Notas explicativas sobre o contrato de prestação de serviço: uma abordagem à luz do Código Civil de 2002

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Sumário: 1. Introdução – 2. A evolução da expressão locação de serviço para prestação de serviço – 3. Noções conceituais: 3.1 Natureza jurídica; 3.2 Elementos do contrato – 4. Contrato de prestação de serviço e empreitada: uma distinção necessária – 5. Duração do contrato – 6. Retribuição na falta de habilitação – 7. Formas de extinção do contrato – 8. Considerações finais – 9. Referências.


1. INTRODUÇÃO


Abordaremos, neste estudo, o contrato de prestação de serviço, que, embora tenha perdido espaço para o Direito do Trabalho, ainda possui largo campo de incidência no âmbito do Direito Civil, daí a importância do seu estudo.


Neste prisma, pretendemos, inicialmente, traçar a origem do uso da expressão locação de serviços, utilizada pelo Código Civil de 1916, e o porquê de sua ulterior substituição pela expressão prestação de serviço.


Seguiremos com as noções conceituais acerca do contrato de prestação de serviço, abordando ainda a sua natureza jurídica e os elementos que o compõem.


Após, buscaremos distinguir dois importantes institutos do Direito Civil, e que muito se parecem: a prestação de serviço e a empreitada. Trata-se, a nosso sentir, de uma distinção necessária, visto que a escolha de um ou de outro tipo de contrato pode acarretar consequências relevantes de ordem prática.


Por fim, já internalizadas as noções gerais do contrato de prestação de serviço, abordaremos temas mais específicos e de cunho pragmático, quais sejam: a duração do contrato, a retribuição na falta de habilitação e as formas de extinção do pacto.


2. A EVOLUÇÃO DA EXPRESSÃO LOCAÇÃO DE SERVIÇO PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO


O Código Civil de 1916, influenciado pelo Direito Romano[1], abordou, sob o título de Locação, três seções autônomas, a saber: 1) da locação de coisas; 2) a locação de serviços; e 3) a empreitada.


Essa topologia se explica porque, no Direito Romano, era comum que a expressão locação denominasse tanto o contrato, pelo qual era cedido o uso de uma coisa, como aquele em que era prometido um serviço, já que este dependia, não raro, do trabalho escravo.


Quanto ao tema, é pertinente a abordagem crítica de Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 334), que assevera:


“Essa sistematização é repelida pela doutrina e pelos códigos contemporâneos, que disciplinam de forma autônoma os contratos de prestação de serviços, de trabalho, de empreitada, de agência e de aprendizagem, reservando a palavra locação para designar unicamente o contrato que se destina a proporcionar a alguém o uso e gozo temporários de uma coisa infungível, mediante contraprestação pecuniária.”


O referido diploma de 1916 reservava à seção locação de serviços toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, que poderia ser contratada mediante retribuição (artigo 1.216 do CC/16).


Cumpre salientar, porém, que, atualmente, pelo fato da expressão locação se referir apenas a coisas, é mais adequado, sob o prisma da dignidade da pessoa humana, utilizar a expressão prestação de serviços para designar aqueles contratos em que um sujeito se obriga a realizar uma atividade lícita a outrem mediante remuneração. Evita-se, assim, qualquer alusão à reificação humana, típica da escravidão.


O ilustre jurista Caio Mário da Silva Pereira (2005, p. 376) não ficou indiferente à distinção terminológica e frisou que:


“(…) o trabalhador veio a constituir neste século a preocupação máxima do legislador. E há, mesmo, forte tendência a considerá-lo centro das relações humanas, substituindo a propriedade a que os monumentos legislativos do século XIX emprestavam a preeminência. (…) Não foi, portanto, em virtude de mero luxo de nomenclatura que a expressão locação de serviços desprestigiou-se, encontrando nesta outra, prestação de serviços, o substitutivo preferencial, mas pelo fato de ter parecido a [sic] primeira, a muitos juristas, atentatória da dignidade humana (…)”.


Assim é que o Código Civil de 2002, com evidente acerto, substituiu a expressão locação de serviços por prestação de serviço. Ademais, a empreitada ganhou um capítulo próprio, se afastando definitivamente do conceito de locação.


É imperioso acentuar que com os problemas advindos da industrialização fez-se necessário criar uma legislação trabalhista[2] que pudesse equilibrar a relação entre empregador e empregado, em razão da nítida hipossuficiência e vulnerabilidade deste.


Em virtude disso, na prestação de serviço realizado por pessoa física em que houver subordinação, pessoalidade, habitualidade, onerosidade e alteridade[3] o regime jurídico a ser aplicado é o trabalhista, e, neste caso, a autonomia da vontade encontra-se limitada pela forte ingerência estatal no âmbito contratual.


Perfilhamos o mesmo entendimento do autor Jorge Lages Salomo (2004, p. 218) que adverte que se fixe a ideia de separação exata do que seja prestação de serviço sob o domínio da codificação civil, do contrato de trabalho sob a égide da relação do trabalho.


Neste contexto, portanto, a legislação trabalhista só deve cuidar das relações contratuais que apresentam, em especial, o elemento subordinação entre as partes, além dos demais elementos indicados no artigo 3º[4] da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).


Podemos afirmar, pois, que o Código Civil é aplicado de forma residual: sê-lo-á apenas quando se tratar de relação de trabalho excluída da seara da legislação trabalhista e da legislação especial.


É o que dispõe o artigo 593 do Código Civil: “A prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo”.


Podemos citar alguns exemplos de contrato de prestação de serviço norteado pelo Código Civil. Vejamos: contratação de serviços de um advogado; consulta com médico particular; contratação de serviços de um trabalhador autônomo, a exemplo, pedreiro, bombeiro ou pintor.


3. NOÇÕES CONCEITUAIS


O contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes – prestador -, se obriga para com a outra – tomador -, a fornecer-lhe a prestação de uma atividade, mediante remuneração.


Reza o artigo 594 do Código Civil que: “Toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição”.


Desta sorte, é assente na melhor doutrina civilista que, “seja qual for a sua natureza, qualquer serviço, desde que lícito, pode ser objeto do aludido contrato, não se fazendo distinção entre trabalho braçal ou intelectual”. (GONÇALVES, 2008, p. 336).


3.1 NATUREZA JURÍDICA


Dessume-se, do conceito acima exposto, que o contrato de prestação de serviço apresenta a seguinte natureza jurídica: bilateral, oneroso, consensual, de duração continuada e não solene.


Possui natureza bilateral, pois o contrato gera obrigações para ambos os contratantes. Ou seja: o tomador deverá pagar a remuneração ao prestador e este deverá realizar a atividade avençada e na forma estipulada.


Ademais, o contrato é oneroso, porquanto confere benefícios a ambos os contratantes, e é consensual porque o simples acordo de vontades torna perfeito o contrato, prescindindo este, portanto, de qualquer materialidade externa.


Saliente-se que o contrato de prestação de serviço possui natureza não solene e, em regra, de duração continuada. É não solene – ou não formal – pois a lei não exige uma forma como condição de validade do negócio. Ainda, é de duração continuada, pois, em regra, são praticados atos reiterados no tempo e estes devem ser realizados para que se cumpra efetivamente o contrato.


Nada impede, obviamente, que se cumpra o contrato com a realização de um ato apenas. Imaginemos, por exemplo, o reparo de um pequeno vazamento na parede. O pedreiro – prestador – certamente terminará o serviço em poucas horas, o que, de modo algum, descaracterizará o contrato.


3.2 ELEMENTOS DO CONTRATO


Os elementos essenciais do contrato de prestação de serviço são: objeto, remuneração e consentimento.


O objeto trata da prestação da atividade humana, que tanto pode ser intelectual, quanto material ou física. Neste ponto, ressaltamos que ficará, a critério das partes, a escolha pela prestação de fazer fungível ou prestação de fazer infungível.


Quanto a esse elemento, o contrato tem como objeto da relação obrigacional a execução de uma atividade pelo solvens, o qual deve ser tratado como homem livre. Dessa forma, será incompatível com a dignidade do devedor e com tal liberdade, a sujeição total do prestador de serviço ao tomador, ou a disposição plena das faculdades do prestador, fora dos limites da prestação específica da prestação obrigacional acordada (PEREIRA, 2005, p. 379)


Também é elemento essencial do contrato a remuneração, ou seja, a retribuição, em regra pecuniária, como pagamento pelo serviço prestado.


Diz-se em regra porque excepcionalmente podem ser ajustadas outras espécies de pagamento, como, verbi gratia, alimentos, vestuário, transporte, condução ou, até mesmo, moradia. Entendemos, todavia, caso a retribuição se dê por meio de dessas formas de contraprestações, estaremos defronte de um contrato atípico.


Em sentido contrário ao nosso posicionamento, Caio Mário da Silva Pereira e Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 337) entendem que “nada obsta seja convencionada (retribuição pecuniária) em outras espécies, sendo comum consistir em fornecimento de moradia, alimentos, vestuário, condução, etc”.


Alguns autores entendem que a gratuidade não é admissível no contrato de prestação de serviços. Contudo, para a doutrina civilista que entende que a gratuidade é admissível, esta não será presumida. Será imprescindível, portanto, que as partes ajustem de maneira expressa a gratuidade do acordo.


Não se tendo estipulado valor ou se as partes divergirem quanto ao valor do contrato, “fixar-se-á por arbitramento a retribuição, segundo o costume do lugar, o tempo de serviço e sua qualidade”, na forma do artigo 596 do CC.


Ademais, o artigo 597 do mesmo diploma aduz que: “A retribuição pagar-se-á depois de prestado o serviço, se, por convenção, ou costume, não houver de ser adiantada, ou paga em prestações”.


A regra é que o pagamento seja realizado após a prestação de serviços. O dispositivo acima mencionado permite, porém, que as partes estabeleçam, por meio de sua manifestação de vontade, a antecipação do pagamento ou o pagamento em prestações, o que facilita a maneira pela qual será executada a atividade, o tempo para a sua prática, bem como as necessidades, quanto ao resultado da obrigação, objetivadas pelo tomador.


Interessante consignar que no Direito do Trabalho as partes, em especial o empregador, devem respeitar o salário mínimo estabelecido pela Constituição da República e pela CLT[5], o que não ocorre quando se aplica o Código Civil, pois impera aqui a autonomia da vontade.


Há que se observar, porém, – e é certo – as cláusulas gerais que dizem respeito à função social do contrato, o princípio da boa-fé objetiva e o equilíbrio das prestações, consoante artigos 421 e 422 do Código Civil, sendo “inadmissível que a remuneração seja inadequada para os fins propostos.” (TEPEDINO, Gustavo et al. 2006, p. 595).


Por fim, o consentimento pode se materializar de forma escrita ou verbal, como também pode se dar de modo implícito, subsumido no próprio fato da prestação de serviço.


Caso seja adotada a forma escrita e alguma das partes não saiba ler e nem escrever, o contrato poderá ser assinado a rogo, desde que subscrito por duas testemunhas.


É o que dispõe o artigo 595 do Código Civil: “No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas”.


O dispositivo em apreço faculta às partes a possibilidade de firmarem o acordo por escrito e em contrato particular mesmo sendo uma das partes analfabeta, o que certamente não poderia ocorrer nos contratos em geral, em que, nesse caso, haveria a necessidade de escritura pública.


Em relação à capacidade, é importante registrar que se admite a celebração de contrato de prestação de serviço ainda que realizado por incapaz, uma vez que não se podem fechar os olhos para a realidade social. Caso contrário, estaríamos promovendo o enriquecimento indevido do tomador de serviços.


Todavia, há que se atentar para o limite estabelecido na Constituição da República, em seu artigo 7º, inciso XXXIII:


“Proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 (dezoito) e de qualquer trabalho a menores de 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 (quatorze) anos.”


Releva ponderar a divergência doutrinária que existe acerca da obrigatoriedade ou não da observância do número de testemunhas que devem subscrever o contrato.


O Código Civil de 1916 dispunha ser imprescindível a assinatura de quatro testemunhas. O atual Código, porém, reduziu-as para o número de duas.


A questão é: a inobservância desse requisito – subscrição de duas testemunhas – teria o condão de causar a nulidade do contrato?


Consoante o escólio de Gustavo Tepedino et al (2006, p. 326), “a exigência adere à forma do contrato, sendo que na sua falta o contrato será nulo por não atender à prescrição da lei, na forma do artigo 166, inciso IV”.


Em opinião oposta, Maria Helena Diniz (2007, p. 289) conclui que:


“Se isso, contudo, não for observado, nenhuma consequência advirá, visto que o contrato pode ser provado por qualquer meio admitido em direito (…) A subscrição por duas testemunhas terá utilidade para eliminar dúvidas relativas ao teor do contrato e à assinatura a rogo, dando exequibilidade judicial à avença (art. 585, inc. II do CPC).”


Perfilhamos o entendimento de que a exigência de duas testemunhas não elide a possibilidade de se provar a relação contratual por meio de outras formas em direito admitidas. Caso contrário, estar-se-ia subvertendo a característica da consensualidade, presente no contrato de prestação de serviços.


Não obstante o entendimento aqui esposado, é de bom alvitre que, na prática, o contrato esteja subscrito por duas testemunhas. Deste modo, o título gozará de eficácia executiva (artigo 585, inciso II, do CPC) e o credor se verá livre do tortuoso caminho do processo de conhecimento, e poderá, desde logo, ajuizar uma ação de execução, cujo desiderato é exclusivamente a satisfação do direito do credor.


4. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO E EMPREITADA: UMA DISTINÇÃO NECESSÁRIA


Difícil é a tarefa de distinguir o contrato de prestação de serviço do contrato de empreitada, uma vez que, tanto em um quanto em outro, há uma atividade pessoal em favor de outrem, o que ocasiona vários pontos de contato entre os institutos.


Pode-se dizer, contudo, que na empreitada busca-se a obra perfeita e acabada dentro do que foi acordado. Trata-se de critério “finalístico”, conforme aduz Silvio de Salvo Venosa (2006, p. 209).


Já na prestação de serviço o enfoque não é no fim da obra, mas, sim, na atividade do prestador de serviços em favor do tomador, durante determinado lapso temporal.


Outro critério para a distinção dos institutos leva em consideração a retribuição. Se a remuneração for proporcional ao tempo dedicado ao trabalho, estaremos lidando com a prestação de serviço. Se o pagamento tiver relação com a obra em si, estaremos lidando com a empreitada, sendo certo que aqui a remuneração permanece inalterada, seja qual for o tempo de trabalho gasto.


Não bastasse, na prestação de serviço a sua execução é fiscalizada por quem contratou o prestador. Consectariamente, é inegável que o tomador assume os riscos do negócio, destacando-se que a obrigação pode ser tanto de meio (exemplo: consulta com um advogado), quanto de resultado (exemplo: transporte de mercadoria).


Na empreitada, ao revés, o empreiteiro trabalha por conta própria, com absoluta independência, e assume os riscos do empreendimento, sendo certo que, dessa forma, a relação obrigacional se ajusta melhor à obrigação de resultado.


Assim, entendemos que na empreitada tem-se por meta o “resultado” da atividade, já no contrato de prestação de serviço o objeto do contrato é a atividade em si mesma considerada.


5. DURAÇÃO DO CONTRATO


O Código Civil estipula um limite temporal para o contrato de prestação de serviço indicado no artigo 598, o prazo de 4 anos. Neste caso, o legislador também admitiu a possibilidade de prorrogação, quando assim desejada pelas partes.


O contrato, de qualquer forma, por força da autonomia da vontade pode ser: determinável (artigo 599) e determinado (artigo 602).


O contrato determinável ou, na linguagem do Código, com prazo indeterminado, precisa da notificação do tomador ou do prestador para o caso de término do pacto. Neste caso, não sendo o prazo determinado, ou não sendo o serviço estipulado por tarefa, qualquer contratante poderá resilir o contrato, mediante prévia comunicação.


Entendemos que o legislador civil de 2002 não utilizou a melhor técnica, no artigo 599, para indicar os efeitos do término do contrato por prazo “indeterminado”, a saber: “Não havendo prazo estipulado, nem se podendo inferir da natureza do contrato, ou do costume do lugar, qualquer das partes, a seu arbítrio, mediante prévio aviso, pode resolver o contrato”.


A atecnia do artigo reside na aplicação do termo “resolver” para explicar uma hipótese de resilição. No referido dispositivo legal, o contratante unilateralmente poderá se manifestar pelo término do contrato, aplicando-se, portanto, a hipótese de finalização do pacto por mera manifestação de vontade e não de inadimplemento (resolução).


Além disso, o artigo 599 utiliza o termo “aviso prévio” e, como explicaremos adiante, tal expressão deve ser adotada apenas nas relações trabalhistas e não nas relações civis.


Já no contrato com prazo determinado, o tempo fixado no contrato deverá ser respeitado pelos contratantes, sob pena de inadimplemento e, se for assim previsto, haverá a penalização para o contratante que rescindir antecipadamente o acordo.


Notadamente, quando confeccionado um contrato de prestação de serviço com prazo certo, os contratantes podem ajustar a cláusula penal compensatória para o caso de rescisão antecipada do ajuste.


6. RETRIBUIÇÃO NA FALTA DE HABILITAÇÃO


Já explicamos a importância da contraprestação, sob a forma de pagamento do preço, no contrato de prestação de serviço. Cabe, neste item, investigar o seguinte: como ficará a questão da retribuição no caso do serviço ser executado por um prestador sem habilitação, quando obrigatória em lei, para a prática de certo ato?


Questão interessante inerente ao contrato de prestação de serviço reside na constitucionalidade ou não do artigo 606 do CC. Dispõe o mencionado dispositivo legal:


Art. 606. Se o serviço for prestado por quem não possua título de habilitação, ou não satisfaça requisitos outros estabelecidos em lei, não poderá quem os prestou cobrar a retribuição normalmente correspondente ao trabalho executado. Mas se deste resultar benefício para a outra parte, o juiz atribuirá a quem o prestou uma compensação razoável, desde que tenha agido com boa-fé.


Parágrafo único. Não se aplica a segunda parte deste artigo, quando a proibição da prestação de serviço resultar de lei de ordem pública.”


Dois requisitos podem ser extraídos desse artigo para ensejar a retribuição ao prestador do serviço: a comprovação do benefício para o tomador e a boa-fé do prestador.


O primeiro requisito se pauta numa noção de razoabilidade, equidade e proporcionalidade, já que o tomador obteve proveito com a atividade prestada pelo tomador. Já o segundo requisito se ajusta às bases principiológicas da codificação de 2002.


A doutrina questiona a inconstitucionalidade do artigo 606, parágrafo único, do CC, por entender que há violação ao artigo 1º, inciso IV, da Constituição da República.


Rodolfo Pamplona (2008, p. 246), sobre o tema, apresenta os seguintes questionamentos:


“Será que o indivíduo que presta efetiva orientação jurídica, tecnicamente adequada, mesmo sem ser bacharel, não merece uma retribuição? Ou, então, o curandeiro (ou pajé) da pequena comunidade do anterior ou grupo de cunho espiritual, que atua, no entender [sic] dos envolvidos, em benefício da coletividade?”


Aqui o debate gira em torno da amplitude da expressão “lei de ordem pública” prevista no artigo 606, parágrafo único, do CC. A grande questão é apurar se algumas condutas, como as indicadas acima, ferem preceitos de ordem pública e se, mesmo assim, há um enriquecimento indevido da parte contrária.


Entendemos que a ausência de habilitação pode, sim, ensejar prejuízos ao contratante enganado. No entanto, quando efetivamente o serviço for prestado e não for verificado nenhum transtorno efetivo ao tomador, cabe, neste caso, apurar uma justa retribuição pela obrigação de fazer prestada.


Neste prisma, se a atividade estiver relacionada às áreas de saúde, advocacia, engenharia, empreitada, dentre outras que possam afetar a segurança e a incolumidade do tomador, aí sim, em nossa opinião, o artigo 606 deve ser aplicado.


Dessa forma, quando a proibição da prestação de serviço derivar de lei de ordem pública, não se admite a produção de qualquer efeito ao contrato, nem mesmo o de pagamento de contraprestação para o prestador do serviço.


7. FORMAS DE EXTINÇÃO DO CONTRATO


Inicialmente, cumpre esclarecer que o Código Civil cuidou do tema extinção do contrato no Título V, do Capítulo II, que, por sua vez, é dividido em quatro seções: distrato, cláusula resolutiva, execução do contrato não cumprido e resolução por onerosidade excessiva.


Defendemos, diante das disposições do Código Civil de 2002, a seguinte classificação para as formas de extinção dos contratos: 1) Extinção normal; 2) Extinção por vício; 3) Extinção por resilição; 4) Extinção por resolução[6].


A extinção normal decorre do cumprimento direto da obrigação, a extinção por vício ocorrerá por nulidade ou anulabilidade do negócio obrigacional firmado entre as partes, já a extinção por resilição poderá ser bilateral ou unilateral e depende unicamente da vontade dos contratantes. A resolução refere-se à inexecução culposa ou involuntária do acordado.


A resolução opera a finalização do contrato por descumprimento das obrigações por uma das partes ou de ambas, seja por culpa sua, seja por ato estranho à sua vontade (caso fortuito, força maior e onerosidade excessiva).


O conceito de resolução está ligado a uma perturbação da prestação com a consequente desvinculação da parte adimplente como fruto dessa mesma quebra ou frustração do fim contratual (PROENÇA, 2006, p. 13). Não se pode, pois, aproximar os conceitos resolução, revisão e extinção.


O Código, quanto ao contrato de prestação de serviço, aborda detidamente, no artigo 607 do CC, o seguinte:


“O contrato de prestação de serviço acaba com a morte de qualquer das partes. Termina, ainda, pelo escoamento do prazo, pela conclusão da obra, pela rescisão do contrato mediante aviso prévio, por inadimplemento de qualquer das partes ou pela impossibilidade da continuação do contrato, motivada por força maior.”


Podemos, portanto, apontar como situações que ensejarão a extinção do contrato de prestação de serviço: 1) morte de um dos contratantes; 2) término do prazo indicado em contrato; 3) finalização do serviço; 4) denúncia; 5) inadimplemento; e 6) impossibilidade do cumprimento da obrigação.


Quanto ao inadimplemento, o Código Civil utiliza a terminologia “dispensa do contrato”. Tal dispensa pode ser classificada: dispensa motivada ou dispensa imotivada.


A dispensa imotivada, na forma do artigo 603, impõe àquele que deu término ao contrato a pagar ao outro contratante “por inteiro a retribuição vencida, e por metade a que lhe tocaria de então ao termo legal do contrato”.


Já a dispensa motivada, na forma do artigo 602, parágrafo único, do CC, por sua vez, ensejará àquele que deu causa ao término do contrato a pagar as prestações vencidas e a correspondente indenização.


Para ilustrar o inadimplemento, apontamos o julgado abaixo que trata do inadimplemento e da responsabilidade solidária na prestação de serviço médico:


“No recurso especial advindo de ação de indenização por danos materiais e morais por erro do anestesista durante cirurgia plástica, a tese vencedora inaugurada pelo Min. Luis Felipe Salomão estabeleceu que, incontroversa, nos autos, a culpa do anestesista pelo erro médico, o que acarretou danos irreversíveis à paciente (hoje vive em estado vegetativo), essa culpa, durante a realização do ato cirúrgico, estende-se ao cirurgião chefe, que responde solidariamente com quem diretamente lhe está subordinado. Aponta que cabe ao cirurgião chefe a escolha dos profissionais que participam da sua equipe, podendo até se recusar a trabalhar com especialistas que não sejam de sua confiança. Consequentemente, explica que, no caso de equipes médicas formadas para realização de uma determinada intervenção cirúrgica, o cirurgião chefe, que realiza o procedimento principal, responde pelos atos de todos os participantes por ele escolhidos e subordinados a ele, independentemente da especialização, nos termos do art. 1.521, III, do CC/1916 e art. 932, III, do CC/2002 c/c com os arts. 25, § 1º, e 34 do CDC. Também ressalta que, uma vez caracterizada a culpa do médico que atua em determinado serviço disponibilizado por estabelecimento de saúde (art. 14, § 4º, do CDC), responde a clínica de forma objetiva e solidária pelos danos decorrentes do defeito no serviço prestado (art. 14, § 1º, do CDC). Destaca ainda que, em relação à responsabilidade da clínica no caso dos autos, não se aplica precedente da Segunda Seção (REsp 908.359-SC, DJe 17/12/2008) sobre a exclusão da responsabilidade dos hospitais por prestação de serviços defeituosos realizados por profissionais que nele atuam sem vínculo de emprego ou subordinação, apenas utilizando suas instalações para procedimentos cirúrgicos. Na espécie, o contrato de prestação de serviço foi firmado entre a autora, a clínica e o cirurgião, que é sócio majoritário da sociedade jurídica, sendo os danos decorrentes da prestação defeituosa do serviço contratado com a empresa, por isso responde solidariamente a clínica. Com esse entendimento, a Turma, por maioria, conheceu em parte do recurso e, nessa parte, deu-lhe provimento, condenando os recorridos, a clínica e o cirurgião, a pagar danos morais no valor de R$ 100.000,00, acrescidos de juros a partir do evento danoso e correção monetária a partir dessa data e a pagar os danos materiais, que devem ser apurados em liquidação de sentença por arbitramento, além de honorários advocatícios de 10% sobre o valor da condenação. Note-se que o anestesista não foi parte integrante da lide. A tese vencida defendida pelo Min. João Otávio de Noronha, o Relator originário, consiste em que, diante do desenvolvimento das especialidades médicas, não se pode atribuir ao cirurgião chefe a responsabilidade por tudo que ocorre na sala de cirurgia, especialmente quando comprovado, como no caso, que as complicações deram-se por erro exclusivo do anestesista, em relação às quais não competia ao cirurgião intervir, e também afasta a responsabilidade solidária do cirurgião chefe, porquanto não se pode atribuir responsabilidade solidária pela escolha de anestesista de renome e qualificado. Por outro lado, o Min. Aldir Passarinho Junior acompanhou a divergência com ressalvas quanto à tese da responsabilidade do cirurgião chefe em relação ao anestesista, pois depende de cada caso. (STJ. Rel. originário Min. João Otávio de Noronha, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/9/2009).” (Grifos nossos).


Ainda sobre a questão do inadimplemento, deve-se distinguir o inadimplemento da impossibilidade inimputável, a saber: “se for esta parcial, não resolve o contrato, mas reduz proporcionalmente a retribuição; se for total, cessará a relação contratual, liberando ambas as partes de qualquer obrigação” (PEREIRA, 2005, p. 384).


Ressalta-se que a terminologia dispensa não é apropriada para ser empregada no âmbito da prestação de serviço. Tal terminologia melhor se ajusta à relação de emprego. Assim, entendemos que, nas relações de serviço presentes no âmbito civil, melhor será a aplicação dos termos “resilição” (manifestada pela vontade das partes) ou “resolução” (ocorrência do inadimplemento) do contrato.


Nesta perspectiva, tem sido criticada pela doutrina a utilização de expressões como aviso prévio, salário e despedida, próprias da legislação trabalhista, sendo mais adequadas para o âmbito do Direito Civil as seguintes expressões: denúncia ou resilição, retribuição e denúncia motiva ou imotivada.


Por fim, quando o prestador de serviços não foi contratado para certa e determinada atividade, entender-se-á que se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com as suas forças e condições. Assim, quando o contrato é celebrado por tempo certo, ou por obra determinada, não se pode interromper, ou resilir sem justo motivo o acordo, antes de preenchido o tempo ou concluída a atividade ajustada.


8. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Evidenciamos, neste breve estudo, alguns pontos de análise do contrato de prestação de serviço elencados, didaticamente, para uma melhor concepção deste negócio jurídico tão praticado no universo empresarial.


Para uma melhor compreensão terminológica, abordamos as noções conceituais, a natureza jurídica, os elementos contratuais e uma distinção necessária entre o contrato de prestação de serviço e empreitada.


Numa etapa mais específica e pragmática, abordamos pontos peculiares do referido negócio, a saber: a duração do contrato, a retribuição na falta de habilitação e, por fim, as formas de extinção do pacto.


Entendemos que o contrato de emprego não pode ser confundido com a prestação de serviço, já que esta se pauta nos seguintes caracteres: 1) Inexistência de subordinação; 2) Prestação de modo eventual; 3) Obrigação de fazer; e 4) Inexistência de registro na carteira de trabalho e do próprio contrato de trabalho.


Diante disso, pode-se dizer que são características do contrato de emprego: 1) Habitualidade; 2) Remuneração/onerosidade; 3) Subordinação jurídica; 4) Pessoalidade; e 5) Alteridade.


Pelo que se pôde observar, perfilhamos o entendimento que a prestação de serviços guarda similitudes com o contrato de emprego, mormente quanto aos efeitos, porém o traço distintivo é a subordinação jurídica ausente na prestação de serviços que se realiza sempre com autonomia.


 


Referências

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RUGGIERO, Roberto. Instituições de Direito Civil. Campinas: Bookseller, 1999.

SALOMO, Jorge Lages. In: DELGADO, Mário Luiz. ALVES, Jones Figueirêdo (Coord.). Questões Controvertidas no novo Código Civil. São Paulo: Método, 2004.

TELLES, Inocêncio Galvão. Direito das Obrigações. Coimbra: Coimbra Editora, 1997.

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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006. v.3.

WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

 

Notas:

[1] No direito romano havia três figuras com nomes começando pela palavra locatio: locatio rerum, locatio operarum e locatio operis. A primeira é a locação de coisa; a segunda é a locação de serviços; a terceira é a locação de obra, também denominada empreitada.

[2] “[…] o Direito do Trabalho não apenas serviu ao sistema econômico deflagrado com a Revolução Industrial, no século XVIII, na Inglaterra; na verdade, ele fixou controles para esse sistema, conferiu-lhe certa medida de civilidade, inclusive buscando eliminar as formas mais perversas de utilização da força de trabalho pela economia”. (DELGADO, 2008, p. 81).

[3] Alteridade quer dizer que o empregado presta serviços, mas não assume o risco pela atividade a ser realizada. Qualquer prejuízo na empresa será assumido pelo empregador. A alteridade revela que o empregado desempenha suas tarefas por conta alheia (MONTEIRO, 2005, p. 215).

[4] Artigo 3º da CLT: “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Parágrafo único – Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual”.

[5]  Artigo 76 da CLT: Salário mínimo é a contraprestação mínima devida e paga diretamente pelo empregador a todo trabalhador, inclusive ao trabalhador rural, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço, e capaz de satisfazer, em determinada época e região do País, as suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte.

[6] Tal assunto foi explorado no artigo Uma proposta de classificação para as formas de extinção dos contratos, publicado na Revista Eletrônica Jus Navigandi. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10154.


Informações Sobre os Autores

Bruna Lyra Duque

Doutora e Mestre do programa de pós-graduação stricto sensu em Direitos e Garantias Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Especialista em Direito Empresarial (FDV). Professora de Direito Civil da graduação e pós-graduação lato sensu da FDV. Advogada e sócia fundadora do escritório Lyra Duque Advogados

Carlos Alexandre Pascoal B. e Silva

Advogado. Aluno especial do Mestrado em Direitos e Garantias Constitucionais Fundamentais da FDV.


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