Resumo: O presente estudo tem como o objetivo analisar a responsabilidade civil das escolas de ensino nos casos de bullying dentro de suas dependências, com o enfoque na nova legislação, a Lei 13.185/2015, que entrou em vigor em fevereiro do ano de 2016. O debate parte do pressuposto da responsabilidade objetiva dos fornecedores, no qual independe de culpa para a caracterização do dever de indenizar, uma vez que quando ocorre um ato de bullying nos estabelecimentos educacionais, supostamente, há uma falha na prestação de serviços. Entretanto, com o advento da “lei do bullying”, surgiu a possibilidade de os fornecedores terem a responsabilidade eludida. Logo, é evidente a necessidade do debate acadêmico do assunto, posto que se trata de um tema muito importante no âmbito social, doutrinário e jurisprudencial.[1]
Palavras chaves: Responsabilidade civil. Instituições de ensino.Bullying. Lei 13.185/2015.Código de defesa do consumidor.
Abstract: The present study was aimed at analyzing the civil responsibility of the schools in cases of bullying practice within its premises, focusing on the new legislation, the Law 13.185/2015, which entered into force on February of 2016. The debate starts from the assumption of the objective responsibility of the providers, which does not build upon the guilt for the characterization of the duty to indemnify, given that when a bullying act occurs inside the facilities of an educational institution, supposedly, there is a flaw on the provision of services. However, with the advent of the “bullying law”, arose the possibility of the providers having the responsibility avoided. Therefore, the need of the academic debate on the theme is clear, forasmuch as the importance of the subject on social environment, doctrinaire and jurisprudential.
Keywords: Civil responsibility schools. Law 13.185/2015. Consumerprotection law
Sumário: 1. Introdução. 2. O bullying e a Lei do Bullying13.185/2015. 3. Responsabilidade civil no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor brasileiro. 4. A responsabilidade civil das instituições de ensino particulares nos casos de bullying. 5. Considerações finais.
1 INTRODUÇÃO
Desde os primórdios da sociedade o direito tem em sua essência cultural a solução de conflitos por meio de normas. A primeira ideia de responsabilização por dano ocasionado foi a vingança coletiva, no qual explica Luiz Ricardo Guimarães, em sua tese de monografia:
“Remotamente, quando os homens ainda viviam em pequenos agrupamentos, imperava a vingança coletiva, em que, se alguém causasse dano a outro, era punido por todos os membros dessa sociedade primitiva, geralmente com sua exclusão ou com sua morte” (GUIMARÃES, 2000, p.173).
Com a constante transformação da sociedade, a responsabilidade civil se adapta visando a atender o interesse social da época. Visto isso, a responsabilidade civil começa a aparecer nas legislações de diversas eras históricas.
Posteriormente, a vingança coletiva foi substituída pela vingança privada, em que a agressão sofrida pelo indivíduo seria a mesma que o próprio indivíduo ocasionaria na pessoa responsável pelo dano.
Um dos primeiros códigos a tratar a responsabilidade civil de acordo com sua época foi a “Lei de Talião” que consiste no senso de que a pena para um crime é idêntica ao dano causado, era pautada no “olho por olho, dente por dente”, além de ser uma forma de limitar a vingança privada.
Com a constante evolução histórica, a composição voluntária passou a ser a forma de responsabilização pelos atos ocasionados, no qual o injuriado teria a faculdade de substituir a retaliação ao agente por uma compensação de ordem econômica.
Com a estruturação do estado, não ocorria mais a vingança privativa, fazendo com que a composição não seja mais voluntária, mas sim, obrigatória.
Atualmente, o instituto da responsabilidade civil está presente no Código Civil brasileiro de 2002 e no Código de Defesa do Consumidor, no qual possui algumas funções que serão discutidos mais adiante.
A evolução da sociedade se dá através dos indivíduos que buscam a melhor forma de convivência. Entretanto, dada a essência do ser humano, sempre em todas as sociedades surgem “males” que dificultam a convivência pacífica do corpo social.
Na época em que vivemos, uma dessas máculas surge com muita força. O bullying. A prática do bullying transforma o alvo do ato. Muitas pessoas que sofrem com essa mácula entram em estado de depressão, não querendo mais viver em sociedade. Alguns, tendem a ter reações mais agressivas, como por exemplo, “O caso de Realengo”, no qual um homem de 23 anos entrou em uma escola municipal na Zona Oeste do Rio, atirando contra alunos em salas de aula lotadas, e por fim foi atingido por um policial e se suicidou.
Posteriormente, foi descoberto através de um amigo que esse mesmo homem, sofria de bullying na mesma escola onde ocorreu o massacre.
Camargo, Orson, caracteriza o bullying como: “É um termo da língua inglesa (bully = “valentão”) , que se refere a todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.”
Desse modo, fere o princípio consagrado na nossa Carta Magna que é o respeito à dignidade da pessoa humana e dessa maneira fere o Código Civil, além do Código de Defesa do Consumidor, visto que, as escolas prestam serviço aos consumidores e são supostamente responsáveis por atos de bullying que ocorram dentro do estabelecimento de ensino.
Apesar de ser um tema com grande relevância no âmbito social, são raros os posicionamentos dos doutrinadores do Direito acerca do tema, principalmente porque não havia nenhuma legislação que regulamentasse o bullying, gerando inúmeras dúvidas nos operadores do Direito.
Entretanto, no dia 6(seis) de novembro de 2015, foi sancionada a “Lei do Bullying”, com o objetivo de combater esse instituto que gera danos irreparáveis na ordem física e psicológica das pessoas.
Com isso, despertou grande discussão acerca da responsabilidade civil das escolas em casos de bullying dentro de suas dependências, uma vez que a lei traz deveres para cada estabelecimento de ensino com o intuito de opor-se ao bullying.
Dentro desse contexto, o presente estudo tem o objetivo de tentar determinar o limite de atuação das escolas particulares, em outras palavras, até que ponto as escolas particulares podem ser responsáveis ao ponto de indenizar a vítima do bullying.
2 O BULLYING E A LEI DO BULLYING(13.185/2015)
O bullying sempre existiu no âmbito escolar. Entretanto, antigamente as práticas não repercutiam rapidamente, e por vezes não repercutiam, uma vez que os meios para a transmissão não possuíam tecnologia capazes de acelerar o processo de informação.
É perceptível o quanto a tecnologia avançou nas últimas décadas e no caso em questão, os avanços não são considerados positivos, pois com os meios de informação modernizados os atos de bullying repercutem rapidamente na internet, e muitas vezes não é para inibir o comportamento de quem pratica, mas sim, para continuar os atos.
As redes sociais, como por exemplo, o Twitter e Facebook, são meios que potencializam os atos, ou seja, os atos praticados no âmbito escolar rapidamente se espalham para a Internet, fazendo com que a vítima do ato não tenha onde se esconder. É o chamado cyberbullying.
“O cyberbullying nada mais é do que bullying praticado por meio de novas tecnologias. No entanto, a análise mais profunda do tema, evidenciará que ele pode se configurar como mais gravoso, perpetuando a situação de vitimização em virtude das configurações do espaço virtual, que permite o livre e simultâneo fluxo das informações, o que faz com que as notícias e informações se propaguem muito rapidamente, alcançando um número indefinido de internautas. Aliado a isso, tudo o que é publicado na web (imagens, vídeos, fotos, palavras e recados postados em redes sociais – como Orkut, Facebook, Myspace, Twitter, dentre outras) é facilmente capturado pelos demais internautas, que tanto podem armazenar esse conteúdo, como disseminá-lo entre outras pessoas. Significa dizer, de outro modo, que se perde o controle sobre as informações postadas podem armazenar esse conteúdo, como disseminá-lo entre outras pessoas. Significa dizer, de outro modo, que se perde o controle sobre as informações postadas”[2] (GALIA, 2015, p. 12).
O primeiro a relacionar a palavra a um fenômeno foi Dan Olweus, professor da Universidade da Noruega, no fim da década de 1970. Ao estudar as tendências suicidas entre adolescentes, o pesquisador descobriu que a maioria desses jovens tinha sofrido algum tipo de ameaça o que ocasionou um abalo psicológico imensurável, tendo como uma das consequências o suicídio.[3]
"É uma das formas de violência que mais cresce no mundo", afirma Cléo Fante, educadora e autora do livroFenômeno Bullying: Como Prevenir a Violência nas Escolas eeducar para a paz. (FANTE, 2005).
Segundo a Psicóloga Daniela DemskiAdário, com 12 anos de experiência em Gestão e Direção escolar na Educação Infantil:[4]
“O portador dessa síndrome possui necessidade de dominar, de subjugar e de impor sua autoridade sobre outrem, mediante coação; necessidade de aceitação e de pertencimento a um grupo; de autoafirmação, de chamar a atenção para si. Possui ainda, a inabilidade de expressar seus sentimentos mais íntimos, de se colocar no lugar do outro e de perceber suas dores e sentimentos. As consequências para as "vítimas" desse fenômeno são graves e abrangentes, promovendo no âmbito escolar o desinteresse pela escola, o déficit de concentração e aprendizagem, a queda do rendimento, o absentismo e a evasão escolar” (ADÁRIO,2012. p. 01).
Como visto, os meios eletrônicos, principalmente a internet, ajudaram o crescimento do bullying, devido ao alto grau e a velocidade de propagação dos atos no mundo cibernético.
A vítima sofre com ataques morais e físicos e raramente busca ajuda no ambiente que sofre o bullying. O motivo disso é a vergonha e o medo, uma vez que a vítima tenta demonstrar que não é covarde e que a maioria das vezes seus agressores ficam impunes.
É visível a gravidade das consequências que o ato ocasiona na vida das vítimas, ofendendo diretamente o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, consagrado na Constituição Federal, assim sendo de suma importância a criação de mecanismos capazes de combater a prática do bullying.
Entretanto, como não existia nenhuma legislação que regulamentava o bullying, surgia inúmeras dúvidas acerca do tema, por exemplo: quais práticas se enquadrava no conceito do bullying, os meios de combate a prática, quais as medidas que as escolas devem tomar antes, durante e depois do ato de bullying.
Em 2009, A Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência (Abrapia) sugeriu as seguintes atitudes para um ambiente saudável na escola:- Conversar com os alunos e escutar atentamente reclamações ou sugestões;- Estimular os estudantes a informar os casos;- Reconhecer e valorizar as atitudes da garotada no combate ao problema;- Criar com os estudantes regras de disciplina para a classe em coerência com o regimento escolar;- Estimular lideranças positivas entre os alunos, prevenindo futuros casos;- Interferir diretamente nos grupos, o quanto antes, para quebrar a dinâmica do bullying.[5]
Várias foram as atitudes tomadas frente ao bullying nos últimos anos, contudo nenhuma surtiu o efeito desejável. Visando a diminuição dos casos e uma forma mais contundente ao combate dessa mácula social, a Ex-Presidente da República Federativa do Brasil, Dilma Rouseff sancionou a lei 13.185, de 6 de novembro de 2015, denominada de “lei do bullying” que entrou em vigor no início de fevereiro de 2016, instituindo o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying) em todo o território nacional.
A Lei nº 13.185/15 determina que será considerada intimidação sistemática (bullying) todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.
No âmbito jurídico, a repercussão da lei do bullying (13.185/15), trouxe inúmeras dúvidas, logo é importante trazer essas desconfianças para discussão, veja-se:
“A caracterização do bullying (artigo 2º) e a sua classificação (artigo 3º) foram elencadas pelo legislador em caráter exemplificativo e não taxativo, sendo certo que as agressões e meios pelos quais essas se propagam podem ser diversos daqueles previstos em lei, desde que configurada a intimidação sistêmica. Dessa forma, a zona cinzenta de entendimento é porta aberta para qualquer argumento que impeça ações corretivas e inibidoras contra agressores infanto-juvenis que acreditam na impunidade e na pseudo proteção parental contra os efeitos da lei.”[6]
Quando tomamos ciência do que significa bullying, ou até mesmo cyberbullying a dúvida mais frequente seria se esses atos configuram-se como infração penal. Podemos recordar o princípio da fragmentariedade, onde, direito penal só deve se ocupar com ofensas realmente graves aos bens jurídicos protegidos (JUS BRASIL, 2012). Nem todas as violações dos bens jurídicos configuram um crime. Somente as infrações mais graves, mais incisivas aos bens jurídicos podem configurar infrações penais desde que haja previsão legal.
Dessa maneira, o bullying verbal, moral e psicológico, pode configurar o crime contra a honra (calúnia, injúria, difamação), bem como crime de ameaça ou, eventualmente, pode não configurar infração penal (como no caso do isolamento social consciente e premeditado).”[7]
O que leva ao inciso II, que afirma que irá capacitar docentes e equipes pedagógicas na solução dos problemas decorrentes de bullying, visando, ainda, a prevenção, algo que poderia ser visto por alguns como tentativa de cessar as agressões, mas o questionamento que resta é como o governo pretende realizar tal ato e quando, pois resta claro, a partir das consequências desses atos, a urgência de medidas, ainda que preventivas.
Podemos observar, também, no inciso VIII, que a punição ao agressor é expressamente reprovável, já que insiste em “evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores”. E quanto a vítima? Quais são as medidas para resguardar os danos causados à vítima da agressão e para que a mesma se sinta segura e protegida no ambiente escolar? Ainda, é preocupante a percepção que algo assim traz ao agressor – que tem sérias e reais tendências criminosas, como já foi abordado nos estudos do professor Dan Olweus – de impunidade.
O artigo 5º apresenta o ‘dever’ de determinados estabelecimentos em prevenir e combater a intimidação sistemática, mas não prevê qualquer tipo de sanção àqueles que o descumprirem, assim como ocorre com qualquer determinação presente nesta legislação”[8] (BRASIL, 2015).
É evidente que existe uma grande dificuldade no assunto, uma vez que o tema é ainda pouco debatido no ambiente acadêmico, gerando inúmeras dúvidas entre os operadores do direito, principalmente na questão da responsabilidade civil das escolas quando ocorrer casos de bullying dentro de suas dependências.
3 RESPONSABILIDADE CIVIL NO CÓDIGO CIVIL E NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR BRASILEIRO
O instituto da responsabilidade civil está consagrado no Direito Brasileiro no Código Civil de 2002, precisamente nos art. 927/CC veja-se:
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem” (BRASIL, 2002).
É meritório ressaltar que o parágrafo único faz referência ao Código de Defesa do Consumidor, em sua previsão legal, uma vez que ao mencionar “em casos especificados em lei”, está fazendo alusão ao Código de Defesa do Consumidor, precisamente aos art. 12 e 14/CDC.
“Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos” (BRASIL, 2002).
A responsabilidade objetiva expôs de forma clara o lado hipossuficiente do consumidor, uma vez que com o que se extrai das análises dos artigos citados acima, é que o fornecedor responde pelos danos independentemente de culpa.
Ademais, a jurisprudência é pacífica nesse sentido, veja-se:
“Indenização. Danos causados aos consumidores. Fabricante. Responsabilidade. Art. 12 do CDC. Ementa: "Responde contratualmente o fabricante por danos causados ao consumidor decorrentes de defeitos de seus produtos" (TAMG, 3ª C. Civil, AC n.º 144.007-9, j. em 25.11.92, rel. juiz Abreu Leite, v.u., RJTAMG 49/228-229).”
Indenização. Responsabilidade Civil. Dano moral. Refrigerante impróprio para o consumo. Ingestão. Existência de batráquio em estado de putrefação no interior da garrafa. Dor psicológica. Fato notório de grande repugnância. Sensação de nojo e humilhação. Verba devida. Recurso provido. (TJSP, 2ª C. Civil, AC n.º 215.043-1, j. em 7.3.95, rel. des. Lino Machado, v.u., JTJ-Lex 171/91-95.) (BRASIL, 1992).
“PROCESSO CIVIL. APELAÇÕES. FRAUDE NA CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO. INSTRUMENTO NÃO FIRMADO PELO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR. ART. 14 DO CDC. DANO MORAL IN RE IPSA. QUANTUM MANTIDO.
1. "As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros – como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno" (STJ – AgRg no AREsp 92.579/SP – Quarta Turma – Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira – Julg. 04.09.2012 – DJe 12.09.2012).2. O dano moral independe da existência de prova. Basta a prova do fato apontado como a causa bastante do dano para que se induza pela ocorrência deste. Por isso, trata-se de dano moral in re ipsa. 3. O valor arbitrado a título de indenização, isto é, R$ 10.000,00 (dez mil reais), a serem adimplidos pelo Banco BMG e por seu correspondente de forma solidária, e R$ 3.000,00 (três mil reais) em desfavor do Banco Itaú demonstrou-se razoável e consentâneo com as peculiaridades do caso.4. RecursoS a que se nega provimento.”(Brasil, 2015)
Entretanto, vale ressaltar que, embora a responsabilidade objetiva dispense o consumidor de comprovar a culpa, os requisitos para a reparação por danos morais ainda devem ser preenchidos, veja-se:
“Acórdão nº 214279 “Não se pode, todavia, equiparar ou confundir a responsabilidade objetiva com uma autêntica presunção de culpabilidade ou dever de indenizar. (…) Assim, a responsabilidade objetiva instituída no Código de Defesa do Consumidor dispensa a vítima da prova de haver o fornecedor agido de maneira culposa, mas o nexo de causalidade e a extensão dos danos permanecem regidos pela regra geral, pois, de modo diverso, estar-se-ia permitindo a reparação civil de danos não demonstrados, ou até mesmo não relacionados a qualquer atitude da pessoa jurídica a quem está sendo imposta a obrigação de indenizar.” (Des. J.J. Costa Carvalho, DJ 24/05/2005 TJDFT) (BRASIL, 2005, grifo nosso).
A importância da responsabilidade civil é indiscutível, uma vez que o instituto traz o direito de as pessoas serem indenizadas por danos que sofreram, decorrentes de um ato ilícito.
O Estado traz para si a responsabilidade, cabendo ao Poder Judiciário decidir respeitando cada caso em sua peculiaridade, de forma a não generalizar um instituto tão importante no direito brasileiro.
No Código Civil, o ato ilícito é imprescindível para o dever de indenizar a vítima. Logo, vale citar alguns pontos acerca dos requisitos para a caracterização do ato ilícito, que são: A conduta humana (ação ou omissão), nexo causal, dano e a culpa.
No caso do Código do Consumidor, visando proteger o lado mais vulnerável da relação de consumo, foi consagrada a responsabilidade civil objetiva, ou seja, independe da existência de culpa por parte do fornecedor, como visto nos artigos citados acima.
Felipe P. Braga Netto complementa:
“Pelos danos que cause no mercado de consumo, o fornecedor – cujo conceito é amplo o bastante para compreender todos que disponibilizam produtos ou serviços com habitualidade, mediante remuneração – responde, sem culpa, pelos danos sofridos pelos consumidores”[9] (BRAGA NETTO, 2014, p. 134).
Em se tratando de um contrato em que o fornecedor disponibiliza um serviço determinado para o consumidor, embora independa da existência de culpa, deve o cliente demonstrar que houve a falha na prestação de serviços.
Uma vez ausente o defeito na prestação de serviços, não há o que se falar em indenização, entendimento este dominante na jurisprudência. Vejamos um exemplo:
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PRESCRIÇÃO. PRAZO. CDC. FATO DO SERVIÇO. TERMO INICIAL. AUSÊNCIA DE FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. 1. De acordo com o art. 27, do CDC, prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria. 2. O Código de Defesa do Consumidor prevê, em seu art. 14, a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços. 3. O instituto da responsabilidade objetiva tem como principal característica ser prescindível a comprovação da culpa, bastando a demonstração do fato e do dano decorrente. 4. Contudo, em se tratando de responsabilidade objetiva, esta poderá ser elidida nos casos de ausência de defeito na prestação de serviços e de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro. 5. Deve ser julgado improcedente o pedido de indenização quando não for demonstrado qualquer ato ilícito cometido pela parte apelada, mormente porque o serviço educacional foi devidamente prestado e o curso mantido pela ré encontra-se credenciado perante o MEC e sem irregularidade reconhecida.(APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0335.14.000749-3/001 – COMARCA DE ITAPECERICA – APELANTE(S): EDVÂNIA LÚCIA SOUZA – APELADO(A)(S): ASSOCIAÇAO JACAREPAGUA DE ENSINO SUPERIOR)”[10] (BRASIL, 2017).
Nesses casos, o fornecedor pode alegar ausência da falha na prestação de serviço, culpa exclusiva do consumidor e por fim, culpa exclusiva de terceiro. São esses os casos em que o fornecedor será isento do dever de indenizar o consumidor.
A responsabilização dos estabelecimentos educacionais depende da falha na prestação de serviços, pois é sabido que a escola também tem o dever de garantir a segurança e educação da criança ou adolescentes.
Entretanto, a nova legislação acerca do bullying traz consigo algumas questões a ser discutidas pelos operadores de direito, especificamente em relação acerca da responsabilidade civil desses estabelecimentos.
4 A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO PARTICULARES NOS CASOS DE BULLYING
Rui Stoco afirma que:[11]
“A escola ao receber o estudante menor, confiado ao estabelecimento de ensino da rede oficial ou rede particular para as atividades curriculares, de recreação, aprendizado e formação escolar, a entidade é investida no dever de guarda e preservação da integridade física do aluno, com a obrigação de empregar a mais diligente vigilância, para prevenir e evitar qualquer ofensa ou dano aos seus pupilos, que possam resultar do convívio escola” (STOCO, 2007, p. 28).
No caso do bullying que ocorre dentro das dependências das escolas, independe de culpa do instituto de ensino e por isso os pais devem ser indenizados, uma vez que a escola tem o dever de vigilância, cuidado, guarda, educação e criação, além do fato de caracterizar-se como uma prestadora de serviços.
Logo, a ocorrência do bullying dentro das dependências se caracteriza como um descumprimento contratual, ou seja, uma falha na prestação do serviço e isso gera o dever de indenizar por parte das instituições de ensino, aplicando-se o art. 932, IV, e 933, do Código Civil e o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de uma relação de consumo, sendo também aplicada a responsabilidade objetiva.
Entretanto, quando não há omissão, quando a escola, por meios que lhe são possíveis, tende a evitar os casos de bullying, agindo para que cesse o mal ocasionado dentro de suas dependências, merece ser condenada a indenizar?
Com o advento da nova lei do bullying (Lei 13.185/2015), o art.5º diz que:
“Art. 5o É dever do estabelecimento de ensino, dos clubes e das agremiações recreativas assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática” (BRASIL, 2015)
Pois bem. Surge uma discussão acerca do dever de indenizar dos estabelecimentos de ensino, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor é explícito que independe de culpa, sendo responsabilidade objetiva, a nova lei gera uma possível defesa dos institutos de educação.
Como dito anteriormente, a ocorrência do bullying dentro das escolas particulares de ensino é uma falha na prestação do serviço, por isso devem indenizar. Entretanto, a escola seguindo os procedimentos adotados na Lei 13.185/2015, precisamente do art.5º, promovendo programas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à intimidação sistemática e ocorrendo o bullying dentro de suas dependências, ainda assim gera um descumprimento contratual capaz de ser condenada a indenizar as vítimas?
O art.14 do CDC diz que: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”
Analisando bem o artigo acima, é possível extrair que o fornecedor responde se houver dano por defeito à prestação de serviço.
Analisaremos dois julgados que isentam as escolas da responsabilidade de indenizarem as vítimas de bullying, um do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, veja-se:
“Instituições de ensino devem coibir a prática de bullying, sob pena de responsabilização objetiva pela falha na prestação do serviço. Mãe de aluno alegou que a escola não agiu prontamente para evitar as agressões verbais e psicológicas relacionadas à aparência física de seu filho, que era constantemente ridicularizado pelos colegas de turma. Além da educação e da orientação realizadas no ambiente familiar, a escola tem o dever de atuar na prevenção e repressão do bullying, disseminando o respeito entre os alunos. Para a responsabilização da instituição de ensino é necessária a prova da efetiva falha no serviço, ou seja, da omissão dos prepostos da requerida no cuidado dos alunos. No caso, os Julgadores entenderam que a escola, ao autorizar a mudança de turma logo após a comunicação sobre o fato, adotou as providências cabíveis para evitar maiores danos ao desenvolvimento da criança pela permanência e contato com aqueles que a excluíam e menosprezavam. Dessa forma, concluiu-se que não houve defeito na prestação dos serviços educacionais, eis que a instituição atuou de forma diligente na solução do conflito.”
Acórdão n.º 798075, 20100710188983APC, Relatora: LEILA ARLANCH, Revisor: TEÓFILO CAETANO, 1ª Turma Cível, Data de Julgamento: 11/06/2014, Publicado no DJE: 27/06/2014. Pág.: 59 (BRASIL, 2014)
APELAÇÃO CÍVEL. ENSINO PARTICULAR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL. FATO OCORRIDO EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO. "BULLYNG".
Da análise das provas carreadas nos autos, constata-se que não restaram preenchidos os requisitos para a configuração da responsabilidade civil. Pelo contrário, verifica-se que o educandário recorrido fez o que estava ao seu alcance para minimizar o sofrimento do autor e para entender de forma contrária, deveria a autora ter trazido à baila elementos que comprovassem a sua tese, o que não restou demonstrado no feito. DANOS MATERIAIS INOCORRENTES. Não assiste razão o apelante quanto o pedido de indenização por danos materiais, para não acarretar enriquecimento ilícito, uma vez que não se incumbiu de comprovar os danos materiais que sofreu. DESPROVIDO O RECURSO DE APELAÇÃO.” (Apelação Cível Nº 70051848745, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Artur Arnildo Ludwig, Julgado em 20/06/2013) (BRASIL,2013)
A escola com os programas de conscientização e prevenção, tentando assim, diminuir os casos da intimidação sistemática, buscando solucionar os conflitos que normalmente surgem em ambientes onde o convívio social é intenso, não faz jus a ser condenada a pagar em valores de danos morais aos pais, uma vez que não está caracterizada a falha na prestação de serviço.
Com a não caracterização da falha na prestação de serviços, a responsabilidade civil das escolas é eludida, como visto nos julgados acima.
É notório que o estabelecimento educacional tem o dever de garantir a segurança e a educação, uma vez presente o contrato de prestação de serviços. Contudo, é dever também dos pais notar algum comportamento diferente em seu filho em sua esfera doméstica, uma vez que a vítima de bullying age diferente em seu ambiente familiar.
Além disso, a instituição de ensino abrange inúmeros estudantes diariamente, sendo inviável que a escola tenha um atendimento particular para cada estudante matriculado na escola.
É laborioso para o estabelecimento de ensino atender a particularidade de cada aluno, principalmente daqueles que são vítimas do bullying, uma vez que a criança ou adolescente que sofre a intimidação sistemática fica receosa de procurar ajuda, pois é um abalo psicológico muito grande.
Portanto, com a nova legislação o tema começou a ganhar importância no âmbito acadêmico, principalmente em relação a responsabilidade civil, uma vez cumprido o dever do estabelecimento de ensino baseado especialmente no artigo 5º da Lei do Bullying(13.185/2015), não há o que se falar em falha na prestação de serviço.
No decorrer desse estudo, um novo caso que pode ter relação acerca do bullyingsurgiu. Um adolescente de 14 anos abriu fogo dentro de um colégio particular em Goiânia, no qual ocasionou a morte de dois meninos de 13 anos e deixou 4 hospitalizados. Depois do ocorrido o atirador teria tentado se matar, mas foi impedido por uma funcionária da escola.
Segundo uma reportagem do G1(globo):
“Filho de policiais militares, o adolescente de 14 anos suspeito de matar dois estudantes sofria bullying, segundo contou ao G1 um colega do Colégio Goyases, escola particular de ensino infantil e fundamental onde o tiroteio aconteceu, em Goiânia”[12] (GLOBO, 2017).
Ainda na mesma reportagem, um aluno da escola diz:
“Ele sofria bullying, o pessoal chamava ele de fedorento pois não usa desodorante. No intervalo da aula, ele sacou a arma da mochila e começou a atirar. Ele não escolheu alvo. Aí todo mundo saiu correndo”. (GLOBO, 2017).
Em outro site nacional, UOL, uma professora de psicologia escolar na Universidade Mackenzie, aduz que:
“…as vítimas de bullying podem se tornar agressores. Na tentativa de eliminar o problema, eles passam a praticar o bullying ou tomar medidas violentas. "Provavelmente, ele encontrou na arma o instrumento mais próximo para acabar com o sofrimento dele. Como no caso de Columbine, em que eles cansaram de ser vítimas e quiseram exterminar a escola como um todo", analisa.”[13] (UOL, 2017).
É importante mencionar que existem fontes que informam que o pai do atirador não sabia que o menino sofria o bullying:
“…O major da Polícia Militar de Goiás pai do garoto de 14 anos que disparou contra colegas na sexta-feira, 20, no colégio Goyases, em Goiânia, deixando dois mortos, depôs na Delegacia de Polícia de Apuração de Atos Infracionais (Depai) na manhã desta segunda-feira. Segundo a TV Anhanguera, o policial disse que não sabia que o filho sofria bullying na escola, como o menino relatou em seu depoimento”[14] (VEJA, 2017).
Esse fato evidencia a dificuldade da escola em atender cada aluno em sua especificidade, pois, se os pais que tem a obrigação familiar e que podem atender seus filhos de forma individual não conseguem fazer, quanto mais a instituição de ensino que atende inúmeros adolescentes diariamente.
Nesse aspecto, é importante mencionar o art.22 do Estatuto da Criança e Adolescente, veja-se:
“Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei.” (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016) (BRASIL,1990)
Ainda, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art.229, diz:
“Art.229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência, ou enfermidade”. (BRASIL,1988)
Logo, a Legislação Brasileira deixa claro que os pais possuem o dever da educação dos filhos, não se tratando então de responsabilidade exclusiva das instituições de ensino particulares, mas sim, de um conjunto de forças, entre pais e escolas para combater o bullying.
Ademais, vale salientar que a instituição de ensino tem o DEVER de assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática. Caso a escola de ensino não cumpra com os deveres estabelecidos, deve indenizar os pais e a vítima do bullying, pois assim, é evidente a falha na prestação do serviço.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É evidente a importância do presente estudo, uma vez que o bullying é uma mácula social de grande impacto, gerando inúmeros transtornos para a vítima do ato, por isso a necessidade do combate a “intimidação sistemática”.
A lei 13.185/2015 foi um marco legislativo em relação a temática do bullying, uma vez que, até então, as decisões eram pautadas especialmente em jurisprudências e nas especificidades de cada caso.
Ademais, a dificuldade de entendimento do assunto no âmbito acadêmico e jurisdicional, ainda é evidente, por isso é de suma importância debater mais sobre o bullying e suas consequências, pois, se suas vítimas não forem acompanhadas por parte das instituições de ensino podem gerar sequelas psicológicas.
Vale salientar que a responsabilidade objetiva dos estabelecimentos de ensino permanece como a regra, seguindo o Código de Defesa do Consumidor. Entretanto, surge a possibilidade de a responsabilidade ser eludida, uma vez que, se as escolas assegurarem medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática, além de prestarem todo auxílio ao estudante vítima do bullying, não deverá ser caracterizada a falha na prestação de serviço e por isso não devem ser responsáveis civilmente pelo ato.
É meritório mencionar que a nova legislação acerca do bullying é imprescindível ao combate dessa mácula, uma vez que, até então, não existia nenhuma lei que tratava de um tema tão importante e com tantas repercussões na sociedade.
O respeito a legislação Constitucional e infraconstitucional necessita existir simultaneamente com o dever educacional dos pais e das instituições de ensino, para que assim o combate ao bullying seja mais rígido no ambiente escolar, pois, essa mácula social ataca diretamente um dos princípios consagrados na nossa Carta Magna e em Tratados Internacionais, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Informações Sobre o Autor
Bertrand de Araújo Asfora Filho
Bacharelado em Direito e aluno do curso de pós especialização em direito tributário pela PUC/MG