Resumo: Pode figurar como infrator ao Código de Trânsito Brasileiro, o proprietário, condutor, pessoa física ou jurídica. O exposto, de forma genérica está contido no art. 257 da respectiva legislação. Este estudo busca apreender os liames entre o exercício de direito real (que decai sobre coisas) e a responsabilidade e obrigação, ante a transação de venda do veículo, onde o comprador não efetua a transação de transferência ao órgão responsável, causando gravame a esta extensão de domínio. Atenta-se a atribuição da multa pecuniária e as devidas responsabilidade em face de uma aparente responsabilidade solidária.
Sumário: Introdução; 1.Os direitos reais e o veículo mediante a transação de venda; 2. Responsabilidades que decaem sobre o antigo e atual proprietário; 3. A penalidade imposta deve ser endereçada ao antigo proprietário ou a quem exerce o direito de propriedade não plena? 4. Qual o limite da isenção de responsabilidade acolhida pelo art. 134 do CTB? 5. Negócio jurídico, responsabilidade civil e obrigação ante ao art. 134 do CTB. 5.1 Negócio Jurídico; 5.2 Responsabilidade civil; 5.3 Obrigação; 6. Responsabilidade decorrente da solidariedade passiva; 7. Intempestividade do cumprimento ao art. 134 do CTB; 8. Conclusão.
Introdução
Diante da transação de venda do veículo, dispõe o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) em seu art. 134 que o antigo proprietário responde solidariamente sobre as penalidades impostas até a data da comunicação de transferência de propriedade junto ao órgão executivo de trânsito do Estado no prazo legal de 30 (Trinta) dias.
Ocorre que ao adentrarmos na análise sobre a responsabilidade do antigo proprietário (vendedor), estaremos diante de inúmeras facetas jurídicas, pois para um entendimento coerente e consistente acerca do assunto, há necessidade de invocarmos os conceitos sobre os direitos reais que envolvem o “jus propriendi”(direito de propriedade).
Ademais, cabe analisarmos a quem deveria ser direcionada a penalidade de multa imposta: ao proprietário ou ao condutor infrator considerando o que preceitua a legislação ordinária e fazendo uma análise atenta ao que prevê o texto normativo ante a responsabilidade das infrações, sobretudo, ao pagamento pecuniário.
1.Os direitos reais e o veículo mediante a transação de venda
Os direitos subjetivos[1] que implicam poder jurídico sobre coisa (res), denominam-se direitos reais, direitos patrimoniais absolutos, cuja especificidade evidencia-se no confronto com os direitos pessoais, que são direitos patrimoniais relativos.
Portanto, os direitos reais têm por objeto coisas móveis e imóveis.
Neste estudo interessa-nos tratarmos especificamente do veículo, considerado para todos os fins como coisa móvel.
Quanto à titularidade do domínio de direito real sobre o veículo, atentemos-nos que quando o veículo (coisa móvel) é atribuído como próprio ao titular do direito real, estamos diante do direito de propriedade ou domínio sobre coisa própria (“jura in re própria”).
Caso o veículo seja atribuído ao titular do direito real, sem deixar, contudo, de continuar atribuída a outrem como própria dele, estamos diante do direito real sobre coisa alheia (“jura in re aliena”).
Essa distinção considera que o direito de propriedade[2] tem por conteúdo um conjunto legalmente delimitado de poderes, cujo exercício cabe a seu titular, relativamente à coisa que lhe forma o objeto, o poder de usar (“jus utendi”), o de fruir (“jus fruendi”), de custodiar (donde o poder de reivindicar), o de dispor (ai incluso o de extrair valor, por alienação), etc.
O exercício desses poderes pode transferir à titularidade de outra pessoa, sem que o conteúdo do domínio sofra, por isso, qualquer diminuição – o conteúdo do domínio experimenta então, apenas uma restrição, no concernente a seu exercício; por mais ampla que seja essa restrição de conteúdo, algo sempre fica, porém, inseparável da propriedade (nua-propriedade).
Os direitos reais sobre coisa alheia são, pois, direitos reais restringentes tendo por conteúdo poder, cujo exercício é extraído do conteúdo do direito de propriedade: consideram-se direitos reais limitados.
A extinção dos direitos reais limitados implica o término da restrição que havia imposto ao conteúdo do direito de propriedade, fenômeno que resulta da elasticidade do domínio e é conhecido por consolidação; estando o exercício de todos os poderes sob a titularidade do proprietário, tem-se a propriedade plena (“plena in re potestas”), ou seja, propriedade plena é propriedade sem restrições de conteúdo.
Conclui-se então, que diante da transação de venda do veículo, portanto, há transferência de titularidade do direito sobre a substância da coisa, direitos reais de gozo e fruição.
2. Responsabilidades que decaem sobre o antigo e atual proprietário
Preceitua o art. 257 do CTB em seus §§ 1º, 2º e 3º que serão impostas concomitantemente as penalidades ao proprietário e condutor toda vez que houver responsabilidade solidária em infração dos preceitos que lhes couber observarem, respondendo cada um per si pela falta em comum que lhes for atribuída, cabendo exclusivamente ao proprietário a responsabilidade pela infração referente a prévia regularização e preenchimento das formalidades e condições exigidas para trânsito do veículo na via terrestre e outras disposições que deva observar, e ao condutor infrator caberá a responsabilidade pelas infrações decorrentes de atos praticados na direção do veículo.
Verifica-se que o art. 134 do CTB é claro quando reza que o proprietário anterior do veículo deve comunicar a transferência no prazo de 30 (Trinta) dias, sob pena de responsabilizar-se solidariamente às infrações cometidas, estamos, portanto, diante de condição resolutiva cujo cumprimento cabe exclusivamente ao proprietário (antigo) do bem móvel incluindo a observação inerente a denúncia pela não transferência do veículo, pois trata –se de formalidade e condição expressamente contidas em lei.
Quando da venda do veículo e ocasionalmente a não transferência de titularidade, aquele que compra, arcará pelo pagamento de multa no valor de 1% (Um por cento) do valor, referente a não transferência de propriedade em tempo hábil.
Observamos, porém, que inexiste para sua pessoa o poder elementar enfeixado sob a titularidade do proprietário cujo nome consta no cadastro do bem, não existe neste caso o domínio pleno, propriedade plena, pois os poderes estão vinculados ao exercício de propriedade não-plena.
O usufruto e o gozo do veículo pelo atual proprietário que formalmente não cumpriu sua obrigação formam-se pela parcela do conteúdo do direito de propriedade, onde ordinariamente houve uma deliberação do respectivo titular.
Resulta, portanto, em restrição do domínio, em ônus real, pois se destaca a circunstância de encontrar-se gravando coisa da propriedade de outrem.
O direito não pleno em virtude da constituição de direitos reais limitados é, entretanto, elástico ou expansível. Por isso, desaparecido o direito real limitado, o poder jurídico (ou poderes jurídicos) destacado (s), que o (s) compunha (m), volta (m) a agregar-se ao poder sobre a substância, ao poder em si, que havia restado para o proprietário, como se fossem por ele agora irresistivelmente atraídos, fenômeno denominado consolidação de domínio.
O domínio, mesmo sem que dele se destaque algum de seus poderes elementares, também pode experimentar restrição temporal, de modo a durar, com o seu titular atual, até a verificação de algum termo final ou até o implemento de alguma condição resolutiva (in casu, a transferência de propriedade) aí, diz-se resolúvel o domínio.
É esta óptica que o art. 134 do CTB obedece, responsabilizando o proprietário anterior sobre as penalidades impostas até o seu cumprimento, tornando o domínio resilível, pois adveio o termo ou foi verificada a condição, “entendem-se também resolvidos todos os direitos reais concedidos na sua pendência e o proprietário, em cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar a coisa do poder de quem a detenha”, cf. Código Civil, art. 1.359.
Tal dispositivo implica afirmar que diante do não cumprimento obrigacional do comprador, poderá reivindicar o proprietário anterior o poder sobre o veículo, tal resolução dá-se ex nunc, de modo que não se apagaria o domínio que se teve até então, inclusive as conseqüências dele decorrentes, apenas facultaria a restituição do bem ao seu patrimônio.
A lei é que incumbe definir até onde vai o direito de propriedade, até onde vão os poderes elementares do domínio, isto é, quais são os limites positivos.
Também é a lei que cabe dizer quais são as interferências de terceiros, que o proprietário tem de suportar, e esses são os limites negativos do domínio.
3. A penalidade imposta deve ser endereçada ao antigo proprietário ou a quem exerce o direito de propriedade não plena?
A princípio, a Administração Pública emite a notificação de autuação ao proprietário do veículo infrator, que se necessário, indicará os dados do condutor infrator em formulário próprio e no tempo fixado no documento recebido, a fim de que a pontuação pela infração decaia sobre tal. A emissão de notificação ao proprietário advém de forma lógica, afinal, são os dados deste que se encontram arquivados no cadastro do Detran e da Cia. de Processamento de Dados de São Paulo (PRODESP), ainda que o sujeito tenha efetuado transação de venda e o atual proprietário não tenha efetuado as devidas formalidades.
A emissão de penalidade deve obedecer ao processo legal da dupla notificação previsto no art. 282 do CTB, ou seja, deverá avisar (Notificação da Autuação), depois cobrar (Emissão de Penalidade de Multa), sob pena de o ato ser anulável por não se revestir na forma da lei.
Deste ato, deriva o nascimento do direito constitucional da ampla defesa e do contraditório ante toda instância administrativa preceituadas no CTB, a fim de que se esgotem os meios executórios sem necessidade de acionamento do Judiciário, como exemplo cite-se o direito à defesa prévia (que analisa somente os erros de forma), ao protocolo de recurso de 1ª instância (remetido a JARI que tem competência administrativa para julgamento do mérito) e recurso de 2ª instância remetido ao CETRAN (que por força do art. 288 do CTB, prevê que seja recolhido o valor integral da multa para que seja apreciado o mérito).
Tendo conhecimento formal da transação efetuada por intermédio do processo administrativo, a Administração Pública poderá optar pela reemissão da penalidade ao novo proprietário (poder discricionário).
Observe-se que tal procedimento é facultativo e é por essa razão que tem sido bastante comum que o antigo proprietário recorra ao Poder Judiciário buscando deferimento do pleito, alegando a transação de venda do veículo.
Os juizes, em sua maioria, têm acatado pelo deferimento do pedido que se baseia na responsabilidade do novo proprietário face às infrações, e neste episódio, caberia a Administração o acionamento do atual proprietário, mediante a intimação judicial observada pelo dever do “cumpra-se”.
Antigos proprietários elaboram recursos administrativos, visando ao arquivamento da penalidade de multa imposta baseando-se na alegação da efetiva venda do veículo e cumprimento ao art. 134 do CTB, parece razoável que a Administração Pública opte pelo indeferimento do presente recurso, caso contrário, estaria equivocadamente optando pelo deferimento do recurso considerando o direito real, neste caso exercido sobre coisa alheia, do qual não detém juízo de competência.
Não obstante, podemos observar que o pleito do requerente não aponta ilegalidade ou um erro na conduta administrativa, o que não incide sobre o dever de correção através de anulação ou revogação de ato ilegítimo ou inconveniente, em cumprimento ao princípio da legalidade, pois não pode a Administração Pública, fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude da lei.
Caberia ao antigo proprietário o pagamento da multa e o possível acionamento do Poder Judiciário ajuizando ação regressiva face ao comprador, podendo concorrentemente, optar pela busca e apreensão do veículo, que está causando gravame a seu patrimônio.
4. Qual o limite da isenção de responsabilidade acolhida pelo art. 134 do CTB?
Quando o art. 134 do CTB prevê a responsabilidade do antigo proprietário pela comunicação de venda, presume-se que o atendimento ao cumprimento do respectivo dispositivo, isente a responsabilidade.
Mas que responsabilidade seria essa?
Abrange a esfera Cível ou Criminal?
Seria também pecuniária?
Qual seria o limite razoável?
Prevê o Código de Trânsito Brasileiro, responsabilidades concernentes a esfera cível, inclusive na esfera penal, de modo a isentar a responsabilidade criminal do antigo proprietário em possíveis crimes de trânsito, etc., considerando para todos os fins que efetuou a venda do bem móvel.
5. Negócio jurídico, responsabilidade civil e obrigação ante ao art. 134 do CTB.
5.1 Negócio Jurídico
Do ponto de vista da estrutura do negócio jurídico, existem os elementos acidentais, que relevam algumas importâncias ou não, dependendo das condições a que se sujeitam.
Diante da transação de venda do veículo, estaremos diante da figura jurídica da pressuposição ou do pressuposto, que seria a condição vulgarmente considerada acessória, pois não funciona como declaração distinta da que se diz principal, há de se falar, portanto, no ato jurídico que não comporta condição, denominado de ato puro (actus legitimi), pois se trata de negócio jurídico que, por sua função, não admite incerteza.
A princípio, a condição de transferência de propriedade diante a transação de venda do bem móvel, é tida como inexistente, pois o ato vale de tal modo que a existência de restrição não é aceita.
A pressuposição traduz a subordinação da eficácia do negócio a um acontecimento incerto, correspondente aos motivos individuais do agente, ou seja, de transferir ou não o domínio de propriedade, não resulta da declaração de vontade, mas das próprias circunstâncias do caso, representando a aplicação do princípio da boa-fé, já que o pressuposto é que a necessidade de transferência era tão implícita, nas condições de tempo e lugar onde ocorreu o negócio jurídico, que a parte não pode, de boa-fé, afirmar não ter entendido que estava sobre esta regra subordinada.
Pode-se dizer, portanto, que a figura da pressuposição está implícita na vontade negocial, que o evento pode ser futuro ou presente e que o negocio é puro e simples e produz os seus efeitos desde que nasce.
Preceitua o art. 134 do CTB que deve o antigo proprietário comunicar ao órgão competente a comunicação de venda do veiculo em até 30 dias, sob pena de responsabilizar-se solidariamente pelas infrações cometidas.
Necessário invocar então as distintas figuras jurídicas denominadas responsabilidade e obrigação.
5.2 Responsabilidade civil
Pois bem, o termo “responsabilidade civil” pode compreender-se como a situação jurídica em que alguém se encontra de ter de indenizar outrem quanto a própria obrigação decorrente da situação, e é civil porque a relação se estabelece entre particulares, deixando-se ao direito administrativo apenas o problema da responsabilidade do Estado, pelos danos resultantes do funcionamento dos serviços públicos. No sistema de responsabilidade civil encontramos o instituto da responsabilidade por fato de terceiro, que neste estudo, se traduz na responsabilidade atribuída ao proprietário de veiculo por ato ilícito do condutor. No caso de prejuízos causados por veículo conduzido por outrem, o antigo proprietário somente se exonerará quando provar que o veículo entrou em circulação contra vontade, como no caso de furto. Fora disso, presume-se culpa solidária. E aquele que ressarcir o dano de outrem, como dito anteriormente, tem o direito de regresso contra o respectivo agente (CC, art. 934).
A responsabilidade objetiva independe da culpa do agente. Por isso desenvolveu-se a teoria do risco, segundo a qual todo dano deverá ser indenizado independente de haver ato ilícito, decorre, portanto de princípio de equidade e justiça, prevendo que todo aquele que na defesa de seus interesses, prejudica direito alheio, deverá indenizar os danos decorrentes (CC, art. 927).
5.3 Obrigação
O vínculo jurídico ao qual nos submetemos coercitivamente, sujeitando-nos a uma prestação é denominado de “obrigação”, onde predomina o “vinculum juris” – de maneira sucinta e sem pretensão de originalidade, é na verdade, o vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa pode exigir de outra prestação economicamente apreciável.
Este instituto decompõe-se de três elementos fundamentais: 1. Sujeito, 2. Objeto e 3. Vínculo jurídico.
1 – O elemento subjetivo da obrigação, ou seja, o elemento ativo ou credor (reus credendi) coloca a administração pública no pólo daquele que detem direito e pode exigir perante àquele que tem o dever de prestar (reus debendi).
Na hipótese de veículo cuja transferência não se perfez, fica o administrador, impossibilitado da determinação do sujeito passivo.
Diante da pluralidade subjetiva, a Administração tem a faculdade de receber integralmente de qualquer deles (obrigação solidária – “obligatio faciendi”), pois a solidariedade passiva institui-se um beneficio do credor, que dele pode se abdicar, incidindo, portanto, o preceito disposto no CC, art. 257, compreendendo que o pagamento pecuniário da multa de trânsito imposta decorre de direito real que acompanha a coisa, em poder de quem quer que venha estar (princípio da seqüela).
2 – Toda obrigação tem um objeto, que é a prestação do devedor. Não se deve confundir que o objeto da obrigação tenha correlação com a responsabilidade sobre a coisa a qual incide.
3 – O elemento nobre que se mostra presente e vivo é o vinculum iuris, é nele que reside a essência abstrata da obrigação, é por intermédio dele que se traduz o poder de que o sujeito ativo tem de impor ao outro uma ação; O dever de prestar não se confunde porém, com o objetivo da obrigação, pois este tem em sua essência o dever de realizar uma tarefa ao credor, seja ela um dare ou um facere, que somente se extingue se esta prestação é executada espontaneamente.
Da análise gramatical, porém, constata-se que o aludido texto (art. 134, CTB) foi preciso e não acolhe em momento algum pela isenção pecuniária, ao perdão da dívida, aplicar-se-ia no caso a máxima jurídica “inclusio unius alterius exclusio”, isto é, o que a lei não incluiu é porque desejou excluir, não devendo o intérprete incluí-la, afinal o administrador está sujeito ao princípio da legalidade.
Restar-nos-ia, portanto, afastar a pretensão de isenção de pagamento por estar descaracterizado no CTB tal intuito, uma vez que o legislador não previu tal conseqüência benéfica que pudesse ser aplicada ao caso.
6. Responsabilidade decorrente da solidariedade passiva
A solidariedade passiva encontra-se regulada nos arts. 275 a 285 do Código Civil Brasileiro, e duas notas lhe são bastante típicas:
a) o dever de prestação integral, que recai sobre qualquer dos devedores; e
b) o efeito extintivo recíproco da satisfação dada por qualquer deles, ao direito do credor.
O que faz a solidariedade passiva não é a unidade de dívida e, pois, de crédito, mas sim a comunidade do fim. Nem a causa das obrigações, nem a própria fonte precisa ser a mesma: um dos devedores pode dever em virtude de ato ilícito, outro por força da lei, e outro por infração de contrato. O que importa é que se haja constituído a relação jurídica única, com a irradiação de pretensão a que correspondem obrigações solidárias.
7. Intempestividade do cumprimento ao art. 134 do CTB
O cumprimento extratemporal ao art. 134 do CTB perante o órgão competente, acarreta na faculdade de conhecimento ou não do ato pela Administração Pública, pois a regra é bastante clara no dispositivo legal, que fixa o prazo em até 30 (Trinta) dias.
Preocupado com este tema, o renomado administrativista Hely Lopes Meirelles[3] escreve:
“O prazo fixado para a reclamação administrativa é fatal e peremptório para o administrado, o que autoriza a Administração a não tomar conhecimento do pedido se formulado extemporaneamente.”
A denúncia espontânea que demonstraria a “fumaça do bom direito” que porventura pudesse amparar o antigo proprietário, deveria ter sido caracterizada no menor tempo possível, cumprindo o texto normativo logo, pois havendo transação de venda do veículo e não transferência de propriedade, o direito ameaçado poderia ser prontamente identificado pelo mesmo.
Fica a mercê da Administração Pública (poder discricionário), o conhecimento ou não do recurso, face à intempestividade do cumprimento ao art. 134 do CTB, o que poderá tornar desprovido o argumento, acatado a hipótese de que não lhe é cabível a isenção de responsabilidade devido à transação de venda compreendendo que lhe falta amparo legal para a pretensão ante o fato não preencher condição essencial para tanto.
No mesmo sentido, existe apoio no enunciado n. 98 da Súmula do STJ:
“O julgador não está obrigado a examinar todas as questões suscitadas pelas partes, podendo solucionar a lide apenas com os fundamentos que julgar necessários ao exaurimento da prestação jurisdicional”.
Conclusão
A legalidade, como princípio da Administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não pode se afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.
Obedecendo a este princípio, é inteligente o não conhecimento do recurso, o que torna desprovida a argumentação de transação de venda, sobretudo a hipótese de isenção pecuniária, pois o bem maior tutelado, ou seja, o direito a trânsito seguro a todos foi lesado e nesta óptica cabe ao órgão público no âmbito de sua competência, adotar as medidas destinadas a assegurar este direito (art.1º, §2º do CTB). Houve infração e existe condutor infrator, o que ameaça o direito coletivo.
Inexiste, portanto, motivo plausível que induza a Administração na atribuição do poder discricionário conferido, a optar pelo conhecimento do recurso envolvendo-se no mérito particular da transação de venda, não teria, pois, legitimidade acerca do assunto.
O arquivamento do auto de infração seria contrario a supremacia do interesse público, ao dever à segurança previsto no art. 5º, caput da CF e, sobretudo seria omissão da autoridade de trânsito conforme estipula o §3º do art. 1 do CTB, que assim diz: “Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro”.
Por fim, brinda-nos sobre o tema oportuno a lição do doutrinador português Antonio José Brandão: “a atividade dos administradores, além de traduzir a vontade de obter o máximo de eficiência administrativa, terá ainda de corresponder à vontade constante de viver honestamente, de não prejudicar a si, mas dando a cada um o que lhe pertence – princípios do direito natural já lapidarmente formulados pelos jurisconsultos romanos. À luz dessas idéias, tanto infringe a moralidade administrativa o administrador que, para autuar, foi determinado por fins imorais ou desonestos como aquele que desprezou a ordem institucional e, embora movido por zelo profissional, invade a esfera reservada a outras funções, a fim de tornar desvantajoso o patrimônio confiado à sua guarda.”
Informações Sobre o Autor
Jeferson Gonzaga
Acadêmico do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas