Resumo: Há várias situações que deixam os estudiosos perplexos diante da aparente interpretação conceitual de direito real e direito obrigacional, pois algumas situações jurídicas dispostas na lei ou imposto por contrato possuem características tanto de direito real com de direito obrigacional. Estas situações são denominadas de figuras intermediárias.
Sumário: Introdução. 1. Ônus Reais. 2. Obrigações Protem REM. 3. Obrigações com eficácia real. 4. Sub-rogação real. Referencias bibliográficas.
Introdução
Há várias situações que deixam os estudiosos perplexos diante da aparente interpretação conceitual de direito real e direito obrigacional, pois algumas situações jurídicas dispostas na lei ou imposto por contrato possuem características tanto de direito real com de direito obrigacional. Estas situações são denominadas de figuras intermediárias.
1. Ônus Reais:
Silvio Salvio Venosa conceitua ônus reais “como o gravame que recai sobre uma coisa, restringindo o direito do titular de direito real”[1]. Já Carlos Roberto Gonçalves afirma que “são obrigações que limitam o uso e gozo da propriedade constituindo gravames ou direitos oponiveis erga omnes” [2]. Maria Helena Diniz afirma que os ônus reais “são obrigações que limitam a fruição e a disposição da propriedade. Representam direitos sobr ecoisa alheia e prevalecem erga omnes”[3] e exemplifica como ônus reais: a servidão predial, a enfiteuse, o usufruto, o uso, a habitação, a superficie, a hipoteca, o penhor e a anticrese.[4]
Segundo a doutrina estrangeira, em especial a portuguesa, os ônus reais também são “obrigações geralmente de prestação periódica ou reiterada relacionada com certa coisa que acompanha na sua transmissão”[5]. Tradicionalmente, os ônus reais surgem nos casos em que o proprietário de um imóvel se encontra obrigado, nessa qualidade de proprietário, ao cumprimento de certa prestação, reiterada ou periodicamente, em gêneros ou em dinheiro e, por esse pagamento responde sempre o imóvel, seja quem for o respectivo proprietário à execução. Os ônus reais englobam duas figuras, a obrigação real e a garantia real (neste caso a garantia imobiliária), isto não quer dizer que estas duas relações se fundam em uma única, ou seja, em cada uma destas relações mantêm-se a sua natureza, não se alterando para constituírem uma nova, mas, entretanto elas se entrelaçam. Isto, ocorre no direito portugues porque os direitos de hipoteca, de penhor são considerados como garantias especiais das obrigações (art. 623, do Código Civil Português). [6]
Os ônus reais não são uma mera obrigação real porque naqueles se o direito de propriedade for transmitido, a coisa continua a responder pelas prestações anteriormente vencidas podendo o credor promover a execução de coisa certa, assim, logo, o credor tem o direito de preferência face aos demais credores.[7] No entanto, nas obrigações reais isto não acontece porque “a coisa só fica vinculada às obrigações constituídas na vigência do seu direito”. [8] Na opinião de João de Matos Antunes Varela, estas figuras são consideradas como híbridas[9].
Podemos conceituar ônus reais como sendo os gravames que limitam a fruição e a disposição da propriedade.
No entanto, os ônus reais, no direito brasileiro, podem ser classificados como direitos reais, quando for expressamente imposto o ônus de forma taxativa na lei (direitos reais de fruição e de garantia) ou imposto por contrato como o direito de constituição de renda (art. 804, do CC).
A Súmula nº 308 do STJ dispõe que “a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”.
O STJ possui o entendimento que as obrigações proptem rem constituem ônus reais. “O entendimento desta Corte é tranqüilo no sentido de que os encargos de condomínio constituem ônus real, devendo o adquirente do imóvel responder por eventual débito existente. Trata-se de obrigação propter rem” .[10]
Para sistematizar vejamos o fluxograma dos ônus reais.
2. Obrigações Protem rem:
Segundo Carlos Roberto Gonçalves é a obrigação que recai sobre uma pessoa, por força de determinado direito real e segundo este autor a sua natureza juridica é de direito obrigacional, pois a mesma surge ex vi legis, sendo atrelada a direitos reais, pois esta obrigação emerge da coisa.[11]
Silvio Rodrigues afirma que a obrigação proptem rem nao deriva diretamente da relaçção entre credor e o devedor, porém se estabelece por causa do vínculo existente entre eles graças a um bem determinado.[12]
Maria Helena Diniz afirma que a obrigação proptem rem é uma obrigação acessória vinculada há um direito real. Sua espécie jurídica fica, segundo essa autora, entre o direito real e o pessoal, pois os direitos e deveres decorrem do domínio. Sua natureza jurídica é a de uma obrigação ambulatória, autonôma, por acompanhar o bem, pouco importanto se a dívida é anterior a nova aquisição por outra pessoa, ou não[13].
Afirmam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald que a obrigação proptem rem “trata-se de obrigações em que a pessoa do credor ou do devedor individualiza-se nao em razão de um ato de autonomia provada, mas em função da titularidade de um direito real”. [14]
As obrigações proptem rem são os vínculos jurídicos em virtude dos quais o titular de um direito real fica adstrito para com outrem à realização de um prestação, que na opinião de Henrique Mesquita[15] só ocorre em uma prestação de conteúdo positivo e, esta pode ser uma obrigação de dare ou de facere. Em outras palavras, são obrigações que se impõem aos titulares de direitos reais não podendo assim abranger os comportamentos de abstenção.
A pessoa torna-se devedora, na obrigação proptem rem, pela circunstância de ser titular de algum direito sobre o bem, ou seja, a obrigação proptem rem é aquela que credor da coisa, pois acompanha, pouco importado a mudança da titularidade do bem. Desta forma, estariamos perante um obrigação mista.
Como obrigação proptem rem mencionamos: a obrigação do condômino em concorrer, na proporção de sua parte, para as despesas de conservação ou divisão da coisa comum (art. 1.315, do CC); as do proprietário de apartamento, num edificio em condominio, de não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas (art. 1.336, III, do CC); a do proprietário de imóveis confinantes concorrer para as despesas de construção e de conservação dos tapumes divisorios (art. 1.297, do CC); O condômino é obrigado a concorrer, na proporção de sua parte, para as despesas de conservação ou divisão da coisa e suportar na mesma razão os ônus, a que estiver sujeita (art. 1.315, do CC); O adquirente de um imóvel hipotecado deve pagar o débito que o onera, se o quiser liberar. Em rigor ele não contraiu a dívida, talvez tenha mesmo ignorado sua existência por ocasião da compra (art. 17, do DL nº 25/37). Tais obrigações não derivam da vontade do proprietário do prédio, mas lhe advém da circunstância de ser proprietário do prédio; O adquirente de unidade autônoma responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios (art. 1345, do CC).
Maria Helena Diniz apresenta como traços característicos das situações jurídicas proptem rem: a) a determinação indireta do sujeito; b) a transmissibilidade ao sucessor, a título particular; c) a possibilidade do abandono liberatório. [16]
É licita a trnsferência da obrigação de pagamento das taxas de condominio, tendo em vista que o CC não proibe e a Lei de Locação no art. 23, inc. XII, permite que o locatário seja responsável pelo pagamento das despesas ordinárias de condomínio, mas caso não corra o pagamento por parte do locatário, o locador é quem tem legitimidade para figurar no pólo passivo da ação que visa a cobrança de quotas condominiais em atraso, o que não o impede de demandar o locatário, em outros autos, caso o contrato preveja a responsabilidade deste último pelo pagamento das despesas condominiais. [17]
Na mesma linha, recentemente o STJ decidiu que “o adquirente, em arrematação, responde pelos encargos condominiais incidentes sobre o imóvel arrematado, ainda que anteriores à arrematação, tendo em vista a natureza propter rem das cotas condominiais.”[18]
“Ação de cobrança. Despesas de condomínio. Legitimidade passiva.
1. Taxa de condomínio, porque obrigação propter rem, que persegue a coisa, tanto pode ser exigida do titular do domínio como do cessionário ou do promitente comprador.
2. Não é necessário o registro imobiliário para efeitos de cobrança de taxas condominiais, sendo a parte legítima para responder ação o possuidor ou o proprietário do imóvel.
3. Recurso conhecido e improvido”[19]
“Agravo de instrumento – cumprimento de sentença – cobrança de taxas condominiais – responsabilidade do proprietário constante no registro do imóvel – promessa de compra e venda. O contrato particular de compra e venda sem o competente registro em cartório somente faz lei entre promitente vendedor e promissário comprador, não podendo ser oponível contra o condomínio, fato que impede que o proprietário constante no registro do imóvel o invoque para se eximir do pagamento das taxas condominiais inadimplidas, mormente se não restou cabalmente comprovado nos autos que o condomínio tinha ciência inequívoca da venda. Recurso provido.”[20]
Mas advertem Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald que este tipo de obrigação não se prende necessariamente ao registro, pois impõe ônus reais. Este também é a posição do STJ:
“Somente quando já tenha recebido as chaves e passado a ter assim a disponibilidade da posse, do uso e do gozo da coisa, é que se reconhece legitimidade passiva ao promitente comprador de unidade autônoma quanto às obrigações respeitantes aos encargos condominiais, ainda que não tenha havido o registro do contrato de promessa de compra e venda. Sem que tenha ocorrido essa demonstração, não há como se reconhecer a ilegitimidade da pessoa em nome de quem a unidade autônoma esteja registrada no livro imobiliário”.[21]
3. Obrigações com eficácia real:
De acordo com Maria Helena Diniz as obrigações terá eficácia real quando, sem perder seu caráter de direito a uma prestação, se trnsmite e é oponivel a terceiro que adquira o direito sobre determiando bem[22], pois certas obrigações resultantes de contratos alcançam, por força de lei, a dimensão de direito real[23].
Estas obrigações não podem ser consideradas como de natureza real, pois, pelo princípio da tipicidade a eles inerentes, toda limitação ao direito de propriedade que nao esteja prevista em lei como direito real tem natureza obrigacional.
Como obrigação com eficacia real mencionamos: a obrigação estabelecida no art. 576 do CC, pelo qual a locação pode ser oposta ao adquirente da coisa locada, se constar do registro.
“Agravo regimental. Locação. Direito de preferencia. Contrato não registrado. Impossibilidade. Recurso especial. Momento de interposição.
1. Exige-se o registro do contrato locaticio no cartorio competente, para o exercicio do direito de preferencia.
2. Enquanto pendentes embargos infringentes, não pode a materia neles versada ser impugnada via recurso especial, por prematuro o momento.
3. Recurso improvido.”[24]
Outro exemplo é o caso do compromisso do promitente comprador quando nao efetua o registro do contrato no Cartório de Registro de Imóveis. [25]
A Súmula 84 do STJ prevê que “é admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro”.
4. Sub-rogação real:
A sub-rogação é uma forma de pagamento, o qual é mais uma das formas de extinção de uma obrigação. Ocorre quando um terceiro interessado paga a dívida do devedor, colocando-se no lugar de credor. Neste caso, a obrigação só se extingue em relação ao credor satisfeito, mas continua existindo em relação àquele que pagou a dívida.
Há dois tipos de sub-rogação: a real (objetiva) e a pessoal (subjetiva). A sub-rogação real caracteriza-se pela substituição do objeto, por imposição legal, da coisa devida, onde a segunda fica no lugar da primeira com os mesmos ônus e atributos, ou seja, é “quando uma coisa de um patrimônio é substituída por outra. È o que ocorre se se substituem os vínculos de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade de um imóvel a outro (art. 1.848, §2º, do CC). Já sub-rogação pessoal é substituição de uma pessoa por outra, onde a segunda fica no lugar da primeira, com os mesmos direitos e ações cabíveis (troca de avalista ou fiador). Resumidamente a sub-rogação real, ocorre a substituição dos elementos objetos da relação jurídica, enquanto a sub-rogação pessoal a modificação ocorre no pólo subjetivo da relação jurídica.
O TJDF decidiu
“Civil e processual civil. Partilha de bens. Imóvel alienado para terceiro antes da propositura da ação. Litisconsórcio necessário. Veículo. Sub-rogação real. Inexistência de prova a respeito. Recurso parcialmente provido.
1. Resultando dos autos que o imóvel, cuja partilha se persegue, restou alienado para terceiro antes mesmo da propositura da ação, não há como partilhá-lo se tal terceiro não participa da relação processual, podendo, querendo a parte, ser objeto de nova demanda.
2. Não comprovada, de forma satisfatória, a sub-rogação real de veículo discriminado nos autos, correta sua partilha, como determinada na sentença.
3. Recurso parcialmente provido.”[26]
Comprovada a impossibilidade da manutenção do bem de família nas condições em que foi instituído, poderá o juiz, a requerimento dos interessados, extingui-lo ou autorizar a sub-rogação dos bens que o constituem em outros, ouvidos o instituidor e o Ministério Público (art. 1.719, do CC).
Outro exemplo de ocorrência da sub-rogação real é a aplicabilidade do art. 1.911 que prevê “a cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade. No caso de desapropriação de bens clausulados, ou de sua alienação, por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, mediante autorização judicial, o produto da venda converter-se-á em outros bens, sobre os quais incidirão as restrições apostas aos primeiros.”
Civil. Recurso especial. Condomínio. Extinção. Possibilidade. Cláusula de inalienabilidade que incide sobre fração ideal.
A existência de clausula de inalienabilidade recaindo sobre uma fração de bem imóvel, não impede a extinção do condomínio.
Na hipótese, haverá sub-rogação da cláusula de inalienabilidade, que incidirá sobre o produto da alienação do bem, no percentual correspondente a fração gravada.
Recurso não conhecido.[27]
Informações Sobre o Autor
Leonardo Gomes de Aquino
Advogado. Mestre em Direito. Especialista em Processo Civil e em Direito Empresarial todos pela Faculdade de Direito da Universidade de Cimbra Portugal. Pos graduado em Docência do Ensino Superior. Professor Universitário. Autor dos Livros: Direito Empresarial: Teoria geral e Direito Societário e Legislação aplicável à Engenharia