O dolo no Direito Civil

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Resumo: O artigo em questão tem como intenção fazer uma breve explanação do dolo no Direito Civil, seus tipos e suas classificações, semelhanças e diferenças com os outros vícios de consentimento, tanto quanto suas características e requisitos para algum defeito ser considerado dolo civil. Também há a jurisprudência de um caso onde um negócio jurídico foi viciado por dolo para melhor entendimento da matéria em questão em um caso concreto. O trabalho, feito através de pesquisas em autores do campo do Direito Civil traz como resultado uma melhor explanação do dolo civil tanto para estudantes do Direito, quanto para os profissionais já em exercício da carreira.


Palavras chave: dolo civil, negócio jurídico, vícios de consentimento, Direito Civil.


Sumário: 1. Introdução; 2. Conceito; 3. Erro, Dolo e Fraude; 4. Características e Requisitos do Dolo; 5. Dolo Essencial (Principal) e Dolo Acidental; 6. Dolo Positivo e Dolo Negativo; 7. Dolus Bonus e Dolus Malus; 8. Dolo de Terceiro; 9. Dolo de Representante; 10. Dolo de Ambas As Partes; 11. Jurisprudência; 12. Considerações Finais; 13. Referências Bibliográficas.


1. Introdução


Para começar a se falar sobre dolo, é necessário esclarecer onde este assunto se encaixa no Direito Civil.


Segundo Venosa, “São fatos jurídicos todos os acontecimentos, eventos que, de forma direta ou indireta, acarretam efeito jurídico” (2008, p. 319), portanto, a partir desta explanação, podemos citar diversos exemplos de fatos jurídicos como um terremoto, a morte de uma pessoa, o divórcio de um casal, a venda de um carro. Seguindo este raciocínio, podemos separar fatos jurídicos em fatos naturais – quando decorrem de acontecimentos provocados pela ação da natureza (o terremoto que destrói uma casa é um fato jurídico, pois apresentou uma conseqüência jurídica) – e atos jurídicos, quando são concebidos por alguma ação humana.


Os atos jurídicos primeiramente são divididos em lícitos e ilícitos. Subseqüentemente, os atos jurídicos lícitos se subdividem em atos jurídicos em sentido estrito (ou meramente lícitos) e negócios jurídicos.


Para se entender esta divisão dos atos jurídicos lícitos, pode-se utilizar uma breve explicação de ato jurídico em sentido estrito de Maximilianus Cláudio Américo Führer:


“Ato Jurídico em sentido estrito é o delineado pela lei, na forma, nos termos e nos efeitos, com mínima margem de deliberação, como na descoberta de um tesouro, no reconhecimento de filho ou na interpelação judicial”. (2007, p. 48)


Por conseguinte, pode-se compreender que um ato jurídico é qualquer ação praticada pelo homem sem intenção de causar um efeito jurídico, no entanto acaba ocasionando-o. Segundo o mesmo autor, a definição de negócio jurídico:


“O negócio jurídico, ao contrário caracteriza-se pela maior liberdade de deliberação, na fixação dos termos e das decorrências jurídicas, como na compra e venda e nos contratos em geral. Negócio jurídico, diz von Bülow, é “norma concreta estabelecida pelas partes”.” (2007, p. 48)


Sempre que houver intenção específica de gerar algum efeito jurídico, ao obter, resguardar, transmitir, alterar ou extinguir direitos se estará diante de um negócio jurídico.


Para um negócio jurídico ter validade, é necessário: agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e forma prescrita ou não defesa em lei, como está redigido no artigo 104 do Código Civil. Porém, qualquer negócio jurídico é anulável se este for viciado por qualquer defeito indicado nos artigos 138 a 165 do CC. Esses defeitos são: erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores.


Chamados pelo Código de 1916 de vícios de consentimento (erro, dolo e coação) e vícios sociais (simulação e fraude contra credores), os atuais defeitos do negócio jurídico, tornam a vontade mal dirigida, mal externada.


Finalmente se pode concluir que o dolo é um defeito do negócio jurídico, que o torna anulável, e assim seguir para uma explicação mais detalhada deste defeito do negócio jurídico.


2. Conceito


Como o Código Civil Brasileiro não define dolo, para começar a compreendê-lo, pode se utilizar a famosa definição de Clóvis Beviláqua: “Dolo é artifício ou expediente astucioso, empregado para induzir alguém à prática de um ato jurídico, que o prejudica, aproveitando ao autor do dolo ou a terceiro.” Pode-se dizer, então, que dolo é qualquer meio utilizado intencionalmente para induzir ou manter alguém em erro na prática de um ato jurídico.


Porém, existem pensadores como Carvalho Santos e Larenz que discordam de Beviláqua e não consideram o prejuízo um elemento definidor do dolo, e que seria suficiente para sua configuração apenas um artifício que induz alguém a efetuar negócio jurídico, mesmo esse não tendo necessariamente propósito de causar dano ao enganado, já que a lei civil aplicada nesse caso não protege o patrimônio, e sim a liberdade de decisão.


Já Maria Helena Diniz se mostra adepta à definição de Beviláqua, como é mostrado na citação a seguir:


“Parece-nos contudo que a razão está com Clóvis, pois além de que, na prática, ocorre uma correspondência entre a vantagem auferida pelo autor do dolo e um prejuízo patrimonial sofrido pela outra parte, há, virtualmente, um prejuízo moral pelo simples fato de alguém ser induzido a efetivar negócio jurídico por manobras maliciosas que afetaram sua vontade”. (2004, p. 417)


Não se pode confundir o dolo civil com dolo criminal, que é a intenção de praticar qualquer ato que se diz contrário a lei. No direito penal, o crime é “doloso quando o agente quis resultado ou assumiu risco de produzi-lo” (Código Penal, art. 18, I). Também possui diferenças em relação ao dolo processual, que segundo Gonçalves, “decorre de conduta processual reprovável, contrária a boa-fé e que sujeita, tanto o autor como o réu que assim procedem a sanções várias, como ao pagamento de perdas e danos, custas e honorários advocatícios”. (2005, p. 375)


O dolo também distingue-se da simulação, na qual a vítima é lesada sem participar de negócio jurídico algum, já que a intenção na simulação é criar falsa visão do pretendido visando fraudar a lei ou prejudicar terceiros.


O dolo civil – como os outros vícios – tem a virtude de anular o negócio jurídico, como conta nos arts. 145 e 171 do Código Civil. Esse vício pode ocorrer por apenas um ato ou por série de atos, completando assim a conduta dolosa.


O dolo vicia o negócio jurídico porque para se ter um ato jurídico legítimo, é necessário vontade das partes, e, segundo Venosa:


“O elemento básico do negócio jurídico é a vontade. Para que essa vontade seja apta a preencher o conceito de um negócio jurídico, necessita brotar isenta de qualquer induzimento malicioso. Deve ser espontânea. Quando há perda dessa espontaneidade, o negócio está viciado. O induzimento malicioso, o dolo, é uma das causas viciadoras do negócio”. (2008, p. 393)


3. Erro, Dolo e Fraude


Segundo Stolze Gagliano e Pamplona Filho, o dolo é o erro provocado por terceiro, e não pelo próprio sujeito enganado. Pode-se confirmar que tanto o erro como o dolo são representações errôneas da realidade, porém, no dolo, esta representação errônea é provocada por um terceiro, como usualmente é dito pela doutrina que o erro é espontâneo e o dolo surge provocado.


Outra semelhança que se pode tomar em questão, segundo Venosa, é que, da mesma maneira que há erro essencial e erro acidental, existe dolo principal (ou essencial) e dolo incidente, com as mesmas conseqüências: a primeira opção dos dois defeitos resulta na anulabilidade do negócio e a segunda, não. De acordo com o mesmo autor, “o dolo essencial, assim como erro essencial, são aqueles que afetam diretamente a vontade, sem os quais o negócio jurídico não teria sido realizado”. (2008, p. 394)


Costumeiramente, as ações anulatórias de negócios jurídicos são fundadas no dolo, uma vez que o erro tem natureza subjetiva, não havendo, assim, como precisar o que realmente se passa na mente do autor no momento do negócio. Assim, as partes legitimadas preferem alegar dolo e demonstrar o artifício ardiloso da outra parte, menos difícil de se evidenciar.


Em relação à fraude, segundo Venosa, esta tem intenção de burlar lei ou convenção preexistente ou futura. Já o dolo surge no mesmo momento do negócio jurídico e tem como objetivo enganar o próximo. Ainda de acordo com o mesmo autor, “a fraude geralmente visa à execução do negócio, enquanto o dolo visa à sua própria conclusão”. (2008, p. 394)


Um ótimo exemplo para o entendimento de dolo e fraude também vem de Venosa: “há dolo quando alguém omite dados importantes para elevar o valor do seguro a ser pago no caso de eventual sinistro; há fraude se o sinistro é simulado para o recebimento do valor do seguro”. (2008, p. 394)


4. Características e Requisitos do Dolo


Existe a necessidade de o dolo ser essencial, ou seja, ele que impulsiona a vontade do declarante. Para viciar o negócio, este deve estar na base do negócio jurídico, caso contrário, será dolo acidental e não viciará o ato. O artigo 145 explica que o dolo deve ser a causa da realização do negócio jurídico, sendo assim chamado de dolo principal ou essencial.


Conforme o artigo 148, o dolo deve promanar do outro contratante ou, se vindo de terceiro, o outro contratante dele deve ter conhecimento. Outra característica interessante é que, como mencionado anteriormente, para parte da doutrina o prejuízo é secundário no dolo, e o que realmente importaria seria a intenção de enganar, de prejudicar. Segundo Serpa Lopes (1962), o ato ou negócio é anulável ainda que a pessoa seja levada a praticar ato objetivamente vantajoso, mas que ela não desejava.


O silêncio intencional, ou seja, uma das partes omitir algum fato relevante ao negócio jurídico também constitui negócio jurídico.


O prazo para se anular um negócio jurídico é de quatro anos, contado do dia em que se realizou o negócio, segundo artigo 178, inciso II.


5. Dolo Essencial (Principal) e Dolo Acidental


Segundo Maria Helena Diniz, “o dolo principal é aquele que dá causa ao negócio jurídico, sem o qual ele não se teria concluído (CC, art. 145), acarretando, então, a anulabilidade daquele negócio” (2004, p. 418). Pode se concluir, portanto, que o dolo é essencial quando se não fosse pelo dolo, o negócio não se concretizaria, por isso que a anulação do negócio é válida nesse caso.


Já no caso do dolo acidental existe a intenção de enganar, todavia o negócio aconteceria com ou sem dolo; porém surge ou é concluído de forma mais onerosa ou menos vantajosa para a vítima. Ele não tem influência para a finalização do ato, conforme dita o artigo 146: “É acidental o dolo, quando a seu despeito o ato se teria praticado, embora por outro modo”. O dolo acidental não acarreta a anulação do negócio jurídico, porém obriga o autor do dolo a satisfazer perdas e danos da vítima.


Um ótimo exemplo de dolo acidental vem de Stolze Gagliano e Pamplona Filho:


“O sujeito declara pretender adquirir um carro; escolhendo um automóvel com cor metálica, e, quando do recebimento da mercadoria, enganado pelo vendedor, verifica que a coloração é, em verdade, básica. Neste caso, não pretendendo desistir do negócio poderá exigir compensação por perdas e danos”.


Pode-se compreender que o autor do negócio já tinha intenção de comprar um automóvel, e foi enganado apenas na cor deste, que suponhamos que não era de suma importância para a vítima. Agora um exemplo de dolo essencial dos mesmos autores:


“Diferente, seria, porém, a situação em que ao sujeito somente interessasse comprar o veículo se fosse da cor metálica – hipótese em que este elemento faria parte da causa do negócio jurídico. Nesse caso, tendo sido enganado pelo vendedor para adquirir o automóvel, poder-se-ia anular o negócio jurídico com base em dolo.”


Agora nota-se que um requisito para a compra do automóvel era que ele fosse de cor metálica, portanto se ele tivesse uma pintura básica o negócio não se concretizaria, e aconteceu graças ao dolo do vendedor, que enganou o comprador e viciou a sua vontade.


Como o dolo essencial já está acoplado ao negócio jurídico desde seu início – já que este intenciona a vítima desde antes da concretização do negócio – Segundo Venosa, “procura-se por outro lado identificar o dolo incidente como aquele praticado no curso de negociação já iniciada. Com freqüência isso pode ocorrer, mas não é caso exclusivo de dolo incidental” (2008, p. 396).


Diferenciar dolo essencial de dolo acidental é uma tarefa trabalhosa e complicada, este trabalho cabe ao juiz durante a averiguação e avaliação das provas.


6. Dolo Positivo e Dolo Negativo


Quanto à atuação do agente, o dolo poderá ser positivo (comissivo) ou negativo (omissivo). O positivo acontece a partir de uma atuação comissiva, como exemplo de atuação comissiva, Venosa diz que “é comissivo o dolo do fabricante de objeto com aspecto de ‘antigüidade’ para vendê-lo como tal” (2008, p. 397).


Já o dolo negativo decorre de uma omissão, uma ausência maliciosa juridicamente relevante, como dispõe o artigo 147: “nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado”. Segundo Stolze Gagliano e Pamplona Filho, “é o caso do silêncio intencional de uma das partes, levando a outra a celebrar negócio jurídico diverso do que pretendia realizar” (2008, p. 354).


Há o costume em certa parte de doutrinadores de acreditar que o dolo omissivo só verdadeiramente existe quando alguma das partes tem o dever de informar. Conforme Venosa, “tal dever, quando não resulta da lei ou da natureza do negócio, deve ser aferido pelas circunstâncias” (2008, p. 397 e 398). Pode se dar de exemplo um vendedor, que não deve se omitir diante de um erro do comprador sobre as qualidades de determinado produto que, obviamente, conhece melhor. Pode-se dizer que é a boa-fé que deve guiar os contratantes e ser a base que o julgador deve pautar-se.


Chega-se a conclusão, portanto, que são requisitos do dolo negativo: intenção de induzir o outro contratante de praticar o negócio e se desviar de sua real vontade, de induzi-lo a erro; silêncio sobre uma circunstância não conhecida pela outra parte; relação de causalidade entre a omissão dolosa intencional e a declaração de vontade; ser a omissão do próprio contratante e não de terceiro.


7. Dolus Bonus e Dolus Malus


Esta classificação de dolus bonus e dolus malus vem do direito romano. Dolus bonus seria o dolo tolerável, que não teria gravidade suficiente para viciar a manifestação de vontade. É comumente encontrado no comércio em geral, onde comerciantes exageram nas qualidades de suas mercadorias. Isso não torna o negócio jurídico anulável, pois o homem deve ter a diligência de não deixar se envolver por este tipo de dolo.


Vale lembrar que, todavia, o Código de Defesa do Consumidor veta a propaganda enganosa, suscetível de induzir em erro o consumidor. Portanto, o dolus bonus não “dá salvo-conduto para o exagero”, só é considerado legal quando não tiver a capacidade de induzir o consumidor em erro.


Já o dolus malus é formado pelo emprego de manobras astuciosas com intenção de prejudicar alguém. Segundo Diniz, “é desse dolo que trata nosso Código Civil, erigindo-o em defeito do ato jurídico, idôneo a provocar sua anulabilidade, dado que tal artifício consegue ludibriar pessoas sensatas e atentas” (2004, p. 417 e 418).


Segundo a mesma autora, “Não há normas absolutas que possibilitem diferenciar essas duas espécies de dolo, cabendo ao órgão judicante, em cada caso concreto, levar em conta a inexperiência e o nível de informação da vítima” (2004, p. 418). Isto quer dizer que, cabe ao julgador averiguar provas e o caso concreto, e também analisar as partes do negócio para diferenciar qual espécie de dolo seria existente.


8. Dolo de Terceiro


Também é possível que ocorra o dolo partindo de um terceiro fora da eficácia direta do negócio jurídico. Este tipo de dolo se chama dolo de terceiro. Conforme dispôs o Código Civil:


“Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou”. (art. 148)


Ou seja, o dolo de terceiro só pode configurar a anulação do negócio jurídico se alguma das partes tiver conhecimento deste. Deve haver uma participação do beneficiado na consumação do negócio viciado para anulá-lo. Caso nenhuma das partes esteja a par do dolo, o terceiro tem apenas a obrigação de ressarcir todas perdas e danos da parte que foi lesada, não anulando o negócio jurídico.


O dolo de terceiro pode ocorrer em três casos: quando há cumplicidade da parte; com mero conhecimento da parte a quem aproveita; sem que do dolo o favorecido tenha conhecimento. Apenas na última dessas hipóteses o negócio jurídico não é anulável, mas o autor do dolo, por ter praticado ato ilícito, responderá por perdas e danos – como dito previamente – conforme o artigo 186 do Código Civil, no qual dita que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.


A doutrina critica o legislador por não permitir a anulação do negócio no caso de dolo de terceiro desconhecido pelas partes. Porém nesse ato, é protegida a boa –fé do contratante que não sabia de nada, em detrimento do desvio de vontade do declarante. O próprio artigo 148 do atual Código Civil se mostra mais abrangente sobre esse assunto. Essa inovação no texto do artigo, segundo Venosa “permite maior âmbito de decisão ao julgador, pois poderá ser anulado o negócio em circunstâncias em que o beneficiado com o dolo de terceiro, presumivelmente, tivesse conhecimento” (2008, p. 400).


Outra objeção feita pela doutrina é sobre o tratamento diverso recebido pelo atual estatuto em relação ao dolo de terceiro no antigo artigo 95 (art. 148) e à coação praticada por terceiro no artigo 101 do Código de 1916 (arts. 154 e 155). No dolo, se a parte beneficiada não tomou conhecimento, o negócio não é anulável. Entretanto, ao se falar de coação, esta “vicia o ato, ainda que exercida por terceiro” (art. 101, caput).


Conclui-se, portanto, que, se tanto na coação quanto no dolo há desvio de vontade, não existiria razão para tratamentos distintos. Como assegura Sílvio Rodrigues (2006), a maior diferença deve estar nos efeitos de ambas situações. A solução mais eficaz para esta questão seria manter o negócio decorrente de dolo ou coação de terceiro, respeitando a boa-fé do contratante que não tinha conhecimento do vício.


9. Dolo de Representante


Quando o dolo provém de representante da parte beneficiada pelo negócio defeituoso, a lei tem distinções entre os efeitos suportados pelo representante.


Antigamente, no Código Civil de 1916, o representado era responsável tendo ciência ou não do dolo do representante. Isto acabava sendo injusto, pois no caso da representação legal, por exemplo, o representado não tem responsabilidade alguma nas escolhas do representante, sejam lá quais elas forem. Já na representação convencional, cabe ao representado escolher um representante confiável, sob pena de responder, por culpa na escolha, solidariamente por perdas e danos.


Atualmente, no novo Código Civil esta distorção foi corrigida, como visto abaixo:


“O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo for do representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos”. (art. 149,)


Portanto a partir da mudança do artigo, o representado legalmente, segundo Coelho, “não poderá ser responsabilizado civilmente além do proveito que tiver aferido.” (2006, p. 338).


10. Dolo de Ambas As Partes


Tendo as duas partes do negócio jurídico agido com dolo, há uma igualdade na desonestidade. A lei pune a conduta de ambas as partes, não permitindo a anulação do ato, conforme artigo 150: “se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo, para anular o negócio ou reclamar indenização”.


11. Jurisprudência


Na jurisprudência abaixo, vê-se um caso de um negócio jurídico viciado por dolo. No caso em questão, o apelante ludibriou a apelada e seu pai, pegando os documentos do caminhão para verificar a possibilidade de financiamento, devolvendo-os sem realizar a compra, e nesse meio tempo, utilizou estes documentos para alienar o veículo e obter a quantia de setenta mil reais.


Apelação cível n. 2004.032539-9, de Joinville.


Relator: Des. Trindade dos Santos.


DECLARATÓRIA. Nulidade de ato jurídico. Veículo. Alienação. Assinaturas falsificadas. Litígio envolvendo pessoas físicas. Câmaras de Direito Comercial. Incompetência recursal. Redistribuição determinada.


A sentença que reconhece a ocorrência de fraude em transação de compra e venda de veículo, declarando a nulidade do respectivo ato jurídico, mormente quando envolve pessoas físicas, expressa matéria de cunho nitidamente civil. Desta forma, são incompetentes recursalmente para reexaminá-la as Câmaras de Direito Comercial.


Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 2004.032539-9, da comarca de Joinville (1ª Vara Cível), em que é apelante Rodrigo Luiz Cizeski, sendo apelada Fabiana Salomão Mazzi:


ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Comercial, por votação unânime, não conhecer do recurso, determinando a sua redistribuição a uma das Câmaras de Direito Civil deste Tribunal.


Custas de lei.


 I -RELATÓRIO:


Inconformado com a sentença que julgou procedente o pedido formulado por Fabiana Salomão Mazzi, na ação declaratória de nulidade de ato jurídico, sendo determinada a nulidade do ato de transmissão de propriedade do caminhão marca Scania, modelo T 113, placas BYD 8603, determinando que o Detran/SC expeça Certificado de Registro de Veículo em nome da autora, cancelando-se aquela operada com fraude, ordenando, ainda, que o Banco do Brasil S/A expeça Carta de Liberação do cargueiro em nome de Fabiana, condenando o réu, também, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, Rodrigo Luiz Cizeski interpôs recurso de apelação.


Sustentou o recorrente inexistirem provas nos autos de ter sido ele o autor do ato dito fraudulento, assinando o recibo de transferência do caminhão em questão. Além disso, afirmou inexistir informação precisa de quem detinha o recibo de compra e venda do veículo, muito menos que referido documento encontrava-se em suas mãos, resumindo-se a meras alegações a ocorrência da apontada falsificação.


Alegou que a recorrida pretendeu, em verdade, apenas dar um golpe, pois além de locupletar-se com o produto do financiamento, também ficou com o caminhão transacionado, ao passo que o apelante experimentou a totalidade do prejuízo.


Asseverou que a perícia apenas constatou que a assinatura da apelada não partiu de seu próprio punho. Contudo, também não há prova alguma de que a transferência tenha sido feita por meio de uma assinatura efetuada pelo recorrente, o que certamente poderia ter sido feito por alguém das relações da autora.


Disse que seu prejuízo é total, pois além de ter pago o financiamento junto ao banco, também ficou sem o mencionado veículo, mesmo sabendo que o adquiriu de boa-fé, merecendo que o recibo a ser emitido pela autoridade policial competente seja feito em seu nome.


Requereu, por fim, a reforma da sentença vergastada e a inversão dos ônus sucumbenciais.


Houve resposta.


II -VOTO:


A princípio, esclarece-se que a presente demanda tem por objeto a declaração de nulidade da transferência de propriedade do caminhão Scania, modelo T 113, placas BYD 8603, que pertencia a autora, mas restou transferido ao réu, mediante a falsificação da assinatura da proprietária.


Já em suas razões de recurso o apelante restringe suas alegações à inexistência de provas de que tenha sido ele a realizar a falsificação da assinatura da recorrida no documento de Autorização para Transferência de Veículo, pleiteando a reforma da decisão para que o caminhão envolvido permaneça na sua propriedade.


Não se pode conhecer do recurso interposto, em razão da manifesta incompetência desta Câmara de Direito Comercial para elucidar as controvérsias que integram a presente lide.


As avenças versantes sobre ações relativas à nulidade de ato jurídico são de natureza essencialmente civil.


Consoante a regra insculpida no art. 6º, inciso II – publicado no Diário da Justiça n. 10.519, em 11.08.2000, pág.1/2 -, as 3ª e 4ª Câmaras Civis (hodiernamente denominadas 1ª e 2ª Câmaras de Direito Comercial) ficam competentes para conhecer dos recursos e feitos originários de Direito Privado, relacionados com o Direito Comercial, inclusive Direito Falimentar e todas as causas relativas a obrigações ativas ou passivas de interesse de instituições financeiras subordinadas à fiscalização do Banco Central, bem como os feitos relacionados a questões processuais das matérias previstas neste item.


Ademais, conforme a definição conjunta tomada pelos membros das quatro primeiras Câmaras Civis deste Tribunal de Justiça, de 18.12.2000, ficou expressamente decidido que as ações estribadas em compra e venda civil e, em conseqüência, a discussão acerca da nulidade dessa negociação, devem ser analisadas pelas Câmaras especializadas em Direito Civil, tendo o Ato Regimental n. 41/2000 estipulado quais as ações que seriam da competência daqueles colegiados:


“I – As 1ª e 2ª Câmaras Civis, competentes em matéria de Direito Civil, julgarão os recursos de ações envolventes de: (…)


30. Compra e Venda – Civil (Rescisão de Contrato – Execução – Cobrança).”


Em situações análogas, disse esta Corte:


“Ação de nulidade de ato jurídico c/c perdas e danos. Contrato de compra e venda de linha telefônica. Incompetência recursal de Câmara de Direito Comercial. Ato Regimental n. 57/02-TJ, art. 3º. Redistribuição a uma das colendas Câmaras de Direito Civil.” (Ap. Cív. n. 00.010222-9, de Blumenau, rel. Des. NELSON SCHAEFER MARTINS).


“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – INCOMPETÊNCIA DAS CÂMARAS DE DIREITO COMERCIAL – EXEGESE CONJUNTA DO ART. 6º, II, DO ATO REGIMENTAL N. 41/00 E ART. 3º, CAPUT, DO ATO REGIMENTAL N. 57/02 DO TJSC – NÃO CONHECIMENTO.” (Ap. Cív. n. 2003.026769-7, de Joinville, rel. Des. GASTALDI BUZZI)


Considerada, pois, a natureza da relação posta à apreciação judicial, subtraída a questão do âmbito da especialização das Câmaras de Direito Comercial, evidencia-se a incompetência deste órgão para o julgamento do reclamo sob enfoque, razão pela qual determina-se a remessa dos autos a uma das Câmaras de Direito Civil deste egrégio Tribunal para análise.


III -DECISÃO:


Nos termos do voto do relator, não se conhece do recurso e determina-se a remessa dos autos à Diretoria Judiciária, para fins de redistribuição a uma das Câmaras de Direito Civil deste Tribunal.


Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Nelson Schaefer Martins e Sérgio Roberto Baasch Luz.


 Florianópolis, 12 de maio de 2005.


Trindade dos Santos


PRESIDENTE E RELATOR


12. Considerações Finais


Pode-se dizer que o dolo é um dos artifícios mais utilizados para se viciar um negócio jurídico, principalmente no Brasil, onde enganar os outros para se tirar proveito próprio já é algo do cotidiano do povo brasileiro, infelizmente já se tornou parte da cultura brasileira.


Também é bastante utilizado para se anular o negócio jurídico no lugar do erro, já que, como visto anteriormente, é muito menos trabalhoso alegar e comprovar o dolo do que erro.


Também cabe ressaltar que nosso novo Código Civil inovou em diversos aspectos do dolo, principalmente ao se falar de dolo de terceiro e dolo de representante, no qual existiam algumas falhas no antigo Código de 1916.


 


Referências Bibliográficas

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria Geral do Direito Civil. 21. Ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Resumo de Direito Civil. 36. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 1.

LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil. 4. Ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1962. v. 1.

RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 1981

STOLZE GAGLIANO, Pablo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso De Direito Civil. 10. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1.

VENOSA, Silvio de Salvo. Comentários Direito Civil, Parte Geral. 8. Ed. São Paulo: Atlas, 2008.


Informações Sobre o Autor

Diogo Dias Ramis

Acadêmico de Faculdade de Direito da FURG


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