A responsabilidade do estado no atendimento médico-hospitalar pelo SUS no setor materno-infantil

A lei moral, como toda lei natural, não é fácil nem de encontrar nem de aplicar. Seu descobrimento é obra científica; mas sua aplicação é obra de arte. ( Francesco Carnelutti)


Resumo: O objeto deste trabalho é estudar a responsabilidade civil estatal relacionada ao atendimento público nos hospitais vinculados ao Sistema Único de Saúde, à luz das garantias fundamentais da cidadania e dos princípios constitucionais.Busca-se delimitar a responsabilidade do Estado e de seus agentes na prestação do serviço público de assistência à saúde materno-infantil, quando resulta dano à gestante ou à criança. O trabalho fundamenta-se no estudo das garantias constitucionais e dos princípios norteadores da Administração Pública na área da saúde, definindo a incidência da responsabilização estatal quanto ao conteúdo do Estatuto da Criança e do Adolescente, mediante a investigação da omissão na incorporação, por meio de serviços, das novas técnicas como causa da responsabilidade do Estado. Para esse fim estuda-se o funcionamento dos sistemas de saúde público e privado, à luz da lei 8080/90 e da Constituição. Em particular, são analisados o erro médico como fundamento da responsabilidade pessoal do profissional da área da saúde e a falta ou insuficiência de serviços de saúde como fundamento da responsabilidade omissiva do Estado.


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Palavras-chave: responsabilidade civil, saúde pública, garantias constitucionais, SUS, atendimento materno-infantil.


Abstract: The scope of this monography is to study State civil liability related to the public health services delivered by hospitals of the Sistema Único de Saúde, in regard to the fundamentals of civil rights and constitutional principles. It is aimed also to define the liability of the State and its agents when public services of assistance to motherhood and infancy health result in damages to pregnancy or birth. The study holds its bases on the constitutional guarantees of citizenship  and on the ruling principles of Public Administration related to public healthcare, thus defining the incidence of State liability as to the legal contents of the Estatuto da Criança e do Adolescente, by means of investigating the lack of modern techniques. For this purpose, the functioning of the public and private health service sistems in confrontation with Statute n. 8080/90 and with the Constitution. Particularly, malpractice is examined as cause for the professional liability and the lack or insuficiency of healthcare public services as cause for State liability.


Key words: liability, public healthcare, constitutional guarantees, SUS, motherhood and infancy assistance.


Sumário: Introdução; 1 Atuação do estado quanto à saúde da mulher e da criança no Brasil; 2 Responsabilidade civil na área da saúde; 3 Repercussão jurídica do erro e da omissão; Conclusões; Referências Bibliográficas.


Introdução


Diversos são os aspectos que justificam o desenvolvimento deste trabalho. Como o mais importante, temos o direito à vida como o mais fundamental de todos os direitos, posto que, prejudicado este, perdem os demais a razão de existência. Portanto, para que o princípio constitucional, como norma de eficácia plena, tenha aplicabilidade imediata e irrestrita no cotidiano brasileiro, é necessário que a gestação tenha papel de destaque quando se trata de saúde pública, posto que a vida deve ser protegida desde seu início.


O próprio conceito de saúde encontra uma série de divergências, afirmando alguns autores que consiste na qualidade vital que permite ao indivíduo viver mais e servir melhor, aliando à higidez orgânica o bom estado psíquico. Por outro lado, existem definições que vinculam o estado físico, mental e social à capacidade do ser humano em resolver seus conflitos[1].


Embora pareça desnecessária a discussão acerca de políticas educacionais e de formação profissional sobre tema tão constante, percebe-se a relevância do assunto uma vez que se constata a existência de uma grande parcela da população que não dispõe de acesso a programas de saúde familiar, orientação sexual e controle de natalidade, fatores fundamentais para que se garanta a qualidade de vida e a estrutura sócio-econômica do país. Estas deficiências têm reflexo em toda a estrutura social brasileira, reafirmando situações de descaso e miséria da população dependente dos serviços prestados pelo Poder Público.


A título de exemplo, corrobora tais afirmações o nível da informação e a linguagem utilizada pela cartilha “Gravidez Saudável e Parto Seguro”, publicada pelo Ministério da Saúde, com o fim de divulgar informações básicas para as gestantes, tais como o direito à realização de exames fundamentais como de urina, sangue e colo de útero através do Sistema Único de Saúde. Estes elementos (abordagem, destinação) evidenciam a carência intelectual de boa parte das mulheres brasileiras.


A estes fatores soma-se a insuficiência de recursos destinados à saúde pública de forma ampla, o que também acarreta uma série de ônus para o Estado, principalmente frente à crescente demanda judicial por indenizações quando da suspeita de erro médico.


Por estas razões, o primeiro capítulo do presente trabalho pretende discutir a atual situação da saúde pública no Brasil, em particular no que respeita à atenção materno-infantil, posto que constitui a base do atendimento ao indivíduo. Ademais, esta matéria encerra garantia fundamental, tutelada pela Carta de 1988 e pela legislação infraconstitucional. Além disto, serão abordados aspetos referentes ao funcionamento dos sistemas público e privado de saúde, embora o foco deste trabalho seja o atendimento dispensado pelo Sistema Único de Saúde, dando ênfase, portanto, às suas atribuições e competências. Neste ínterim, será demonstrada a competência constitucional e administrativa do Estado frente ao poder-dever de garantir as disposições dos arts. 5º, caput e 6º da Constituição Federal.


Posteriormente, no segundo capítulo serão discutidos aspectos da responsabilidade civil na área da saúde, com relação aos profissionais e ao Estado, por suas entidades hospitalares, estabelecendo-se distinções e vínculos entre ambos.


No terceiro capítulo pretende-se demonstrar a relevância do tema desde a os primórdios da civilização com o intuito de delinear as questões que realmente têm relevância jurídica, separando-as das meras interpelações vingativas. Para tanto, será definido o erro médico e suas repercussões, entretanto, a ênfase deste trabalho é com relação à omissão do Estado na prestação do serviço público de atendimento à mulher e à criança no Brasil.


Por fim, pretende-se demonstrar que o Estado é responsável somente na medida de sua capacidade estrutural, respeitadas as disposições constitucionais acerca da ordem econômica e tributária vigentes no Brasil, salvo quando a omissão estatal revelar-se como causa eficiente para a ocorrência de dano ao paciente. Outrossim, cabe breve discussão acerca de certa analogia entre a responsabilidade objetiva do Estado com os elementos da culpa para fins de definir o dever de reparar os prejuízos causados em razão da omissão ou prestação tardia do serviço.


1 Atuação do estado quanto à saúde da mulher e da criança no brasil


Uma vez que a Constituição Federal de 1988 assegura a todos os cidadãos o pleno direito à vida e à segurança, o direito à saúde ganha status de garantia fundamental, sendo dever do Estado provê-la nos termos dos arts. 196 a 200 e de acordo com as demais normas legais. Conforme Carl Schmitt[2],


[…] são direitos fundamentais somente aqueles que podem valer como anteriores e superiores ao Estado, aqueles que o Estado reconhece e protege como dados anteriores, traduzindo esferas de liberdade, das quais resultam direitos[…]


Sobre este tema, indispensável lembrar o entendimento de Alexandre de Moraes[3] que afirma ser o direito à vida o mais fundamental de todos os direitos, se é que existe hierarquia entre eles, posto que é essencial para a existência e exercício dos demais. Tal conceituação abarca o pleno exercício da maternidade, de forma responsável e segura, do que depende uma adequada atenção à mulher durante a gestação e no momento do parto.


Ademais, de acordo com o Código Civil em vigor, é sujeito de direitos todo cidadão desde a sua concepção, ou seja, o dispositivo constitucional é garantia também ao nascituro, cabendo ao Estado dispensar medidas protetivas tanto à gestante quanto ao concepto. Para tanto, é mister que se desconstitua o mito de que o direito à saúde consubstancia-se apenas no acesso único e exclusivo à assistência médica, excluindo daí as demais políticas de prevenção, a disponibilidade de recursos, a prestação na realização de exames e a qualificação do corpo profissional, por exemplo.


Segundo Freitas[4], pode-se afirmar que constitui um importante indicador de saúde, o coeficiente de mortalidade materna (CMM) segundo dados da Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul(…). Portanto, percebe-se que todo o processo de atendimento materno-infantil é fator da maior relevância quando se trata de garantir o direito constitucionalmente previsto. Tal afirmação justifica-se não só pela prestação com enfoque no sujeito de direito, mas também porque a demora no atendimento obstétrico tem conseqüências maternas e neonatais relevantes, e, sendo falho o serviço, acarreta para o Poder Público um aumento desnecessário nos custos para o tratamento das complicações decorrentes.


No Brasil, o tema tem sido amplamente discutido pela área médica, pois houve grandes modificações comportamentais nas últimas décadas, tanto por parte dos profissionais da área da saúde como das gestantes. Dado importante é a diminuição anual do número de partos domiciliares, o que indica um maior acesso ao atendimento hospitalar no momento do parto, bem como uma conscientização de que a ciência evolui em prol da vida.


Com a reforma sanitária de Carlos Chagas, na década de 20, institucionalizou-se a proteção da saúde materno-infantil no país, vindo a desenvolver-se nas décadas seguintes. Surgiram diversos programas de atenção à saúde da mulher nas décadas de 70 e 80, muito em função da realidade social experimentada pela parcela feminina da sociedade. Entretanto, foram dois os que tiveram maior influência e repercussão nesta área: o Programa Materno Infantil (PMI), em 1975, ainda eivado de características da política militar; e o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), em 1984, apresentando elementos de uma sociedade em transição democrática, em que se pode observar uma preocupação com o processo de trabalho organizado e que, pioneiramente, demonstrou viável a associação entre a atenção médica orientada e as ações básicas de saúde, evidenciando a integralidade de assistência, conceito que orienta o PAISM. Este último corrobora os ideais de democratização latentes naquele período histórico, como as organizações dos movimentos sociais e feministas.


A mulher daquele período inseriu-se de forma efetiva no mercado de trabalho e, com isso, passou a expor reivindicações ligadas à saúde, sexualidade, planejamento familiar e aborto, entre outros temas. Preconceitos foram suprimidos – muito em função do acesso a informações que antes eram ignoradas – e uma parcela cada vez maior da população percebeu a necessidade de um acompanhamento técnico durante o período de gestação. Nesse contexto, o tema passou a ter maior destaque no processo de abertura política, dando origem, finalmente, ao PAISM, que passa a ser prioridade do Ministério da Saúde. Conseqüência lógica, a discussão gerou uma mobilização social mais ampla, abordando aspectos gerais da saúde pública, de onde resultou, na Carta Política de 1988, o dispositivo que determina ser a saúde direito de todos e dever do Estado (CF, art. 196).


Entretanto, nos dias atuais, o coeficiente de mortalidade materna e no primeiro dia de vida ainda é muito elevado, embora já se tenha conhecimento técnico para afirmar que:


[…]a morte perinatal é evitável com medidas pouco sofisticadas, ligadas à disponibilidade de atenção pré-natal que possibilite a constatação de gestações de risco; à disponibilidade de serviços de complexidade crescente capazes de prestar o atendimento necessário à gestante e ao neonato; e à presença de profissionais qualificados nas salas de parto para o atendimento ao recém-nascido (Seminário sobre violência em São Paulo: 1990).[5]


Tal informação revela dois aspectos de suma importância e que serão abordados oportunamente: primeiro, que o serviço público ainda apresenta-se insuficiente frente à atual demanda e que não há condições técnicas suficientes para o perfeito atendimento nos hospitais públicos ou vinculados ao Sistema Único de Saúde. Segundo, que as políticas educacionais ainda não atingiram a totalidade da população, subsistindo ainda uma grande parcela da sociedade que não tem informação suficiente e adequada acerca de planejamento familiar e controle de natalidade nem consciência da necessidade de um acompanhamento obstétrico adequado.


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Frente a este quadro predomina, hoje, como política de saúde pública, a postura profissional que se denomina “assistência humanizada à mulher”. De acordo com o texto constitucional, foi instituído o Sistema Único de Saúde, que deverá orientar-se segundo critérios de descentralização, atendimento integral (priorizando a atividade preventiva) e a participação da comunidade. Neste contexto, parte-se da idéia de uma assistência durante o pré-natal que engloba, além das consultas obstétricas, consultas de enfermagem, odontológicas, nutricionais, psicológicas e de serviço social, posto que o acesso a estes serviços pode funcionar como um forte indicador do grau em que a saúde aparece numa sociedade como dever do Estado efetivamente cumprido. O trabalho apresentado por Nogueira[6], realizado na cidade de Duque de Caxias/RJ, evidencia, entre outras questões, que os estudos sobre idade materna e risco perinatal mostram que o número de consultas de pré-natal tem um grande impacto na prevenção de óbitos perinatais de mães adolescentes.


Ocorre que, embora haja suficiente doutrina e a ciência esteja amplamente desenvolvida neste campo, a assistência pré-natal é extremamente dispendiosa para o sistema de saúde, pois exige espaço físico e equipamentos adequados, realização de exames complementares, etc. A literatura médica recomenda, para tentar reduzir esta problemática, que as normas de assistência sejam diversificadas de acordo com o grau de risco que a gestante apresente[7], de forma que a paciente de alto risco terá tratamento específico, diferenciado, portanto, da paciente de baixo risco. Pacífico, indistintamente, que, quanto mais precoce a visita ao obstetra, melhores serão as perspectivas para com os resultados a serem alcançados. Recomenda-se que na primeira consulta seja verificada a data da última menstruação, o peso e a pressão arterial, proceda-se ao toque vaginal, a palpação abdominal (após o primeiro trimestre) e a ausculta do pulso fetal. Decorrida uma semana, deverá a gestante retornar ao consultório médico com as análises dos exames complementares solicitados, momento em que será instruída sobre a dieta e a eventual necessidade de medicação. Conforme leciona Resende[8], via de regra, a paciente voltará a cada 4 semanas até o 7º mês, depois a cada 2 semanas, e no 9º, semanalmente.


Em suma, a atenção à saúde pré e peri-natal conta com parâmetros técnicos perfeitamente definidos, todos eles inseridos nas rotinas de atendimento à população por meio do Sistema Único de Saúde. Na realidade, como se verá ao longo deste trabalho, a atuação estatal neste campo deixa a desejar, na medida em que são constatadas deficiências no desempenho dessas práticas que a ciência aponta como obrigatórias. Tais falhas interessam ao exame jurídico em virtude de se caracterizarem como condutas contrárias a Direito, capazes de gerar repercussões patrimoniais.


1.1 Fundamentos teóricos e legais


Como bem demonstra José Afonso da Silva[9], o “escopo do Direito é tutelar os bens ou interesses”. Indiscutível que a saúde é interesse coletivo, resta acrescentar que é interesse juridicamente relevante, pois o Direito lhe afirma como valor digno de tutela[10]. Destas afirmações se pode dizer que há dois elementos preponderantes para a determinação das situações merecedoras da tutela jurídica: a existência de um bem ou interesse ao qual associa-se um valor.


É perceptível que o direito à vida, em nosso ordenamento jurídico, vem elencado com os demais direitos fundamentais, antes mesmo da organização do Estado e dos princípios base da democracia. A proteção à maternindade, à saúde e à infância consta do caput do art. 6º da Constituição Federal. Tal aspecto demonstra a relevância do tema que, conforme afirma Pinho[11]:


“O direito à vida é o principal direito individual, o bem jurídico de maior relevância tutelado pela ordem constitucional, pois o exercício dos demais direitos depende de sua existência. Seria absolutamente inútil tutelar a liberdade, a igualdade e o patrimônio de uma pessoa sem que fosse assegurada a sua vida.”


Com a proclamação do direito à vida como dever do Estado e direito do cidadão, quis o legislador constitucional garantir não só a manutenção da vida, mas o direito de continuar vivo dentro de uma existência digna quanto à subsistência. Nesta seara, é importante que se tenha uma definição do que seja saúde. Estudando o tema, podemos encontrar diferentes conceitos que somam características orgânicas, sociais, emocionais, além da habilidade para o exercício das atividades comuns à vida humana. Como exemplo, podemos citar a definição da Associação Médica Americana como fonte científica, caracterizando a saúde como o funcionamento normal dos tecidos e órgãos do corpo; da compreensão prática dos princípios básico da maneira saudável de viver; e do ajuste harmônico ao ambiente físico e psicológico[12]. Para a Organização Mundial de Saúde, constitui-se em bem estar físico, psíquico e social. Juridicamente, é oportuno citar Alexandre de Moraes[13] que, tratando do tema, afirma: a constituição, é importante ressaltar, protege vida de forma geral, inclusive uterina. O entendimento decorre do pressuposto de que o texto constitucional, em se tratando de direitos fundamentais, deve ser interpretado de modo a conferir-lhes a máxima eficácia. Isso se dá em decorrência de que, conforme Silva[14],  a tutela é tanto mais intensa quanto mais completa for a eficácia da norma constitucional, tratando-se das situações subjetivas de vantagem.


Verifica-se a existência de uma situação jurídica subjetiva, que impõe aos sujeitos a subordinação a determinados interesses juridicamente relevantes. Contudo, vale ressaltar que os direitos fundamentais não possuem meramente esta dimensão subjetiva que atribui direitos aos cidadãos, mas existe também um aspecto objetivo, onde são estabelecidos os valores ou bens jurídicos que devem ser objeto de proteção pelo Estado e pela sociedade – questão abordada anteriormente. Deste modo, mesmo sem que se identifique a violação direta ao direito subjetivo à saúde, é fundamental a verificação com relação ao bem jurídico saúde, aferindo se está sendo afetado por ações ou omissões dos poderes públicos, impondo o controle judicial da constitucionalidade ou legalidade de lei ou ato normativo contrário ao direito à saúde.


Entretanto, a questão da conceituação de direitos fundamentais há muito deixou de ser ponto conflituoso em nosso ordenamento jurídico. Como bem expôs Schäfer[15], o problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não é mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los.


Assim, a saúde como prerrogativa constitucionalmente garantida induz a obrigação do Estado de assegurar dignas condições de existência para o indivíduo desde a gestação, porque o ser humano é sujeito de direitos mesmo antes do momento do parto, situação que requer a máxima observância das normas científicas admitidas pela Medicina e pelo Direito para a minimização de eventos danosos.


Outro aspecto de suma relevância reside em verificar se as normas constitucionais que conferem o direito subjetivo à saúde são auto-aplicáveis, o que determina sua imediata aplicação, inclusive judicialmente, ou se, ao contrário, estas normas condicionam sua exigência à prestação Estatal regulamentação legal.


Para dirimir a questão, é oportuno mencionar o trabalho de José Afonso da Silva[16], na qual fica claro que a saúde, como pressuposto de existência e validade da garantia do direito à vida, constitui norma de eficácia plena, ensejando, quando desrespeitada, julgamento de inconstitucionalidade. É esta a redação do § 1º do art. 5º da Constituição Federal.


Entretanto, argumentos existem contrários à aplicabilidade imediata destas normas. O Juiz Federal Alexandre Gonçalves Lippel[17] aponta que:


a competência para desenvolver as políticas públicas necessárias para a garantia desse direito cabe ao Poder Legislativo, por elaboração de leis, inclusive orçamentárias, e ao Poder Executivo, através da definição de prioridades e escolha dos meios para sua realização.


Desta forma, o autor entende que a exigência dos direitos a prestações por seus titulares está subordinada à formulação de lei que permita determinar o conteúdo dessas prestações e destinando recursos para seu atendimento.


A amplitude do direito à vida também foi preocupação do legislador de 1990 ao priorizar o tema no Estatuto da Criança e do Adolescente. Logo na primeira oportunidade, o texto legal apresenta uma série de prerrogativas que, respeitadas, evitariam partos complicados, demandas judiciais e, principalmente, garantiriam ideais condições de vida e saúde ao recém-nascido.


A Lei 8.069/90 veio fortalecer os princípios instituídos pela Constituição Federal promulgada dois anos antes, instituindo regras e impondo formas de atuação do Estado e dos indivíduos com relação à proteção aos menores. Dessa forma, percebem-se grandes inovações acerca do tema. Um exemplo é a extinção das diferenciações entre filhos biológicos e adotivos. Ademais, notamos uma gama de conquistas com relação ao Código de Menores, legislação vigente no Brasil desde 1979. Como salientou Rita Camata[18], em palestra proferida na XVII Conferência da Ordem dos Advogados do Brasil, até a década de 80 viveu-se um doutrina de menoridade absoluta, quando a atenção era voltada para os menores em situação irregular, que priorizava a exclusão social.


Com relação especificamente ao atendimento médico, evidencia-se uma reafirmação dos dispositivos constitucionais, redigidos de forma mais detalhada. Garante-se o direito à qualidade da gestação e o amplo acesso às políticas de saúde pública, bem como define as incumbências do Sistema Único de Saúde com relação à fase gestacional, ao parto e aos cuidados com a criança. A redação do art. 8º do ECA e de seus parágrafos reafirma esta política de que o indivíduo deve ser protegido antes mesmo do nascimento, pois o Estatuto preocupa-se com a tutela dos interesses dos menores.


É claro que o sistema norma infraconstitucional inerente à atenção à saúde deve ser sempre aplicado e interpretado do modo amplo que a Constituição estabeleceu, ao inserir o direito à saúde como uma garantia fundamental da cidadania. No entanto, é preciso lembrar que um princípio constitucional não pode ser lido isoladamente ou com supremacia em relação aos demais princípios. Nada do que a Constituição reza pode ser taxado de inconstitucional! Todos os princípios e demais preceitos normativos da Carta sujeitam-se a um princípio maior, que consiste na própria harmonização do sistema. É o que diz Schäfer a esse respeito:


Os direitos fundamentais, embora detentores da característica de imprescritibilidade, não são direitos absolutos, pois no ordenamento jurídico, como sistema que é, todas as posições jurídicas são limitadas, por se encontrarem em relação próxima entre si e com outros bens constitucionalmente protegidos.[19]


Essa constatação leva a admitir que nem sempre as regras de Direito Ordinário regentes do sistema de atenção à saúde da população possam ser aplicadas com a amplitude que a garantia fundamental do direito à saúde foi inserida na Constituição. Isso ocorre justamente porque outras questões igualmente de cunho constitucional precisam ser cotejadas, para que a interpretação harmônica tenha lugar. É o que ocorre, por exemplo, com as limitações orçamentárias (arts. 165 e seguintes, da Constituição), que podem obstar que as atividades estatais de atenção à saúde tenham capacidade econômica e financeira para o atendimento integral de que a população carece. A propósito, Lippel salientou:


Outrossim, o atendimento dos direitos sociais implica custo para o Estado, desprovido amiúde dos meios financeiros necessários. A realização desses direitos estaria sujeita à ‘reserva do possível’, o que reforça o papel do legislador e do executor na definição de prioridades diante de recursos escassos.[20]


Por se tratar especificamente de garantir o direito à vida desde o momento do parto, é preciso que se compreenda que todo parto está sujeito à álea e ao risco inerentes à atividade médica. Também aqui o médico não poderá assegurar, de antemão, que tudo correrá de modo perfeito[21]. Mas isto não autoriza que meramente sejam dispensadas as inovações aportadas pela ciência em direção a melhores resultados. O fundamento constitucional do dever de assegurar a manutenção da saúde da população tem aí um caráter abrangente da utilização dos melhores meios disponíveis. Não se pode esquecer que o Estado tem obrigação também constitucional de ser eficiente (art. 37, caput), o que corresponde ao dever de permanentemente buscar o melhor resultado possível.


1.2 Competência constitucional e administrativa do Estado


O legislador constituinte de 1988 concebeu a saúde como direito de todos e dever do Estado, ao que corresponde a observância nessa matéria dos princípios da universalidade e da igualdade de acesso. Significam esses princípios que toda a população tem direito às ações estatais de atenção à saúde, sem que a lei possa estabelecer distinção de qualquer natureza. Ficam apenas na memória, assim, os tempos em que somente os segurados da previdência tinham direito aos serviços estatais de atenção à saúde.


A própria Constituição definiu que os serviços estatais de atenção à saúde da população devem ser exercidos mediante uma rede regionalizada e hierarquizada, constituindo um sistema único. A implantação e a gestão dessa rede compete ao Poder Executivo da União (art. 84, II, da Constituição), desempenhada pelo Ministério da Saúde na forma do disposto no art. 87, parágrafo único, I, da Constituição. A regionalização da rede distribui e delega atribuições gerenciais aos Estados e Municípios.


Com a criação do Sistema Único de Saúde, a Carta Política de 1988 sistematizou uma série de princípios para a democratização de ações em prol da saúde, saindo da esfera privada para o acesso universal e irrestrito, norteado pela descentralização. Com esta medida, o Sistema pretende capacitar os municípios para assumir, em conjunto com o Estado, as responsabilidades no desenvolvimento de políticas sanitárias, priorizando a prevenção e a promoção da saúde. O Ministério da Saúde justifica essa proposição:


Nem sempre é possível ao município executar sozinho todos os serviços de saúde. Pequenos municípios carecem de recursos humanos, financeiros e materiais, e sua população é insuficiente para manter um hospital ou serviços especializados. Por isso, a descentralização dos serviços implica também em sua regionalização. Num país imenso como o nosso, para evitar desperdícios e duplicações faz-se necessário organizar os serviços, visando dar acesso a todos os tipos de atendimento[22].


Neste contexto, é aprovada a Lei Orgânica da saúde em 1990, detalhando o funcionamento do SUS. De acordo com o próprio Ministério Saúde[23], é sua função:


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[…] dispor de todas as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, reduzindo as enfermidades, controlando as doenças endêmicas e parasitárias, melhorando a vigilância à saúde e dando qualidade de vida ao brasileiro.


A partir deste conceito, o Ministério da Saúde é o órgão governamental ao qual cabe assegurar o direito constitucional de pleno acesso ao atendimento à saúde, provendo as condições necessárias para que essa garantia esteja à disposição de todo o cidadão brasileiro, independentemente da condição sócio-econômica. Assim, enquadram-se como atividades de competência do Ministério da Saúde:


· política nacional de saúde;


· coordenação e fiscalização do Sistema Único de Saúde;


· saúde ambiental e ações de promoção, proteção e recuperação da saúde individual e coletiva, inclusive a dos trabalhadores e dos índios;


· informações de saúde;


· insumos críticos para a saúde;


· ação preventiva em geral, vigilância e controle sanitário de fronteiras e de portos marítimos, fluviais e aéreos;


· vigilância de saúde, especialmente drogas, medicamentos e alimentos;


· pesquisa científica e tecnologia na área de saúde.


Estas atribuições são desempenhadas na conformidade com a Lei nº 10.683, de 2003, que dispõe a respeito da organização do Poder Executivo da União.


1.3 Funcionamento


Com base no princípio da eqüidade, o SUS tem por objetivo orientar as políticas de saúde de forma satisfatória a todas as áreas da sociedade.


O SUS é destinado a todos os cidadãos e é financiado com recursos arrecadados através de impostos e contribuições sociais pagos pela população e compõem os recursos do governo federal, estadual e municipal.[24]


Outrossim, a leitura combinada dos arts. 194, 196 e 198 da Constituição permite a definição dos princípios informadores da política pública de saúde a seguir alinhados, ressaltando aqueles que conduzem o desenvolvimento das atividades definidos pela Lei 8.080/90 – Lei Orgânica da Saúde.


O princípio da integralidade vincula-se à idéia de um conjunto coerente e interligado de ações e serviços, preventivos e curativos, individuais e coletivos, em todos os níveis de complexidade. A prioridade reside em atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais, que buscam eliminar ou controlar as causas das doenças e agravos, envolvendo também as ações em outras áreas, como habitação, meio ambiente, educação etc., bem como, aquelas que objetivam à prevenção de riscos e exposições à doenças, incluindo ações de saneamento básico, imunizações, ações coletivas e preventivas, vigilância à saúde e sanitária; e de recuperação, consubstanciada no atendimento médico, tratamento e reabilitação para doentes.


O princípio da universalidade tem caráter constitucional, não podendo o Estado fazer qualquer diferenciação entre seus os destinatários. Dispensa qualquer requisito para sua fruição, devendo ser universal e igualitário o acesso às ações e serviços de saúde. Caberá aos municípios a organização e a execução dos planos de atendimento à saúde.


Por último, temos o princípio da hierarquização, posto que os serviços de saúde devem ser organizados de acordo com a complexidade de suas ações. Desta maneira, pretende-se proporcionar um maior conhecimento, por parte da rede de serviços do sistema, dos problemas de saúde da população de uma área delimitada, favorecendo medidas de vigilância epidemiológica, sanitária, educação em saúde e ações de atenção ambulatorial e hospitalar em todos os níveis de complexidade, viabilizando a distribuição espacial dos serviços e sua organização com suporte técnico e de recursos humanos.


É claro e indiscutível que, por se tratar de um dever de Estado, a prestação de serviços de atenção à saúde há de ser exercida segundo estrita observância de todos os princípios regentes da Administração Pública, sejam os expressos do art. 37, caput, da Constituição, sejam aqueles implicitamente extraídos de todo o texto constitucional. Assim, toda a leitura da obrigação estatal objeto deste estudo há de ser procedida sob o signo da moralidade, da impessoalidade, da legalidade, da eficiência e da publicidade. Há de ser, também, submetida aos princípios da igualdade, da continuidade do serviço público, da proporcionalidade, entre outros tantos.


1.3.1 Sistema público


A década de 1920 é de grande representatividade na política de saúde no Brasil. Além da reforma sanitária já mencionada, é neste período que tem início a organização da seguridade social controlada pelo Estado, a partir de experiências anteriores com as chamadas “Caixas de Pensão” que no governo Vargas foram agrupadas por categorias, de onde surgiram os Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs).[25]


Nota-se marcante evolução na atuação do atendimento à saúde da população nas últimas décadas. Vem-se de uma época em que o sistema público, integrado pelas instalações estatais vinculadas ao Ministério da Saúde, tinha por clientela fundamentalmente os segurados dos sistemas previdenciários privado, da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios. O atendimento dos não segurados, ou, por outras palavras, o atendimento independentemente de filiação à previdência oficial, era objeto apenas de programas pontuais de atenção à população carente. Vale dizer, sem a prova da filiação ao sistema previdenciário, o sistema público atendia o cidadão como se indigente fosse.


Outro momento relevante é a criação de um ministério próprio para a Previdência, bem como a estruturação do Ministério da Saúde durante o governo do General Ernesto Geisel e a instauração do PRONAN – Programa Nacional de Alimentação e Nutrição. Nesta mesma época, é promulgada a lei 6.229, que institui o Sistema Nacional de Saúde.


A criação do sistema INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social) deu maior amplitude ao âmbito de atuação da rede estatal, como se vê no art. 6º da Lei nº 6.439, de 1977. Mesmo assim, observa-se que havia distinção de atendimento a segurados e a não segurados.


Com o advento da Constituição de 1988, passaram a imperar os citados princípios da universalidade e da igualdade de acesso à rede pública. Com isso, tornou-se írrita qualquer medida administrativa que tratasse diferentemente qualquer indivíduo que buscasse na rede pública atendimento à saúde. Extinguiu-se, assim, o INAMPS, por força da Lei nº 8.689, de 1993, a qual transferiu todas as atribuições e acervo patrimonial e de pessoal da extinta autarquia para o Sistema Único de Saúde.


Convém salientar que o quadro de funcionários do SUS, é formado por profissionais que são servidores públicos federais, estaduais e municipais, trabalhadores do setor privado conveniado ou contratado e trabalhadores em situação indefinida, como é o caso dos Agentes Comunitários de Saúde. A contratação destes trabalhadores é feita de diversas formas: regime estatutário Federal, Estadual ou Municipal; regime celetista para servidores estaduais e municipais; regime celetista no setor privado e contratos temporários, para citar alguns exemplos.


Entretanto, percebemos que na última década a precarização das relações de trabalho na saúde foi marcante. No setor público, percebe-se uma gama de fatores que interferem diretamente na qualidade do atendimento, como as diferenças de salário e direitos em decorrência das vinculações diversas no mesmo ambiente de trabalho, contratações sem concurso público, uso de contratos de emergência, etc. Por estas razões, afirma Venosa[26] que a massa da população vê-se lançada a um sistema de medicina social absolutamente ineficiente. Para que o SUS atinja a finalidade de orientar de forma plena as políticas de saúde pública, integrando satisfatoriamente os princípios que orientam a Lei Orgânica da Saúde, é fundamental que a atenção seja também direcionada aos profissionais que atuam nesta área. Tais pontos são evidenciados pelo próprio Ministério da Saúde, demonstrando que as questões referentes às dificuldades de recursos humanos relacionam-se não só com a falta de profissionais no mercado, mas que


[…] vários são os problemas em relação aos Recursos Humanos: formação, contrato de trabalho, condições de trabalho, salário, compromisso social e humanização do atendimento.


Há um grande descompasso entre a necessidade e a oferta, qualitativa e quantitativa de profissionais para atuarem no âmbito do SUS.[27]


Ademais, o tema envolve uma série de políticas estratégicas para o adequado funcionamento de todo o sistema. As normas operacionais[28] são instrumentos que determinam as regras desta operacionalização dos dispositivos legais que regem o SUS, nas três esferas de governo. Por esta normatização, fica definido trabalho no SUS aquele executado por trabalhadores do serviço público de qualquer esfera, ou do setor privado (conveniado ou contratado) e diz respeito às atividades de caráter permanente ou precário, desde que exercidas no interior do Sistema.


No que se refere à regulamentação do repasse de recursos financeiros, a matéria está disciplina na Lei nº 8.142 de 1990.


1.3.2 Sistema privado


É preciso que, antes de lidar com o funcionamento e a legislação relacionados ao sistema privado de saúde, ressalte-se que o que estudo deverá restringir-se à atuação destes órgãos enquanto prestadores de serviço público, uma vez que não é outro o objeto deste trabalho. Entretanto, cabe salientar que existe uma diferença relativamente à aplicação das teorias subjetiva ou objetiva da responsabilidade civil, incidentes sobre situações diversas.


Se a instituição de saúde é pessoa jurídica de direito privado e exerce atividade mediante convênio ou funciona como cooperativa, caracteriza-se o atendimento particular, aplicando-se ao caso as regras do Capítulo I, Título IX, do Código Civil. De acordo com este instrumento normativo, predominam as regras inerentes à verificação de culpa do agente, pessoa física ou jurídica. Portanto, aplica-se ao caso a teoria da responsabilidade subjetiva.


Por outro lado, ainda que se trate de instituição privada atuando como prestadora de serviço público, incidem as regras previstas pela Constituição Federal em seu art. 37, § 6º. Nesse caso, a responsabilidade destas pessoas jurídicas é objetiva, dispensando qualquer verificação de conduta culposa. Isso porque, conforme demonstra Lippel[29],


[…]embora os direitos fundamentais tenham sido originariamente concebidos como oponíveis ao Estado, deve-se admitir que eles também incidem nas relações jurídicas entre particulares. No campo do direito à saúde, esta noção impõe aos poderes públicos a obrigação de proteger a saúde no âmbito das relações privadas, devendo o legislador estabelecer leis adequadas a essa proteção e os tribunais interpretar as normas privadas em conformidade com a Constituição.


Tal como fez com relação à educação no art. 209, a Constituição de 1988 definiu no art. 199, que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada. Assim, ao consagrar neste particular o princípio geral de regência do Estado brasileiro que proclama a livre iniciativa (art. 1º, IV), a Carta Política permitiu que o setor privado da sociedade participasse, em caráter complementar, do sistema unificado de atenção à saúde da população. Por certo, foi dada preferência às entidades filantrópicas e às sem fins lucrativos, mas nada obstou a que a prestação de serviços de saúde fosse desempenhada com intuito de resultado econômico. Segundo, também, o princípio da livre concorrência do art. 170, IV, o constitucionalismo brasileiro deixou aberta a possibilidade de relacionamento contratual do setor privado com o Estado, para o fim de prestar atendimento à saúde da população. Teve o cuidado, no entanto, de obstar a destinação de verbas públicas ao setor privado de fins lucrativos neste particular.


Além do exercício direto da atenção à saúde como trabalho autônomo ou empresarial, o sistema admitiu a implantação de planos privados de seguro de saúde, matéria essa cuja extensão e complexidade fogem ao escopo deste trabalho.


1.4 Crítica ao sistema em vigor


Na sua curta existência, o SUS tem estimulado o controle social dos serviços de saúde mediante a criação e o desenvolvimento de Conselhos Estaduais, Municipais, Distritais e Locais de Saúde. Dessa forma, têm surgido, em inúmeros municípios brasileiros, esses conselhos que, de modo mais ou menos consciente, começam a controlar o sistema de saúde. Ainda que, em muitos lugares, esses conselhos sejam motivo de distorções partidárias, clientelistas ou corporativas, o resultado global é positivo e aponta para um movimento democratizador na saúde, sem precedentes em nenhum outro espaço social da vida nacional. Algumas experiências municipais avançam para propiciar a capacitação dos conselheiros mediante cursos regulares e de prover, de forma sistemática, as informações necessárias para o exercício do controle social da saúde.


Não é objetivo deste trabalho desenvolver uma análise socioeconômica dos resultados apresentados até agora pela instituição de um sistema único de saúde pela Constituição de 1988. Menos ainda pretende-se discutir a existência de um “caos da saúde”, embora esteja ao alcance de todos a constatação de que os serviços de atenção à saúde da população brasileira ainda deixam muito a desejar. Em nosso entendimento, todavia, trata-se de uma crise dos serviços de atenção médica, mais agudamente manifestada na desorganização dos hospitais e dos ambulatórios, em que se misturam ingredientes perversos: filas, atendimento desumanizado, pacientes nos corredores, mortes desnecessárias, grevismo crônico etc.


São deficiênciais indiscutíveis, à vista de todos, mas também é indiscutível que não surgiram como conseqüência do SUS; ao contrário, constituem problemas históricos em nosso país e são reflexos da crise do Estado brasileiro. Assim, podemos afirmar que os problemas vivenciados pelo sistema de atenção à saúde são em maior parte devidos à questão do financiamento e da gestão dos recursos materiais, do que propriamente à formatação dada ao sistema pela regra constitucional, ao prever descentralização dos serviços e universalidade de atendimento. São devidos também, particularmente na rede pública, aos mecanismos ultrapassados de gestão de pessoal ainda em vigor em todas as esferas estatais, os quais não conseguiram até hoje se livrar de regimes de trabalho rígidos que não dão espaço à valorização, à profissionalização e à capacitação dos servidores públicos.


Da falta de aplicação de políticas públicas de financiamento mais abrangente e de qualificação dos serviços públicos decorrem conseqüências danosas aos usuários do sistema. Por um lado, essas omissões acarretam maior custo à sociedade, na medida em que uma atenção meramente “curativa” à saúde acaba priorizada em relação a uma atenção “preventiva”. Por outro, dão azo à ocorrência de situações individualizadas e concretas de omissão ou insuficiência de atendimento, que redundam em prejuízos perfeitamente demarcáveis e reparáveis na esfera da responsabilidade.


Esta última constatação interessa em especial ao objeto deste trabalho, em virtude de que traz à tona a indagação central sob estudo, que é a da responsabilidade estatal decorrente da omissão ou da insuficiência na prestação de serviços de saúde.


2 Responsabilidade civil na área da saúde


Várias são as situações em que se utiliza o termo responsabilidade em Direito, principalmente quando se trata de demonstrar o dever de assumir as conseqüências de um ato ou fato, jurídico ou não. Outra situação muito comum é quando se refere à capacidade do agente, atribuindo-lhe condição intelectual de agir. Entretanto, conforme leciona Venosa[30],


Em nosso estudo, interessa a responsabilidade de alguém como fato ou ato punível ou moralmente reprovável, como violação de direito na dicção do novo Código, o que acarreta reflexos jurídicos.


Em Direito Civil, importa a acepção do vocábulo responsabilidade no sentido de se impor ao agente a obrigação de responder pelos danos que causou a outrem.


Atualmente, a questão da responsabilidade civil por erros causados na área da saúde tornou-se tema de constante invocação do Judiciário. Verifica-se um enorme demandismo, em parte proporcionado pelas mudanças históricas evidenciadas com avanço da ciência em relação à saúde, proporcionando e divulgando novas técnicas de intervenção no organismo humano. O corpo humano é objeto da ciência médica que, progressivamente, vai se sofisticando.


Com o fim do modelo de “médico de família”, as relações médico-paciente tornaram-se cada vez menos permeadas pela confiança incondicional observada em épocas anteriores. Neste contexto, é oportuno citar Casabona[31], quando diz que:


[…] assistimos, contudo, a um fenômeno, que se está generalizando na maior parte dos países, de um significativo aumento das demandas contra os profissionais da saúde, que nos poderia fazer pensar num descenso da qualidade dos serviços que prestam e intuir o assentamento de um clima de desconfiança e tensão nas relações entre profissionais e pacientes.


Corrobora esta idéia a atual caracterização deste vínculo como relação de consumo, protegida expressamente pelo Código de Defesa do Consumidor. Assim é que notamos uma crescente exigência dos pacientes quanto à sua satisfação no tratamento escolhido.


É importante ressaltar que o Código Civil em vigor, ao tratar do tema, nada mais fez do que positivar a postura que há muito já vinha sendo admitida pela jurisprudência pátria[32]. Ainda que se discuta doutrinariamente o caráter contratual desta forma de responsabilidade, o dever de indenizar decorre meramente da verificação de culpa. Existindo contrato, será dentro de seus termos verificada a obrigação do agente. Outra não é a lição de Venosa[33]:


De tudo concluímos que na atividade médica existe ou pode existir responsabilidade contratual; mas existe também, como em qualquer outra profissão-arte, uma obrigação genérica de não causar dano por negligência, imperícia ou imprudência.


O estudo da responsabilidade civil oferece uma série de teorias e fundamentos, de forma que se verifica, como em quase todas as áreas do Direito, que existem diversas circunstâncias capazes de influenciar no resultado jurídico-processual. Por esta razão, estudaremos nos próximos tópicos as questões referentes aos elementos informadores do dever de indenizar e as características da responsabilidade civil nos diversos ramos da saúde, de modo a que se possa, por fim, identificar a responsabilidade do Estado nesta área.


2.1 Fundamentos de responsabilidade civil


Não mais admitida nos ordenamentos jurídicos modernos a antiga idéia romana de culpa e punição, a responsabilidade civil surge da necessidade de recompor-se um prejuízo causado, compensando aquele que sofreu a injustiça e penalizando o agente que deu causa ao dano. Segundo Jerônimo R. Neto[34], podemos afirmar que a responsabilidade, assim, é reduzida a dois aspectos: o jurídico e o moral. Diz-se que a responsabilidade jurídica não surge enquanto não ocorre um prejuízo. É este também o ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello[35], salientando, em sua obra, que só podemos falar de responsabilidade quando alguém viola direito alheio, ou seja, a obrigação de indenizar decorre diretamente da lesão causada no patrimônio jurídico do outro.


Entretanto, nem sempre a questão foi vista sob aspecto tão social. Percebemos que as formas de reparação dos prejuízos causados a outrem evoluíram a medida que também aumentou o grau de civilização de cada povo. Bittar[36] salienta que no princípio da formação do raciocínio jurídico acerca da responsabilidade,


[…] curvava-se o direito à constatação de que o mal causado não poderia ser desconstituído, devendo, então o sistema jurídico criar uma compensação, uma penalidade que pudesse, ao menos, restaurar o sentimento de justiça que ficara abalado no seio social.


Desta forma, antes que se firmasse o critério individualista do Direito Civil, preponderava a necessidade de vingança coletiva como forma legítima de salvaguardar a paz em comunidade. A grande evolução sobre o tema veio com a sistemática romana, que admitiu como critério para responsabilização o pressuposto da culpa, mais coerente com os valores cristãos também em larga ascendência na época.


Apesar da grande contribuição para que se desenvolvessem as teorias sobre a responsabilidade civil, a vinculação absoluta do dever de indenizar com o elemento culpa não subsistiu, posto que as situações fáticas demonstraram que diversos danos ficavam sem reparação. Neste contexto, emerge a teoria do risco, muito mais condizente com os princípios defendidos pela Revolução Industrial e de imediata aceitação dos trabalhadores no exercício de atividades que, por sua própria natureza, ameaçavam bens juridicamente tutelados. Assim, França opõe a teoria do risco ao subjetivismo clássico[37]:


Na verdade, a teoria do risco despreza o subjetivismo jurídico e os pontos de vista filosóficos, para atender ao princípio da necessidade que as sociedades contemporâneas estão a exigir, como uma política de igualdade diante dos sacrifícios impostos no interesse público.


Quando se trata de saúde pública, o Poder Público é responsável pela manutenção e prestação do serviço, de onde resulta a obrigação de reparar economicamente os danos que venha a causar na esfera jurídica de outrem[38]. O estudo restringe-se, portanto, à responsabilidade extracontratual, uma vez que o Estado, através das pessoas jurídicas de direito público ou privadas que o representam o sujeito juridicamente responsável. Assim, Di Pietro[39] conceitua:


[…] a responsabilidade extracontratual do Estado corresponde à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos.


Tal definição é das mais atuais acerca do tema em questão, posto que, regendo-se o Estado por princípios próprios, sua responsabilidade também deve apresentar certas peculiaridades que representem a singularidade de sua posição jurídica, mais extensa que a responsabilidade das pessoas privadas. Admitido este conceito, dispensa-se a manifestação acerca da divergência doutrinária existente com relação à denominação, que, para alguns autores, o correto seria a referência à responsabilidade da Administração Pública. Pela objetividade com que sintetiza a polêmica, cabe concordar com o posicionamento adotado por Bacellar Filho quando afirma que optou-se pela expressão Estado, em função da amplitude que confere, uma vez que abrange tanto a atividade típica da Administração, quanto a atividade judicial e legislativa, todas passíveis de causar lesão ao cidadão […][40].


Ocorre que nem sempre o entendimento foi este, havendo várias formas anteriores de explicar e delimitar a responsabilidade do Estado frente aos atos de seus agentes.


Diversas foram as teorias adotadas pelo Direito Administrativo ao longo do tempo no tratamento do tema. Inicialmente, a responsabilidade atrelava-se à idéia de soberania predominante no absolutismo, impondo que o Estado, confundido com a pessoa do monarca, jamais cometeria erros, o que se definiu como a teoria da irresponsabilidade, uma vez que, não havendo a concepção de ato contrário à moral ou ao Direito, não cabia responsabilização de agente algum. Este posicionamento foi aos poucos combatido pelas teorias civilistas, que se mostravam mais justas. Nesta seara, adotaram-se princípios de Direito Civil, vinculando a responsabilidade ao conceito de culpa. Pela primeira vez percebe-se uma distinção entre os atos de império (impostos unilateral e coercitivamente) e os atos de gestão (praticados pela Administração em caráter de igualdade com os particulares). Neste último caso, caberiam as regras de direito comum, afastadas quaisquer prerrogativas. A justificativa repousava na preservação da insuscetibilidade de erro por parte do rei (atos de império), distinguindo-o da pessoa do Estado (atos de gestão). As teorias civilistas foram de extrema importância para a formação do que hoje se tem como responsabilidade do Estado, uma vez que, a partir destas concepções primárias, passou-se a aceitar a demonstração de culpa – responsabilidade subjetiva.


A partir do final do século XIX, surgiram as teorias da culpa do serviço, da culpa administrativa e a teoria do risco. A primeira separou a culpa individual do funcionário do mau funcionamento do serviço público, implicando, neste caso, dever do Estado de reparar o dano produzido. A segunda teoria funda-se na idéia de restabelecer o equilíbrio entre as partes, perdido quando uma delas sofre um ônus maior do que pode suportar. Substitui-se a concepção de culpa pelo elemento causalidade.


É importante salientar que uma parte da doutrina faz a distinção, dentro da teoria do risco, entre teoria do risco administrativo e teoria do risco integral, considerando que aquela admite causas excludentes da responsabilidade. Contudo, não é relevante tal disposição, posto que mesmo os autores que não fazem esta subdivisão aceitam que, em determinados casos, aplicam-se as causas excludentes da responsabilidade.


Ao tratarmos de responsabilidade civil, é indispensável que se discuta a questão da responsabilidade objetiva e subjetiva, uma vez que esta classificação é de suma importância quando se trata do dever de indenizar.


Com relação à responsabilidade sem culpa, nosso ordenamento jurídico atual apresenta dois aspectos inovadores, sendo o primeiro deles a possibilidade de indenização por dano exclusivamente moral, como já tratamos anteriormente. O outro ponto que merece destaque é a redação do parágrafo único do art. 927 do Código Civil, que prevê responsabilidade do agente independentemente de verificação de culpabilidade, de forma análoga ao fundamentos da teoria do risco administrativo.


Outrossim, já mencionamos as disposições do Código de Defesa do Consumidor, legislação mais recente no Brasil sobre o tema da responsabilidade. Tudo isto demonstra a tendência ocidental de acentuar o aspecto da causalidade na reparação do dano em detrimento da culpabilidade de seu causador.[41] Entretanto, não é excessivo salientar que a regra do Código Civil brasileiro é a da responsabilidade subjetiva, consistente na verificação da culpa. A responsabilidade objetiva, portanto, fica adstrita aos casos expresso em lei.


No ordenamento jurídico brasileiro a matéria veio a ser regulada pela Constituição Federal de 1988[42] no art. 37, § 6º, e pelo Código Civil no art. 43. Ressalte-se que a CF impôs a responsabilidade objetiva ao Estado, não sendo esta regra absoluta, uma vez que, quando desdobrada a seqüência lógica dos fatos, é possível que identifiquemos outras formas de responsabilidade. É nesse contexto que se situa a responsabilidade subjetiva do agente do dano, como ressaltou Venosa, ao contrapor a via objetiva que cerca a responsabilidade estatal com a subjetiva do agente público profissional da área da saúde:


[…] apenas a responsabilidade do médico, enquanto profissional liberal individual, continua no campo subjetivo (art. 14 § 4º), avaliada de acordo com o art. 159 do Código Civil (novo, art. 186) e seus princípios tradicionais.[43]


Outro aspecto de suma relevância para que se possa definir as formas pelas quais a parte será responsabilizada está em verificar que existem limitações diferentes quando trata-se de obrigação de meio ou de resultado.


A relação obrigacional constitui vínculo jurídico de natureza patrimonial e, segundo Orlando Gomes[44], obrigação é um vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa fica adstrita a satisfazer uma prestação em proveito de outra. Ou seja, entre médico e paciente existe vínculo obrigacional independentemente de haver contrato entre eles.


Esta conceituação tem aplicação prática, uma vez que implica outros conceitos, como a consideração das obrigações como de meio ou de resultado. Esta distinção importa para a análise de elementos processuais como ônus da prova, por exemplo.


Ainda que, tanto o comportamento do agente como o resultado esperado caracterizem a relação obrigacional, o entendimento doutrinário demonstra que, prevalecendo o comportamento do agente no vinculo obrigacional, estamos diante de obrigação de meio. Havendo predominância do resultado nesta relação jurídica, a obrigação passa a ser de resultado[45].


Esta classificação é de suma importância para o estudo hermenêutico, estabelecendo distinções no âmbito do direito material. Contudo, quando se trata da responsabilidade individual do obstetra, tal aspecto é irrelevante, porque a obrigação será sempre de meio. Embora este posicionamento contrarie a corrente majoritária, a partir da vigência do CDC, que determina em seu art. 14, §4º, que a responsabilização do profissional liberal está condicionada à verificação da culpa, esta discussão quanto à classificação da natureza da obrigação torna-se dispensável.


O novo Código Civil, instituído pela Lei 10.406/2002, que entrou em vigor em 01/01/2003, no art. 927, parágrafo único, estabelece que terá obrigação de reparar, aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, e que tal obrigação existe, independente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. O enunciado do art. 927 exclui assim o conceito da necessidade de verificação da culpa existente no art. 159 do Código Civil revogado. Na conceituação do ato ilícito, o novo Código Civil remete ao artigo 187, caracterizando-o como o ato cometido pelo titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé, ou pelos bons costumes. E o art. 186 define como ato ilícito a violação do direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, suprindo a lacuna do artigo 159 do Código revogado, o que representa, induvidosamente, uma pacificação do entendimento doutrinário e jurisprudencial existente sobre a matéria até recentemente.


No campo das obrigações, embora o Código não prescinda totalmente da teoria da responsabilidade subjetiva baseada na culpa, uma vez que ela se acha claramente definida no artigo 951, a extensão do conceito da obrigação de indenizar fundada na responsabilidade objetiva do profissional parece estar bem delineada no art. 927. Com relação ao tema em epígrafe, distinguem-se classicamente três teorias da imputação causal da culpa (ou da conduta) do agente, a saber:


· teoria da equivalência dos antecedentes;


· teoria da causalidade adequada;


· teoria da causa eficiente.


 A primeira, mais conhecida como teoria da conditio sine qua non, vem disciplinando, há várias décadas, o nosso ordenamento jurídico na área penal; a segunda tem sido caracterizada como a doutrina predominante que rege nosso Código Civil, enquanto a terceira representa uma mitigação da primeira teoria, segundo a qual o evento danoso jamais ocorreria se determinado conjunto de causas não estivesse presente no nexo de causalidade, embora uma delas exsurge como a causa necessária, enquanto as demais apenas estabeleceriam causas complementares para a produção do evento. Tal construção se nos afigura mais lógica no entendimento da responsabilidade médica, visto existir uma multiplicidade de fatores causais, na maior parte, ou mesmo, na totalidade dos casos. Não se trata aqui de defender a irresponsabilidade do ato médico, e sim, de determinar objetivamente o agente que deu causa ao evento, ou pelo menos, cuja ação culposa se revelou mais lesiva ao bem jurídico em questão. De um ponto de vista prático, podemos enumerar a participação da equipe médica, as condições hospitalares, a influência de fatores imprevisíveis externos ou internos, ou a ação de terceiros estranhos à relação médico-paciente, e ainda a própria culpa do paciente.


A doutrina da responsabilidade civil, seja ela extracontratual ou contratual, em razão do avançado desenvolvimento das ciências e da tecnologia, tem erigido, ao longo dos anos, a tese da responsabilidade sem culpa. Primeiramente, através da infortunística derivada dos acidentes de trabalho, e subseqüentemente, da própria responsabilidade do Estado, a teoria do risco nasceu na França, no final do século XIX. O causador do dano só se exime da obrigação de indenizar caso fique demonstrado a exclusão do nexo de causalidade, sem se atentar para a presença do fator culpa. Historicamente, apesar da base do Direito Positivo pátrio ter se fundado quase exclusivamente na figura da responsabilidade subjetiva, baseada na culpa provada, seja através de quaisquer de suas três formas clássicas, a imprudência, a imperícia ou a negligência, parece-nos que o entendimento da mens legis do legislador em face do novo Código Civil se afigura diverso, isto é, procura alargar o conceito da responsabilidade objetiva baseada na teoria do risco. Daí podemos afirmar que cinco paradigmas clássicos exsurgem da teoria do risco globalmente considerada, a saber:


· a teoria do risco criado;


· a teoria do risco profissional;


· a teoria do risco excepcional;


· a teoria do risco-proveito;


· a teoria do risco integral.


Se examinarmos cada uma delas em relação ao risco da atividade médica, podemos concluir que apenas as duas primeiras se aplicam. Evidentemente, a teoria do risco-proveito, entendida como aquela em que o agente que usufrui benefício da relação contratual, deve também arcar com o ônus que dela deriva, segundo a conhecida máxima latina ubi emolumentum, ibi onus, não se aplica, exceto para as pessoas jurídicas ou cuja finalidade social e econômica seja a de auferir lucro em proveito da restituição ou manutenção da saúde alheia. Da mesma forma, a teoria do risco excepcional e a do risco integral não pertinem ao direito obrigacional dos profissionais médicos, visto prescindirem até mesmo, no caso da segunda, da demonstração do nexo causal.


Por outro lado, a doutrina e a jurisprudência inclinam-se favoravelmente a considerar como atividades de risco, todas aquelas que colocam em risco a vida e a saúde humana, estendendo a abrangência do conceito das atividades de risco ao arbítrio do julgador, na ausência da norma reguladora, deixando com isso, uma porta aberta para a caracterização do próprio ato médico como sendo uma atividade de risco. Destarte, cabe obrigação de indenizar, desde que estabelecido o nexo causal entre a ação e a lesão causada pelo agente, por conseguinte configurando a responsabilidade objetiva em lugar da subjetiva. Da mesma maneira, a atividade do cirurgião, do odontólogo e da maior parte dos profissionais de saúde podem igualmente ser caracterizadas como atividades de risco.


Há os que pretendem que a teoria do risco serviria para acobertar as eventuais fautes du service, ou defeito do serviço, em favor de uma suposta alea da atividade profissional, o que os desobrigaria do dever de indenizar, pois a outra parte contratante – o paciente – não desconheceria o risco assumido, e estaria concorde em assumir integralmente o risco do seu próprio tratamento, dando a sua aquiescência em razão do próprio consentimento informado. Tal afirmativa não procede, mormente após o advento do Código de Defesa do Consumidor, que visa justamente a proteger o hiposuficiente técnico.


 Esta linha de pensamento sempre esteve presente na doutrina, sendo definida como teoria do risco criado ou do risco profissional, uma vez que o agente realmente coloca o outro numa posição inequívoca de perigo, por exemplo, ao proceder a uma intervenção cirúrgica sob anestesia geral, devendo, portanto, na função de garantidor, assumir igualmente os riscos inerentes a esta mesma atividade. Tem servido para fundamentar o tipo de risco que caracteriza certas atividades diversas, como a do transportador e a do construtor civil, e a responsabilidade que daí deriva é, portanto, independente da culpa. Ressalte-se que a responsabilidade objetiva tem se constituído num dos pilares da moderna teoria da responsabilidade do Estado, quando atua através de seus agentes ou representantes, concessionários, etc.


Pode-se argumentar que o legislador, comprometido com a necessidade social de tutelar o bem maior da saúde e da vida humana, quando estabeleceu a norma, teve em mente o complexo desenvolvimento das ciências e quis regulamentar um mecanismo de salvaguarda da vida e da integridade corporal do cidadão usuário e consumidor direto dos bens colocados à sua disposição. Não poderia deixar de socorrer o indivíduo, quando vê frustradas sua expectativas em obter o máximo benefício para si na prestação de um serviço público, que no caso da atenção à saúde são expectativas que correspondem a imperiosas necessidades. Menos ainda poderia a nova legislação admitir que o indivíduo, ao propor uma ação judicial de ressarcimento pelo prejuízo físico, moral ou financeiro sofrido, tenha obstada sua pretensão judicial por uma crescente dificuldade probatória de demonstrar seu direito. Na evolução histórica da sociedade brasileira, pode-se constatar que sempre existiu uma certa restrição à revelação do sigilo médico por parte dos membros do corpo social em geral, principalmente no que se refere aos conflitos porventura surgidos na relação médico-paciente.


Por outro lado, a teoria da culpa encontra-se em franco declínio, sendo hoje considerada restrita a poucas atividades, como é o caso da responsabilidade pessoal do profissional da área da saúde.


Após sumária análise dos fundamentos que norteiam o dever de indenizar, passa-se ao estudo da responsabilidade nos itens de maior relevância na área da saúde.


2.2 Responsabilidade dos profissionais


O grande volume de material hoje publicado sobre responsabilidade médica e dos demais profissionais da área da saúde, bem como o próprio interesse crescente da classe médica em estar constantemente atualizada com os julgados que tratam do tema, demonstra a contemporaneidade do assunto. Outro aspecto importante é o crescente interesse pelo tema dos próprios sujeitos da relação.


De acordo com Neto[46], a gineco-obstetrícia é a especialidade mais freqüentemente relacionada às demandas indenizatórias por má prática médica. Essa afirmativa nos leva a procurar justificativas lógicas, o que conduz, primeiramente, à carga emocional que envolve o momento do nascimento.


Quando a gestante inicia o trabalho de parto, normalmente, encontra-se em perfeitas condições físicas, necessitando de ajuda profissional apenas para atender a criança nos primeiros momentos de vida e para receber assistência técnica que lhe assessore, diminuindo o sofrimento e auxiliando na expulsão da criança de forma correta. Não apresenta, à primeira vista, nenhum problema de saúde, sendo a gestação um estado normal do organismo da mulher. Por esta razão, ocorrendo algum incidente durante o momento do parto ou logo após, a revolta da família é imediata, invocando o Judiciário com animus de ser indenizada pelo prejuízo causado.


Entretanto, como já foi dito em outra oportunidade, muitas mulheres buscam o atendimento médico somente após o início das contrações uterinas, rompimento do âmnio ou quando há algum desconforto que leve a desconfiar de complicações, o que corrobora a afirmação de que tais eventualidades tiveram início antes mesmo do ingresso no hospital. Estes fatores dificultam sobremaneira a atuação da equipe médica, contribuindo para os eventos danosos que justificam o crescente número de intervenções judiciais. Este comportamento tende a não se abrigar na Lei 8.069/90, que prevê, em seu Título II uma série de normas protetivas ao período pré-natal.


É preciso que se tenha em mente que a realidade normativa não é condizente com a social. Existe, segundo Bittar[47], um grande abismo entre o quadro previsto no Código Civil e o existente a partir de então. Ainda que o trecho esteja se referindo ao código de 1916 e a instituição do Sistema Único de Saúde represente grande progresso com relação à atenção às políticas sanitárias, tal assertiva se mantém atual. Mesmo a questão geográfica influencia para que a norma legal não tenha aplicabilidade homogênea em todo o território nacional. Destarte, ainda que os critérios jurídicos de responsabilização sejam os mesmos, os padrões culturais e educacionais e as políticas de saúde apresentam-se como fatores de diferenciação de acordo com a realidade do público alvo destas medidas.


Além da questão relacionada à negligência com a própria gestação, outro fator que justifica a afirmação de Miguel Kfouri Neto[48] é que a gineco-obstetrícia é das especialidades médicas que tem mais profissionais atuantes no Brasil em nossos dias:


[…] a gineco-obstetrícia concentra o maior número de reclamações por erro médico não somente pelo impacto que a família sofre, por ocasião de um parto desastrado, por exemplo, mas também porque esta é a segunda especialidade, em número de médicos, no Brasil.


Abordar estes pontos é importante para que se determine a responsabilidade específica destes profissionais. A primeira distinção, e talvez a de maior relevância, refere-se à contratualidade. Não é possível tratar sob a mesma ótica a responsabilidade do profissional que acompanhou a paciente durante todo o pré-natal com o atendimento de emergência de parturiente sem consulta prévia.


Se houver vínculo anterior entre médico e gestante, estamos tratando de responsabilidade derivada de contrato, situação em que se aplicam os princípios gerais da responsabilidade civil, devendo-se verificar a presença indispensável do elemento culpa em qualquer de suas modalidades para configurar o dever de indenizar. A relação se justifica pela obrigação assumida pelos profissionais de atuar da melhor maneira possível no atendimento pré-natal e no momento do parto, tendo a sua disposição uma série de instrumentos e exames que proporcionam a qualidade de seu trabalho. Ademais, é obrigação pessoal, delegável somente com autorização da paciente, a par de estribada em precisos fundamentos técnicos, como ressaltou Casabona:


[…] podemos afirmar que a Medicina vem ampliando consideravelmente o raio de sua ação, por um lado, e que tem a seu alcance a utilização de meios e procedimentos cada vez mais eficazes e aperfeiçoados. Esta situação tem sugerido paralelamente a necessidade de que os profissionais da saúde estejam na posse de um número cada vez maior de conhecimentos e técnicas, assim como, e conseqüentemente, de uma especialização cada vez mais reduzida no seu campo de ação, porém mais profunda.[49]


Nesta situação, é dever do obstetra agir de maneira condizente com os padrões éticos e científicos, o que não exclui por si só a possibilidade de ocorrência de erro, dada a natural falibilidade humana. Ademais, como já foi dito anteriormente, o profissional liberal não responde de forma absoluta quando da ocorrência de dano, mesmo que se evidencie o nexo de causalidade. Vale, no caso, a regra geral da responsabilidade civil, exigindo a presença dos elementos da culpabilidade na conduta do agente (negligência, imprudência, imperícia), posto que a norma não excetuou tal situação. Outrossim, ainda que se entenda esta prestação de serviço como relação de consumo e, portanto, cabível a aplicação do CDC, vale lembrar que, neste caso, a norma legal instituiu a exceção em seu art. 14, § 4º, in verbis: a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.


Entretanto, cabe salientar que a matéria não é ponto pacífico em nossos tribunais, já que subsiste a orientação segundo a qual a responsabilidade pessoal do médico e demais profissionais da área da saúde tem fundamento na teoria objetiva, exigindo apenas a verificação de nexo de causalidade e dano.


2.3         Responsabilidade dos estabelecimentos públicos


Ao passarmos o estudo da responsabilidade para a figura dos hospitais, o ponto central reside em salientar que difere da atinente aos profissionais, obedecendo cada qual a regimes próprios[50].  Isso advém da redação do art. 14, § 4º da lei nº 8.078/90 que não estende a necessidade de demonstração de culpa aos estabelecimentos de saúde. A assertiva encontra substrato, também, no caput do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor que determina a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva quando se trata de fornecimento de serviços[51]. Entretanto, esta questão é controversa, pois se assenta no entendimento de que o paciente é parte hipossuficiente na relação.


Entendemos que o cerne não reside na relação de hipossuficiência, mas no dever-poder da Administração Pública em realizar o bem comum, o que lhe garante certas prerrogativas e sujeições, evidenciando uma relação jurídico-administrativa verticalizada. É este também o posicionamento do professor Romeu Felipe Bacellar Filho[52].  Acrescenta Lízia de Pedro Cintra[53] que,


Em se cuidando de direito à saúde e à vida humana, resguardados pela Constituição Federal como garantia fundamental irretirável, a circunstância de os serviços prestados serem gratuitos não subtrai o dever de a entidade hospitalar assegurar esses direitos sagrados do paciente, porém, o fundamento jurídico de tal responsabilidade será objetivo, nos termos do artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal de 1.988, não se aplicando portanto, as regras estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de um serviço público derivado da atividade precípua do Estado, visando ao bem comum, como resultado dos tributos em geral da população, sendo chamados de serviços públicos uti universi.


Definida a responsabilidade objetiva dos estabelecimentos de saúde, é preciso que se trabalhe os conceitos de culpa in eligendo e culpa in vigilando, espécies da culpa aquiliana, quando se trata de profissional constante do corpo clínico do hospital. Cabe ao nosocômio o dever de selecionar profissionais competentes e habilitados para as atividades que deverá exercer. A falta de diligência necessária neste processo importa na obrigação de reparar o dano ocorrido, pois, de outra forma, seria evitada a atuação errônea do empregado.


Entretanto, não podemos afirmar que o Estado será sempre obrigado a indenizar pelos danos causados no exercício da função pública. Como já foi dito em relação à atividade profissional, existem circunstâncias adversas à atuação do médico ou da administração pública, o que exige que se verifique a ocorrência de outros elementos suficientes para fundamentar o dever de indenizar. Sob este aspecto, é importante demonstrar que existe larga distinção no que se refere à responsabilidade do Estado pela atividade médico-hospitalar, uma vez que existem diferenças intrínsecas ao ato médico e ao ato hospitalar. Mas o que importa notar é que tais circunstâncias podem conduzir à exclusão ou à redução da responsabilidade da Administração Pública.


2.3.1  Responsabilidade por ato médico


Inicialmente, é preciso que se defina no que consiste o ato médico. De acordo com o projeto de lei nº 25/2002, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça, em seu art. 1º:


Art. 1º Ato médico é todo procedimento técnico-profissional praticado por médico habilitado e dirigido para:


I – a prevenção primária, definida como a promoção da saúde e a prevenção da ocorrência de enfermidades ou profilaxia;


II – a prevenção secundária, definida como a prevenção da evolução das enfermidades ou execução de procedimentos diagnósticos ou terapêuticos;


III – a prevenção terciária, definida como a prevenção da invalidez ou reabilitação dos enfermos[54].


Nestes termos, entende o legislador que fica sintetizada claramente a competência técnica para o exercício das atividade médicas. O Projeto, que utiliza conceitos definidos pela Organização Mundial da Saúde, tem por objetivo delimitar o campo de atuação do médico, estabelecendo, desta forma, os limites da sua responsabilidade e, por exclusão, dos demais profissionais da área da saúde.


O professor Genival Veloso de França[55] nos diz que deve-se entender como ato médico genérico todo esforço traduzido de forma organizada e tecnicamente reconhecido em favor da qualidade da vida e da saúde […]. Para o autor, existe uma diferença entre o ato médico genérico e o específico, sendo o primeiro qualquer atividade que se enquadre nesta definição, não sendo um conceito restritivo como o texto do projeto de lei anteriormente transcrito. Não quer dizer com isso que todo ato ligado a manutenção da saúde pode ser praticado por qualquer pessoa, indistintamente. Assim, a atividade exercida com exclusividade pelo médico fica definida


[…] como sendo a utilização de estratégias e recursos para prevenir a doença, recuperar e manter a saúde do ser humano ou da coletividade, inseridos nas normas técnicas (lex artis) dos conhecimentos adquiridos nos cursos regulares de medicina e aceitos pelos órgãos competentes, estando quem o executa, supervisiona ou solicita profissional e legalmente habilitado. Este é o ato médico “stricto sensu” e somente o médico pode realizar.[56]


Outro aspecto importante para que se possa estabelecer a responsabilidade do nosocômio por ato de profissional dentro de suas dependências é a definição de erro médico, estudado no item 3.1 deste trabalho.


Conforme a Súmula nº 341 do STF, presume-se a culpa do patrão, neste caso o Estado, pelo ato culposo de empregado ou preposto seu. Assim, o ato médico realizado dentro do hospital público é de responsabilidade estatal. Ocorrendo prejuízo, subsiste o direito de regresso contra o indivíduo que causou o dano, desde que se comprove a existência de conduta contrária ao direito.


2.3.3   Responsabilidade por ato hospitalar


A distinção entre o ato médico e o ato hospitalar é de suma relevância quando se trata do dever de indenizar, importando, para a vítima, contra quem deverá postular a demanda. Ademais, indica quais as situações são passíveis de ação regressiva contra o profissional que atuou no caso. Outro fator importante é que as formas de responsabilidade atribuíveis ao médico ou entidade hospitalar são diferentes, dependendo, cada uma, de elementos distintos.


A relação do paciente com o estabelecimento de saúde tem características diversas das que encontramos na maioria das relações de consumo ou de prestação de serviços.


Apesar de oferecer serviços de hospedagem e alimentação, não pode ser equiparada à atividade hoteleira, pois o objeto do contrato é diverso. O paciente necessita dos serviços médicos que pela instituição são ofertados, sendo a atividade hospitalar específica serviço complementar à atividade médica. A causa que leva à contratação é a principal diferença entre o vínculo existente entre paciente e hospital e aquele que se forma entre o hóspede e o hotel. A matéria é de responsabilidade civil em qualquer dos casos e, portanto, regida pela legislação civil. Outra distinção importante é o caráter de acessoriedade que o contrato de hotelaria hospitalar tem em relação à avença principal de prestação de serviços de saúde. No contrato de hotelaria comum o objeto principal é usualmente a própria hospedagem.


É interessante observar que o ato hospitalar sempre terá natureza contratual, em que pese a peculiaridade que cerca a declaração de vontade na espécie. É que o indivíduo utiliza o serviço hospitalar tanto por expressa manifestação de vontade espontânea, como o faz em circunstâncias em que está impedido de declará-la. Isso ocorre na internação e no atendimento ambulatorial quando o paciente, em virtude de quadro agudo, está impossibilitado de se manifestar. Nesse caso, a formação do vínculo contratual dá-se em decorrência de uma vinculação tácita que em nada altera a equação dos direitos e deveres contratuais típicos da relação jurídica obrigacional de prestação de serviços hospitalares. Vale dizer, nem o paciente nem o hospital têm alterados seus direitos e obrigações nos casos apenas porque não houve convolação explícita da avença. Não custa salientar, en passant, que o mesmo ocorre na formação do vínculo obrigacional entre o profissional da saúde e o paciente quando o atendimento se dá em circunstâncias emergenciais, sem prévio ajuste expresso.


Feitas estas afirmações, torna-se relevante o estudo da responsabilização dos estabelecimentos públicos pelos prejuízos decorrentes de ato hospitalar. Neste âmbito, é oportuno citar o médico e advogado Neri Tadeu Câmara Souza[57]:


Se estiver se discutindo um erro no atendimento ao paciente causado, supostamente, por um defeito em um dos serviços prestados pelo hospital, como exemplificamos acima, o que norteará a responsabilização do hospital será a Teoria da Responsabilidade Objetiva em responsabilidade civil.


A fonte deste entendimento é o texto do § 6º do art. 37 da Constituição Federal, ao afirmar que a verificação de culpa só cabe com relação à atividade médica. O texto legal não descarta a possibilidade de o hospital oferecer denunciação à lide daquele que entenda ser o responsável pelo dano.


3 Repercussão jurídica do erro e da omissão


Percebe-se a relevância do erro médico na sociedade, uma vez que é possível encontrarmos legislação sobre o tema desde 2400 a.C. O Código de Hamurabi e a Lei de Talião já cominavam penas para o profissional que causasse dano a paciente seu. Assim, chega-se ao Juramento de Hipócrates (460 a.C.), pelo qual o médico compromete-se a exercer seu ofício com respeito ao ser humano e a agir com o máximo de zelo e capacidade profissional. São estes os princípios que atravessaram séculos e continuam norteando o exercício da profissão, informando o Código de Ética Médica hoje em vigor. Tanto é assim que em artigo recentemente publicado, França[58] leciona que a consciência atual, despertada pela insensibilidade e pela indiferença do mundo tecnicista, começa, pouco a pouco, a se reencontrar com a mais primária e indeclinável de suas normas: o respeito pela vida humana.


 Entretanto, como em todas as profissões, é primordial que se entenda que há um nível aceitável de falibilidade de todo profissional, uma vez que a ninguém é exigido capacidade plena para conhecer e resolver todos os problemas existentes,  mesmo dentro de sua área de atuação. No caso do médico e demais profissionais que lidam com a saúde e a vida humanas, essa relação, por vezes, encontra obstáculos na própria cultura popular que, na antigüidade, associava a Medicina à atividade divina. Felizmente o Direito, como ciência social, trata o assunto de forma bem mais técnica, definindo parâmetros éticos dentro dos quais todo profissional deve atuar para fins de evitar demandas infundadas. Nesse aspecto, é excelente o comentário que faz Kfouri Neto[59] quando afirma que


A lei não poderia impor ao médico uma obrigação de infalibilidade ou absoluta exatidão. O médico mais sábio, mais competente, mais lúcido e mais diligente, vez ou outra, também se engana. A inteligência, a intuição, o espírito crítico são necessários para um bom diagnóstico – mas esses dons não são concedidos a todos da mesma maneira.


Ao nos referirmos individualmente ao médico, dentista ou enfermeiro, que causar dano a outrem no exercício de sua atividade profissional, verificamos que o profissional poderá responder na esfera penal caso o fato constitua crime, ou no cível pelos danos materiais e morais que vier a causar, ficando obrigado, neste caso, a indenizar a vítima pecuniariamente.


Há autores[60] que dividem as possíveis falhas médicas em dois grandes grupos: aquelas relativas aos “deveres de humanidade” (prestar socorro a pessoa em situação de risco, instruir o paciente sobre o seu estado e salvaguardar a violação do segredo profissional, por exemplo) e aquelas de “natureza técnica”, tais como os erros de diagnóstico, as faltas relativas ao tratamento ou aquelas ligadas a uma operação ou intervenção. Contudo, tal classificação não tem repercussão no âmbito da quantificação ou da imposição de sanções, tendo fins meramente didáticos.


Neste trabalho, é importante salientar que o enfoque é a responsabilidade civil do Estado. Entretanto, neste momento cabe ressaltar que a responsabilidade estatal não pode ser confundida com a de seu funcionário, posto que este último, quando do exercício de suas atividades normais, pode causar dano tanto ao patrimônio estatal quanto ao de particulares. Independente do caso, se comprovada sua culpa, é imposto o ressarcimento os prejuízos que tenha causado. No caso específico da lesão patrimonial a direito individual por ato decorrente da atuação do Estado, tal prova é dispensável para a configuração do dever de indenizar, pois uma vez acionado diretamente o Estado, este deverá responder desde que se demonstre a existência de nexo de causalidade entre o ato do seu funcionário e o dano injustamente sofrido pelo indivíduo. A culpa do administrador apenas será discutida em um segundo momento, caso o Estado impetre ação de regresso.


3.1  Malpractice


Podemos definir o erro médico como o resultado diverso do pretendido que decorre de uma ação ou omissão do médico, verificando-se através de três modalidades: imperícia, imprudência e negligência.


A primeira destas modalidades caracteriza-se pela falta de conhecimento técnico profissional, ou mesmo pela falta de observação à norma exigida. A imprudência é definida como a realização de uma conduta que a cautela indica que não deve ser realizada[61]. Representa o atuar de forma arriscada, pela falta de fundamentação científica ou de esclarecimento à parte interessada. Por fim, a negligência evidencia-se pelo descaso, pelo atuar de forma desprecavida ou com cuidado insuficiente em relação ao ato que deve ser realizado.


Feitas tais considerações, passa-se à abordagem do erro médico propriamente dito. Em primeiro lugar, cabe salientar que nem todo mau resultado é sinônimo de erro médico; segundo, não há como fingir que a má pratica médica e maus profissionais não existam, bem como que os pacientes deixem de ser justamente reparados. Com relação ao aspecto do inadequado exercício da medicina, cabe aos Conselhos de Medicina regularem a atividade de maneira regional ou federal, estabelecendo critérios capares de orientar a correta prática médica. Em diversas obras, o professor Genival Veloso de França aborda a questão da competência dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina, afirmando que a eles cabe julgar, através de processos ético-disciplinares, o erro sob o ponto de vista moral. De acordo com Brandão[62],


Os processos ético-profissionais são o instrumento de que dispõem os CRMs para punir moral e administrativamente os seus jurisdicionados, ainda que estes já hajam sido alcançados por meio de sanção civil pela condenação à reparação do dano causado ou da sanção penal via ação criminal regularmente instaurada e na qual venham a ser julgados culpados.


Tais procedimentos não têm o condão de impor indenização ou pena, matérias reservadas às esfera civil e penal do direito pátrio. Aqui, as imposições são reservadas à atividade profissional, posto ser a fiscalização da atividade profissional a razão de existência de tais conselhos.


3.2  Omissão


O dever de indenizar não decorre apenas das condutas voluntárias que causem prejuízo à esfera jurídica de outrem. A responsabilidade emana também da falta de um agir imposto pelo ordenamento jurídico. É nítido o dispositivo do Código Civil que em seu art. 186 afirma a ocorrência de ato ilícito quando da ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência resulte violação à direito e dano a outrem.


Porém, nos casos de conduta omissiva, há entendimentos diversos no sentido de que esta não constitui fato gerador da responsabilidade civil do Estado, visto que nem toda conduta omissiva retrata desleixo do Estado em cumprir um dever legal. O Estado somente seria responsável civilmente quando se omitir diante do dever legal de obstar a ocorrência do dano, ou seja, quando o comportamento do órgão estatal ficar abaixo do padrão normal que se costuma exigir. Dessa forma, pode-se afirmar que a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre decorrente de ato ilícito, porque havia um dever de agir imposto pela norma ao Estado que, em decorrência da omissão, foi violado. Para ser apurada a responsabilidade do Estado por conduta omissiva deve-se indagar qual dos fatos foi decisivo para configurar o evento danoso e quem estava obrigado a evitá-lo. Assim, o Estado responderá não pelo fato que diretamente gerou o dano, mas sim por não ter ele praticado conduta suficientemente adequada para evitar o prejuízo ou mitigar seu resultado.


Para Celso Antônio Bandeira de Mello, deve ser aplicada a teoria subjetiva à responsabilidade do Estado por conduta omissiva. Para isso, argumenta o autor que a palavra “causarem” do art. 37, § 6º, da Constituição Federal somente abrange os atos comissivos, e não os omissivos, afirmando que estes somente condicionam o evento danoso. Comentando o artigo constitucional, leciona[63]:


De fato, na hipótese cogitada, o Estado não é o autor do dano. Em rigor, não se pode dizer que o causou. Sua omissão ou deficiência haveria sido condição do dano, e não causa. Causa é o fato que positivamente gera um resultado. Condição é o evento que não ocorreu, mas que, se houvera ocorrido, teria impedido o resultado.


Vemos neste particular a necessidade de dissentir do insigne mestre administrativista. Na verdade, não se trata de afirmar que, diante dos atos omissivos, a regra constitucional do art. 37, § 6º deve ser aplicada à luz da teoria subjetiva. O texto não contempla tal possibilidade, justamente por não ter incluído expressamente alusão a situações comissivas e omissivas. Portanto, ubi lex non distinguit, non distinguere potemus… A problemática suscitada na citação do renomado autor diz com a questão teórica das causas. Atualmente, é pacífico o entendimento de que o nexo de causalidade formador do suporte fático do dever de indenizar advém da constatação da ocorrência de uma causa eficiente para o avento do dano. Assim, o que é preciso verificar é se a omissão estatal foi ou não determinante para o desfecho danoso ao administrado, para que se conclua se há responsabilidade civil no caso concreto. Aparte dessa verificação, se tal omissão estatal decorreu de ter o agente público obrado com uma das modalidades da culpa, ter-se-á a possibilidade de direito de regresso do Estado. Portanto, sobressai a verificação de ter havido omissão de conduta razoavelmente exigível, como ensina Cahali[64], como fundamento do dever estatal de indenizar, independentemente, repetimos, da apuração da culpa do agente público.


3.3 Causas da omissão


Pelas razões abordadas nos tópicos anteriores, verificamos que as questões que geram dever de indenizar não estão vinculadas unicamente aos atos médicos ou hospitalares. Diversas são as possibilidades de falhas técnicas ou humanas, decorrentes ou não dos recursos disponíveis pelo nosocômio, que podem ser fatores desencadeantes de um evento lesivo à saúde humana. Entre estas possibilidades, menciona Kfouri Neto[65] que


[…] além do erro médico, existem outras causas que favorecem o mau resultado, como as péssima condições de trabalho e a penúria dos meios indispensáveis no tratamento das pessoas. Afinal de contas, muitos pacientes não estão morrendo nas mãos dos médicos, mas nas filas dos hospitais, a caminho dos ambulatórios desarrimados, nos ambientes miseráveis onde moram e na iniqüidade da vida que levam.


No momento da verificação de responsabilidade, é preciso que se considerem todos estes fatores, posto que, se perfeitamente disponíveis quando do atendimento ao paciente, o dano poderia ter sido evitado. Entretanto, esta questão apresenta pontos conflitantes, pois não há como prever, com absoluta certeza, a não ocorrência de prejuízo. O organismo humano é passível de comportamentos e reações que não podem ser seguramente previstos pela ciência médica, o que impossibilita afirmações acerca da efetiva ocorrência de dano, exceto dentro de uma justificável margem de probabilidades.  Essa imponderabilidade não afasta, no entanto, a responsabilização estatal sempre que se constatar que o dano sofrido pelo paciente tem relação causal com a falta ou insuficiência do serviço.


Não há duvida, portanto, de que a degradação dos serviços de atenção à saúde é fator prioritário quando se discute as causas de aumento das demandas judiciais. Entretanto, não se pode esquecer do ensinamento do professo Genival Veloso de França[66], que em toda a sua obra salienta a importância da prática de uma medicina de qualidade, sem distinções de qualquer caráter. Tratando da questão do erro médico, o autor nos diz que é


[…] importante salientar que a boa prática médica é, sempre e sempre, decorrente de um equilíbrio entre as disponibilidades da técnica e da ciência e a arte do bom relacionamento médico-paciente. Nem sempre a solicitação de exames de alta complexidade é tudo. Isso não quer dizer que se deva deixar para trás o que existe de mais moderno e mais apropriado no atendimento às necessidades do paciente.


Esta observação conforta a convicção de que o Estado não tem o mero dever de prestar assistência à saúde da população. Tem a obrigação de prestá-la de modo eficiente, com a qualidade emprestada pela ciência e pela técnica.


Sabemos que a responsabilidade civil do Estado poderá ser proveniente de duas situações distintas: a) de conduta positiva do Estado, no sentido de que o agente público é o causador imediato do dano; b) de conduta omissiva, em que o Estado não atua diretamente na produção do evento danoso, mas tinha o dever de evitá-lo, como é o caso da falta do serviço nas modalidades em que este não funcionou ou funcionou tardia ou insuficientemente.


Sobre o aspecto da omissão, devemos avaliar, na imputação de responsabilidade, se o Estado-Administração alocou de forma adequada os recursos destinados à saúde no que se refere ao repasse de verbas. Também, é preciso apurar se este repasse foi suficiente e, neste caso, aferir se tal montante não foi adequadamente aproveitado ou se não chegou a ao destinatário final em virtude de inabilidade ou negligência do administrador público.


Esta compreensão não é limitada a ponto de se entender que as políticas públicas vigentes para a área da saúde possam ser consideradas como causa eficiente (determinante) da ocorrência de danos a indivíduos e por isso ensejar a responsabilidade estatal. Neste passo, se o Congresso Nacional, ao votar a proposta orçamentária do Poder Executivo,  não destina recursos suficientes para o atendimento substancialmente integral à saúde, é forçoso admitir que se assim o fez é porque decidiu nos limites da capacidade econômica da nação. Não se justifica, por isso, entender que haja em tais circunstâncias conduta contrária a Direito capaz de acarretar responsabilidade do Estado.


No mesmo diapasão, se não há contingente de recursos humanos suficiente ou suficientemente qualificado no padrão dado pelo desenvolvimento da ciência, não se pode ter nesta carência uma causa eficiente para ensejar a responsabilidade civil.


Tais limites não incluem a má gestão (aqui compreendida a omissão gerencial) dos estabelecimentos públicos (e dos privados enquanto agentes do SUS), tanto no que se refere à aplicação dos recursos financeiros como à gerência de pessoal, que se revelem como condutas omissivas danosas. Estas, sim, sinalizam a responsabilidade estatal, posto que conformam um nexo de causalidade imputável aos agentes públicos a que competia agir com eficiência e eficácia.


Conclusões


O dever do Estado de assegurar a saúde da população, posto em operação por intermédio do Sistema Único de Saúde, deve ser exercido na conformidade dos parâmetros técnicos de atenção à saúde pré e peri-natal. Deve também incorporar os avanços científicos e tecnológicos disponíveis, para que o desempenho da função estatal de assegurar a saúde da população se dê de modo eficiente e eficaz.


Os danos sofridos pela população em decorrência da omissão no cumprimento destes deveres podem acarretar ou não responsabilidade civil do Estado. Quando a omissão é fruto da falta de capacidade estrutural do sistema, como conseqüência de limitações constitucionais ou legais, seja em matéria orçamentária, seja de estrutura física ou de recursos humanos, o Estado não incorre em responsabilidade civil, porquanto a omissão não caracteriza em si conduta contrária a Direito capaz de configurar o necessário nexo de causalidade.


No entanto, quando a conduta omissiva é imputável ao agente público gestor do sistema, como uma deficiência qualitativa ou quantitativa na aplicação dos parâmetros técnicos de atenção à saúde ou na utilização dos recursos materiais e humanos disponíveis, opera-se uma relação de causalidade entre a omissão e o efeito danoso, suscetível de ensejar responsabilidade estatal.


Devido à consagração pela Constituição da teoria objetiva, a vítima de tais danos não está sujeita a demonstrar que o agente público obrou omissivamente com culpa. Basta que demonstre a disponibilidade de recursos do estabelecimento público de saúde para que se evidencie a responsabilidade. Do mesmo modo, não há necessidade, no caso de conduta omissiva, de demonstrar que o agente público profissional da saúde dispõe de capacitação técnica para o atendimento razoavelmente suficiente, porque é presumível em decorrência de sua própria condição de profissional.


As práticas de atenção à saúde pré e peri-natal, tanto da gestante como do nascituro, encontram-se incorporadas pela ciência e pela técnica, e são disponibilizadas à população por intermédio do Sistema Único de Saúde. Por isso, a falta ou insuficiência de atendimento de que resulte dano à gestante ou à prole podem caracterizar o nexo de causalidade conducente à responsabilidade estatal. O Estado, por sua vez, dispõe de direito de regresso contra o agente público a quem seja imputável a omissão ou a insuficiência da prestação dos serviços em questão.


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Notas:

[1] CAMPOS, Juarez de Queiroz et al. Introdução à saúde pública. 1987, p. 08.

[2] In SCHÄFER, Jairo Gilberto. Direitos fundamentais: proteção e restrições. 2001, p.

[3] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 2003, p. 63.

[4] FREITAS, Fernando. Rotinas em Obstetrícia. 1997, p. 23.

[5] NOGUEIRA, Maria Inês. Assistência pré-natal. Prática de saúde a serviço da vida.  1994, p. 42.

[6] NOGUEIRA, op. cit. p. 47.

[7] O grau de risco inclui elementos subjetivos, como as circunstâncias e características da família, do ambiente, do grupo ou mesmo do indivíduo. Entretanto, há os fatores de risco universais, tais como histórico de abortamentos prévios, desnutrição, primeira gestação e alta paridade.

[8] RESENDE, Jorge; MONTENEGRO, Carlos Antônio Barbosa. Obstetrícia fundamental. 1987, p. 142

[9] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 2003, p. 168.

[10] SILVA, op. cit. p. 169.

[11] PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. 2002, p. 76.

[12] CAMPOS, Juarez de Queiroz et al. Introdução à saúde pública. 1987, p.08.

[13] MORAES. op. cit. p. 64.

[14] SILVA, op. cit. p. 171.

[15] SCHÄFER, op. cit. p. 57.

[16] SILVA, op. cit. p. 172.


[18] CAMATA, Rita. Uma década da convenção internacional dos direitos da criança.1999.

[19] SCHÄFER, Jairo Gilberto. Direitos fundamentais: proteção e restrições, 2001, p.62.

[20] LIPPEL, op. cit.

[21] NETO, Miguel Kfouri. Culpa Médica e Ônus da Prova. 2002, p.320.



[24] Disponível em www.sespa.pa.gov.br/Sus/sus.htm. Acesso em 31.07.2004

[25] CAMPOS, Juarez Queiroz. op. cit. p. 29.

[26] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil; Responsabilidade Civil. 2003. p. 94

[27] www.sespa.pa.gov.br/Sus/sus.htm . Acesso em 31.07.2004.

[28] Fruto da mobilização dos movimentos sociais, a elaboração dos Princípios e Diretrizes para a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos para o SUS – NOB/RH-SUS foi uma deliberação da 10ª Conferência Nacional de Saúde, assumida pelo Conselho Nacional de Saúde.

[29] LIPPEL, op. cit.

[30] VENOSA, op. cit. p. 12.

[31] CASABONA, Carlos María Romeu. A responsabilidade penal do médico por má prática profissional. 2003, p. 11.

[32] Ementa: responsabilidade civil. Médica obstetra. Inocorre a responsabilidade civil da médica que atende a parturiente quando, mesmo presentes lesões ao nascituro, inexiste prova de terem sido ocasionadas por imprudência, negligência ou imperícia da esculapia. Ação improcedente. Sentença mantida. Apelo desprovido. (Apelação Cível nº 597050103, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, relator: Ramon Georg von Berg, julgado em 28/05/1997).

 Ementa: Responsabilidade Civil. Morte por infecção hospitalar. Médico – sua responsabilidade contratual, exceto na cirurgia plástica, e de meios e não de resultado, sendo defeso vislumbrar-se em sua atividade uma obrigação de risco profissional. na relação de consumo o médico sé responde quando incorrer em culpa. Hospital – óbito da paciente por septicemia no sétimo dia após a cesariana. Responsabilidade objetiva do nosocômio que dela só se eximiria fosse provada a culpa do paciente. Apelação provida em parte. (Apelação Cível nº 595108275, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, relator: Léo Afonso Einloft Pereira, julgado em 28/03/1996).

[33] VENOSA, op. cit.  p. 97.

[34] NETO, Pág. 09.

[35] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 1993, p.431.

[36]BITTAR, Carlos Alberto et. al. Responsabilidade civil médica, odontológica e hospitalar. 1991, p. 180.

[37]FRANÇA, Genival Veloso de. Responsabilidade civil do médico. Disponível em: http://www. pbnet.com.br/openline/gvfranca/artigo_21.htm. Acesso em 04.08.2004.

[38] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 1993, p. 430.

[39] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 2003, p. 524

[40] BACELLAR FILHO, op. cit.

[41] Código Civil, art. 928.

[42] É importante salientar que a Constituição Federal acrescentou ao ordenamento jurídico brasileiro a viabilidade de indenização por dano exclusivamente moral, aspecto que na legislação vigente até 1988 não era admitido.

[43]VENOSA, op. cit., p. 93

[44]GOMES, Orlando. Obrigações. 2000, p. 09.

[45]LIRA, Ricardo Pereira. Obrigação de Meios e Obrigação de Resultado a Pretexto da Responsabilidade Médica. Análise Dogmática. Disponível em: http://www2.uerj.br/~direito/ publicacoes/ricardo_lira/rl_1.htm Acesso em 29.03.2004.

[46] NETO, op. cit., p. 319.

[47] BITTAR. op. cit. p. 104

[48] NETO, op. cit. p. 323

[49] CASABONA, op. cit., p.10.

[50] MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade civil do médico. 2001, p. 89

[51] Esta questão é pacífica, posto que a atividade hospitalar enquadra-se perfeitamente no conceito contido no parágrafo 2º, do art.3º.

[52] BACELLAR FILHO. Responsabilidade civil extracontratual das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público.

[53]CINTRA, Lízia de Pedro. Da responsabilidade civil dos estabelecimentos de saúde. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 52, nov. 2001. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/ doutrina/texto.asp?id=2458>. Acesso em: 14 set. 2004.

[54] Disponível em: http://www.medicinadoesporte.com/AtoMedico.htm Acesso em 08/08/2004

[55]FRANÇA, Genival Veloso de. Os limites do ato médico. Disponível em: http://www. revistadedireitomedico.com.br/ Acesso em 08/08/2004.

[56]FRANÇA, Genival Veloso de. Responsabilidade civil do médico. Disponível em: http://www. pbnet.com.br/openline/gvfranca/artigo_21.htm Acesso em 04.08.2004

[57] SOUZA, Neri Tadeu Camara. Responsabilidade civil do hospital. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2638>. Acesso em 15 ago. 2004.

[58]FRANÇA, Genival Veloso de. Aborto – breves reflexões sobre o direito de viver. Disponível em: http://www.pbnet.com.br/openline/gvfranca/artigo1.htm.  Acesso em 04.08.2004.

[59] KFOURI NETO. 2002, p. 356.

[60] ZAMPIERI JÚNIOR, Sidney. Erro médico: semiologia e implicações legais. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1866>. Acesso em: 24.08.2004.

[61] JESUS, Damásio E. Direito Penal – parte geral.1999, p. 298.

[62] BRANDÃO, Ricardo. O erro médico na função pública. Disponível em: http://www.cfm.org.br/ revista/bio2v2/emfunpub.html. Acesso em 12.09.2004.

[63] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, 1998, p. 673.

[64] CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado, 1982, p. 53. Diz o magistrado paulista que é necessário investigar a causa do dano, conforme a modalidade na atividade lícita da Administração, na falha da máquina administrativa por omissão de uma atividade razoavelmente exigível[…].

[65] NETO, op. cit., p. 17.

[66] FRANÇA, Genival Veloso de. Como proceder diante da alegação de erro médico. Disponível em: http://www.pbnet.com.br/openline/gvfranca/artigo_2.htm. Acesso em: 03.04.2004.


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Lívia Nizolli Leivas


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