Incidência do Código de Defesa do Consumidor nas atividades notariais e de registro sob o enfoque da responsabilidade civil

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RESUMO: 1. O STF entende que o Oficial de Registro/Registrador e o Tabelião/Notário se enquadram como funcionários públicos. 2. Todavia parte da doutrina afirma que esses serventuários da justiça são Agentes Públicos em Colaboração. 3. A responsabilidade civil será apurada a partir da corrente adotada. 4. Se funcionário público a responsabilidade será do Estado (art. 37, § 6º da CF). 5. Caracterizados como Agentes Públicos em Colaboração, isto é, particulares que exercem a atividade de forma delegada pelo Poder Público, a responsabilidade será pessoal dos próprios Cartorários (art. 22, L.8.935/94). 6. Independentemente da corrente adotada a responsabilidade será Objetiva, ou seja, independentemente da existência de culpa, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa, nos termos do art. 37, §6º da CF c/c art. 22 da Lei nº 8.935/94 e art.14 do CDC.  7.  As atividades Notariais e de Registro, por representarem uma prestação de serviços, fornecidas ao mercado de consumo mediante remuneração (§2º do art. 3º do CDC), enquadram-se nas atividades de natureza consumerista, definindo o prestador como fornecedor e o usuário como consumidor. 8. O Consumidor vítima de vício na prestação de serviços dessa natureza poderá alegar a responsabilidade civil prevista no art. 37, §6º da Carta Magna c/c a responsabilidade prevista no CDC (art. 14).  


Palavras-chaves: Consumidor – Notarial – Registro – Responsabilidade – Civil.


Sumário: 1. Introdução 2. Responsabilidade Objetiva e Subjetiva 3. Responsabilidade Civil dos Notários e Registradores à luz do Código de Defesa do Consumidor 4. Conclusão.


1. Introdução


As dificuldades, encontradas pelos doutrinadores, são grandes na hora de conceituar o instituto da responsabilidade civil, ora enveredando para a questão da culpabilidade propriamente dita e seus elementos constitutivos, ora buscando seu aclaramento através de um prisma mais vasto e complexo ao analisá-la como uma busca pela repartição dos prejuízos entre as partes envolvidas de forma a equilibrar seus direitos, objetivos e interesses.


Sílvio Rodrigues, sem enfrentar o tema em sua essência, afirma que:


“…o problema em foco é o de saber se o prejuízo experimentado pela vítima deve ou não ser reparado por quem o causou. Se a resposta for afirmativa, cumpre indagar em que condições e de que maneira será tal prejuízo reparado. Esse é o campo que a teoria da responsabilidade civil procura cobrir”.(1)


Serpa Lopes, por sua vez assevera que “a responsabilidade significa a obrigação de reparar um prejuízo, seja por decorrer de culpa ou uma outra circunstância legal que a  justifique, como a culpa presumida, ou por uma circunstância meramente objetiva”.(2)


Já José Afonso da Silva diz que “responsabilidade civil significa a obrigação de reparar os danos ou prejuízos de natureza patrimonial (e, às vezes, moral) que uma pessoa cause a outrem”.(3)


Maria HHelena Diniz, após ponderar a definição que a doutrina nacional reserva à responsabilidade civil, como lhe é costumeiro, define-a como “a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesmo praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal”.(4)


Definiu Ulderico Pires dos Santos a responsabilidade como “causa determinante do dever de não violar o direito alheio, seja por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, isto é, seja lá através de que procedimento for”.(5)


Por sua vez, o renomado processualista Pontes de Miranda considera, no conceito de responsabilidade civil, um “’aspecto da responsabilidade social’, enxergando nela ‘um processo de adaptação’, que mais se corporifica nas sanções.” Para usar as palavras do mestre:


“A responsabilidade resulta de fatos sociais, de relações de vida, porque também ela é fato social, sujeito a tentativas de caracterização e de exame em estado bruto, ou purificado de elementos que o obscureçam. …


O conceito de responsabilidade é aspecto da realidade social, representação psicológica das instituições…


Os ensaios e tentativas de utilizar o processo de adaptação, que se contém na responsabilidade, ou, mais largamente, nas sanções, não se estenderam somente para fora do mundo das relações entre os homens. …


No direito, o que é responsável, isto é, mais amplamente, o que é suscetível de sanção, muito já possui do que é necessário para ser tido como pessoa.”(6)


Aponta Caio Mário da Silva Pereira que o grande mestre, “em rigor, deixa sem resposta a indagação básica do em que consiste a responsabilidade civil”(7),. Entretanto, em conclusão à exposição do pensamento de diversos autores, o jurista dá a seguinte definição, que nos parece lapidar:


“A responsabilidade civil consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma. Reparação e sujeito passivo compõem o binômio responsabilidade civil, que então se enuncia como princípio que subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano.


Não importa se o fundamento é a culpa, ou se é independentemente desta. Em qualquer circunstância, onde houver a subordinação de um sujeito passivo à determinação de um dever de ressarcimento, aí estará a responsabilidade civil.”(8)


Até mesmo por levar em consideração a opinião dos mais diversos doutrinadores que trataram do tema essa nos parece ser a definição mais serena, mormente por analisar a questão sobre o enfoque da reparabilidade, sendo, assim, a que adotamos.


2. Responsabilidade Objetiva e Subjetiva


Como bem esclarece Sílvio Rodrigues, em rigor não se pode afirmar que a responsabilidade objetiva e a responsabilidade subjetiva são espécies diferentes de reparar o dano.


“Se o fato em consideração o valor moral e social do ato feito, a responsabilidade é dita subjetiva. O juiz deve, com efeito, para a determinar, analisar a conduta do autor do ato: aquele que está em falta será condenado è reparação. Se, ao contrário, o juiz busca unicamente a pessoa capaz de assegurar a reparação e a condena somente porque o dano é sobrevindo em certas condições, sem que existisse lugar de apreciar sua conduta, a responsabilidade é dita objetiva; condenar-se-á aquele que criou o risco. Estas expressões não são muito claras: aquela de responsabilidade objetiva foi imaginada por oposição àquela de responsabilidade subjetiva, e não é feliz; mas elas são consagradas pelo costume.”(9)


Ou seja, na responsabilidade subjetiva, além dos três elementos que são intrínsecos á própria natureza do instituto, quais sejam: ação ou omissão do agente devidamente comprovada, dano suportado pela vítima e nexo causal entre ambos, ainda é necessário que se prove a culpa com que agiu o agente. Diferentemente, na responsabilidade objetiva, essa culpa é irrelevante, sendo suficientes os requisitos acima enumerados.


Não é frutífero discorrer aqui sobre os fundamentos de uma e de outra uma vez que se trata de assunto de há muito discutido entre os mais variados doutrinadores, todavia é essencial afirmar a possibilidade de coexistência das duas teorias, não sendo uma necessariamente excludente da outra como bem ensina o Prof. Caio Mário da Silva Pereira:


“…a culpa exprimiria a noção básica e o princípio geral definidor as responsabilidade, aplicando-se a doutrina do risco nos casos especialmente previstos, ou quando a lesão provém de situação criada por quem explora profissão ou atividade que expôs o lesado ao risco do dano que sofreu”.(10)


José de Aguiar Dias, demonstrando a convivência das duas teorias, aponta que a doutrina objetiva é acolhida em diversos dispositivos de nossa legislação, quais sejam: arts. 1.519, 1.520, parágrafo único, e 1.529 do Código Civil, Decreto nº 24.637/34, Decreto –lei nº 7.036/44, Lei nº 6.367/76, arts. 96 e ss. Do Código Brasileiro do Ar, Decreto-lei nº 483/38, Decreto-lei nº 32/66, com as alterações do Decreto-lei nº 234/67, Decreto-lei 277/67 e Leis nºs 5.710/71, 6.298/75, 6.350/76, 6.833/80, 6.997/82, 7.565/86 e 8.078/90.(11)


No entanto, o que é importante registrar é que a responsabilidade objetiva, por ser regra de exceção, para que possa vir a ser aplicada é necessária sua expressa previsão legal, uma vez que a regra legal é a responsabilidade advinda de culpa nos termos do art. 186 e 927 do Código Civil.


Para uma melhor compreensão do assunto necessário se faz uma análise dos institutos da teoria do risco assim como da culpa, de forma mais esmiuçada, oportunidade em que analisaremos os pressupostos da Responsabilidade Civil, temas esses a seguir delineados.   


3. Responsabilidade Civil dos Notários e Registradores à luz do Código de Defesa do Consumidor


O Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) traz o conceito de fornecedor, destacando que pode se tratar de pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, até mesmo de entes despersonalizados, desde que desenvolvam atividades de produção, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.


Da análise pormenorizada do conceito dois elementos merecem destaque: o subjetivo, ou seja, aquele a quem se atribui o conceito, e o objetivo, representado por uma qualidade externa que somada ao próprio sujeito irá identificá-lo como fornecedor.


Da análise do elemento subjetivo percebe-se o enquadramento da mais variada gama de pessoas integrantes do nosso Direito, inclusive entes despersonalizados, desde que estejam realizando as atividades elencadas no caput do artigo 3º do CDC. Ao mencionar as pessoas jurídicas assim não o fez o legislador a esmo, até mesmo porque a norma legal não faz uso de palavras desprovidas de sentido jurídico, mas sim por vislumbrar nesses entes considerável potencial para seu enquadramento como fornecedores de produtos e serviços, o que nos leva á conclusão de que pode haver relação de consumo envolvendo o Estado. Tupinambá Miguel Castro do Nascimento fortifica esse entendimento ao expressar que “tanto pode ser fornecedor a pessoa jurídica de direito público como a pessoa jurídica de direito privado, nacional ou estrangeira.”(12) Ainda no direito público podemos ainda vislumbrar a coexistência nessas modalidades de relações dos entes despersonalizados, encontrando inclusive expressa menção no art. 82, inciso III do Código de Defesa do Consumidor.


Por sua vez o elemento objetivo consubstancia-se, sem maiores incursões, no fornecimento de produtos e/ou na prestação de serviços. A norma legal conceitua ambos de forma precisa e pormenorizada, ao declarar produto como qualquer bem, seja este móvel ou imóvel, ou ainda material ou imaterial, caracterizando ainda o serviço como qualquer atividade remunerada, excetuando-se exclusivamente as de caráter laboral. Todavia se a atividade remunerada resulta de uma prestação de serviço daquela que a realiza, havendo profissionalidade, ou seja de modo não eventual, haverá relação de consumo, excetuados os casos em que haja relação entre empregador e empregado, pois segundo Flávio de Queiroz B. Cavalcanti, “a profissionalidade é, portanto, o que determina a incidência jurídica da norma, ao tempo que afasta as demais, v.g., as normas civis.”(13)


Perceba-se que o texto legal tem a clara intenção de dar um caráter universal à definição de fornecedor, ao trazer a expressão “toda”, o que denota claramente a totalidade daqueles que caibam nas categorias ali listadas, sem exceção. Já com relação aos produtos e serviços, faz uso da palavra “qualquer”, que, por sua vez, acaba por trazer a mesma idéia acima mencionada, ou seja, abranger o maior número de situações possíveis, excetuados os casos expressamente mencionados no citado artigo.


No entanto para se enquadrar o prestador de serviço notarial e de registro como fornecedor de serviços, nos termos do art. 3º do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, é fundamental que se aplique os elementos do conceito legal a essa atividade encontrando sua perfeita adequação.


Antes de tudo cumpre observar que o diploma consumerista estendeu a todas as pessoas de direito público ou privado a possibilidade de serem enquadradas como fornecedores. De logo já se percebe a clara inclusão do prestador de serviço notarial no conceito de fornecedor uma vez que dita atividade faz parte da própria administração pública possuindo ainda regulação específica. Quis o legislador também incluir o serviço público como fornecimento ao mercado de consumo, quando presente o elemento objetivo da profissionalidade da atividade, consistente na sua prestação de forma habitual e remunerada.


É inegável que o serviço notarial tem seu regramento estabelecido pela Constituição Federal, aplicando-se ainda a ele a Lei dos Registros Públicos, Lei nº 6.015/51, e a Lei dos Cartórios, Lei nº 8.935/94, o que não exclui, de modo algum, o alcance concomitante do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, pelo contrário se auto-completam.


Dito elemento objetivo da legislação acima apontada é facilmente percebido através dos pormenores que norteiam essa modalidade de atividade onde ocorre a cobrança pelos serviços prestados, a partir de expressa previsão legal. Certamente este elemento aparece também em outros ramos da administração pública e não somente na atividade cartorial, é tanto que o Código do Consumidor permitiu o fornecimento de serviços quer de pessoa de direito público propriamente dita quer de privada por delegação do Poder Público.


Uma vez incluídas as atividades Notariais e de Registro no âmbito das relações consumo, sujeitas, por conseguinte, à incidência da legislação consumerista, resta-nos agora, definir de que forma se dará essa responsabilidade (objetiva ou subjetiva) e se o integrante do pólo passivo será o Notário/Registrador, o Estado, ou ambos (responsabilidade solidária ou subsidiária).


A definição dessa responsabilidade só poderá se verificar tendo-se como premissa a natureza jurídica atribuída aos Notários/Tabeliães e Oficiais de Registro/Registradores.


Se enquadrados como funcionários públicos, conforme entendimento do egrégio Supremo Tribunal Federal, a responsabilidade será do Estado, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (art. 37, §6º da Constituição Federal de 1988).


Nesse sentido, esclarece CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELO  que  os titulares dos serviços notariais e de registro são “ particulares em colaboração com a administração, na condição de delegados de ofícios públicos. Assim os titulares de serviços notariais e de registro, embora particulares, alheios pois ao conceito de funcionário ou servidor público, podem ser sujeitos passivos de mandado de segurança, porque são agentes públicos, exercem função pública delegada”(14).


De outro modo, atuando o titular cartorário como agente público, o mesmo será considerado para todos os efeitos legais, típico servidor público. Tal premissa apóia-se na Carta Magna e na Lei de regência dos cartórios, que impõem como condição para aquisição do direito de delegação para o exercício da atividade a aprovação em concurso público de provas e títulos, requisitos esses só exigíveis para o ingresso na atividade estatal.


Submetem-se ainda titulares a punições administrativas por faltas disciplinares, assim como as impostas a servidores típicos, e só perdem a delegação por sentença judicial transitada em julgado, ou por decisão proferida em processo administrativo, assegurados o contraditório e a ampla defesa, garantias essas também só concedidas aos servidores públicos.


Como forma de elucidar ainda mais o pensamento dessa mesma corrente, some-se ao até então discorrido as peculiaridades atinentes apenas a esse seleto grupo de servidores, abaixo elencadas de forma breve, sem em momento algum ter a pretensão de esgotar o assunto:   


– investidura em cargo público, criado por lei e com denominação própria, em caráter permanente;


– a atividade cartorária é regulada por lei sujeitando-se à hierarquia administrativa e fiscalização por parte do Poder Judiciário;


– embora o cartório desempenhe, por delegação do estado, atividade de caráter privado, o acesso aos cargos de titular depende de concurso público de provas e títulos;


– custas e emolumentos com caráter de receita pública;


– aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade.


Assim, aceitando o entendimento de que os serventuários são típicos agentes públicos, eventual responsabilidade civil existente, a luz do art. 37 , § 6º da CF/88, será do Estado, que terá ação regressiva contra o respectivo titular . 


Segundo a jurisprudência sobre o assunto:


“EMENTA: CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. TABELIÃO. TITULARES DE OFÍCIO DE JUSTIÇA: RESPONSABILIDADE CIVIL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. C.F., art. 37, §6º. I. – Natureza estatal das atividades exercidas pelos serventuários titulares de cartórios e registros extrajudiciais, exercidas em caráter privado, por delegação do Poder Público. Responsabilidade objetiva do Estado pelos danos praticados a terceiros por esses servidores no exercício de tais funções, assegurado o direito de regresso contra o notário, nos casos de dolo ou culpa (C.F., art. 37, §6º). II. – Negativa de trânsito ao RE. Agravo não provido.” (AG. REG. EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO  – AGRRE-209354/PR – Rel. Min. Carlos Velloso –  DJ DATA-16-04-99 PP-00019 EMENT VOL-01946-07 PP-01275, j. em 02.03.99 – SEGUNDA TURMA)


Por outro lado, se o entendimento for diverso, ou seja, que esses mesmos Serventuários são meros entes particulares exercendo essas atividades em caráter privado, por delegação do Poder Público (art. 236 da Carta Magna), atuando como Agentes Públicos em Colaboração, responderão os mesmos pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos, nos termos do art. 22 da Lei nº 8.935/94, que regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro.


Poderia ainda se imaginar o caso de a responsabilidade recair sobre a própria Serventia, na qualidade de Pessoa Jurídica de Direito Privado, também nos termos do art. 37 § 6º da CF, e não sobre seus titulares, assegurado a essa empresa o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo e culpa.


Essa corrente é totalmente refutada, pois Cartório é mera repartição administrativa que não é dotada de personalidade jurídica, não podendo por conseqüência figurar como parte em processo judicial.


O art.28 da Lei 6.015 de 31 de dezembro de 1973, dispõe que além dos casos expressamente consignados (arts. 9º  e  21) , os oficiais são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que, pessoalmente, ou pelos seus prepostos ou substitutos que indicarem, causarem, por culpa ou dolo, aos interessados no registro.


A eminente MARIA HELENA DINIZ, ao discorrer sobre a responsabilidade dos oficiais de registro arremata a questão:


“Exige, ainda, a Constituição Federal de 1988, no art. 236 , § 1º, que lei discipline a responsabilidade civil e criminal dos cartorários, bem como a fiscalização de seus atos pelo Judiciário. Porém, é necessário ressaltar que, pelo art. 32 das Disposições Transitórias, o art. 236 não se aplica aos serviços notariais e de registro que já tenham sido oficializados pelo Poder Público, respeitando-se o direito de seus servidores , hipótese em que será aplicado o art. 37 , § 6º , da CF de 1988 . Logo, no que diz com os serventuários privativos, incumbidos do registro imobiliário, até que a oficialização seja regulada e implantada pelo Poder Público, entendemos que, diante do art. 236, § 1º, da CF de 1988, que é norma especial, ela se lhes aplicará , prevalecendo sobre o art. 37 , § 6­º , que é uma norma geral . Por isso poderá haver, como dissemos, a responsabilidade subjetiva do oficial imobiliário por atos registrários, por ele praticados ou pelos escreventes autorizados, com seu próprio patrimônio ( CC, art. 1518 e parágrafo único ) . Logo a responsabilidade civil dos oficiais de registro e de seus prepostos, bem como a fiscalização de seus atos pelo Judiciários estão reguladas pelo fenômeno da recepção, pela Lei 6.015 / 73 , arts. 9º , 21 e 28 , enquanto outra não for promulgada e enquanto sua oficialização não se der. Esta é a nossa conclusão, baseada na norma constitucional e no fato de exercer o serventuário uma função pública sui generis.”(15) ( GRIFO NOSSO )


A Lei nº 8.935/94, que regulamentou o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro, trouxe em seu artigo 22, assim como já o fazia a Lei 6.015/73, que “os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurando aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos .”  


Esse dispositivo, a bem da verdade, não acarretou qualquer modificação acerca da responsabilidade civil dos serventuários, uma vez que, em momento algum referiu-se a “cartório”, mas sempre aos notários e oficiais de registro, o que fez com que o mesmo permanecesse a ser mera repartição administrativa.


Neste sentido é pacífica a jurisprudência :


“Cartórios de Registros Públicos é mera repartição administrativa, ou unidade de serviço, não tem personalidade jurídica nem, conseqüentemente, capacidade de ser parte em processo movido em razão de prática de erro gravoso de transcrição. A responsabilidade civil por danos causados a terceiros cabe ao oficial titular, pessoa física.” ( TJSP – 2ª Câmara Cível ; Ap. – Rel. Des. Cézar Peluso – j. em 02.02.88 – RT 630 / 82 ) ( Grifo Nosso )


“CARTÓRIO DE REGISTROS PÚBLICOS – PERSONALIDADE JURÍDICA – INEXISTÊNCIA – IMPOSSIBILIDADE DE SER PARTE EM JUÍZO – Cartório de Registros Públicos não tem personalidade jurídica e, conseqüentemente, capacidade de ser parte em Juízo.” ( TJSP – Ap. 218.848 – 1 / 8 ; 1ª Câmara Cível ; Acórdão Unânime ; Rel. Des. Guimarães e Souza ; j. em 06/12/94 ; RT 716 / 159 )” 


Ainda acerca da questão da responsabilidade civil, temos ainda a problemática em torno da possibilidade do consumidor vir a acionar um ou outro judicialmente (Notário/Registrador ou Estado), como melhor lhe convier, ou apenas um deles, e se uma vez acionado um dos dois, se poderá o outro vir a responder de forma solidária ou subsidiária.


Acerca do assunto vale citar a opinião jurisprudencial:


Oficial de Registro de Imóveis


É o Estado quem nomeia e, através do judiciário, fiscaliza os serventuários. Não se nega que o escrivão, ou o oficial, é responsável pelos atos de seus escreventes, o que, porém, não afasta a responsabilidade do Estado, que tem em caso de culpa ou dolo, direito regressivo contra o escrivão ou oficial causador do dano. (TJ-SP – Ap. Cív. 211.340-1/9)


Tabelião de Notas


A responsabilidade civil disciplinada em lei diz respeito às pessoas dos notários e não aos cartórios e serventias nos quais exercem eles sua atividade – CF, art. 236, §1º, CPC, art. 144; Lei 6.015/73, arts. 9º, 21 e 28. Destarte, se se imputa a prática de ato culposo ao então titular do Tabelionato, só ele há de figurar no pólo passivo da execução – CPC, art. 568, I – ainda quando já esteja aposentado, porque só ele responde e pode responder como pessoa e autor material do ato ofensivo. (TJ-SP – Agr. 205.745-1/8)


Uma coisa é certa, independente de figurar no pólo passivo da relação de consumo Notários/Registradores, o Estado, ou até mesmo ambos os dois, de forma solidária ou subsidiária, ou ainda o próprio Cartório, enquanto pessoa jurídica de Direito Privado, a responsabilidade será sempre Objetiva, como se depreende da análise da Legislação, Doutrina e Jurisprudência atinente ao assunto, como veremos a seguir:


A Constituição de 1988 consagrou a responsabilidade objetiva em seu art. 37, §6º, in verbis:


 “Art. 37.  …


§6º As pessoas jurídicas de direito e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”


Também o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) adota a teoria do risco (responsabilidade objetiva):


“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”


Nessa esteira tem seguido a maioria das legislações modernas. Somente para exemplificar, dispõe o art. 501º do Código Civil português de 1966:


“O Estado e demais pessoas coletivas públicas, quando haja danos causados a terceiro pelos seus órgãos, agentes ou representantes no exercício de atividades de gestão privada, respondem civilmente por esses nos termos em que os comitentes respondem pelos danos causados pelos seus comissionários.”


A responsabilidade objetiva não pressupõe a valoração dos atos do causador do dano, pelo contrário, não há o exercício de qualquer juízo de valor, bastando para sua configuração o correlacionamento (nexo causal) entre o dano suportado pela vítima e a ação ou omissão praticado pelo causador, que por sua vez deverá assumir os riscos da atividade pela qual se propôs a exercer.


Na Teoria do Risco não se chega a analisar a fundamentação moral do caso, não se observa elementos subjetivos que circundaram o caso, embora existentes, uma vez que aqui a culpa não encontra espaço para sua discussão, devendo assim a responsabilidade ser tratada pela ótica da vítima do evento danoso não encontrando guarida o elemento volitivo do causador do dano.


Sobre o assunto vale ainda observar as Jurisprudências, abaixo transcritas:


Responsabilidade Objetiva


A responsabilidade civil do Estado, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, que admite pesquisa em torno da culpa do particular, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade estatal, ocorre, em síntese, diante dos seguintes requisitos: do dano; da ação administrativa; e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa. A consideração no sentido da licitude da ação administrativa é irrelevante, pois o que interessa é isto; sofrendo o particular um prejuízo, em razão da atuação estatal, regular ou irregular, no interesse da coletividade, é devida a indenização que se assenta no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais. (STF – RE 113587-5/210 – Ac. Unân. 2ª Turma – 18.02.92 – São Paulo)


Teoria do Risco Administrativo


De acordo com o art. 37, §6º, da CF, as pessoas de direito público respondem pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. Nosso legislador constitucional adota a teoria do risco administrativo, e por esta não se exige a prova da culpa do agente público. São suficientes para caracterizar a sua responsabilidade a prova do dano causado pelo agente público e o nexo causal entre a ação do agente e os danos. (STF – Rec. Esp. 38.666-7 – 1ª Turma – 18.10.93 – São Paulo)


Assim, conclui-se que a culpa aqui não encontra ambiente propício à sua discussão uma vez que a determinação da responsabilidade se dará a partir da constatação dos outros elementos que lhe permeiam, haja vista tudo o que foi dito até então acerca da responsabilidade objetiva e ainda tendo como esteio a Teoria do Risco.


4. CONCLUSÃO


Conseqüentemente, pode-se dizer que o prestador de serviço notarial, na forma do art. 3º do Código do Consumidor, constitui-se em fornecedor de serviços, sujeito, portanto, a toda regulamentação apresentada pela referida lei.


A título de contribuição, para uma melhor compreensão acerca dos benefícios que esse entendimento pode trazer ao consumidor no mundo prático das relações com os serviços cartorários, temos, dentre todos os direitos previstos no Estatuto Consumerista, alguns que merecem um especial destaque, dada sua importância, dentre eles: a inversão do ônus da prova, declaração de sua hipossuficiência, informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, reparação dos danos sofridos quer pelas vias administrativas quer pelas vias e judiciais, levando-se sempre em consideração a aplicação da responsabilidade objetiva, adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.


No tocante à responsabilidade civil, a polêmica gira em torno de se aplicar o art. 37 § 6º da Constituição Federal ou o próprio Código de Defesa do Consumidor, nos termos do art. 14, devendo na prática prevalecer o tratamento que a norma especial quis dar ao caso segundo a visão do legislador, sempre tendo em vista que ao consumidor cabe a interpretação que lhe for mais favorável, dada sua própria condição intrínseca.


É muito comum, na prática, determinados fornecedores de serviço notarial se negarem, dentre outras práticas abusivas, a cumprir o preço estipulado na tabela instituída pela legislação, não fornecerem recibo do pagamento efetuado, negarem a aplicação dos dispositivos que beneficiam o pobre na forma da lei e os isenta do pagamento de referidos valores, o que, diante da atual evolução do direito consumerista representa verdadeira supressão de direitos legalmente garantidos. Os juizados especiais de relações de consumo apontam como promissores canais de solução dessas modalidades de controvérsias, de forma a amenizar as práticas abusivas exercidas por determinados cartórios. Esse desiderato somente será alcançado a contento com a efetiva aplicação dessas normas por parte dos operadores do direito e o reconhecimento, por parte do Judiciário, desse ramo do mercado como verdadeira relação de consumo sujeita á normas legais atinentes ao assunto. Hely Lopes Meirelles entende que, além da via judicial por via de ação cominatória, nos termos do art. 287 do Código de Processo Civil, “o Código de Defesa do Consumidor prevê, em título próprio, outros instrumentos para a tutela dos interesses individuais, coletivos e difusos em juízo, tratando, inclusive, da legitimação ordinária e extraordinária para a propositura da ação (arts. 81 a 104).”(16)


Não deve olvidar o consumidor de, sempre que cabível, também lançar mão da legislação específica para proteger os seus direitos em face do prestador de serviços notariais, de acordo com o disposto no art. 7º do CPDC, sob pena de tornar dita legislação desprovida de efetividade.


 


Notas


[1] Sílvio Rodrigues. Direito Civil, vol 4, nº 2, Saraiva, 18ª ed., São Paulo, 2000, pág. 6.


[2] Serpa Lopes, Curso de Direito Civil, vol. 5, nº 144, pág. 188.


[3] José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros Editores, 5ª ed., 1989.


[4] Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro, Saraiva, 7ª ed., São Paulo, 1993.


[5] Ulderico Pires dos Santos, A Responsabilidade Civil na Doutrina e na Jurisprudência, Forense, 1ª ed., Rio de Janeiro, 1984.


[6] Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, vol. 53, § 5.498, p. 1 e segs.


[7] Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade Civil, Forense, 9ª ed., Rio de Janeiro, 2001, pág. 8.


[8] Caio Mário da Silva Pereira, op. cit., 2001, pág. 11.


[9] Sílvio Rodrigues. Direito Civil. Responsabilidade Civil, 4, Saraiva, São Paulo, 2001.


[10] Caio Mário da Silva Pereira, op. cit,, 2001.


[11] José de Aguiar Dias, Da Responsabilidade Civil, vol I, nº 13, Forense, 7ª ed., RJ, 1983.


[12] Tupinambá M. C. do Nascimento, Responsabilidade Civil no Código do Consumidor, AIDE, RJ, 1991,pág,25.


[13] Flávio de Queiroz Bezerra Cavalcanti, Responsabilidade Civil por Fato do Produto no Código de Defesa do Consumidor, Del Rey, Belo Horizonte, 1995, pág. 44.


[14] Celso Antônio Bandeira de Melo, Regime Constitucional dos Servidores da Administração Direta e Indireta , Ed. RT , São Paulo , 1990.


[15] Maria Helena Diniz, Sistemas de Registro de Imóveis , 1992 , pág. 511.


[16] Hely Lopes Meireles, op. cit., 1999, pág. 303.



Informações Sobre o Autor

Thales Pontes Batista

Advogado, Especialista em Direito do Consumidor, Especialista em Direito Imobiliário, Registral e Notarial, Membro da Comissão de Defesa do Consumidor – OAB/CE


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