedade que desempenhar uma função social.


O Código de Beviláqua baseou-se no código alemão, que instituiu a abrangência do direito de propriedade sob o espaço aéreo e o subsolo, em altura e profundidade necessárias ao seu exercício. Valorizava-se a supremacia do indivíduo em sobre o Estado, que se fundamentava numa economia rudimentarmente rural, que tinha como base à mão-de-obra migratória e escrava.


No Brasil, até o advento da Constituição Federal de 1988, a propriedade se focava no individualismo econômico, pois o Código Civil de 1916, somente a normatizou.


A propriedade sempre foi preservada pelas constituições brasileiras, mas o seu direito começou a ser preservado, a partir da Carta Imperial de 1824, que o classificou como um direito fundamental.


A Constituição de 1934, no artigo 113, inciso XVII e no seu artigo 118, começou a considerar as minas e demais riquezas do solo e quedas-d água, como propriedades distintas do solo para efeito de aproveitamento industrial ou exploração, e que esse direito não poderia ser utilizado com o objetivo de exercer os interesses sociais e coletivos.


Nos textos constitucionais de 1937 e 1942 se mantiveram esses princípios.


A Constituição federal de 1946 exigiu que o uso da propriedade fosse condicionado ao bem-estar social, conforme seu artigo141, parágrafo 16, e artigo 147, que dispõe sobre a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.


Na Carta Magna de 1962, editou-se a Lei nº 4.132, que começou a regular a desapropriação com intuito de interesse social, de uma forma precária no que tange aos imóveis rurais para fins agrários.


Em 1988, o texto constitucional tratou a propriedade como um direito fundamental do indivíduo, garantindo esse direito como algo de natureza inviolável, conforme o disposto no Caput do seu artigo 5º, embora o inciso XXIII, do artigo citado expressa que a propriedade deverá atender a sua função social.


No decorrer dos anos, essas concepções acerca da propriedade foram amenizadas por leis esparsas, que inseriram a propriedade no contexto constitucional, discorrendo sobre a função social da mesma, com base na nova ordem econômica e anseios sociais da atualidade.


  Neste contexto histórico do ordenamento jurídico, em que os princípios constitucionais prevalecem sob a legislação infraconstitucional, as normas são expressas de forma mais setorial e menos jurídica, discorrendo sobre a função social da propriedade, como um princípio fundamental.


 O papel da função social da propriedade privada é submeter aos interesses coletivos os interesses individuais. O que significa não diminuir nenhum direito de propriedade ao invocar-se a função social da mesma, mas significa a existência do poder-dever do proprietário, devendo este dar uma destinação determinada a propriedade.


No artigo 60, da constituição federal de 1988, parágrafo 4º, inciso 4º expressa que “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (…)”.


IV – os direitos e as garantias individuais.


Ou seja, enquanto vigorar a constituição Federal de 1988, a função social da propriedade não poderá ser mudada.


  Ao analisar-se o artigo 170, incisos II e III, da Constituição Federal de 1988, percebe-se a importância da função social da propriedade no ordenamento econômico:


Art. 170, CF/88: A ordem econômica…(…)


II – propriedade privada;


III – função social da propriedade.”


 O artigo anteriormente citado encontra-se no Capítulo I – “Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica”, do Título VII – “Da Ordem Econômica e Financeira”, propiciando a conclusão de que tanto a propriedade privada quanto a sua função social são consideradas em princípios gerais, fundamentando todo um sistema.


Um marco teórico no âmbito econômico é o artigo 186 do texto constitucional que dispõe sobre a constitucionalização da função social da propriedade rural e sob seus requisitos.


De suma importância é citar o artigo 9º, da Lei 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, que tem o objetivo de explicitar os preceitos constitucionais que referem-se a função social da propriedade.


A União pode desapropriar os imóveis rurais, que não estejam cumprindo a sua função social, com o objetivo de promover à igualdade de acesso a propriedade e a melhoria do bem-estar social coletivo, conforme o artigo 184, do texto constitucional de 1988.


Importante frisar que somente a União tem competência exclusiva para tal, limitando-se à propriedade rural, tendo como requisito principal o não cumprimento da função social, que autoriza a ocorrência da desapropriação.


No artigo 185, no seu inciso II,da Carta Magna de 1988 esta disposto que a propriedade rural que for produtiva se encontra insuscetível de desapropriação para a finalidade da reforma agrária.


Já o artigo 186, da Constituição federal de 1988 expressa que o imóvel rural deve ser aproveitado de forma racional e adequada, na utilização dos recursos naturais disponíveis, visando preservar o meio-ambiente, considerando que a terra é um bem da coletividade.


Este artigo também dispõe sobre as relações de trabalho e a respeito de uma exploração que beneficie o bem-estar dos trabalhadores e dos proprietários da terra.


Conclusão


Devido ao Brasil ter uma herança rural cheia de ranços no que concerne a função social da propriedade, incluindo-se aí os aspectos econômicos, social e ambiental o que ocorre na prática dessa doutrina e ordenamento jurídico é bem distinto, na maioria dos casos, não em todos.


Pode-se compreender que a função social da propriedade funciona como uma espécie de limite usado pelo legislador com intuito de contornar a propriedade, seguindo o princípio da superveniência do interesse particular em detrimento do interesse público, que representa a vontade da coletividade. Logo, se a função da propriedade não for cumprida, o proprietário da mesma ficará sujeito ao disposto no artigo 184, da Constituição Federal de 1988; que expressa o direito da União desapropriar os imóveis rurais, que não estejam cumprido a sua função social, para fins de reforma agrária e interesses sociais.


  Importantíssimo frisar que ao ser definido como Direito Fundamental, a função social da propriedade passou a ser Cláusula Pétrea, do artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV da Constituição Federal de 1988. Logo, conclui-se tratar a propriedade de um direito fundamental, que necessita de cumprir ou exercer a sua função social (utilização adequada dos recursos naturais disponíveis, aproveitamento racional da propriedade, relações de trabalho e exploração que visem favorecer ao bem-estar dos trabalhadores e dos proprietários de terra, bem como o aproveitamento racional da propriedade) para que efetivamente ocorra o cumprimento e a garantia desse direito. 


 


 Referências Bibliográficas

BESSONE, Darcy. Direitos reais. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1996.

BOBBIO, Noberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus,1992.

GOMES, Orlando. Direitos reais. Rio de janeiro: Forense, 2002.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2002.


Informações Sobre o Autor

Márcia Nazaré Silva

Bacharel em Direito


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