Culpa Médica: Considerações

Sumário: 1. Introdução. 2. Evolução do Conceito Contemporâneo de Responsabilidade Civil. 3. O médico enquanto fornecedor. 4. Responsabilidade subjetiva. 5. A questão da inversão do ônus da prova. 6. Responsabilidade civil pela violação do dever de informar. 7. Responsabilidade objetiva. 8. Responsabilidade objetiva pela promessa de resultado. 9. Acórdão paradigma do STJ – análise dos votos.  10. Conclusões. 11. Jurisprudência Selecionada. 12. Bibliografia.

1. Introdução

A grande discussão travada atualmente quando o foco recai sobre a responsabilidade civil do médico é a questão da inversão processual do ônus probatório, comumente confundida com a responsabilidade objetiva.

Para melhor compreendermos os institutos é preciso aprofundar um pouco a discussão e questionar os fundamentos da responsabilidade civil (subjetiva e objetiva), suas origens, para, ao final, ter-se a exata noção de seu significado. Posteriormente se faz necessário contrapor os conceitos encontrados em face do instituto processual do ônus probatório. Ao final analisaremos acórdão do STJ tido por muitos como paradigma da caracterização da responsabilidade objetiva na obrigação assumida pelo médico em casos de cirurgia plástica. Esta é a proposta desta abordagem.

2. Evolução do Conceito Contemporâneo de Responsabilidade Civil

A evolução do pensamento moderno caminha para uma tipologia da responsabilidade civil de dúplice possibilidade[1]: uma fundada na culpa, e outra abstraindo tal idéia. A primeira seria aquela caracterizada pela conduta antijurídica (ato ilícito), definida nos artigos 186 e 187 do Código Civil/2002. A segunda seria caracterizada pela obrigação legal de reparar o dano, pelo simples inadimplemento da obrigação assumida.

Problema algum existe na evolução do pensamento jurídico acima apontado. Contudo, a generalização da abstração da culpa tende a equiparar a conduta jurídica à antijurídica, em face da impossibilidade de distinção dos institutos quando da aferição da responsabilidade civil.

Os civilistas são unânimes em afirmar que “o fundamento maior da responsabilidade civil está na culpa”[2], estando, contudo, atentos ao clamor social e aos princípios de proteção e tutela daqueles que, hipossuficientes, não conseguem ver realizada justiça em face de óbices processuais.

Ocorre que o legislador trouxe inovações no campo material e processual que, ao poucos, estão sendo consolidadas pela jurisprudência, mas ainda causam deturpações e equivocados posicionamentos, numa tendência a abolir por completo a responsabilidade subjetiva.

Tal conduta é repudiada por Caio Mário:

“Filosoficamente, a abolição total do conceito de culpa vai dar num resultado anti-social e amoral, dispensando a distinção entre o lícito e o ilícito, ou desatendendo à qualificação boa ou má da conduta, uma vez que o dever de reparar tanto corre para aquele que procede na conformidade da lei quanto para aquele outro que age ao seu arrepio.”[3]

Assim, seguindo a lógica do grande civilista, o bom e zeloso profissional que agiu de acordo com a melhor e mais bem atualizada técnica pode ser responsabilizado por um “erro” que na verdade fora decorrente da labilidade do corpo humano, e isto, exatamente da mesma forma que o mau profissional que de fato agiu com culpa (negligência, imprudência ou imperícia), pois a culpa não necessitaria ser aferida, mas apenas o evento danoso e o nexo causal.

Para que não se faça confusão é preciso ter-se em mente que a regra geral da responsabilidade civil é a culpa, sendo sua abstração uma exceção apenas permitida nos casos previstos em lei, o que não ocorre com os profissionais liberais.

Desta feita, sendo a responsabilidade sem culpa a exceção e sua aplicação restrita às hipóteses legais, não há como prevalecer entendimento diverso, ainda que sob roupagens outras.

Modernamente não podemos estudar a responsabilidade civil sem observar os preceitos do Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei n.º 8.078/90), pois o objeto fundamental do estudo, a prestação do serviço médico, enquadra-se na tipologia do código.

3. O médico enquanto fornecedor

O médico enquanto prestador de serviços é enquadrado no conceito legal de fornecedor, contido no CDC, estando, assim, sujeito às normas ali prescritas, verbis:

“Art. 3º – Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”

O CDC disciplina a relação entre consumidores e fornecedores, atribuindo-lhes direitos e deveres. Tendo em vista que o médico lida com um valor de natureza inestimável, que é a saúde e conseqüentemente a vida do ser humano, destacada atenção recai sobre si, notadamente porque o CDC exige que o prestador de serviço haja de modo eminentemente transparente com o consumidor, sob pena de violar o direito à informação, como adiante abordaremos.

Contudo, ao tratar da responsabilidade por defeitos nos serviços, bem andou o código e excluiu taxativamente de sua sistemática objetiva (abstração da culpa) os profissionais liberais, respondendo os mesmos mediante verificação de sua culpa.

Assim, ao analisar-se as questões atinentes a responsabilidade profissional, além dos dispositivos do Código Civil, deve o operador do direito atentar para os princípios contidos no CDC, em específico para aqueles que se reportam aos direitos dos consumidores.

4. Responsabilidade subjetiva.

A chamada responsabilidade subjetiva caracteriza-se pela transgressão de uma determinada regra de conduta, praticando o agente um ato ilícito, e por isso mesmo, sujeito à repará-lo, desde que demonstrada sua culpa.

A definição e interpretação dos conceitos decorre dos seguintes artigos do Código Civil/2002:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Eis o esquema clássico da responsabilidade civil, sendo neste mesmo sentido a dicção do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8078/90), em seu art. 14, § 4.º quando trata dos profissionais liberais, dentre eles o médico, verbis:

§ 4º – A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

Neste sentido para que haja a responsabilização de um profissional médico é preciso que tenha ocorrido a prática de um ato ilícito causador de dano, seja por uma conduta negligente, imprudente ou imperita. Inexistindo culpa do médico não se pode falar em dever de indenizar, nem mesmo presumir-se a sua culpa, vez que a atual sistemática impõe a verificação desta.

Neste diapasão, a atividade do profissional médico constitui-se numa obrigação de meios, sendo esta uma obrigação onde a parte obrigada (o médico) tem o dever de utilizar todo o conhecimento disponível a fim de prestar a melhor assistência à outra parte (paciente), empenhando-se para atingir o objetivo almejado, sem que, contudo, haja um compromisso com o resultado a ser atingido. Noutras palavras, o médico obriga-se a tratar do paciente, mas não a curá-lo.

A obrigação decorrente da prestação de serviços médicos, sendo de meios, caracteriza-se como sendo uma obrigação de cautelas e de empenho[4], casuisticamente analisada, e de acordo com o avanço científico.

Outro aspecto relevante, que não se pode perder de vista, é que o médico é um profissional que trabalha com um sistema aberto, onde nem todas as variáveis são conhecidas, estando o mesmo sujeito à labilidade do corpo humano.

Sobre o tema, assim se posiciona a professora GIOSTRI:

“O facultativo trabalha dentro de um contexto biológico – portanto, lábil – tratando, na maioria das vezes com casos patológicos cuja afecção tem seus próprios riscos de evolução, podendo levar tanto à melhora satisfatória, à cura, quanto à morte ou a seqüelas de maior ou menor gravidade.”[5]

O interesse que existe por parte dos profissionais do direito em explicitar que a obrigação decorrente da prestação de serviços médicos é de meios, e não de resultado, como querem alguns, reside na possibilidade de aplicação do art. 6, VIII do CDC (Código de Defesa do Consumidor, Lei 8078/1990), que consiste na inversão do ônus da prova, ao tempo em que tendem a chamar tal responsabilidade de objetiva, destruindo o sistema adotado pelo CDC para os profissionais liberais.

Contudo, existe expressa ressalva inserida no art. 14, § 4.º do mesmo código, onde há a determinação de que a responsabilidade dos profissionais liberais (e aí se inclui o médico) será apurada através da sua verificação da culpa.

A busca por tal enquadramento reside na explícita intenção de inversão do ônus probatório por parte daqueles que demandam contra médicos, querendo, assim, eximirem-se da obrigação de provar a culpa dos mesmos, na forma prescrita em lei (Código de Processo Civil, art. 333, I e Código de Defesa do Consumidor, art. 14, § 4.º), confundindo os operadores do direito a ponto de exigir-se do magistrado a inversão do ônus da prova e o indeferimento de pedidos de perícia, ao caracterizarem (equivocadamente) a responsabilidade do médico como de resultado.

A inversão do ônus da prova não tem o condão de modificar a natureza da obrigação,  que é de meios, para de resultado, como querem alguns.

Segundo o entendimento do prof. Miguel Kfouri Neto, tal inversão se constitui num palmar equívoco[6], pois, ainda segundo jurista, pensar de outro modo seria igualar a responsabilidade pessoal (subjetiva) à responsabilidade objetiva (sem culpa), o que não seria lícito, pois onde a lei fez clara distinção, não cabe ao intérprete criar tal igualdade através de “malabarismos” jurídicos. Nosso posicionamento destoa de forma tênue do ilustre jurista, apenas no tocante a possibilidade da inversão, e não em relação às conseqüências, como exporemos adiantes.

Assim, em se tratando de alegação de evento danoso provocado por médico, enquanto profissional liberal, a sua responsabilidade pessoal deverá ser apurada mediante a verificação de sua culpa, na forma legalmente prescrita, independentemente do deferimento ope judicis da inversão do ônus da prova, vez que a natureza obrigacional não se transmuta.

5. A questão da inversão do ônus da prova.

De modo a robustecer as afirmações aqui realizadas e a conduzir o leitor a um raciocínio jurídico coerente com a atual normatização da matéria, vamos criar uma situação hipotética.

Suponhamos que em dado caso concreto tenha o magistrado deferido pedido do autor de inversão do ônus da prova. Que fazer então o médico? Estará ele condenado por antecipação? Não a nosso ver. O que existiu foi a inversão do ônus probatório e não a alteração da responsabilidade subjetiva do médico para responsabilidade objetiva. A carga probatória apenas saiu do encargo do autor (paciente) e passou para o réu (médico), que, neste caso, deverá produzir prova para afastar a sua culpa.

Caso se tratasse de responsabilidade objetiva abstrair-se-ia a culpa, o que não é o caso, pois o galeno irá demonstrar que agiu dentro daquilo que de um profissional de sua especialidade se espera, conforme teria agido outro profissional  em situação análoga.

Igual posicionamento externou o ilustre Min. Eduardo Ribeiro[7] ao proferir voto em decisão recente:

“Discute-se sobre a distribuição do encargo de fazer a prova. Fosse a obrigação de resultado, a circunstância de não haver sido alcançado daria nascimento ao dever de reparar e o médico só se eximiria com a prova do fortuito ou da força maior. Se a obrigação é de meio, aquele dever existirá se não adimplida a obrigação de usar a melhor técnica, de cercar-se de todas as cautelas recomendáveis. Outra coisa, entretanto é a distribuição do ônus da prova. Viável invertê-lo, sem que isso signifique modificar a natureza da obrigação.”

Assim, a conduta do médico ao se defender, independentemente da questão processual de inversão do ônus probatório, deve ser a de demonstrar que agiu estritamente em conformidade com os melhores ditames da medicina para o caso concreto, eximindo-se de qualquer ato de negligência, imprudência ou imperícia, sendo-lhe inexigível conduta diversa.

O tema é palpitante e vários autores renomados se debruçaram sobre o mesmo. Passaremos a transcrever algumas opiniões.

Ao estudar a possibilidade de inversão afirma MATIELO[8]: “… apenas deve-se dar às normas o devido elastério, levando em conta a posição enfraquecida que assume o paciente ante o médico e todas as peculiaridades da ocorrência danosa”.

Já o professor Genival Veloso França[9] , corroborando do entendimento posto em pauta escreve: “..o magistrado, em situações especiais, pode inverter o ônus da prova em favor do paciente, desde que sua alegação for razoável ou que seus meios de prova sejam hipossuficientes”.

Não apenas estudiosos do Direito Médico especificamente concordam com a abordagem aqui realizada, no mesmo sentido o renomado prof. Nelson Nery Jr: “a mesma regra se aplica às ações de indenização pelo fato do serviço dos profissionais liberais, cuja responsabilidade é subjetiva e aferível a título de culpa (CDC 14 §  4.º). O juiz pode inverter, em favor do consumidor, o ônus da prova, que deverá recair sobre o fornecedor do serviço.”[10]

Destarte, com a devida vênia dos eminentes juristas que assim não entendem, em nosso sentir existe a possibilidade de inverter-se o ônus da prova (carga probatória dinâmica) pelos seguintes motivos:

a)      Na sistemática do CDC a questão da culpa é a exceção, sendo a responsabilidade objetiva a regra;

b)      A responsabilidade do profissional liberal exige a verificação de culpa (responsabilidade subjetiva);

c)       O CDC protege e tutela o hipossuficiente, possibilitando-lhe, conforme o caso, a inversão do ônus da prova;

d)      A inversão do ônus da prova não é a regra geral, é faculdade do juiz, opera-se mediante decisão fundamentada sua (ope judicis), e não por força de lei (ex vi legis), devendo ser casuisticamente analisada;

e)      A inversão não tem o condão de modificar a natureza da obrigação (de meios para de resultado);

f)        Ocorrendo a inversão, tem o médico o dever de demonstrar a inexistência de culpa, ou seja, que agiu de acordo com a melhor técnica e com o zelo necessário;

Assim, provada a inexistência de culpa, ou seja, provada a impossibilidade de exigir-se do galeno conduta diversa daquela adotada, tomando-se por base a conduta que de um profissional em igualdade de condições materiais se exigiria, restará configurada a ausência de culpa do mesmo, inexistindo obrigação de indenizar, na forma do art. 14 § 4.º do CDC.

Contudo, o sistema do CDC atribui fundamental importância às informações prestadas pelo fornecedor, pelo que podem advir pretensões fundadas em violação deste dever de informar.

É óbvio que nem toda informação deixada de ser ministrada irá dar vazão a pleitos indenizatórios, mas cuidados são necessários, como analisaremos adiante.

6. Responsabilidade civil pela violação do dever de informar.

Um dos direitos básicos do consumidor é o direito à informação, inclusive no tocante aos riscos inerentes ao serviço prestado (art. 6.º, III do CDC),  verbis:

Art. 6º – São direitos básicos do consumidor:

III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

Com base neste direito, surge para o profissional médico o dever de informar ao paciente (consumidor) sobre os riscos do serviço, sobremaneira aqueles ligados a saúde (art. 8.º do CDC), abaixo transcrito:

Art. 8º – Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.

Ou seja, o médico tem a obrigação legal de prestar informações claras e precisas ao paciente, notadamente àquelas que correspondam aos riscos (mesmo os inerentes, normais e previsíveis), dos procedimentos a serem adotados.

Acaso este dever seja violado (informações não sejam prestadas) surge para o paciente o direito de postular em juízo uma indenização caso se sinta lesado.

Muitas vezes, pacientes sentindo-se lesados buscam o Poder Judiciário com base na violação do dever de informar do médico, asseverando que caso tivesse prévia ciência dos riscos do procedimento por ele não teria passado. Esta é uma abordagem que precisa ser devidamente analisada, pois o médico pode se ver responsabilizado por violação do dever de informar, dever este inclusive constante do Código de Ética Médica baixado pelo CFM – Conselho Federal de Medicina (Art. 59 do CEM).

“É vedado ao médico: Art. 59 – Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal.”

Desta feita, deve o médico realizar o seu dever de informar, documentando-se acerca do seu correto e escorreito agir, solicitando ao paciente que assine um termo de consentimento para a realização do tratamento onde constem todas as informações prestadas. É o chamado “consentimento informado” ou “consentimento esclarecido”. Outra forma, pouco comum, é solicitar ao paciente que ele assine o seu prontuário[11].

Agindo assim o profissional médico irá facilitar e muito a sua defesa em caso de eventual demanda, pois possuidor de provas contundentes de que agiu de forma ética, idônea e leal.

Neste sentido afirma a professora GIOSTRI[12]: “Cuidados são requeridos como exigência subjetiva do risco permitido, não sendo este considerado como violador da relação de confiança estabelecida entre fornecedor e consumidor. A obrigação de bem informar é um daqueles cuidados, pois os consumidores devem estar habilitados, pela informação, a fazer a escolha acertada de bens e de serviço”.

7. Responsabilidade objetiva.

Na responsabilidade objetiva não se busca a verificação da culpa, esta se abstrai do conceito, busca-se apenas a identificação da autoria do ato (omisso ou comissivo), da existência do dano e do nexo de causalidade. Isto porque a mesma decorre de uma obrigação de resultado, onde “obriga-se o devedor a realizar um fato determinado, adstringe-se a alcançar certo objetivo”[13] .

Nos casos de responsabilidade objetiva cabe ao autor provar apenas que a obrigação não atingiu o resultado esperado. Ou seja, demonstrar que a prestação a que estava sujeita a outra parte não foi cumprida. A este último cabe elidir sua responsabilidade através da demonstração de que inexistiu dano; houve culpa exclusiva do paciente ou de terceiro; ou que houve um caso fortuito ou de força maior.    

8. Responsabilidade objetiva pela promessa de resultado.

Diferente do que fora analisado até o momento, acreditamos ainda na possibilidade do profissional médico vir a responder objetivamente nos casos em que haja expresso compromisso com o resultado (ex.: cirurgião promete que o paciente: ficará com nariz perfeito, voltará a enxergar, realizará uma incisão imperceptível, etc).

O profissional médico deve ter todo o cuidado ao externar o diagnóstico, o prognóstico e os riscos do evento ao paciente, pois as suas promessas podem se constituir num compromisso com o resultado, que se não corresponderem ao esperado podem gerar uma frustração na legítima expectativa do consumidor.

Segundo doutrina CLÁUDIA LIMA MARQUES[14] a boa-fé é um paradigma, significa “uma atuação ‘refletida’, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva”.

Nesses casos o profissional médico assume com o paciente um compromisso com o resultado, restando inadimplente com sua obrigação acaso o procedimento não saia como o esperado. Esta é uma obrigação que o médico não pode assumir, pois ao médico não é dado prever todas as situações possíveis, vez que, além dos riscos inerentes dos procedimentos, existem ainda as causas externas sobre as quais o médico jamais terá o controle. E querer  comprometer-se de tal maneira com o paciente e tentar atribuir para si qualidade divina, o que não corresponde a realidade, podendo o mesmo vir a ser responsabilizado.

O médico deve ter todo o cuidado e discernimento, pois, como afirma o Magistrado Kfouri Neto “viver já envolver toda sorte de riscos. Intervir no corpo humano potencializa esses riscos.”[15]

9. Acórdão paradigma do STJ. Análise dos votos.

O Recurso Especial n.º 81.101 Paraná (95/0063170-9) é tido por muitos operadores do direito como sendo o posicionamento paradigmático do Superior Tribunal de Justiça em relação ao acatamento da tese de que a responsabilidade objetiva existe para os profissionais médicos (notadamente no caso das cirurgias plásticas estéticas).

Nesta modesta análise procuramos destacar que a ementa do mencionado acórdão, abaixo transcrita, não pode ser analisada fora do contexto específico, e que análises perfunctórias, tendem a banalizar o instituto da inversão do ônus da prova e confundi-lo com a responsabilidade objetiva consagrada no CDC e até mesmo incorporada como exceção no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil de 2002.

Assim está ementado o acórdão[16]:

“Ementa: CIVIL E PROCESSUAL – CIRURGIA ESTÉTICA OU PLÁSTICA – OBRIGAÇÃO DE RESULTADO (RESPONSABILIDADE CONTRATUAL OU OBJETIVA) – INDENIZAÇÃO – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.

I – Contratada a realização da cirurgia estética embelezadora, o cirurgião assume obrigação de resultado (Responsabilidade contratual ou objetiva), devendo indenizar pelo não cumprimento da mesma, decorrente de eventual deformidade ou de alguma irregularidade.

II – Cabível a inversão do ônus da prova.

III – Recurso conhecido e provido.”

Depreende-se do mesmo dois posicionamentos:

a) Sendo a cirurgia estética embelezadora há obrigação de resultado, devendo o galeno indenizar pelo não cumprimento da mesma;

b) É cabível no caso concreto a inversão do ônus da prova.

Ao analisar a ementa puramente pode parecer que houve por parte do STJ a transformação da obrigação de meios do médico em obrigação de resultado. Contudo, numa análise mais amiúde, constata-se nos votos dos Ministros que não é possível a generalização, de modo a transformar a ementa em estudo num bordão: “Cirurgia plástica estética constitui-se numa obrigação de resultado”.

Constata-se, da leitura dos votos:

“No caso específico, particular, isolado, na verdade emana dos autos que a responsabilidade decorreu do contrato. Neste avençou-se como seu objeto a perspectiva de uma plástica, com determinada imagem ou configuração.” (Voto do Min. relator Waldemar Zveiter)

Em outras palavras, o Ministro do STJ reconheceu a obrigação de indenizar do galeno tendo em vista a quebra (inadimplemento) do contrato firmado, em face de um obrigação assumida, qual seja, a concretização de uma imagem ou configuração determinada que não se concretizou.

Permissa vênia, a confusão do acórdão reside justamente ao agregar num único conceito institutos distintos, como neste trabalho tentamos demonstrar, pois é absolutamente incoerente acolher o pedido do Recurso Especial para que se determine a inversão do ônus da prova, ao mesmo tempo em que se considera a obrigação como sendo de resultado (responsabilidade objetiva) onde não haverá demonstração ou não de culpa, há exatamente a abstração dela.

Acaso não existisse a necessidade de demonstração ou não da culpa sequer existiria a questão da inversão do ônus probatório, vez que esta não se limita as excludentes da responsabilidade objetiva, mas sim a todo e qualquer meio de prova permitido em direito, incluindo a perícia, não podendo o paciente/autor recusar-se a realizá-la, sob pena de cerceamento do direito de defesa do médico, constitucionalmente garantido.

E ainda, nos casos de impossibilidade da realização da perícia médica, demonstrando o médico que agiu conforme a melhor técnica (de acordo com  que outro profissional agiria com mesmas condições, etc.), restará demonstrado que não houve culpa, não sendo juridicamente plausível a condenação.

Ainda em seu voto assinala o Ministro: “Inalcançando o resultado satisfatório, disso decorrerá a presunção de culpa contra o médico, competindo-lhe, então, ilidi-la, com a inversão do ônus da prova.”

Assim, sendo possível afastar-se, segundo o relator, a “presunção de culpa” com a prova em contrário não estaremos diante de uma responsabilidade objetiva, sistematizada em nosso direito pelo CDC, vez que não é possível elidir-se a mesma com a inversão do ônus da prova, mas apenas pela comprovação de culpa exclusiva da vítima ou em caso fortuito ou de força maior.

Em seu voto o Ministro Nilson Naves afirma que “… a divergência aqui estabelecida quanto ao provimento do especial resultaria eminentemente do caso concreto… ”, para, ao final, acolher o pedido, ou seja, no caso concreto levado a julgamento havia substrato fático para admitir-se a inversão e até mesmo para caracterizar uma responsabilidade objetiva em face da assunção pelo médico dos riscos do evento, ao comprometer-se com o resultado sem informar ao paciente acerca dos riscos do evento (tratava-se de uma cirurgia estética com determinada imagem ou configuração assumida pelo galeno).

Desta feita observa-se a importância das informações prestadas pelo médico no momento em que expõe ao paciente os riscos do evento (cirurgia), pois em caso compromisso com objeto certo e determinado estaremos diante da assunção pelo médico da teoria de risco (risco assumido), ao passo que ao informar de forma clara e precisa ao paciente acerca dos riscos do procedimento e suas chances de ineficácia, estará o galeno participando ao paciente os riscos e não assumindo-os. Tênue diferença, de grande repercussão no universo jurídico.

No voto do Ministro Eduardo Ribeiro, encontramos as seguintes relevantíssimas passagens ao se manifestar sobre a inversão do ônus da prova:  “viável invertê-lo, sem que isso signifique modificar a natureza da obrigação”. E mais: “a responsabilidade depende da culpa, mas o ônus da prova se inverte”, corroborando a tese aqui exposta.

Em recente publicação o Idec[17] abordou o tema da banalização das cirurgias plásticas no Brasil, tendo o presidente do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, Clóvis Constantino, destacado que “não existe procedimento cirúrgico isento de risco, e a plástica não foge a regra”, advertindo a reportagem que o consumidor deve se informar a exaustão antes de se submeter aos riscos de uma cirurgia, principalmente, se irá conseguir obter o resultado esperado com a cirurgia.

Em resumo, havendo o compromisso com o objeto específico, não se chegando ao mesmo haverá o inadimplemento da obrigação assumida.  Contudo, se o médico informa de forma clara e precisa ao paciente acerca dos riscos do procedimento, sem obrigar-se  com o objeto específico, não haverá assunção de tais riscos por parte do médico, prevalecendo, como de ordinário, todas as responsabilidades inerentes ao procedimento, vez que houve a assunção consciente dos riscos pelo paciente, tendo cumprido fielmente o  médico a prescrição legal dos artigos 6º, III e 8º do CDC.

O próprio STJ ao sistematizar o posicionamento da Corte fixou o seguinte entendimento:

“Os   profissionais  liberais,  dentre os quais, os médicos que realizam cirurgias estéticas, somente são  responsabilizados por danos quando ficar caracterizada   a ocorrência de  culpa subjetiva (negligência,    imprudência ou imperícia). Há, entretanto, inversão do  ônus da prova, cabendo ao profissional provar que não laborou em equívoco ou que ocorreu fato imprevisível (força maior ou caso fortuito).”[18]

10. Conclusões

Como regra geral, a responsabilidade do médico deve ser apurada mediante a verificação de sua culpa.

a)      Não se confunde a inversão do ônus da prova com a responsabilidade objetiva, ou seja, inexiste a transmutação da responsabilidade subjetiva em responsabilidade objetiva quando ocorrer a inversão processual do ônus da prova.

b)      É possível inverter-se o ônus da prova no caso de processos em desfavor de  profissionais médicos, segundo os critérios legais e preenchidos os requisitos fáticos, casuisticamente analisados pelo magistrado. A inversão do ônus da prova não ocorre por força de lei, mas sim, como antes dito, por força da decisão do juiz com base no caso concreto que lhe é apresentado para apreciação.

c)       Há responsabilidade objetiva quando o profissional médico assume expressamente compromisso específico com o paciente, por violação do dever de informação quanto aos riscos do evento, assumido, pois estes riscos. Ao deixar de compartilhar com o paciente os riscos e ao comprometer-se com o resultado, assume o médico os riscos do evento numa verdadeira obrigação contratual de resultado, típica de contratos de empreitada e alheia à disciplina da prestação de serviços.

d)      O cumprimento do dever de informar não isenta o profissional médico de atos praticados com culpa (imprudência, negligencia ou imperícia), respondendo o mesmo na forma prescrita em lei, através de sua responsabilidade pessoal (subjetiva), independentemente de ter sido o consentimento do paciente tomado a termo (consentimento informado ou esclarecido). Ou seja, a comprovação da ciência dos riscos do procedimento pelo paciente não isenta o galeno de cumprir fielmente a sua obrigação de meios.

11. Jurisprudência Selecionada

11.1) INDENIZAÇÃO – RESPONSABILIDADE CIVIL – ERRO MÉDICO – ART. 159, CC CULPA NÃO PROVADA – PEDIDO INDENIZATÓRIO IMPROCEDENTE – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – ART. 6.º, INC. VIII – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – NECESSIDADE DE PRÉVIA DETERMINAÇÃO JUDICIAL – No Direito pátrio a obrigação do médico em relação ao paciente é de diligência ou de meio e não de resultado, devendo o profissional médico dispensar ao paciente o tratamento conforme os recursos atuais de que disponha a ciência médica. A função da regra de inversão do ônus da prova é instrumentalizar o magistrado com um critério para conduzir o seu julgamento, nos casos de ausência de provas suficientes, possibilitando a facilitação da defesa dos direitos, mas deixando a critério do juiz, que a acolherá quando reputar verossímel a alegação ou quando se tratar de consumidor hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência. Para que seja configurada a hipótese de inversão do ônus da prova, é necessário que, sob pena de nulidade, haja a expressa e prévia determinação judicial à parte, em desfavor de quem se inverte o ônus, para que prove o fato controvertido, pois a inversão sem essa cautela processual implicaria em surpresa e cerceamento de defesa. V.v. O critério de inversão, ou não, do ônus da prova não é absoluto, e sim, dependente do caso concreto. Reconhecendo o médico haver praticado ato, ao menos, em príncipio ilícito, chama para si o ônus de provar que agiu sem culpa. (TAMG – AC 0325287-9 – 4ª C.Cív. – Rel. Juiz Paulo Cézar Dias – J. 28.03.2001)

11.2) AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – ERRO MÉDICO – RESPONSABILIDADE MÉDICA E HOSPITALAR – CULPA – AUSÊNCIA DE PROVA – A SIMPLES ALEGAÇÃO DO FATO NÃO É SUFICIENTE PARA FORMAR A CONVICÇÃO DO JUIZ – A responsabilidade civil dos médicos somente decorre de culpa provada, constituindo espécie particular de culpa. Não resultando provadas a imprudência, imperícia ou negligência, nem o erro grosseiro, fica afastada a responsabilidade dos doutores em Medicina, em virtude, mesmo, da presunção de capacidade constituída pelo diploma obtido após as provas regulamentares. Sendo do autor o ônus da prova do fato constitutivo do seu direito, e dele não se desincumbindo a contento, impõe-se a improcedência do seu pedido. (TAMG – AC 0321456-8 – 1ª C.Cív. – Rel. Juiz Gouvêa Rios – J. 13.02.2001)

11.3) AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – COMPLICAÇÕES CIRÚRGICAS – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CLÍNICA – NEXO DE CAUSALIDADE NÃO COMPROVADO – RESPONSABILIDADE DO MÉDICO – OBRIGAÇÃO DE MEIO – CULPA – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO – ÔNUS DA PROVA DO AUTOR – PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE – SENTENÇA MANTIDA – 1 – A prestação de serviço hospitalar caracteriza-se como de consumo, por se inserir perfeitamente nos ditames dos arts. 2º e 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que o clínico figura como autêntico prestador de serviços, sua responsabilidade devendo ser decidida sob o abrigo da responsabilidade civil objetiva, como dispõe o art. 14, do mesmo diploma legal. Assim, o ônus da prova deve ser invertido, o que vale dizer que a clínica demandada só pode eximir-se da culpa provando que o dano é decorrente da culpa do próprio paciente. 2 – Com a inversão do ônus da prova, persiste para o consumidor a obrigação de provar a existência dos danos, bem como o nexo causal entre estes e o alegado defeito dos serviços, visto que se trata de fato constitutivo de seus direitos, caso contrário, deve ser julgado improcedente o pedido. 3 – A responsabilidade civil por erro médico decorre de negligência ou imperícia no tratamento ou prática cirúrgica empregados, por se tratar de obrigação de meio e não de resultado. 4 – Ausente qualquer dos elementos essenciais para caracterização da responsabilidade de indenizar, segundo a teoria da responsabilidade subjetiva adotada pelo legislador brasileiro, quais sejam, o erro de conduta do médico, o dano efetivamente sofrido pelo autor e o nexo de causalidade entre uma e outra, não há que se falar em obrigação de indenizar. 5 – Recurso improvido. (TAMG – AC 0316920-0 – 2ª C.Cív. – Rel. Juiz Batista Franco – J. 03.10.2000)

11.4) AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO E REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS – Viável a concessão de assistência judiciária gratuita a entidade filantrópica. Desnecessária a denunciação a lide eis que não se discute o contrato de prestação de serviços. Possível a inversão do ônus da prova nos termos do Código de Defesa do Consumidor quando discute-se a existência de erro médico e indevido atendimento hospitalar. Agravo provido, em parte. Decisão unânime. (TJRS – AGI 70001081918 – 10ª C.Cív. – Rel. Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana – J. 24.08.2000)

11.5) AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE ERRO MÉDICO – ÔNUS DA PROVA – RESPONSABILIDADE ATRIBUÍDA À AUTORA – RECURSO PROVIDO, EM PARTE – Se a autora é beneficiária da justiça gratuita e hipossuficiente, economicamente, em relação aos réus, e a prova pericial é requerida por todos os litigantes, demonstra-se correta a decisão que determina o pagamento dos honorários periciais somente pelos requeridos. – A responsabilidade contratual não pode ser presumida e no caso do médico não o é, porque, via de regra a obrigação deste é de meio e não de resultado, incumbindo, destarte, ao autor comprovar que se houve com culpa o médico ou o hospital, para fazer jus ao recebimento da indenização pleiteada. (TAPR – AI 0162837-5 – (13261) – 1ª C.Cív. – Rel. Juiz Mario Rau – DJPR 10.11.2000)

11.6) RESPONSABILIDADE CIVIL – ERRO MÉDICO – REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA – APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – ERRO NO DIAGNÓSTICO – RETIRADA PARCIAL DE HÉRNIA QUE NECESSITOU DE NOVA CIRURGIA – MANI-PULAÇÃO EXCESSIVA DOS TECIDOS E ÓSSOS QUE OCASIONOU ARTROSE – INOCORRÊNCIA – 1. A perícia é mais um dos meios de prova colocados à disposição das partes para comprovar suas alegações. 2. A demora para a sua realização, bem como respostas contrárias aos interesses das partes, não enseja, por si só, a realização de novo exame. 3. Ainda que aplicável, o CDC não alteraria o ônus da prova, pois na responsabilidade dos profissionais liberais há que se comprovar culpa a fim de ver procedente pedido de indenização (exceção contida no § 4º do art. 14 do CDC) 4. Cabe ao médico utilizar os meios disponí-veis, na ocasião do exame, para bem diagnos-ticar a situação do paciente. 5. A autora não se desincumbiu de seu ônus de demonstrar o momento em que o réu agiu com imprudência, imperícia ou negligência, tam-pouco se as seqüelas que apresenta são resultados do mau desempenho do réu. 6. As provas existentes nos autos apontam no sentido de serem possíveis, em virtude da cirurgia a que se submeteu a autora, as seqüelas por ela suportadas. Apelação desprovida. (TAPR – AC 0155910-8 – (13193) – 2ª C.Cív. – Rel. Juiz Cristo Pereira – DJPR 06.10.2000)

11.7) INDENIZAÇÃO – CIRURGIA PLÁSTICA – OBRIGAÇÃO DE RESULTADO – CICATRIZES QUE AFETARAM A PACIENTE – RESPONSABILIDADE DO MÉDICO CIRURGIÃO E DA CLÍNICA DE CIRURGIA PLÁSTICA DE SUA PROPRIEDADE – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS – INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS CONSISTENTE NO VALOR DE CIRURGIA REPARATÓRIA E DANOS MORAIS FIXADOS EM 50 (CINQÜENTA) SALÁRIOS MÍNIMOS – SENTENÇA REFORMADA – APELO CONHECIDO E PROVIDO – Cumpre ao médico provar que o resultado contratado e pretendido foi alcançado, nos limites da ciência médica atual, o que não foi provado; inaplicável ao caso o disposto no art. 333, I, do CPC, pois a autora é hipossuficiente na relação médico-paciente. Quem detém o conhecimento e, supostamente, a perícia neste caso é o profissional médico contratado, pelo que é de se aplicar o disposto no art. 6º , VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Em se tratando de cirurgia plástica o que importa é o resultado e que se este poderia ser alterado por questões outras que independessem da atuação do médico, como é o caso da cicatrização, o paciente deveria ter sido amplamente informado das chances de superveniência de resultado indesejado, sendo que ao médico é quem deveria provar que se desincumbiu deste dever. (TAPR – AC 0156986-6 – (10574) – 6ª C.Cív. – Relª Juíza Anny Mary Kuss – DJPR 15.09.2000)

11.8) RESPONSABILIDADE CIVIL – MÉDICO E HOSPITAL – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – RESPONSABILIDADE DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS – MATÉRIA DE FATO E JURISPRUDÊNCIA DO STJ (REsp – Nº 122.505 – SP) – 1. No sistema do Código de Defesa do Consumidor a “responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa” (art. 14, § 4º). 2. A chamada inversão do ônus da prova, no Código de Defesa do Consumidor, está no contexto da facilitação da defesa dos direitos do consumidor, ficando subordinada ao “critério do juiz, quando for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências” (art. 6º, vIII). Isso quer dizer que não é automática a inversão do ônus da prova. Ela depende de circunstâncias concretas que serão apuradas pelo juiz no contexto da facilitação da defesa” dos direitos do consumidor. E essas circunstâncias concretas, nesse caso, não foram consideradas presentes pelas instâncias ordinárias. 3. Recurso especial não conhecido. (STJ – REsp 171988 – RS – 3ª T. – Rel. Min. Waldemar Zveiter – DJU 28.06.1999 – p. 104)

11.9) AGRAVO – ERRO MÉDICO – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – ADMISSIBILIDADE – Comprovados os requisitos do art. 6°, inciso VIII, da Lei 8.078/90, nada impede a inversão dos ônus da prova, mesmo quando se trata de responsabilidade subjetiva, posto que esta é regra material que não se condiciona ao tratamento processual da prova. (TAMG – AI 0293929-3 – 3ª C.Cív. – Rel. Juiz Edilson Fernandes – J. 10.11.1999)

11.10) AGRAVO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – ERRO MÉDICO – ILEGITIMIDADE PASSIVA DO HOSPITAL – MATÉRIA DEPENDENTE DE INSTRUÇÃO PROBATÓRIA – JUNTADA DE DOCUMENTOS – POSSIBILIDADE DESDE QUE OBSERVADO O CONTRADITÓRIO – AUSÊNCIA DE PREJUÍZO ADMITIDA PELOS PRÓPRIOS RECORRENTES – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – POSSIBILIDADE – CONSUMIDOR HIPOSSUFICIENTE – TEORIA DA CARGA DINÂMICA DA PROVA – AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU DE MÁ APRECIAÇÃO DOS DISPOSITIVOS LEGAIS – Recurso desprovido. (TAPR – AG 146797601 – (9980) – 7ª C.Cív. – Rel. Juiz Conv. Noeval de Quadros – DJPR 10.12.1999)

12. Bibliografia
FERNANDES, Beatriz. O Médico e seus direitos. Ed. Nobel: São Paulo, 2000.
FRANÇA, Genival Veloso de. Flagrantes Médico-Legais V. EDUPE, Recife, 2000.
GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro Médico à Luz da Jurisprudência Comentada. Editora Juruá: Curitiba, 2002.
KFOURI NETO, Miguel.  Responsabilidade Civil do Médico. Ed. RT: São Paulo, 2001.
KFOURI NETO, Miguel.  Culpa Médica e ônus da prova. Ed. RT: São Paulo, 2002.
MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade Civil do Médico. 2.ª Ed. Sagra Luzzatto: Porto Alegre, 2001.
MARQUES, Cláudia Lima. “A Abusividade nos Contratos de Seguro-Saúde e de Assistência Médica no Brasil”, in Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, V.22, número 64, p. 55.
MONTEIRO. Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Vol. 4. Ed. Saraiva: Rio de Janeiro, 2003.
NERY JÚNIOR, Neslon. Código de Processo Civil Comentado. 4.ª Ed. RT: São Paulo, 1999.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol III. Ed. Forense: Rio de Janeiro, 2004. 11.ª Edição.
SEBASTIÃO, Jurandir. Responsabilidade Médica: Civil, Criminal e Ética. Ed. Del Rey: Belo Horizonte, 2001.
Notas:
[1] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol III. Ed. Forense: Rio de Janeiro, 2004. 11.ª Edição. p. 562.
[2] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol III. Ed. Forense: Rio de Janeiro, 2004. 11.ª Edição. p. 556.
[3] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol III. Ed. Forense: Rio de Janeiro, 2004. 11.ª Edição. p. 562.
[4] SEBASTIÃO, Jurandir. Responsabilidade Médica: Civil, Criminal e Ética. Ed. Del Rey: Belo Horizonte, 2001. p. 90.
[5] GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro Médico à Luz da Jurisprudência Comentada. Editora Juruá: Curitiba, 2002, p. 72.
[6] KFOURI NETO, Miguel.  Culpa Médica e ônus da prova. Ed. RT: São Paulo, 2002. p. 151.
[7] Recurso Especial n.º 81.101 Paraná (95/0063170-9). STJ. DJ 31.05.1999.
[8] MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade Civil do Médico. 2.ª Ed. Sagra Luzzatto: Porto Alegre, 2001. p.86.
[9]  FRANÇA, Genival Veloso de. Flagrantes Médico-Legais V. EDUPE, Recife, 2000. p.99.
[10] NERY JÚNIOR, Neslon. Código de Processo Civil Comentado. 4.ª Ed. RT: São Paulo, 1999. .p. 1806.
[11] FERNANDES, Beatriz. O Médico e seus direitos. Ed. Nobel: São Paulo, 2000 .p. 58.
[12] GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro Médico à Luz da Jurisprudência Comentada. Editora Juruá: Curitiba, 2002. p. 107.
[13] MONTEIRO. Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Vol. 4. Saraiva: Rio de Janeiro, 2003. p.56.
[14] In “A Abusividade nos Contratos de Seguro-Saúde e de Assistência Médica no Brasil”, Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, V.22, número 64, p. 55.
[15] KFOURI NETO, Miguel.  Responsabilidade Civil do Médico. Ed. RT: São Paulo, 2001. p. 193.
[16] Processo RESP 81101 / PR ; RECURSO ESPECIAL 1995/0063170-9 Relator(a) Ministro WALDEMAR ZVEITER (1085) Órgão Julgador T3 – TERCEIRA TURMA Data do Julgamento 13/04/1999 Data da Publicação/Fonte DJ 31.05.1999 p.00140 LEXSTJ VOL.:00123 p.00155 RSTJ VOL.:00119 p.00290.
[17] Revista do Idec. Consumidor S/A n.º 77. Maio de 2004. “O mito da perfeição”. p. 23.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Vinicius de Negreiros Calado

 

Advogado formado pela Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP, com especialização em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco (FDR/UFPE). Atualmente é professor de Direito Civil e Empresarial da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO), Assessor Jurídico do Sindicato dos Médicos de Pernambuco e da FECEM – Federação das Cooperativas de Especialidades Médicas de Pernambuco. Foi Presidente da Aduseps – Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde, sendo ainda membro da Comissão de
Defesa do Consumidor da OAB/PE.

 


 

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