1. Um
caso concreto
Ab
initio, parece-nos oportuno trazer a baila um caso concreto, que
bem espelha a realidade e os efeitos ora versados. Era uma ação que tramitava
perante o Foro da Comarca de Presidente Prudente, na qual me foi solicitada a
lavra de parecer, cujas conclusões específicas da causa excluímos neste
trabalho readaptado, uma vez que, além de impertinentes e inoportunas, mister
se faz guardar-se o respeito à demanda e à jurisdição e, sobretudo, agora temos
de observar o Código Civil de 2002.
Tratava-se de ação de natureza condenatória,
consubstanciada em acidente de trânsito, deflagrada pelas vítimas que pretendiam compelir a ré a reparar danos de natureza
moral, material e estético. Para tanto, atribuíram responsabilidade por fato de
terceiro, de vez que os fios telefônicos que estavam sendo instalados pelo
empregado soltaram-se do poste a que se prendiam, ocasionando o enlaço no
pescoço do condutor, que perdeu o controle da motocicleta, indo ao chão,
danificando o móvel, lesando fisicamente o condutor e o carona (autores) e
desesperando-os psicologicamente, sendo que o motorista pensou que a lesão grave em seu pescoço seria capaz de matá-lo; imaginou que seria degolado.
Em conclusão, pediram a condenação de: 1)
ressarcimento das despesas médicas, em dobro; 2) ressarcimento dos prejuízos
causados à motocicleta; 3) custeio de plástica no pescoço do condutor da
motocicleta, pois registra marcas eternas; 4) trinta salários mínimos a título
de danos moral e estético, indistintamente, ao motorista; 5) trinta salários
mínimos, pelas dores física e moral, experimentados pela carona. Pedidos estes
que, pelo que se consubstanciavam e tinham por base os artigos 1.538, § 1º e
1.539, ambos da Lei Civil de 1916.
Pois muito bem.
Assim sintetizado, passemos ao estudo do parecer
proferido à época, agora adaptado ao Código
Civil de 2002, que quase nada altera a essência da dissertação.
Os danos
morais e estéticos reclamados tinham por base os artigos 1.538 e 1.539 da Lei
Civil. Tanto assim que aduziram na inicial, in
litteris: O nosso Código Civil, ainda, determina, nos artigos 1.538 e
1.539, o dever de indenização a vítima das despesas do tratamento e dos lucros
cessantes até o fim da convalescença, sem o prejuízo de lhe pagar a importância
da aplicação de uma multa, que poderá ser duplicada se do ferimento resultar
aleijão ou deformidade.
Em um
mesmo pedido reclamavam a condenação em valor que, pelo contexto, desenha-se
dano material, mas o mencionam como dano estético. Noutro, falam em dano moral,
mas rotulam de dano estético. Ademais, reclamam dano material, quando em
verdade é dano estético.
2.
A lesão corporal e o “dano estético”
Não poderíamos falar simplesmente da
responsabilização civil pelo dano estético sem deixar de observar an passant a tipificação penal da ofensa
à integridade física ou à saúde da pessoa,
pois do entrelaçamento de ambos os institutos é que se extraíra a base
de uma exegese sistemática mais segura.
O crime de lesão corporal consistente em qualquer
ofensa ocasionada por alguém, sem vontade de matar, à integridade física ou
saúde (fisiológica ou mental) de outrem. Não se trata, como o nomen juris poderia sugerir prima facie, apenas do mal infligido à
inteireza anatômica da pessoa.
Nas
palavras do saudoso mestre Nelson Hungria, a “lesão corporal compreende toda e
qualquer ofensa ocasionada á normalidade funcional do corpo ou organismo
humano, seja do ponto de vista anatômica, seja do posnto de vista fisiológico
ou psíquico. Mesmo a desintegração da saúde mental é lesão corporal, pois a inteligência,
a vontade ou a memória dizem com a atividade funcional do cérebro, que é um dos
mais importantes órgãos do corpo. Não dizem com a atividade funcional do
cérebro, que é um dos mais importantes órgãos do corpo. Não dizem com a
atividade funcional do cérebro, que é um dos mais importantes órgãos do corpo.
Não se concebe uma perturbação mental sem um dano à saúde, e é inconcebível um
dano à saúde sem um mal corpóreo ou uma alteração do corpo. Quer como alteração
da integridade física, quer como perturbação do equilíbrio funcional do
organismo (saúde), a lesão corporal resulta sempre de uma violência exercida
sobre a pessoa.” (Comentários ao Código Penal. 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense,
vol. V, p. 327)
No concernente à responsabilidade penal, a lei regente
dispôs no segundo capítulo do primeiro titulo da parte especial a tipicidade da
conduta ofensiva a integridade corporal a saúde de outrem (CP, art. 129). E o
fez sistematicamente, traçando a lesão corporal simples como crime de pequeno
potencial ofensivo, a grave ou a gravíssima; além das modalidades
preterintencional, privilegiada e culposa. Ademais, fez expressa previsão de
causas de aumento e diminuição da pena, e de sua substituição.
O âmago do tipo, consistente em ofender, pode-se
verificar por qualquer meio, por ser crime de forma livre, comissiva a
omissivamente, cujo dano deve ser juridicamente apreciável. Deveras, como dano
à integridade corporal considera-se a
alteração, anatômica ou funcional, interna ou externa que lese o corpo, tal
qual os ferimentos, cortes, luxações, fraturas, etc. Por ser turno, o dano à
saúde compreende a alteração fisiológica, ou psíquica. Logo, a dor fisíca, a
crise nervosa, sem comprometimento físico ou mental, não configura lesão
corporal, pois é preciso haver dano anatômico ou funcional.
Pune-se criminalmente a lesão que resulta em
incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; perigo de
vida; debilidade permanente de membro, sentido ou função, aceleração de parto.
Sendo estas, as quatro figuras da lesão corporal grave, querendo significar,
respectivamente: a) na incapacidade, o termo ocupacional é considerado sob o
prisma funcional e não podendo ser reconhecida só com base nas declarações do
ofendido, sem exame médico complementar após o trigésimo dia da ofensa; b) o
perigo de vida é a probabilidade, concreta e efetiva, de morte, como
conseqüência da lesão a do processo patológico que esta originou; não basta o
perigo presumido, sendo indispensável que ele se apresente concretamente. Não é
suficiente o simples prognóstico: exige-se diagnóstico e efetivo perigo de
vida, que deve ser reconhecido por critérios objetivos comprobatórios do risco
real a que fica sujeita a vítima, mesmo que por pouco tempo; c) debilidade é a
redução da capacidade funcional, sendo permanente aquela cuja cessação não se
prevê, que não muda com o tempo, embora há quem se contente com a debilidade
duradoura, que não perpétua (membros são os braços e as mãos, pernas e o pés;
enquanto sentidos referem-se a visão, audição, olfato, tato e paladar; função é
a atividade particular dos órgãos, entre os quais a circulação, a respiração
etc.); d) antecipação do nascimento é a saída do feto vivo antes do prazo
normal. O melhor entendimento é o de que o agente não deve ignorar a gravides e
que deva ter, ao menos, culpa pela aceleração do parto, pois esta não pode ser
punida por mero nexo casual.
Embora não haja menção na rubrica, a expressão
“lesão gravíssima” é tradicional na doutrina e na jurisprudência. Prevê-se,
quando: resulta incapacidade permanente para o trabalho (como conceito
econômico), entendendo-se este em sentido genérico; enfermidades incuráveis,
por doença física ou mental cuja curabilidade não é alcançada pela medicina, em
seus recursos e conhecimentos atuais; perda ou inutilização de membro, sentido
ou função; que não se confunde com debilidade, pois nesta ainda remanescem (o
membro, o sentido ou a função), embora inúteis, e naquela (perda), deixam de
existir, são abolidas; deformidade permanente, causando impressão de desagrado,
vexando seu portador, irreparável pelos meios comuns da medicina, apreciando
critérios objetivos e subjetivos, com laudos fundamentados e documentados com
fotografias; aborto, é o que resulta ao menos da culpa do agente, requerendo-se
conhecimento do estado gravídico.
Quanto à deformidade permanente, ensinava Nelson
Hungria que “não se trata de um conceito objetivo, mas, a um só tempo,
objetivo e subjetivo”, e a seguir, afirma: “se da apreciação objetiva
passamos à subjetiva, cumpre fixar, desde logo, o seguinte: a deformidade deve
ser tal que cause uma impressão, se não de repugnância ou de mal-estar, pelo
menos de desgosto, de desagrado. É a cicatriz que acarreta chocante assimetria,
é a desfiguração notável” (ob. cit., p. 328).
Esta orientação tem sido aceita pela
jurisprudência, conforme venerandos acórdãos: “o conceito jurídico-penal
de deformidade permanente deve ser apreendido sob os aspectos objetivo e
subjetivo. E não é qualquer deturpação ou vício de forma que o configura. Daí a
necessidade de vir o laudo pericial fundamentado e instruído com fotografias da
vítima” (RT 588/322). E mais este outro: “A deformidade permanente
precisa ser encarada dentro de uma objetividade que reuna dois pontos
importantes: o físico e o social. Sem uma conclusão pericial positiva, que
indique a extensão do mal causado, inclusive com ilustração fotográfica da
cicatriz deformante, é menos seguro o acolhimento dessa forma mais grave da violatio corporis” (RT 406/229).
De
remate, cumpre observar que o bem jurídico tutelado é a integridade física ou
físico-psíquica da pessoa. Protege-se-lhe a incolumidade pessoal, de moldes a
mantê-la socialmente apta e eficiente à sinergia da prosperidade geral da
sociedade e do Estado, pois a invalidez da pessoa retira-lhe principalmente a
capacidade laboral e os meios próprios de auto-subsistência, jogando-a para a
dependência do Estado que deverá pensioná-la vitaliciamente, sem que haja
contribuição em
contrapartida. A lesão grave, portanto, atinge não apenas a
vítima (esta, obviamente, a principal atingida), mas também, em múltiplas e
diversificadas variantes, os seus parentes e amigos, o Estado e a sociedade
como um todo.
Quanto ao
mais, não comporta aqui minuciosa análise pois escaparia sobremaneira dos
estritos limites do campo enfocado.
Afora a responsabilidade penal, nos casos
supramencionados, temos a civil, que, como sabido, em regra não se confundem e
são independentes — embora, em verdade, sejam interdependentes — podendo
tramitar ações concomitantemente, salvo havendo incidentes de prejudicialidade
externa evidente. Ademais, a sentença penal (condenatória ou absolutória)
poderá influenciar na sentença civil, embora a recíproca não seja verdadeira.
Deste modo, toda vez que o agente, por ação ou
omissão voluntária, ou até por imprudência, negligência ou imperícia causar
danos à saúde de outrem, fica obrigado a repará-los. E aqui, no cível,
diferentemente da área criminal, a responsabilidade pode decorrer de conduta
própria ou até de terceiro, como ocorre na obrigatoriedade de o empregador
responder objetivamente por atos culposos de seu empregado, bastando ao
ofendido fazer prova do dano, nexo causal, culpa do empregado e que o evento
ocorreu por este no exercício de sua função.
A teoria da responsabilidade civil subjetiva,
acolhida em nosso direito, consoante se podia depreender do artigo 159 do
Código Civil de 1916, agora versado no artigo 186 do Código em vigor, obriga o
causador do dano a repará-lo, transferindo, também, ao empregador tal
obrigação, principalmente quando se reconhece ter o empregado agido de forma
culposa. É caso, mesmo, de aplicação da Súmula n. 341 do Supremo Tribunal
Federal.
Tal como escreve José Afonso da Silva: “A vida
humana não é apenas um conjunto de elementos materiais. Integram-na, outrossim,
valores imateriais, como os morais. A Constituição empresta muita importância à
moral com valor ético-social da pessoa da família, que se impõe ao respeito dos
meios de comunicação social (artigo 221, inciso IV). Ela, mais que as outras,
realçou o valor da moral individual, tornando-a mesmo num bem indenizável
(artigo 5º, incisos V e X). A moral individual sintetiza a honra da pessoa, o
bom nome, a boa fama, a reputação que integram vida humana como dimensão
imaterial. Ela e seus componentes são atributos, em os quais a pessoa fica
reduzida a uma condição animal de pequena significação. Daí por que o respeito
à integridade moral do indivíduo assume feição de direito fundamental.”
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 7ª ed., São Paulo: Revista dos
Tribunais, pág. 179)
Finalmente, leciona Teresa Ancona Lopez de
Magalhães: “Os danos morais podem ser das mais variadas espécies. Os
principais citados pela doutrina, são os que trazem prejuízo: à reputação, à
integridade física, como o dano estético, ao direito moral de autor, ao direito
de uma pessoa ao nome, às convicções de alguém, às pessoas que a vítima do dano
tem afeto, como por exemplo a morte de um filho, à integridade da inteligência,
à segurança e tranqüilidade, à honra, ao cônjuge por aquele que ocasionou o
divórcio, à liberdade, aos sentimentos afetivos de qualquer espécie, ao
crédito, etc. Os irmãos MAZEUD dividem o conteúdo do dano moral de um lado
considerando aqueles que atingem a ´parte social do patrimônio moral’ como os
que lesam o indivíduo na sua honra, reputação, consideração; de outro lado,
salientando os danos que atingem ´a parte afetiva do patrimônio moral’, que
prejudicam o indivíduo nas suas afeições; trata-se, por exemplo, da dor provada
(provocada) pela morte de uma pessoa que nos é cara.” (O Dano Estético.
São Paulo: Revista dos Tribunais, pág. 8)
O dano estético, passível de reparação, é aquele
conseqüente de conduta ilícita ou lícita excessiva e fora dos parâmetros
permitidos (veja-se a respeito a teoria objetiva do abuso de direito consagrada
expressamente no artigo 187 do Código Civil de 2002), que cause sentimento degradante à vítima, digna de dó
pelo enfeiamento, Esta dor traz reflexos psicológicos na pessoa. Causa-lhe
abalos intangíveis em razão da redução de sua beleza estética, ou do
funcionamento desta, inclusive os membros, sentidos e órgãos. O sofrimento leva
a uma cobertura patrimonial concernente. O dano estético cobre a ofensa ao
natural, na imagem pessoal, o aleijão que acompanha a vítima.
A imagem da pessoa é o seu cartão de visita.
Nalguns casos, é o seu instrumento de trabalho (como os modelos). A lesão a
esta beleza natural pode lhe atingir tanto moral como economicamente. E é
justamente esta lesão à beleza física que caracteriza o que juridicamente se
popularizou como dano estético. A estética, em si mesma, não representa outra
coisa que não o móvel ou o motivo causador do sofrimento e da tristeza da
vítima. Portanto, não é situação autônoma.
A afronta estética, contudo, tem de ser duradoura
para ter relevância jurídica. Se for
passageira, ainda que relativamente longa, há no máximo interesse em perdas e
danos. Nada mais. Afora isso, para se quantificar e qualificar a lesão, deve-se
considerar a extensão da ofensa, sua localização, a possibilidade de sua
remoção (completa ou parcial), o sexo da vítima, idade, profissão, estado civil
e possibilidade de retorno normal ao convívio social, dado o aspecto repugnante
e vexatório do ferimento etc., anotando-se que não é causa excludente da
responsabilidade civil o fato de ser possível dissimular a lesão pelo uso de
próteses, uma vez que, por mais perfeita e avançada que seja, evidente que o
artificial está longe de poder simular o natural no que toca à aparência e aos
movimentos do tecido vivo.
Prevalece,
a propósito, que, no dano estético, há que se indenizar, tanto as despesas que
o lesado tenha para a respectiva recuperação (reparação imaterial, ou
patrimonial, porquanto dano físico), como os danos estéticos derivados do fato
da violação (reparação moral, porque o reflexo se sente na esfera afetiva e
valorativa da personalidade da pessoa atingida, na defesa da dignidade humana;
dentre outros autores, cf. Ihering, “Actium injuriarum”, págs. 1 a 19; Melchiorre Gioja,
“Dell ingiuria dei danni-del soddisfacimento e relative basi di stima
avanti i tribunali civili”, pág. 27 e segs.; Henri De Page, “Traité
de droit civil belge”, vol. 2/913; Scandura Sampolo, “Del
resarcimento dei danni morali”, pág. 7 e segs.; Marguerite Riegert,
“La notion de préjudice esthétique”, pág. 13 e segs.; Jean Carrard,
“O dano estético e sua reparação”, trad., em RF 83/405; Alberto
Ravazzoni, “La riparazione del danno non patrimoniale”, pág. 37 e
segs. e 73 e segs.).
Por tudo isso, vê-se que o chamado dano estético abraça duas espécies de
danos individualmente integrantes dos elementos da responsabilidade civil,
quais: danos materiais e danos morais.
3. O “dano estético” como dano material
A responsabilidade civil em caso de lesão recebia
especial atenção dos artigos 1.538, § 1º e 1.539 do Código Civil de 1916. Para
estes, apurar-se-ia a lesão corporal de natureza grave, além do que, a
deformidade física com prejuízos materiais constituía um dano patrimonial.
“Entende-se, porém, que, além da indenização pelos danos materiais, não cabe a
multa. Admitir-se-ia unicamente no dispositivo penal, ou se constasse
contemplada apenas esta, o que não está previsto.” (Arnaldo Rizzardo. A
reparação nos acidentes de trânsito. 7ª ed., São Paulo: RT, p. 158).
O artigo continha grave defeito ao conceder o
direito a recebimento da importância da multa no grau médio da pena criminal
correspondente, cuja soma seria duplicada se o ferimento resultasse aleijão ou
deformidade permanente (art. 1.538, § 1º do CC/1916). Ora, o dispositivo
tratava da lesão corporal de natureza grave. Só que o delito penal de lesão
corporal (a pena criminal correspondente)
não continha nenhuma pena de multa para o ofensor! Não poderia, portanto,
condenar ao pagamento de uma multa que não existia, muito menos duplicá-la. Não
se dobra o que não existe. É uma aritmética simples, do ensino fundamental.
Assim, a disposição sub studio sempre foi vazia de conteúdo, de tal sorte que nas
pelejas envolvendo acidentes que resultassem ferimentos estéticos, eventual
indenização constituiria apenas despesas de tratamento e lucros cessantes,
desprezando-se o dispositivo na parte final do artigo e em seu parágrafo
primeiro. Não se poderia falar em multa, muito menos em dobro. É apenas dano
material.
Nesse
tocante, o Código Civil de 2002 sanou a irregularidade, quando disciplinou a
matéria no artigo 949, substituindo a pena
de multa do crime correspondente pela indenização
de algum outro prejuízo além do tratamentos e lucros cessantes até o fim da
convalescença. Manteve-se, porém, a idéia de que, para se caracterizar a
deformidade mencionada e tutelada pelo dispositivo, é necessário que haja enfeiamento, que o ofendido cause
impressão penosa ou desagradável.
Para o caso do revogado artigo 1.539 da Lei
Material, exigia-se que o acidente reduzisse ou afetasse a capacidade
laborativa da vítima. E ainda é assim, nos termos do artigo 950 do Código Civil
de 2002, acrescido de uma novidade: o prejudicado, se preferir, poderá exigir
que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez (parágrafo único do
artigo 950).
Até aqui, pelo que se pode inferir, trata-se apenas
de danos materiais. A Lei fala de ressarcimento das despesas médicas, lucros
cessantes e prejuízos outros. São mesmo danos emergentes e lucros cessantes,
nos exatos termos do artigo 402 do Código Civil em vigor.
4. O “dano estético” como dano moral
Quer-nos
parecer incontestável o abalo psicológico da pessoa que teve a sua imagem
desvirtuada definitivamente, tornando-a de aparência degradante, vexatória e
repugnante. O sentimento de comoção do espectador se transforma em sentimento
de revolta do protagonista. A vítima nem sempre aceita as lamentações,
comiserações e compaixões alheias, pois não raro apenas lhe fazem sentir-se
ainda pior. Uma tatuagem cicatricial no rosto, ou em qualquer outra parte
visível do corpo, assim como um membro roto, ou sutilmente deformado, pode ter
peso vexatório incalculável para a vítima.
Estas
estigmas vão se acumulando e corroendo psicologicamente por toda a vida. O dano estético, como ferida latente,
ainda que não se mostre tão acintoso com o fluir do tempo, sempre se mostrará
visível, pois visíveis e sensíveis são os seus registros. Os aspectos materiais
resultantes da ofensa podem até desaparecer, ressarcidos e reembolsados que
foram todos os danos materiais, mas o mesmo não se pode dizer com o aspecto
intangível ou imaterial.
O dano estético, como afronta do elemento
físico da pessoa, é apto a torná-la de aparência degradante. Integram-lhe
portanto os elementos do dano moral. Define-se com a deformidade física,
atingindo o lado psicológico do indivíduo, que se sente diminuído na
integridade corporal e na estética de sua imagem externa. Classifica-se pela
redução do valor existencial. Essa é, de regra, a sua natureza. A par de a
vítima ter experimentado lucros cessantes e danos emergentes, afigura-se-nos
plausível a ocorrência de danos imateriais.
Descabe tentar encontrar no baú conceitual qualquer
espécie de firula expressional com o fito de dizer que se está diante de um bis in idem. Impossível conceder-se
diversas indenizações da mesma natureza pelo mesmo fundamento como se se
tratassem de coisas distintas. A indenização por dano moral e por dano
estético, em geral, é da mesma natureza, daí prelecionar Arnaldo Rizzardo, com
arrimo na jurisprudência, que: afirmando o dano moral em virtude exclusivamente
do dano estético, não se justifica o cúmulo de indenizações. A indenização por
dano estético se justificaria se a por dano moral tivesse sido concedida a
outro título. Repare-se que ambos, como no caso dos autos, advêm de fonte única,
qual seja, um dano físico que, pela sua natureza e aspecto deformativo da
aparência física da pessoa causa uma dor moral, uma perturbação interior, com
mudança de ânimo e comportamento. Com essa confusão, a condenação num e noutro,
com pretendido pelos embargantes, seria um bis
in idem, o que não encontra amparo no direito ( op. cit., págs. 306-7).
Alguns até tentam defender que o dano estético é a
exteriorização do enfeiamento, os efeitos extrínsecos da lesão; e o dano moral
é a interiorização da ofensa, os efeitos intrínsecos do ato ilícito. Não
concordamos. Primeiro, não se pode perder de vista que a expressão dano moral é
de caráter amplo e genérico, abraçando todas as ofensas que não sejam materiais
(por isso se diz direitos morais). Entre os direitos imateriais da pessoa
humana, estão alguns consagrados expressamente como direitos da personalidade,
tais como a vida, a imagem, a dignidade humana e a integridade física. Danos
morais, portanto, são as lesões sofridas pelas pessoas em certos aspectos de
sua personalidade, em razão de investidas de outrem. Como observava Carlos
Alberto Bittar, os danos morais são aqueles que atingem a moralidade e a
afetividade, causando-lhe constrangimentos, vexames, dores, sentimentos e
sensações negativas. Atingem-se componentes sentimentais e valorativos.
A lesão estética, no que diz respeito à parte
externa da pessoa, aos seus traços plásticos e individualizadores, nada mais é
do que a ofensa de um direito moral da personalidade humana. Ainda que se tenha
de falar em honra objetiva da pessoa, certo é que estaremos tratando de dano
moral. E a ofensa de qualquer um dos direitos da personalidade humana, por si
só, é o bastante para configurar o direito à reparação em pecúnia, ainda que
não tenha causado abalo psicológico.
Não se pode pleitear, assim, valores a título de
dano moral e outros a título de dano estético, cumulativamente, como se se
tratassem de franquias jurídicas distintas. Pelas hodiernas definições e
abrangências do dano moral, metade da classificação do dano estético perdeu sua
razão de ser, enquanto que, a outra metade (consistente basicamente no
reembolso de despesas médico-hospitalares e custeio de tratamento ou plástica
corretiva ou reparadora), está ultrapassada em face dos elementos integrantes do
dano material.
Os danos imateriais aparecem, assim, como sinônimo
de significativa parte do dano estético.
Este é mesmo composto de elementos de dano material e dano moral. A somatória
destes institutos é que constituem aquel´outro.
Em breve síntese, o dano estético, como apontado, é
dano material ou dano moral; ou, simplesmente, dano estético, excluindo-se o
moral e o material. Impossível mesmo falar-se cumulatividade dos pedidos de
dano moral, dano material e dano estético, porque encerraria verdadeiro bis in idem. Basta que interpretemos
sistematicamente o Direito, aplicando-se a responsabilidade civil à luz da
responsabilidade penal no que tange ao crime de lesão corporal, que se preocupa
com aparência física ou estado psicológico e os reflexos danosos materiais.
Informações Sobre o Autor
Alex Sandro Ribeiro
Advogado, Escritor e Consultor.
Pós-Graduado em Direito Civil pelo uniFMU.
Membro do IV Tribunal de Ética da OAB/SP.
Autor dos livros Ofensa à Honra da Pessoa Jurídica e
Arrematação e Adjudicação de Imóvel: Efeitos Materiais.
Autor de dezenas de artigos e trabalhos publicados.
Consultor especializado em ME e EPP.