Resumo: Analisa-se o instituto da responsabilidade civil, abordando-se sua definição, evolução histórica e seus pressupostos. Evidencia-se os elementos da responsabilidade civil, quais sejam, conduta, nexo de causalidade, dano e culpa.[1]
Abstract: It analyzes the institution of civil liability, approaching its definition, historical development and its assumptions. Shows the elements of liability, namely, conduct, causation, damages, and guilt.
Sumário:Introdução. 1.Responsabilidade civil: origem e pressupostos gerais.1.1 Conceitos. 1.2Evolução histórica da responsabilidade civil. 1.3 Espécies da responsabilidade civil. 1.4 Pressupostos gerais da responsabilidade civil. 1.4.1 Conduta 1.4.2 Dano 1.4.3 nexo de causalidade 1.4.4 Culpa
INTRODUÇÃO
A responsabilidade civil um instituto altamente dinâmico e flexível, que vive em mudanças constantes, sempre se transformando para atender às necessidades sociais que surgem.
Nos últimos tempos, a tendência na sociedade é no sentido de não deixar nenhuma vítima de dano sem reparação. Isso reflete diretamente no instituto da responsabilidade civil, uma vez que tem proporcionado um fenômeno de expansão dos danos suscetíveis de indenização. O presente estudo aborda os pressupostos clássicos deste instituto.
1. Responsabilidade civil: Origem do instituto e pressupostos gerais
A ideia de responsabilidade civil está relacionada à noção de não prejudicar outro. A responsabilidade pode ser definida como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar o dano causado a outrem em razão de sua ação ou omissão. Nas palavras de Rui Stoco:
“A noção da responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém pelos seus atos danosos. Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de justiça existente no grupo social estratificado. Revela-se, pois, como algo inarredável da natureza humana” (STOCO, 2007, p.114).
Segundo Silvio Rodrigues “A responsabilidade civil é a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam” (RODRIGUES, 2003, p. 6). O termo responsabilidade Civil, conforme a definição de De Plácido e Silva é:
“Dever jurídico, em que se coloca a pessoa, seja em virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão, que lhe seja imputado, para satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as sanções legais, que lhe são impostas. Onde quer, portanto, que haja obrigação de fazer, dar ou não fazer alguma coisa, de ressarcir danos, de suportar sanções legais ou penalidades, há a responsabilidade, em virtude da qual se exige a satisfação ou o cumprimento da obrigação ou da sanção” (SILVA, 2010, p. 642).
No direito atual, a tendência é de não deixar a vítima de atos ilícitos sem ressarcimento, de forma a restaurar seu equilíbrio moral e patrimonial. Conforme o entendimento de Carlos Alberto Bittar:
“O lesionamento a elementos integrantes da esfera jurídica alheia acarreta ao agente a necessidade de reparação dos danos provocados. É a responsabilidade civil, ou obrigação de indenizar, que compele o causador a arcar com as consequências advindas da ação violadora, ressarcindo os prejuízos de ordem moral ou patrimonial, decorrente de fato ilícito próprio, ou de outrem a ele relacionado” (BITTAR, 1994, p. 561).
Em seu sentido etimológico e também no sentido jurídico, a responsabilidade civil está atrelada a ideia de contraprestação, encargo e obrigação. Entretanto é importante distinguir a obrigação da responsabilidade. A obrigação é sempre um dever jurídico originário; responsabilidade é um dever jurídico sucessivo consequente à violação do primeiro (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 3).
1.2. Evolução histórica da responsabilidade civil
A responsabilidade civil é matéria viva e dinâmica que constantemente se renova de modo que, a cada momento, surgem novas teses jurídicas a fim de atender às necessidades sociais emergentes. A responsabilidade civil é o instituto de direito civil que teve maior desenvolvimento nos últimos 100 anos. Este instituto sofreu uma evolução pluridimensional, tendo em vista que sua expansão se deu quanto a sua história, a seus fundamentos, a sua área de incidência e a sua profundidade.
O conceito de responsabilidade, em reparar o dano injustamente causado, por ser próprio da natureza humana, sempre existiu. A forma de reparação deste dano, entretanto, foi transformando-se ao longo do tempo, sofrendo desta forma uma evolução.
A origem do instituto da responsabilidade civil parte do Direito Romano, e esta calcada na concepção de vingança pessoal, sendo uma forma por certo rudimentar, mas compreensível do ponto de vista humano como lídima reação pessoal contra o mal sofrido (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2003, p. 11).
Mesmo após o surgimento da Lei das XII Tábuas, que foi um marco do Direito Romano, ainda era possível identificar a presença da chamada Pena do Talião, que traz o princípio “Olho por olho, e dente por dente”.
Com o passar do tempo a aplicação desta pena, entretanto, passou a ser marcada pela intervenção do poder público, que poderia permiti-la ou proibi-la.
Posteriormente, ainda vigorando a Lei das XII Tábuas, inicia-se o período da composição tarifada, onde a própria lei determinava o quantum para a indenização, regulando o caso concreto. Nas palavras de Alvino Lima, esta fase “é a reação contra a vingança privada, que é assim abolida e substituída pela composição obrigatória” (LIMA, 1999, p. 21).
Conforme a doutrina majoritária leciona, a maior evolução do instituto ocorreu com o advento da Lex Aquilia, que deu origem a denominação da responsabilidade civil delitual ou extracontratual, que é também chamada de responsabilidade aquiliana. Como ensina Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho: “Um marco na evolução histórica da responsabilidade civil se dá, porem, com a edição da Lex Aquilia, cuja importância foi tão grande que deu nome a nova designação da responsabilidade civil delitual ou extracontratual” (GAGLIANO; PAMPLONA, 2003, p. 11). Esta legislação destacou-se por trazer a substituição da multa fixa por uma pena proporcional ao dano causado.
O intitulado dammun injuria datum, regulado por esta lei, definia o delito praticado por alguém que prejudicasse a outrem, injustificadamente, por dolo ou culpa, tanto física como materialmente. Na jurisprudência da época, como ensina Jose de Aguiar Dias:
“A indenização permanecia substituindo o caráter da pena, sendo que os textos relativos a ações de responsabilidade se espraiaram de tal forma que, em ultimo grau do direito romano, já não mais faziam menção apenas aos danos materiais, mas também aos danos morais.” (DIAS, 2006, pág. 26)
Na legislação francesa, mais precisamente no Código Civil de Napoleão, a culpa foi inserida como pressuposto da responsabilidade civil aquiliana, influenciando diversas legislações, ate mesmo o Código Civil Brasileiro de 1916.
Entretanto, esta teoria da culpa trazida pela legislação francesa não foi suficiente para regular todos os casos concretos ao longo do tempo, o que fez surgir outras teorias. Tais teorias são amparadas em várias legislações mundiais, sem contudo fazer desaparecer totalmente a teoria clássica da culpa, o que ocorreu inclusive com o Código Civil brasileiro.
1.3. Espécies da responsabilidade civil
A responsabilidade civil costuma ser classificada pela doutrina em razão da culpa e quanto a natureza jurídica da norma violada.
Quanto ao primeiro critério a responsabilidade é dividida em objetiva e subjetiva. Em razão do segundo critério ela pode ser dividida em responsabilidade contratual e extracontratual.
1.3.1. Responsabilidade civil subjetiva e objetiva
Denomina-se responsabilidade civil subjetiva aquela causada por conduta culposa lato sensu, que envolve a culpa stricto sensu e o dolo. A culpa (stricto sensu) caracteriza-se quando o agente causador do dano praticar o ato com negligencia ou imprudência. Já o dolo é a vontade conscientemente dirigida à produção do resultado ilícito.
Até determinado momento da história a responsabilidade civil subjetiva foi suficiente para a resolução de todos os casos. Contudo, com o passar do tempo, tanto a doutrina quanto a jurisprudência passaram a entender que este modelo de responsabilidade, baseado na culpa não era suficiente para solucionar todos os casos existentes. Este declínio da responsabilidade civil subjetiva se deu principalmente em função da evolução da sociedade industrial e o consequente aumento dos riscos de acidentes de trabalho. Acerca do tema Rui Stoco assevera:
“A necessidade de maior proteção a vitima fez nascer a culpa presumida, de sorte a inverter o ônus da prova e solucionar a grande dificuldade daquele que sofreu um dano demonstrar a culpa do responsável pela ação ou omissão.
O próximo passo foi desconsiderar a culpa como elemento indispensável, nos casos expressos em lei, surgindo a responsabilidade objetiva, quando então não se indaga se o ato é culpável.” (STOCO, 2007, p. 157).
Nesse contexto surge a denominada responsabilidade civil objetiva, que prescinde da culpa. A teoria do risco é o fundamente dessa espécie de responsabilidade, sendo resumida por Sergio Cavalieri nas seguintes palavras: “Todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou independente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação de nexo de causalidade, dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa” (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 137).
O Código Civil brasileiro de 1916 era essencialmente subjetivista. O Código de 2002 ajustou-se a evolução da responsabilidade, e apesar de não ter abandonado por completo a responsabilidade subjetiva, inovou ao estabelecer a responsabilidade objetiva em seu artigo 927: “Haverá obrigação de reparar o dano, independente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
O Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90, estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor e do fabricante, desconsiderando o elemento culpa, conforme o constante nos artigos 12 e 14:
“Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”” (BRASIL, 1990)
1.3.2. Responsabilidade Civil contratual e extracontratual
A responsabilidade civil pode ser classificada, de acordo com a natureza do dever jurídico violado pelo causador do dano, em contratual ou extracontratual.
Na primeira, configura-se o dano em decorrência da celebração ou da execução de um contrato. O dever violado é oriundo ou de um contrato ou de um negócio jurídico unilateral. Se duas pessoas celebram um contrato, tornam-se responsáveis por cumprir as obrigações que convencionaram. Acerca da responsabilidade por atos unilaterais de vontade Cesar Fiuza leciona:
“A responsabilidade por atos unilaterais de vontade, como a promessa de recompensa é também contratual, por assemelhação, uma vez que os atos unilaterais só geram efeitos e, portanto, responsabilidade, após se bilateralizarem, Se um indivíduo promete pagar uma recompensa a que lhe restitui os documentos perdidos, só será efetivamente responsável, se e quando alguém encontrar e restituir os documentos, ou seja, depois da bilaterização da promessa.” (FIUZA, 2011, p.331).
Já a responsabilidade propriamente dita, a extracontratual, que também é denominada de aquiliana, tem por fonte deveres jurídicos originados da lei ou do ordenamento jurídico considerado como um todo. O dever jurídico violado não está previsto em nenhum contrato e sem existir qualquer relação jurídica anterior entre o lesante e a vítima; o exemplo mais comum na doutrina é o clássico caso da obrigação de reparar os danos oriundos de acidente entre veículos.
Esta categoria de responsabilidade civil – que visa a reparar os danos decorrentes da violação de deveres gerais de respeito pela pessoa e bens alheios – costuma ser denominada de responsabilidade em sentido estrito ou técnico ou, ainda, responsabilidade civil geral.
Na prática, tanto a responsabilidade contratual como a extracontratual dão ensejo à mesma consequência jurídica: a obrigação de reparar o dano. Desta forma, aquele que, mediante conduta voluntária, transgredir um dever jurídico, existindo ou não negócio jurídico, causando dano a outrem, deverá repará-lo.
1.4. Pressupostos gerais da responsabilidade civil
Os atos ilícitos são aqueles que contrariam o ordenamento jurídico lesando o direito subjetivo de alguém. É ele que faz nascer à obrigação de reparar o dano e que é imposto pelo ordenamento jurídico.
O Código Civil Brasileiro estabelece a definição de ato ilícito em seu artigo 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”.
Através da análise deste artigo é possível identificar os elementos da responsabilidade civil, que são: a conduta culposa do agente, nexo causal, dano e culpa. Este artigo é a base fundamental da responsabilidade civil, e consagra o princípio de que a ninguém é dado o direito de causar prejuízo a outrem.
Na lição de Fernando Noronha, para que surja a obrigação de indenizar são necessários os seguintes pressupostos:
1. que haja um fato (uma ação ou omissão humana, ou um fato humano, mas independente da vontade, ou ainda um fato da natureza), que seja antijurídico, isto é, que não seja permitido pelo direito, em si mesmo ou nas suas consequências;
2.que o fato possa ser imputado a alguém, seja por dever a atuação culposa da pessoa, seja por simplesmente ter acontecido no decurso de uma atividade realizada no interesse dela;
3.que tenham sido produzidos danos;
4. que tais danos possam ser juridicamente considerados como causados pelo ato ou fato praticado, embora em casos excepcionais seja suficiente que o dano constitua risco próprio da atividade do responsável, sem propriamente ter sido causado por esta (NORONHA, 2010, p. 468/469).
O elemento primário de todo ato ilícito, e por consequência da responsabilidade civil é uma conduta humana. Entende-se por conduta o comportamento humano voluntário, que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas.
No entendimento de Maria Helena Diniz a conduta é:
“A ação, elemento constitutivo da responsabilidade, vem a ser o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou licito, voluntario e objetivamente imputável do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado.” (DINIZ, 2005, p. 43).
A responsabilidade decorrente do ato ilícito baseia-se na ideia de culpa, enquanto a responsabilidade sem culpa baseia-se no risco. O ato comissivo é aquele que não deveria, enquanto a omissão é a não observância de um dever.
A voluntariedade é qualidade essencial da conduta humana, representando a liberdade de escolha do agente. Sem este elemento não haveria de se falar em ação humana ou responsabilidade civil.
O ato de vontade, em sede de responsabilidade civil, deve ser contrário ao ordenamento jurídico. É importante ressaltar que voluntariedade significa pura e simplesmente o discernimento, a consciência da ação, e não a consciência de causar um resultado danoso sendo este o conceito de dolo. Cabe destacar ainda, que a voluntariedade deve estar presente tanto na responsabilidade civil subjetiva quanto na responsabilidade objetiva.
A existência de dano é requisito essencial para a responsabilidade civil. Não seria possível se falar em indenização, nem em ressarcimento se não existisse o dano.
Conforme o ensinamento de Sergio Cavalieri:
“O ato ilícito nunca será aquilo que os penalistas chamam de crime de mera conduta; será sempre um delito material, com resultado de dano. Sem dano pode haver responsabilidade penal, mas não há responsabilidade civil. Indenização sem dano importaria enriquecimento ilícito; enriquecimento sem causa para quem a recebesse e pena para quem a pagasse, porquanto o objetivo da indenização, sabemos todos, é reparar o prejuízo sofrido pela vítima, reintegrá-la ao estado em que se encontrava antes da prática do ato ilícito. E, se a vítima não sofreu nenhum prejuízo, a toda evidência, não haverá o que ressarcir. Daí a afirmação, comum a praticamente todos os autores, de que o dano é não somente o fato constitutivo mas, também, determinante do dever de indenizar” (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 71).
Segundo Maria Helena Diniz “o dano pode ser definido como a lesão (diminuição ou destruição) que, devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra a sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral” (DINIZ, 2006).
Na abalizada explicação de Rui Stoco:
“O dano é, pois, elemento essencial e indispensável à responsabilização do agente, seja essa obrigação originada de ato ilícito ou de inadimplemento contratual, independente, ainda, de se tratar de responsabilidade objetiva ou subjetiva.” (STOCO, 2007, p. 128).
Para que o dano seja indenizável é necessária à existência de alguns requisitos. Primeiramente é preciso que haja a violação de um interesse jurídico patrimonial ou extrapatrimonial de uma pessoa física ou jurídica.
Desta forma, o dano pode ser dividido em patrimonial e extrapatrimonial. O primeiro também conhecido como material é aquele que causa destruição ou diminuição de um bem de valor econômico. O segundo também chamado de moral é aquele que está afeto a um bem que não tem caráter econômico não é mensurável e não pode retornar ao estado anterior.
Os bens extrapatrimoniais são aqueles inerentes aos direitos da personalidade, quais sejam, direito a vida a integridade moral, física, ou psíquica. Por essa espécie de bem possuir valor imensurável, é difícil valorar a sua reparação.
O dano patrimonial subdivide-se em danos emergentes e lucros cessantes.
O Código Civil Brasileiro estabelece no art. 402: “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.”(BRASIL, 2002, 2002)
Cabe citar Agostinho Alvim: “pode-se dizer que o dano ora produz o efeito de diminuir o patrimônio do credor, ora o de impedir-lhe o aumento, ou acrescentamento, pela cessação de lucros, que poderia esperar.” (ALVIM, 1980, p. 173).
O dano emergente consiste no efetivo prejuízo suportado pela vítima, ou seja, o que ela efetivamente perdeu em razão da lesão. É o dano que vem à tona de imediato, em razão de um desfalque concreto do patrimônio da pessoa lesada, e, por esse motivo, não há grandes dificuldades para a mensuração da indenização.
Já o lucro cessante corresponde àquilo que a vítima não ganhou em decorrência do dano, ou, segundo a expressão legal, o que razoavelmente deixou de lucrar. É também denominado de lucro frustrado, já que correspondente à frustração daquilo que era razoavelmente esperado se auferir, o lucro cessante corresponde, portanto, a um prejuízo projetado para o futuro. Em razão do seu embasamento em fatos concretos, não se confunde com o lucro meramente hipotético.
O nexo de causalidade é a relação de causa e efeito entre a conduta praticada e o resultado. Para que se possa caracterizar a responsabilidade civil do agente, não basta que o mesmo tenha praticado uma conduta ilícita, e nem mesma que a vítima tenha sofrido o dano. É imprescindível que o dano tenha sido causado pela conduta ilícita do agente e que exista entre ambos uma necessária relação de causa e efeito.
O nexo de causalidade é requisito essencial para qualquer espécie de responsabilidade, ao contrário do que acontece com a culpa, que não estar presente na responsabilidade objetiva.
Diversas teorias surgiram para tentar explicar o nexo de causalidade, dentre essas teorias é importante citar as três principais delas, quais sejam: da causalidade adequada; teoria dos danos diretos e imediatos e a teoria da equivalência dos antecedentes.
A teoria da equivalência dos antecedentes, também chamada de teoria da equivalência das condições, ou ainda, conditio sine qua non, considera que toda e qualquer circunstância que tenha concorrido para a produção do dano é considerada como causa. Está, segundo a maioria da doutrina, é a teoria adotada pelo código penal brasileiro. Segundo a análise do art. 13 do Código Penal, que estabelece: “O resultado de que depende a existência do crime, somente é imputável, a quem lhe deu causa. Considera-se a causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”.
A igual relevância entre todas as condições justifica-se por um simples exercício de exclusão: sem cada uma delas o resultado não teria ocorrido. Esta teoria é alvo de inúmeras críticas, pois pode levar a uma regressão infinita. Caso essa teoria fosse adotada na órbita civil, conforme ensina Sergio Cavalieri, teria que se indenizar a vitima de atropelamento não só quem dirigia o veiculo com imprudência, mas também quem lhe vendeu o automóvel, que o fabricou, que forneceu a matéria-prima, etc. (CAVALIEIRI FILHO, 2008).
Na teoria da causalidade direta ou imediata, que também pode ser chamada de teoria da interrupção do nexo causal, a causa pode ser classificada como apenas o antecedente fático que, ligado por um vinculo de necessariedade ao resultado danoso, determinasse esse ultimo como uma consequência sua, direta e imediata.
Já a teoria da causalidade adequada pode ser tida como a menos extremada, por exprimir a lógica do razoável. Em apertada síntese, ela leciona que haverá nexo causal quando, pela ordem natural das coisas, a conduta do agente poderia adequadamente produzir o nexo causal. Isto é, quando várias condições concorrerem para a ocorrência de um mesmo resultado, a causa será a condição mais determinante para a produção do efeito danoso, desconsiderando-se as demais.
Existe certa divergência doutrinária acerca da teoria adotada pelo Código Civil Brasileiro de 2002. Parte da doutrina, onde merecem destaque autores como Carlos Roberto Gonçalves, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, defendem que a teoria adotada pelo Código Civil Brasileiro é a teoria da causalidade direta ou imediata.
Os defensores dessa teoria se amparam no artigo 403 do Código Civil, que estabelece: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo no disposto na lei processual.
O termo inexecução é próprio da responsabilidade contratual, apesar disso, o entendimento está sendo consolidado no sentido de que também se aplica a responsabilidade extracontratual.
Carlos Roberto Gonçalves é enfático ao afirmar que:
“Das várias teorias sobre o nexo causal, o nosso Código adotou, indiscutivelmente, a do dano direto e imediato, como está expresso no art. 403; e das varias escolas que explicam o dano direto e imediato, a mais autorizada é a que se reporta à consequência necessária” (GONÇALVES, 2002, p. 524).
Considerável parte da doutrina, a exemplo de Sergio Cavalieri Filho, Aguiar Dias e Caio Mário, considera a teoria da causalidade a que prevalece no âmbito civil. Segundo Sergio Cavalieri, embora a literalidade do artigo induza ao entendimento de que a teoria adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro é a do dano direto e imediato, a prática demonstra que é prevalecente a aplicação da teoria da causalidade adequada, até porque é possível, no ordenamento jurídico pátrio, a responsabilização por danos indiretos (CAVALIERI FILHO, 2008).
Diante de tal discussão doutrinária calha citar as doutas palavras de Rui Stoco:
“Enfim, independente da teoria que se adote, como a questão só se apresenta ao juiz, caberá a este, na análise do caso concreto, sopesar as provas, interpretá-las como conjunto e estabelecer se houve violação do direito alheio, cujo resultado seja danoso, e se existe um nexo causal entre esse comportamento do agente e o dano verificado” (STOCO, 2007, p. 152).
A culpa não é definida e nem conceituada na legislação pátria. A regra geral do Código Civil Brasileiro para caracterizar o ato ilícito, contida no artigo 186, estabelece que este somente se materializará se o comportamento for culposo. Neste artigo está presente a culpa lato sensu, que abrande tanto a dolo quanto a culpa em sentido estrito.
Por dolo entende-se, em síntese, a conduta intencional, na qual o agente atua conscientemente de forma que deseja que ocorra o resultado antijurídico ou assume o risco de produzi-lo.
Já na culpa stricto sensu não existe a intenção de lesar. A conduta é voluntária, já o resultado alcançado não. O agente não deseja o resultado, mas acaba por atingi-lo ao agir sem o dever de cuidado. A inobservância do dever de cuidado revela-se pela imprudência, negligência ou imperícia.
Cabe aqui citar as doutas palavras do eminente Rui Stoco para conceituar a culpa:
“Quando existe a intenção deliberada de ofender o direito, ou de ocasionar prejuízo a outrem, há o dolo, isto é, o pleno conhecimento do mal e o direto propósito de o praticar. Se não houvesse esse intento deliberado, proposital, mas o prejuízo veio a surgir, por imprudência ou negligencia, existe a culpa (stricto sensu)” (STOCO, 2007, p. 133).
No direito civil pátrio, mais especificamente no âmbito da responsabilidade civil, não ganha grande relevância a distinção entre dolo e culpa stricto sensu, já que nesta seara o objetivo é indenizar a vítima e não punir o agente culpado, medindo-se a indenização pela extensão do dano, e não pelo grau de culpa do agente. Pela mesma razão, não há utilidade prática, na atual responsabilidade civil brasileira, a distinção entre culpa grave, leve e levíssima.
O legislador trouxe inovação neste ponto no Código Civil de 2002, ao aduzir no parágrafo único do artigo 944: “Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.” Desta forma a legislação torna possível ao juiz graduar a indenização se houver excessiva desproporção entre o dano causado e a gravidade da culpa, apesar disso, essa não seja a regra geral.
Basta à responsabilidade civil, portanto, que no momento da conduta, ou o sujeito causou prejuízo intencional a outrem, no caso do dolo, ou o causou por agir sem o dever de cuidado, no caso da culpa stricto sensu.
Há imprecisões doutrinárias quanto à culpa como elemento da responsabilidade civil. Parte da doutrina, com destaque para Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona: a culpa (em sentido lato, abrangendo o dolo) não é pressuposto geral da responsabilidade civil, sobretudo no novo código, considerando a existência de outra espécie de responsabilidade, que prescinde desse elemento subjetivo para a sua configuração (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2003). Na visão destes autores falta a generalidade para a culpa ser pressuposto da responsabilidade civil. Segundo eles, são elementos essenciais da responsabilidade apenas a conduta humana (positiva ou negativa), o dano ou prejuízo e o nexo de causalidade.
Contudo, boa parte da doutrina entende que o contido no artigo 186 do Código Civil não deixa dúvidas que o ato ilícito só é configurado em caso de comportamento culposo, mediante dolo ou culpa stricto sensu, sendo, portanto a culpa condição elementar do ato ilícito, e por conseqüente, da responsabilidade civil. São inúmeros os posicionamentos neste sentido, cabendo enfatizar o pensamento de Marcel Leonardi: “Não se pode olvidar que a responsabilidade objetiva, fundamentada na teoria do risco criado, foi concebida como exceção, e não como regra. Ampliar demasiadamente seu campo de aplicação criará enorme insegurança jurídica” (LEONARDI, 2005, p. 71).
CONCLUSÃO
O instituto da responsabilidade civil vive em constante mudança, evoluindo ao longo do tempo, como é possível perceber na forma de reparar o dano, sendo a reparação feita com o próprio corpo do ofensor na antiguidade e através de pena pecuniária atualmente. É necessário que se faça uma profunda análise dos pressupostos deste instituto, como forma de não deixar sem reparação nenhuma vítima de ofensa, seja ao seu patrimônio patrimonial, seja na sua moralidade.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004. v. 4.
Notas:
Informações Sobre o Autor
Pablo de Paula Saul Santos
Acadêmico de Direito da Universidade Federal do Maranhão – UFMA
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