De antemão, devemos afirmar que o decurso do tempo é inafastável ao estudo do tema da prescrição e da decadência objetos deste trabalho. Isto porque a dimensão do tempo se revela ou se manifesta no direito sob a forma de diversos institutos, tanto no campo material como processual. No campo substantivo se apresenta, sobretudo, pelos institutos da prescrição e decadência.
A prescrição promove a consecução de um interesse jurídico-social, a saber: proporcionar segurança às relações jurídicas. É instituto de ordem pública. Nesta direção, aliás, citamos o recente art. 219, §5º da Lei nº 11.280/06 (alteração do Código de Processo Civil) no qual se demonstra a repercussão e a interferência estatal generalizada também quando da ocorrência da prescrição nas relações jurídicas. Nesta direção, uniformiza prescrição e decadência que passam, neste particular, a ter o mesmo tratamento.
O fenômeno prescritivo ocorre quando há perda da exigência da pretensão. Ou noutros termos, de acordo com Serpa Lopes, “o que se perde com a prescrição é o direito subjetivo de deduzir a pretensão em juízo, uma vez que a prescrição atinge a ação e não o direito”. O titular do direito lesionado possui em mãos a faculdade de movimentar a máquina judiciária a fim de recompor seus interesses. Contudo, a situação de tutela de pretensão não se perpetua no tempo, mas com ele se degenera, ou seja, existe prazo para seu exercício sob pena de incidir a prescrição, que surge como instituto cujo propósito é o de consolidar as relações interpessoais de cunho jurídico.
Dizer que a prescrição não atinge o direito em si, mas sua pretensão é dizer que seu titular pode vir a satisfazê-lo por outro meio. É admitir a preservação do direito, que pode ser recomposto, por exemplo, através da satisfação espontânea da pretensão. Por ser instituto de ordem pública é formado por algumas características basilares, a saber:
(a) a renúncia da prescrição só pode ser efetuada após decorrido todo seu prazo e se não houver prejuízo de terceiros;
(b) as prescrições eventualmente imprescritíveis devem ser declaradas por lei;
(c) seus prazos são peremptórios.
A consubstanciação do fenômeno da prescrição, por outro lado, cinge-se a alguns requisitos subseqüentes: a violação de um direito subjetivo; o surgimento da pretensão do titular do direito agredido – a ser exercida por uma ação adequada; o escoamento do prazo prescricional sem causa suspensiva, interruptiva ou impeditiva de seu curso; e, a inércia no curso temporal do titular da ação.
Há, de certo modo, uma particularidade “invertida” nos efeitos do instituto da prescrição. Referimo-nos à prescrição aquisitiva – que se revela quando os fatores de inércia e tempo vêm acompanhados de aquisição de direito real.
Os prazos prescricionais se bifurcam em ramos: ordinários (prazos gerais estabelecidos no Código Civil – arts. 205 e 206 do Código Civil) e especiais (estabelecidos casuisticamente). Existem ainda as ações imprescritíveis, aquelas que, por natureza, não se submetem a prazos para serem propostas ou exercidas. Denominam-se “ações imprescritíveis”.
A doutrina clássica consagrou dois critérios científicos para análise dos institutos de prescrição e decadência: o critério de Câmara Leal e o de Agnelo Amorim Filho.
Até a promulgação da Lei n º 10.406/02 (Novo Código Civil) foi indispensável o entendimento e a adoção de tais critérios porque nosso ordenamento, salvo no Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), não havia diferenciação segura ou taxativa entre os dois institutos.
Em lacônica síntese podemos externar que o critério de Câmara Leal se baseia na distinção da origem da ação. Cita para isso o professor Sílvio Rodrigues quando afirma:
I. “a prescrição supõe uma ação cuja origem é distinta da origem do direito, tendo, por isso, um nascimento posterior ao nascimento do direito;
II. a decadência supõe uma ação, cuja origem é idêntica à origem do direito, sendo, por isso, simultâneo o nascimento de ambas” (Rodrigues, Sílvio. Direito Civil: Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 320 ss).
Já pelo segundo o doutrinador – Agnelo Amorim Filho – conclui-se, basicamente, que a prescrição só inicia seu curso a partir da violação do direito, o qual se atrela, por sua vez, a uma respectiva ação. Donde se extrai o corolário de que toda ação de cunho condenatório estaria sujeita à prescrição; a de natureza declaratória seria imprescritível; e, por fim, a constitutiva, que teria prazo definido em lei, e estaria sujeita à decadência (Amorim Filho, Agnelo. Critério Científico para distinguir a prescrição da decadência e identificar as ações imprescritíveis, in Revista dos Tribunais, 300/7).
No que compete especificamente à decadência vale ressaltar que também possui origem do fato jurídico ordinário – tempo. Entretanto, na decadência, o fator tempo extingue o próprio direito do titular, caso ele não o exerça no lapso temporal determinado. É a perda do próprio direito em decorrência do decurso do tempo somado à inércia do titular, que não o exerceu oportunamente.
Ao contrário da prescrição, o prazo decadencial pode ser estabelecido também pela vontade das partes. Explique-se: caso a decadência de um determinado direito decorra de lei, o interessado não pode renunciá-la; porém, se decorrer da vontade das partes, torna-se renunciável, quando decorrido o prazo estabelecido.
Poderíamos, doravante, aqui enumerar uma série de distinções entre os institutos tratados posto que a doutrina mostra-se abundante, mas haveremos de nos limitar apenas a algumas que julgamos principais: o direito caduca e a pretensão prescreve; a decadência supõe um direito em potência, a prescrição requer um direito já exercido pelo titular, mas que tenha sofrido uma obstaculização, dando origem à violação daquele.
Outra diferença tradicional, balizada nas escolas italianas e francesas, embora hoje, senão superada, decerto mitigada pelo Código Consumerista, é a admissão de suspensão e interrupção dos prazos apenas para a prescrição, negando-as à decadência. Afirmamos enfraquecida devido à flexibilização promovida pelas novas correntes doutrinárias acerca desta característica e adotada entre nós, ilustrativamente, na Lei nº 8.078/90.
Por derradeiro, a nosso ver, a postura adotada pelo legislador na nova consolidação civil (Lei nº 10.406/02) demonstrou maturidade senão doutrinária; pragmática, ultimando quaisquer dúvidas sobre os institutos na medida em que foi expresso (ou taxativo) na apresentação das idéias e características que os circunscrevem de sorte a tornar seu posicionamento no ordenamento mais objetivo, categorizando situações que num passado próximo, ainda promoviam bastante insegurança entre os jurisdicionados.
Informações Sobre o Autor
Luciano Marinho de Barros e Souza Filho
Procurador Federal, pós-graduado em direito processo civil, professor da Faculdade de Direito de Recife (UFPE) e da Faculdade Escritor Osman Lins (FACOL).