Nome: direito individual ou dever social?

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Qual é o seu nome? Esta, com certeza, é uma pergunta que se ouve quase todos os dias, seja em momentos casuais ao conhecer uma pessoa, seja na realização de grandes atos jurídicos. Será que essa pergunta tem realmente importância no mundo sócio-jurídico? O que diz o novo Código Civil sobre essa matéria? Neste artigo, uma breve análise será feita a respeito deste relevante tema jurídico: o nome.

A importância do nome na sociedade jurídica reporta à história da própria humanidade. Para distinguir os seres humanos entre si, davam-se denominações que revelavam a procedência familiar. Além disso, individualizava cada ser, tornando-o único e portador de uma peculiaridade que o identifica em qualquer parte do mundo.  Entretanto, com o passar dos anos e com a evolução sócio-econômica da humanidade, ao nome foi atribuída uma função tão grandiosa que extrapola essa dimensão da mera identificação individual.

A partir do novo Código Civil, o direito ao nome está literalmente previsto nos seus artigos 16 a 19. Sem correspondência com o Código Civil de 1916, o artigo 16 define o que seria o nome civil, ou seja, a designação que é dada a cada pessoa para seu reconhecimento social, bem como para diferencia-la dos demais. Assim, o nome é composto do prenome e do sobrenome. O primeiro, conforme De Plácido e Silva[1], é:

“… geralmente dito de nome de batismo ou nome de registro, é o nome próprio que vem inscrito em primeiro lugar e no início do nome. É o que serve de chamamento comum da pessoa entre seus parentes e conhecidos. É a denominação individual ou nome individual, como vulgarmente se diz”.

Já o sobrenome é a designação adotada pelas famílias, transmitindo-se de pais a filhos, sem alteração, para distingui-los em sua descendência. Em regra, sobrenome e prenome são considerados imutáveis, salvo alguns casos previstos legalmente.

Tais afirmações, entretanto, já são do senso comum. A lei n° 6.015, de 31 de dezembro de 1973, já dispõe sobre o nome, uma das modalidades de registro público. Entretanto, com sua inclusão no corpo do Código Civil, realçou-se o seu papel sócio-jurídico de grandiosa relevância no mundo atual.

Diante deste panorama jurídico, a natureza do nome é questionada: será ela meramente privada ou também pública? Será que uma esfera pode invadir a outra? Qual a que prevalece mais? Inúmeros questionamentos são, preliminarmente, respondidos pelo Código Civil ou/e Lei de Registros Públicos. Segundo a lei 6.015/73, a obrigatoriedade de registro do nome atribuído a qualquer cidadão torna tal ato jurídico obrigação perante o Estado. A escolha de tal nome, por sua vez, fica, a priori, restrita aos pais que podem registrar seus descendentes como quiserem. É no parágrafo único do art 55 da mencionada lei que há uma nítida concorrência entre as duas esferas, in verbis:

Art. 55- (…)

Parágrafo único. Os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. Quando os pais não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso, independentemente da cobrança de quaisquer emolumentos, à decisão do juiz competente.

Quem tem o condão de dizer quando há essa exposição ao ridículo? Não seria mais correto que se respeitasse somente a disposição do artigo 56, na qual deixa a critério do portador do nome sua modificação caso lhe interesse, in verbis:

Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa.

Neste caso, haveria uma diminuição sensível das ações impetradas na Justiça Comum, desatolando-a e voltando seu interesse a causas de cunho mais urgente e de maior importância sócio-econômica. Vale ressaltar que a competência pra tal ação é tanto do juiz do lugar em que o assento foi lavrado como o da residência do interessado. Seu rito processual é o sumaríssimo.

Ademais, quando se fala em nome se reporta a um direito personalíssimo, ao da própria identificação pessoal. Embora, inicialmente, fique a critério dos pais a escolha do nome, quando chega a maioridade, se seu portador provar que necessita de tal alteração para viver socialmente melhor, cabe a Justiça apenas acatar tal opção, caso não haja qualquer impedimento sócio-jurídico. Por exemplo, se um indivíduo foi registrado como Gerardina da Silva Pereira e por motivos astrológicos e psicológicos, ela acreditar que seu nome atrai doenças e desastres em sua vida, ela quiser alterar para Heloísa Helena da Silva Pereira, não há qualquer impedimento legal que justifique o indeferimento do pedido, haja vista que tal modificação será publicada, tornando-se do conhecimento público. Além disso, não há qualquer modificação de seu sobrenome.

A jurisprudência não é majoritária, porém, com respaldo no Superior Tribunal de Justiça, há um corrente forte que defende tal posicionamento, por exemplo:

Registro civil. Alteração de prenome. Nome de conhecimento no meio social e familiar. Exceção ao princípio legal e geral da imutabilidade. Interpretação do art.58, parágrafo único, da lei de registros públicos. Precedentes. I) A jurisprudência (RT 143/270, 154/806, 185/424, 532/86, 412/178, 507/69, 517/106, 534/79, 537/75), reconhecendo a possibilidade da pessoa se sentir vítima do desconforto psicológico advindo do desagrado e vergonha em relação a seu próprio prenome, admite que deve constar do registro aquele pelo qual a pessoa é conhecida e não o que consta do registro. II) É inaceitável o apego ao formalismo extremo que considera o prenome imutável, impondo-se à autora uma convivência conflituosa com o prenome que gera sentimento de ignomínia, diante da demonstração inequívoca de que não há qualquer intenção dolosa por parte da apelante em pretender alterar seu prenome, porquanto foram juntada aos autos a folha de antecedentes penais, além das certidões negativas de feitos cíveis e criminais… Sentença reformada. Decisão: conhecer. Dar-se provimento. Por maioria, vencido o revisor (TJDF – Ap. Cível 19990110336839 Acórdão 141793, 18.6.2001, 3ª Turma Cível – Rel. Jerônimo de Souza)

Alteração de prenome – Interpretação do art.58, parágrafo único, da lei de registros públicos. 1 – O nome integra a personalidade por ser o sinal exterior pelo qual se designa, se individualiza e se reconhece a pessoa no seio da família e da sociedade. Assim, como tal, a pessoa deve sentir orgulho e honra do próprio nome. 2 – Não há, pois, de se aceitar a hipótese do formalismo extremo que considera o prenome imutável, se sobrepondo à realidade da vida. Decisão: dar provimento aos embargos, por maioria (TJDF – EIC 4245297 Acórdão 119544, 3.2.99, 2ª Câmara Cível – Rel. Edson Alfredo Smaniotto).

O nome, assim, torna-se claramente uma interseção entre a esfera pública e a privada. Pública, porque é uma obrigação de todo cidadão ter um registro público que ateste sua existência. Privada, porque é um direito personalíssimo que identifica e diferencia civilmente uma pessoa. Além disso, os pais têm o direito de escolher o nome que desejarem aos seus filhos.

Portanto, o nome tem importância social e merece a atenção jurídica necessária para sua regulamentação e proteção como qualquer outro direito previsto no vigente Código Civil.

Notas
[1] SILVA, De Plácido e, VOCABULÁRIO JURÍDICO, Forense:Rio de Janeiro, 15.ed. 1998. p.556.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Rebeca Ferreira Brasil

 

Advogada, formada pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR e mestranda em Políticas Públicas e Sociedade da UECE

 


 

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