Aspectos histórico-evolutivos do instituto da Responsabilidade Civil

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Resumo: O presente estudo tem por objetivo investigar e destacar os principais marcos da evolução histórica do instituto da Responsabilidade Civil, apontando sua origem remota, suas fases intermediárias até a concepção contemporânea da matéria. Realizou-se pesquisa bibliográfica considerando a Carta Magna pátria, bem como os autores CAVALIERI FILHO (2000), CHAVES (1998), CRETELLA JÚNIOR (2001), DINIZ (2005), e GONÇALVES (1995), procurando destacar os principais pontos de evolução na matéria até a pós-modernidade. Concluiu-se que a responsabilidade civil possui enorme importância para a manutenção da paz social, eis que decorrente direta da vingança individual pela reparação do dano sofrido, sendo seu horizonte próximo o da aplicação nos campos genéticos e virtuais, razão pela qual seu estudo se mostra indispensável e contínuo.

Palavras-chave: Civil. Responsabilidade. História do Direito. Pós-modernidade. Paz social.

Abstract: The present study aims to investigate the main milestones of the historical evolution of the Institute of Civil Responsibility, since its remote origin from, its intermediate stages to the contemporary conception. By the bibliographical research considering the Magna Carta, as well as the authors CAVALIERI FILHO (2000), CHAVES (1998), CRETELLA JÚNIOR (2001), DINIZ (2005), GONÇALVES (1995) and judged on the subject , Seeking to highlight the main points of evolution in the matter up to post-modernity. It was concluded that civil liability is extremely important for the maintenance of social peace, which is direct consequence of individual revenge for the repair of the damage suffered, and its horizon is close to that of application in genetic and virtual fields, which is why their study shows Indispensable and continuous.

Keywords: Civil law. Responsibility. History of Law. Postmodernity. Social peace.

Sumário: Introdução. 1. Gênese. 1.1. Da vingança como origem do Instituto. 1.1.1 Da vingança coletiva. 1.1.2 Da vingança individual. 2. Regramento Primitivo. 2.1 Da lei de Talião. 2.2 Da Lei das XII Tábuas. 3. Da composição. 3.1 Da autocomposição. 3.2 Da heterocomposição. 4. Lei Aquiliana. 5. Da teoria do risco. 6. Teoria da responsabilidade objetiva. 7. Teoria da responsabilidade subjetiva: a Teoria da culpa. 8. O instituto da Responsabilidade civil na legislação Brasileira. 8.1 Da Responsabilidade civil no Código Civil de 1916. 8.1.1 Da influência francesa na disciplina da matéria. 9. Da responsabilidade civil na pós-modernidade. 9.1 Do Código de defesa do consumidor, sua contribuição para o instituto da Responsabilidade civil e o “novo” Código Civil. 9.2 Da responsabilidade Civil no Código Civil de 2002. 10. Possíveis rumos para o instituto da Responsabilidade Civil. Conclusão.

Introdução

O presente trabalho tem como tema a análise da evolução histórica do instituto da responsabilidade civil desde o surgimento concomitante a gênese do homem até o período pós-moderno.

Com efeito, as questões primordiais que orientam o presente estudo são a investigação da origem do instituto, suas ramificações, bem como sua importância para a manutenção da paz social.

A análise do referido tema se mostra relevante na medida em que o judiciário, abarrotado de processos, dificilmente consegue prestar a jurisdição no tempo e na medida em que as partes almejam, o que, dia a dia torna o limiar entre a heterocomposição e a vingança privada mais tênue.

Assim, a investigação do passado nos prepara para a visualização dos possíveis rumos que a Responsabilidade Civil alcançará.

Para alcançar os objetivos propostos, utilizou-se como recurso metodológico, a pesquisa bibliográfica, realizada a partir da análise pormenorizada de materiais já publicados na literatura e artigos científicos divulgados no meio eletrônico.

O texto foi fundamentado na análise da Carta Magna pátria, bem como nos autores CAVALIERI FILHO (2000), CHAVES (1998), CRETELLA JÚNIOR (2001), DINIZ (2005) e GONÇALVES (1995).

1. Gênese

A responsabilidade civil tem sua origem concomitantemente à gênese do homem, em tempo anterior ao Estado. Uma vez que o sentimento de reparação é inerente à natureza humana, conforme salienta CAVALIERI FILHO (2000, p.24), o anseio de obrigar o agente, causador do dano, a repará-lo inspira-se no mais elementar sentimento de justiça, a vingança.

1.1. Da vingança como origem do Instituto

CAVALHIERI FILHO (idem, p.25) nos ensina que a vingança, consiste na retaliação contra uma pessoa ou um grupo em resposta a uma ofensa, sendo esta a primeira noção de responsabilidade civil que surgiu no mundo.

Deste ato humano e animalesco advieram duas fases do objeto em estudo a vingança coletiva ou grupal e a vingança privada ou individual.

1.1.1 Da vingança coletiva

A vingança coletiva foi marcada pela existência de bandos, clãs, tribos, famílias ou grupos, que, para se protegerem das adversidades naturais à ausência de Estado, viviam reunidos de forma a aumentarem a sensação de segurança. Uma ofensa a um indivíduo do grupo seria uma ofensa a todo ele, o que acarretaria uma resposta coletiva ao grupo do ofensor, levando em muitos casos ao definhamento ou desaparecimento, de um dos grupos.

1.1.2 Da vingança individual

A fase individual da vingança ou vingança privada caracterizava-se pela “justiça” pelas próprias mãos, forma primitiva e selvagem, mas humana, de reação ao mal sofrido, conforme nos mostra GONÇALVES (1995, p.4). O indivíduo lesado, por si só, reagia de forma espontânea e imediata contra o agressor, era a figura correspondente à legítima defesa dos tempos atuais. Tal fase coincidiu com as primeiras noções de Estado e o declínio da vida em pequenos grupos.

GONÇALVES (Idem, p.5) nos aponta que decorrente da vingança privada surgiu um impasse. O indivíduo que era lesado de forma incapacitante teria, necessariamente, que se recuperar para poder exercer sua vingança. Ocorre que, com o decurso do tempo o sentimento de lesão poderia esvair-se ou aumentar a critério da subjetividade do agente, levando com isso a uma vingança aquém ou além do mal sofrido.

E, foi em consequência da impossibilidade na mensuração da retaliação que surgiu o primeiro diploma normativo que se tem conhecimento, a Lei de Talião, que por sua importância, reflete até os dias atuais nos famosos provérbios – “olho por olho dente por dente”; “quem com ferro fere com ferro será ferido”.

2. Regramento Primitivo.

2.1 Da lei de Talião

CAVALCANTI (2017) aponta que é nesta fase que surge a Lei de Talião, onde é estabelecida a proporção entre a ofensa e a reparação. Essa limitação da ação punitiva é adotada pelo Código de Hamurabi (Babilônia), no Êxodo (Hebreus), e na Lei das XII Tábuas, tendo sido um marco na História do Direito. A autora ensina, ainda, primeiro a vingança foi coletiva para depois surgir a individual.

2.2 Da Lei das XII Tábuas

Como bem observa DINIZ (2005, p.11) nesta fase o poder público intervinha apenas para declarar quando e como a vítima poderia exercer o direito de retaliação, produzindo na pessoa que o lesou, dano idêntico ao que experimentou.

Portanto, a atuação do Estado se limitava a delimitação da vingança e não sua supressão com a finalidade de pacificação, sendo tal determinação encontrada na peça VII, Lei 11ª – si membrum rupsit, ni cum eo pacit, talio esto  – se alguém fere a outrem, que sofra a pena de Talião, salvo se existiu acordo.

3. Da composição

O período posterior, denominado composição, caracterizou-se pelo acordo em substituição à violência.

No caso de delito privado, o ofendido após barganha com o ofensor delimitava seu dano, que era reparado mediante a poena (pagamento de certa quantia em dinheiro). Já no caso de delito público o valor era atribuído pela autoridade pública que fixava o valor que seria convertido aos cofres públicos (DINIZ, Op. Cit., p. 11). Aí, informa Alvino LIMA (1960, p.11), a vingança é substituída pela composição a critério da vítima, mas subsiste como fundamento ou forma de reintegração do dano sofrido.

É importante ressaltar que até este momento não se cogitava a ideia de culpa.

3.1 Da autocomposição.

Em dado momento histórico, em que o Estado já se mostrava solidificado e exercia sua soberania, o legislador vedou à vítima fazer “justiça” com as próprias mãos. A composição de opção tornou-se obrigação. O interesse estatal estava claramente na pacificação social e a diminuição da perda de seus componentes (GRINOVER, DINAMARCO, RANGEL; 2006, p. 30).

Surge daí, um novo problema – a tarifação. O ofensor passa a pagar uma quantia por ter lesionado, outra por ter assassinado um escravo, mais uma por ter ofendido a honra de outrem. Passa-se, na visão de Wilson Melo da SILVA (1962, p. 30), a surgir as mais esdrúxulas tarifações, antecedentes históricos das tábuas de indenização preestabelecidas por acidentes de trabalho. Nada espantoso seria o fato de os indivíduos trocarem partes de seus corpos que não representariam grande perda, visando a indenização pecuniária.

Relato curioso e um tanto quanto cômico é prestado por Eliane Maria Agati MADEIRA (2009), em sua obra “A Lei das XII Tábuas”:

“Em Roma Antiga, havia um certo L. Veratius, homem ímprobo, que, tendo em vista a ínfima multa prevista na Lei tabular romana, de 25 asses, para quem ofendesse alguém, andava pelas ruas de Roma acompanhado de um escravo, dando bofetadas nos transeuntes, logo em seguida, ordenava ao seu escravo que pagasse a multa estabelecida em Lei.” 

3.2 Da heterocomposição

Nesse período, o Estado assumiu a função de punir e a indenização, ganhou as cores que possui nos dias atuais. A responsabilidade civil tomou lugar ao lado da responsabilidade penal (MAZEAUD, MAZEAUD, 1959, p. 22)

Entretanto, tudo era, ainda, muito obscuro, havia a necessidade de algo que, na visão de Maria Helena DINIZ (Op. Cit., p. 11) – cristalizasse, na de VENOSA (2004, p.27) – que dividisse as águas e de Carlos Roberto GONÇALVES (Op. Cit., p. 5) – criasse um princípio geral regulador da reparação do dano, assim surgiu a Lei Aquiliana.

4. Lei Aquiliana

Em Roma, na época de Justiniano, fins do Séc. 5° surge um tribuno de nome Aquílio, que propõe diminuir as injustiças cometidas pelos patrícios contra os plebeus. Trata-se, no ponto de vista de José CRETELLA JÚNIOR (2001. p. 218), de uma reunião de disposições anteriormente dispersas:

“A Lei Aquília é um plebiscito votado por proposição dum tribuno da plebe, Aquílio, mais ou menos em fins do quinto século. É uma lei de circunstância, provocada pelos plebeus que desse modo se protegiam contra os prejuízos que lhes causavam os patrícios nos limites de suas propriedades. Trata-se, aliás, da reunião de disposições anteriores dispersas, agora agrupadas em bloco. Antes da lei aquília, imperava o regime jurídico da Lei das XII Tábuas, que continha regras isoladas ao contrário do regime aquilano que é uma verdadeira sistematização no sentido de punir através de um determinado tipo de ação todos os atos prejudiciais a alguém. No período pré aquiliano, a actio de arboribus succisis punia a pessoa que cortasse as arvores do vizinho, a actio incensarum punia quem incendiasse algo involuntariamente, a actio de pasto era movida contra quem fizesse pastar seu rebanho em pastagens alheias. No regime da Lei Aquília, é introduzido um novo delito civil – o damnum injuria datum – isto é, prejuízo causado à coisa alheia, delito que, à semelhança do furto, empobrece a vítima, sem no entanto enriquecer seu autor.”

A Lei Aquiliana possibilitou atribuir ao titular de bens o direito de obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens. Nasce aí a origem da responsabilidade extracontratual fundada na culpa (VENOSA, Op. Cit., p. 27).

Na doutrina, a responsabilidade só se estabeleceu a partir da figura do jurista francês Domat, que foi o responsável pelo princípio geral da responsabilidade civil. Surgindo no código civil francês em seu art. 1382 a tipificação correspondente à responsabilização: “Tout fait quelconque de l'homme, qui cause à autrui un dommage, oblige celui par la faute duquel il est arrivé, à le réparer.” – Qualquer ato do homem que causa ao outro um dano o obriga a reparar o dano ocorrido por sua culpa (DINIZ, Op. Cit. p. 12).

O direito francês, aos poucos aperfeiçoou as ideias romanas, estabelecendo nitidamente um princípio geral da responsabilidade civil, abandonando o critério de enumerar os casos de composição obrigatória. Estabeleceram-se certos princípios que exerceram sensível influência nos outros povos: direito sempre que houvesse culpa, ainda que leve, separando a responsabilidade civil – ante a parte, da penal – ante o Estado. A existência de culpa contratual que não se liga nem a crime nem a delito, mas se origina da negligência ou imprudência (GONÇALVES, Op. Cit. p. 4).

Foi a generalização do princípio aquiliano: In lege Aquilia et levissima culpa venit – responsabilização, ainda que levíssima (MAZEAUD, MAZEAUD. Op. Cit. p. 48.).

Com a evolução da história o direito e seus institutos também evoluem, não poderia ser diferente com a responsabilidade civil. O surto de progresso ocasionado pela revolução industrial e a propagação de maquinários tendentes a facilitar a vida do homem, mas ao mesmo tempo colocá-la, ainda mais sob risco, fez com que surgissem um conjunto de teorias para explicar esse fenômeno.

5. Da teoria do risco.

Nos últimos tempos a chamada teoria do risco, vem se mostrando concorrente feroz à teoria da culpa, mas sem substituí-la, pois aquela se mostra eficaz nas hipóteses onde esta não se mostra suficiente (LOPES, RJTJSP, 57:14).

Na teoria do risco se introduz a ideia do exercício de atividade perigosa como fundamento da responsabilidade civil. Na legislação civil italiana encontra-se o exercício de atividade perigosa como fundamento da responsabilidade civil, com inversão do ônus da prova (GONÇALVES, Op. Cit. p. 6):

“Art. 2.050 CC italiano – Chinque cagiona danno ad altri nello svolgimento di un' attività periculosa, per sua natura o per la natura dei mezzi adoperati, è tenuto al risarcimento se non prova di avere adottato tutte le misure idonee a evitare il danno”

O agente somente se exoneraria da responsabilidade caso prova-se que adotou todas as medidas idôneas para evitar a lesão. Disposições semelhantes podem ser encontradas nos códigos civis do México, da Espanha, de Portugal, do Líbano dentre outros. A responsabilidade objetiva funda-se num princípio existente desde o direito romano: aquele que lucra com uma situação deve responder pelas desvantagens decorrentes. Ubi emolumentum, ibi onus; Ubi commoda, ibi incommoda – quem aufere os cômodos, deve suportar os incômodos (GONÇALVES, Idem. Ibidem).

6. Teoria da responsabilidade objetiva

No direito moderno, a teoria da responsabilidade objetiva apresenta-se sob duas faces, a teoria do risco e a teoria do dano objetivo. Por essa, entende-se que, desde que haja um dano ele deverá ser ressarcido, independentemente de culpa e por aquela, como já visto, têm-se que o exercício de atividade que possa oferecer algum perigo representa um risco, que o agente assume, de ser obrigado a ressarcir os danos que venham resultar a terceiros dessa atividade (GONÇALVES, Idem. P.6).

7. Teoria da responsabilidade subjetiva: a Teoria da Culpa

Entretanto, a Teoria da Culpa manteve sua hegemonia e mesmo com o surgimento da Teoria do Risco aquela não perdera sua predominância, sendo aplicada de maneira geral, deixando à Teoria do Risco para aplicações em casos específicos (GONÇALVES, Idem. P.6)..

8. O instituto da Responsabilidade civil na legislação Brasileira

No Brasil, antes de iniciarmos a navegação pelo rio da responsabilidade, devemos buscar a origem do mar do direito civil brasileiro.

8.1 Da Responsabilidade civil no Código Civil de 1916

Apesar de todas as tentativas para a codificação do direito civil, somente foi-nos possível disciplinar a matéria em 1916. Como relata Pontes de MIRANDA (1981, p.28.):

“Se bem independente em 1822, o Brasil regeu-se até 1917, em grande parte, pelas Ordenações Filipinas: o direito lusitano até é a nossa história por bem dizer pré-colombiana. O nosso direito não vem da semente; mas de um galho que se plantou.”

Maria Helena DINIZ (Op. Cit., p. 48), na mesma direção, ensina:

“A ideia de codificar o direito surgiu entre nós com a proclamação da independência política em 1822. Ante o fato de não termos leis próprias, a Assembleia Constituinte baixou a Lei de 20 de outubro de 1823, determinando que continuassem a vigorar, em nosso território, as Ordenações Filipinas, de Portugal, embora alterada pro leis e decretos extravagantes, principalmente na seara cível, até que se elaborasse o nosso Código.”

No período republicano, em 1899, o presidente Campos Sales nomeou Clóvis Beviláqua para apresentar um projeto de codificação do Direito Civil brasileiro, que após dezesseis anos de debates revogou o Livro IV das Ordenações Filipinas e tornou-se o primeiro Código Civil brasileiro, sendo promulgado em janeiro de 1916 (MANICA, 2007).

8.1.1 Da influência francesa na disciplina da matéria

O Código 1916, baseado no direito francês, foi considerado uma obra jurídica monumental. É nele que a responsabilidade civil ganha foro de amplitude em nosso direito. Porém, o Código de 1916 apresentou a matéria de forma desordenada e sem a profundidade necessária exigida pelas demandas sociais, como ensina Sílvio de Salvo VENOSA (Op. Cit. p.48):

“O legislador do Código Civil de 1916 não tratou da matéria de forma ordenada, pois nos artigos 159 e 169 traçou fundamentos da responsabilidade contratual e, posteriormente, na Parte Especial, em vários dispositivos, disciplina novamente o assunto.”

Nota-se que, inicialmente, a responsabilidade civil era subjetiva, uma vez que a prova da culpa deveria ser feita pela vítima.

Posteriormente, aceitou-se, em determinadas hipóteses, uma presunção de culpa, com base na ideia original do artigo 1.521 e incisos, combinada com a interpretação que poderia ser dada ao artigo 1.523 do Código Civil de 1916, para falar-se em responsabilidade objetiva (BRASIL. Lei n. 3.071, 1916, art.s 1.521 e 1523

“Art. 1.521.  São também responsáveis pela reparação civil:

I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob seu poder e em sua companhia;

II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

III – o patrão, amo ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou por ocasião dele (art. 1.522);

IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos, onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

Art. 1.523. Excetuadas as do art. 1.521, V, só serão responsáveis as pessoas enumeradas nesse e no art. 1.522, provando-se que elas concorreram para o dano por culpa, ou negligência de sua parte.”

9. Da responsabilidade civil na pós-modernidade

Com efeito, a responsabilidade civil toma outras dimensões pela rápida evolução e complexidade das relações na era pós-moderna, impondo novas orientações doutrinárias, acompanhadas pela jurisprudência.

Com o surgimento da Constituição de 1988, a responsabilidade civil ganha status constitucional. No artigo 5º, os incisos V e X, respectivamente, verificam o dever de indenizar (BRASIL. Constituição, 1988, art. 5º, V e X):

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;[…]

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”

Ademais, a Constituição de 1988 consagrou definitivamente a responsabilidade civil objetiva em nosso ordenamento, como podemos identificar no artigo 21, inciso XXIII, alínea "c", que dispõe: "a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa" (BRASIL. Constituição, 1988).

Nessa esteira, tratou da própria responsabilidade civil objetiva do Estado, em seu artigo 37, parágrafo 6º (Idem, ibidem):

“Art. 37: A administração pública, direta e indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados e dos Municípios, obedecerá os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:[…]

§ 6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

9.1 Do Código de defesa do consumidor, sua contribuição para o instituto da Responsabilidade civil e o “novo” Código Civil.

Em 1990, foi publicado o Código de Defesa do Consumidor, definindo como regra a responsabilidade civil objetiva nas relações de consumo.

O Código de 1916 foi revogado, pelo novo e atual Código Civil publicado em 2002. O diploma civil vigente, principalmente no que se refere à responsabilidade civil, é moderno e passa a atender aos anseios da realidade social atual. Prevê de forma clara e abrangente o dever de indenizar, define o ato ilícito e consagra definitivamente as Teorias da Culpa e do Risco no ordenamento jurídico pátrio, conforme os artigos 186 e 927, in verbis (BRASIL. Lei 10.460, 2002, arts. 186 e 927):

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Nesse artigo está a tipificação de ato ilícito.

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

É como define Maria Helena DINIZ (Op. Cit. p. 52):

“O Código passa a ter um aspecto mais paritário e socialista, atendendo aos reclamos da nova realidade social, abolindo instituições moldadas em matrizes obsoletas, albergando institutos dotados de certa estabilidade, apresentando desapego às formas jurídicas superadas, tendo um sentido operacional a luz do principio da realizabilidade, traçando, tão-somente normas gerais definidoras de instituições e de suas finalidades, com escopo de garantir sua eficácia, reservando os pormenores a leis especiais, mais expostas as variações dos fatos da existência cotidiana e de suas exigências sócio contemporâneas”.

O atual Código Civil ampliou a aplicação da responsabilidade civil quanto a seu fundamento e área de incidência.

Quanto a seu fundamento, motivo por que alguém deve ser obrigado a reparar um dano, foi estendido, embora a culpa continue sendo a base fundamental da responsabilidade civil, hipótese em que será subjetiva. Como ensina Antônio CHAVES (1998. p.52):

“Há casos específicos em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, aplicar-se-á teoria do risco, casos em que passará a ser objetiva, sem necessidade da existência de culpa.”

No atual ordenamento jurídico brasileiro, pode-se observar a presença da responsabilidade civil na Carta Republicana, Código Civil, Código de Defesa do Consumidor e outras leis esparsas, coroando as mais diversas possibilidades de que um dano sofrido possa ser reparado.

10. Possíveis rumos para o instituto da Responsabilidade Civil

Rogério DONNINI (2015) em sua magistral obra Responsabilidade civil na pós-modernidade: felicidade, proteção, enriquecimento com causa e tempo perdido aponta que a responsabilidade civil alcançará campos que até então são meramente abstratos.

O autor mostra que a felicidade, a dignidade humana, o tempo perdido em razão de fatos de terceiros, o dano biológico e o dano existencial serão objeto de tutela nos dias que virão.

Conclusão

Diante do exposto, conclui-se que a responsabilidade civil tem sua origem em um dos sentimentos mais primitivos na humanidade, a vingança.

Não obstante sua gênese bárbara, o referido instituto tem relevante papel na manutenção da paz social, eis que as partes lesadas deixam de exercer a “justiça pelas próprias mãos” na crença de que o judiciário reparará o dano sofrido.

Nesse sentido, a doutrina aponta que a evolução se deu ao passo e ao cabo da evolução do homem como indivíduo e como membro social, sendo certo que à medida que essa evolução continue o instituto mude concomitantemente.

Portanto, tendo a vingança primitiva evoluído para a responsabilidade civil e esta, como parte integrante da sociedade atual é possível afirmar que os novos horizontes alcançados pela evolução tecnológica, genética e espacial serão, também abarcados pelo instituto em comento.

Nesse ínterim, cabe a advertência de que seu estudo deve ser contínuo e indispensável, sempre com a observância de suas origens para o vislumbre do horizonte vindouro.

 

Referências
BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado, 1988, art. 5º, V, X.
BRASIL. Lei 10.460. de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília. 11 jan. 2002, arts. 186, 927.
BRASIL. Lei n. 3.071, de 1° de janeiro de 1916. Código Civil. Diário Oficial da União. Rio de Janeiro. 000133, 05 jan. 1916, arts. 1521, 1523.
BUENO, Silveira. Minidicionário da Língua Portuguesa. São Paulo. FTD. 2008, p.610.
CAVALCANTE, Karla Karênina Andrade Carlos. Evolução histórica do direito penal. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, III, n. 11, nov 2002. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4756>. Acesso em abr 2017.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.24.
CHAVES, Antônio. Responsabilidade por poluição. In: Enciclopédia Saraiva do direito, São Paulo, v.65,1998. p.52.
CRETELLA JÚNIOR, José, Curso de direito romano. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 218.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 7° volume. São Paulo, Saraiva, 2005, p. 11, 12, 35, 48, 52, 126, 127. 
DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade: felicidade, proteção, enriquecimento com causa e tempo. Porto Alegre, 2015, p. 49, 53, 68, 78, 97.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6 ed. São Paulo, Saraiva, 1995, p.4, 5, 6, 48.
GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos, Teoria Geral do Processo, Malheiros, São Paulo, 2006, p. 30.
LIMA, Alvino. Culpa e risco. São Paulo, 1960. p.11.
LOPES, João Batista. Perspectivas atuais da responsabilidade civil. RJTJSP, 57:14.
MADEIRA, Eliane Maria Agati. A Lei das XII tábuas. Disponível em <http://helciomadeira.sites.uol.com.br/PDF/AULAS/DR/4_XII_Tabulae.pdf> Acesso em: 05 fev. 2009.
MANICA, Giovani Carter. A responsabilidade civil do advogado perante seu cliente por ato praticado no exercício da profissão. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1427, 29 de maio de 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9942>. Acesso em: 05 fev. 2009.
MAZEAUD & MAZEAUD. Traité theoriqué et pratique de la responsabilité civile, délictuelle et contractuelle. 3. ed. p. 22, 48.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Fontes e Evolução do Direito Civil Brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p.28.
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VENOSA, Sílvio de Salvo, Responsabilidade Civil. 4ª. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 27;
WIKIPEDIA. Vingança. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Vingan%C3%A7a > acesso em 05 fev. 2009.

Informações Sobre o Autor

Oswaldo Hipólito de Almeida Júnior

Advogado OAB/GO. Graduado na PUC-GO 2010 especialista em Direito e Processo do Trabalho 2014 e em Direito Militar 2016 ambos pela Universidade Cândido Mendes-RJ.


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