A Constituição do Brasil e os Direitos Humanos

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Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo; Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença, e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum;[…] (Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem)

O trabalho intitulado “A constituição do Brasil e os direitos humanos”[1], faz uma abordagem em termos gerais sobre a teoria geral dos direitos fundamentais, assim como elabora um retrospectivo histórico e aborda temas atuais, tais como a eutanásia, a união homo-afetiva e as pesquisa com células-tronco. Primeiramente, consta no trabalho uma análise evolutiva dos direitos humanos divididos em gerações; em seguida, aborda a inserção dos direitos humanos como fruto da evolução política-mundial no texto constitucional brasileiro; e por último, traz temas contemporâneos para o debate (eutanásia, união homo-afetiva e pesquisa de células-tronco). Tenta-se mostrar com este trabalho a importância da positivação dos direitos humanos nos textos internacionais, da mesma forma sua inserção no plano interno. Concluiu-se que sem mecanismos eficazes para proteção dos direitos fundamentais o ser humano torna-se vulnerável às opressões. Sem uma legislação moderna e elementos materiais que garantam a execução dos direitos essenciais se cometerá muita injustiça pensando que se está realizando justiça aplicando-se leis que não reproduzem o momento atual.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho enfoca os Direitos Humanos partindo da idéia de que do momento em que os homens passaram a viver em sociedade, este vínculo de direito estabeleceu-se entre eles e que o seu grande marco, na história da humanidade, ocorreu no século XVIII com a Declaração de Virgínia (1776) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). No tempo contemporâneo, um diploma internacional, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU, 1948), passou a guarnecer a humanidade.

A preocupação da sociedade com os Direitos Humanos foi tão notória que hoje percebe-se sua consolidação no preceito de diversas constituições, inclusive a brasileira que garantiu plenamente a proteção aos direitos fundamentais do homem. Seria impossível esgotar o tema, pois novas questões serão sempre levantadas, como resultado, inclusive, dos conceitos modernos sobre a vida, a ética, a moral, a religião e a ciência, tais como: a eutanásia, a união civil de pessoas do mesmo sexo, o transplante de órgãos e as pesquisas com células-tronco.

O presente trabalho não tem como objetivo esgotar o assunto a cerca dos Direitos Humanos ou de sua inserção no texto máximo brasileiro. O estudo visa introduzir o tema dos direitos fundamentais e fomentar novas questões que devem ser enfrentadas pela sociedade e por seus legisladores.

1.0 DIREITOS HUMANOS: MARCOS HISTÓRICOS, CONCEITUAÇÃO E EVOLUÇÃO

O “homem é um ser político”, dizia Aristóteles, e com razão, pois a vida em sociedade facilita a divisão do trabalho e, inclusive, a proteção de um grupo em face de outro.

Em todos os períodos da evolução da história percebe-se que o homem sempre se reuniu em grupos para melhor coordenar sua vida, razão pela qual torna-se difícil precisar quando se iniciou a falar em Direitos Humanos. Manoel Gonçalves Ferreira Filho cita Sófocles, em Antígona, como o primeiro a falar em direitos fundamentais; Cícero é outro doutrinador primitivo que defendeu os Direitos Fundamentais; e a Magna Carta, outorgada por João sem Terra, no ano de 1215, é um dos marcos documentais sobre o tema.

No século XVII inúmeros autores defenderam essa idéia, mas foi, efetivamente no século iluminado (XVIII) que houve grandes mudanças no rumo da humanidade. Começando com a Declaração de Virgínia e posteriormente com a Revolução Francesa e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789. A Liberdade, a igualdade e a fraternidade eram proclamadas pelos revolucionários franceses, constituindo o primeiro registro dos chamados direitos humanos de primeira geração (liberdades públicas).

O jurista DALMO DALLARI[2], comentando a expressão direitos humanos, lavrou valiosa lição dizendo ser “uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana” e que “esses direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida.”. Dallari fala ainda em necessidades essências da pessoa humana[3].

Outro eminente constitucionalista conceitua os direitos humanos dizendo que são “uma das previsões absolutamente necessárias a todas as Constituições, no sentido de consagrar o respeito à dignidade humana, garantir a limitação de poder e visar o pleno desenvolvimento da pessoa humana.”[4]. Afonso Arinos de Mello Franco citado por Alexandre de Morais diz ‘[…] Sem respeito a pessoa humana não há justiça e sem justiça não há Direito’[5].

Os direitos humanos existem para que se tutele as garantias mínimas para a vida, dignidade e liberdade do ser humano em sociedade, para que desta forma ele possa viver em equilíbrio consigo mesmo e com os outros. Para que haja justiça e paz social é que há garantias institucionais positivando e garantindo o cumprimento dos direitos humanos.

A expressão direitos humanos é utilizada em algumas ocasiões como direitos fundamentais, direitos essenciais, direitos elementares, contudo todas essas expressões referem-se aos direitos fundamentais do homem.

Os direitos e garantias conquistados pelo homem desde a Revolução Francesa em 1789 foram muitos, tanto que se elaborou uma divisão para melhor estudá-los conforme a época histórica. Por isso o ilustre constitucionalista Manoel Gonçalves Ferreira Filho escreve:

(…) a doutrina dos direitos fundamentais revelou uma grande capacidade de incorporar desafios. Sua primeira geração enfrentou o problema do arbítrio governamental, com as liberdades públicas; a segunda, o dos extremos desníveis sociais, com os direitos econômicos e sociais; a terceira, hoje, luta contra a deterioração da qualidade da vida humana e outras mazelas, com os direitos de solidariedade.[6]

Por tal razão se tratará a seguir sobre a primeira, segunda e terceira geração de direitos humanos, direitos esses que já se encontram contemplados em inúmeras constituições ao redor do globo.

Direitos humanos de primeira geração

Com a finalidade de acabar com a supressão de direitos da maioria das pessoas que estavam a parte, marginalizadas pelo Estado absoluto, surgiu a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, para dizer que todos os cidadãos são iguais perante a lei, acabando com o sistema hierárquico. As liberdades públicas não apenas igualou o ser humano, mas também lhe deu direito a agir como cidadão, ser livre para expressar-se, locomover-se, direito de ter propriedade e dispor de seus bens, bem como a presunção de inocência, a legalidade criminal, a legalidade processual[7].  O sufrágio universal foi outra conquista que levou certo tempo para ser consolidada na sociedade pós-revolucionária francesa, porém, com base no art. 1° da Declaração “os homens nascem e permanecem livres em direitos”, com base nisso o homem conseguiu engatinhar com os princípios democráticos.

Essa primeira geração de direitos ou dimensão, como fala Paulo Bonavides, impôs limitações ao império do Estado. Os cidadãos passaram a ter direito a direitos. Bonavides escreve que

[…] os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.[8]

As liberdades públicas traduzem-se em direitos políticos e civis, esses direitos são a base da primeira geração de direitos fundamentais do homem.

Direitos humanos de segunda geração

O século seguinte à Revolução Francesa não trouxe progressos materiais, todavia, no século XX merece uma análise cuidadosa a cerca dos movimentos populares ocorridos e a incorporação de novos valores à comunidade internacional.

Os direitos de segunda geração ou direitos sociais, culturais, e econômicos foram propulsionados pela exploração do trabalho, visto que, a primeira Revolução Industrial se consolidou no inicio do século XIX. Depois de um século de exploração da mão-de-obra surgiram pensadores criticando o Estado Liberal de outrora e sustentavam a idéia da revolução do proletariado. Foi o que aconteceu no final da primeira guerra mundial com a Revolução Russa e a proclamação de sua constituição, assim como a proclamação da constituição de Weimar a qual assegurou direitos básicos diversos das liberdades públicas.

Ferreira Filho diz que a natureza dos direitos sociais assim como as liberdades públicas são direitos subjetivos “entretanto, não são meros poderes de agir – como é típico das liberdades públicas de modo geral – mas sim poderes de exigir. São direitos de ‘crédito’.”[9].

Após a segunda grande guerra mundial houve necessidade de se reafirmar a importância dos direitos humanos já incorporados ao cidadão e sua proteção pela comunidade internacional. Em 1945, com a criação da Organização das Nações Unidas e em seguida (1948) com a declaração Universal dos Direitos do Homem. São elencados como direitos do homem a liberdade e igualdade entre os seres, a não discriminação do indivíduo, o direito à vida, à segurança pessoal, à condenação do trabalho escravo e o regime escravocrata, a tortura foi repelida, a legalidade processual perante qualquer tribunal, o devido processo legal, a presunção de inocência, liberdade de pensamento, dentre tantos outros que podem ser depreendidos do texto de 1948. Essa declaração ratifica os direitos fundamentais do homem, esquecidos durante a segunda guerra mundial, e acrescenta alguns direitos para proteção do ser humano.

Os direitos sociais foram encarados durante algum tempo como normas programáticas. Essa interpretação era considerada correta até pouco tempo atrás no Brasil, mesmo com o advento do art. 5°, § 1° “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”(Constituição Federal, 1988). Muitos julgavam que os direitos assegurados na constituição eram normas a serem perseguidas pelo Estado e não de execução imediata, desta forma eram permitidos e tolerados abusos contra cidadãos, principalmente aqueles de baixa renda os quais, normalmente, possuem dificuldades materiais e intelectuais em razão da falta de assistência e do desleixo administrativo do Estado, tutelado pela justiça.

Paulo Bonavides escreve:

[…] os direitos fundamentais da segunda geração tendem a tornar-se tão justificáveis quanto os da primeira; pelo menos esta é a regra que já não poderá ser descumprida ou ter sua eficácia recusada com aquela finalidade de argumentação arrimada no caráter programático da norma.[10]

Atualmente, o controle dos direitos fundamentais está caminhando em direção do progresso e das novas perspectivas mundiais respaldados nas fontes internas e internacionais de direitos para tutelar o ser humano.

Direitos humanos de terceira geração

Os direitos de terceira dimensão são os direitos à fraternidade ou à solidariedade. A primazia desses direitos deve-se a Karl Vasak[11]. Os principais direitos à solidariedade são: o direito à paz, ao desenvolvimento, ao meio ambiente, ao patrimônio comum da humanidade e à comunicação.

Esses direitos encontram-se tutelados em inúmeras fontes internacionais como no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966), na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (1981), na Carta de Paris para uma nova Europa, bem como na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969).

Manoel Gonçalves Ferreira Filho sintetiza as três gerações dizendo: “a primeira geração seria a dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, a terceira, assim, complementaria o lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade”.[12]

Todavia, Paulo Bonavides acredita haver uma quarta dimensão dos direitos fundamentais, diz o autor que “a globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social.”.[13] O autor fala que são direitos da quarta geração a democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo.

Portanto, os direitos humanos evoluíram rapidamente no último século e a tendência é que continuem aparecendo novos direitos inerentes ao homem e com o passar do tempo e o amadurecimento político sejam incorporados às constituições de cada Estado. A tutela do ser humano não pode parar no tempo, desta forma, novas gerações de direitos surgirão e a plenitude da paz social será alcançada.

2. A CONSTITUIÇÃO VIGENTE E OS DIREITOS HUMANOS

Os direitos humanos estão consolidados na Constituição da República Federativa do Brasil no título que trata dos princípios fundamentais, no título sobre os direitos e garantias fundamentais e por último no art. 225, sobre o meio ambiente, sem eliminar outros artigos. que possam ter matéria dos direitos fundamentais. Encontram-se nesses dispositivos toda a evolução internacional dos direitos humanos.

2.1 A superação da identidade exclusiva com os direitos políticos

Havia, antigamente, uma conexão imediata entre os direitos humanos com os direitos políticos, isso porque os direitos políticos fizeram parte da primeira geração de direitos, contudo, essa visão política dos direitos humanos e sua correlação com a democracia, encontra-se ultrapassada, ao menos no mundo ocidental.

Embora a experiência democrática em alguns países seja ainda recente, como é o caso do nosso país, as instituições do Estado Democrático e de Direito estão fortemente consolidadas.

Ao passo que no mundo oriental, ainda não há mecanismos que assegurem com eficácia os direitos humanos de certos povos que vivem sob regimes autocrático, totalitários, alguns em guerra civil, outros em guerra contra a ocupação estado-unidense. A democracia não pode ser imposta a uma sociedade, ela deve ser o resultado de suas aspirações, de sua indignação com o sistema em que vivem. Deve ser um processo endógeno e não exógeno, pois se assim o for (exógeno), poderá estar decretado o fracasso, em detrimento da falta de percepção e amadurecimento político desse povo. Sem sustentação popular não há política que persista saudável.

Na América, em especial, percebe-se que os direitos humanos de primeira geração estão incutidos na mentalidade de todos, e seria difícil encontrar grupos de pessoas as quais conseguiriam imaginar-se vivendo em outro sistema político que não a democracia.

Por tudo isso, existe hoje uma superação da identidade exclusiva com os direitos políticos, não só por causa do progresso político-institucional, mas também pelo surgimento de outros direitos fundamentais que necessitam ser tutelados, e a forma mais rápida de se ter direitos reconhecidos é tendo um parlamento popular representativo que esteja sempre voltado à proteção de sua população.

2.2 As garantias constitucionais fundamentais

A Constituição Federal em seu sistema rígido de normas assegura vários direitos fundamentais. Em seu art. 1° a Constituição da República consagra o princípio da cidadania (inciso II), dignidade da pessoa humana (inciso III) e os valores sociais do trabalho (inciso IV). A cidadania “expressa um conjunto de direitos que dá a pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo”[14], conforme diz Dallari.

A cidadania como hoje é entendida pela teoria dos direitos humanos engloba uma série de outros direitos, ela aglutina os direitos de primeira geração e alguns de segunda geração, atualmente é cidadão aquele que pode usar e fruir de suas liberdades públicas, dos seus direitos sócio-econômicos e dos direitos solidários.

Pode-se citar além dos direitos citados no art. 1°, outros direitos, tais como o direito à vida, a privacidade, a igualdade, a liberdade (e aqui encontra-se uma série de direitos como a liberdade de expressão, a locomoção, a religião, a segurança pessoal, entre outras) à informação, à representação coletiva, à associação, a propriedade e seu uso social, à cultura, à educação, à saúde, ao meio ambiente equilibrado, ao asilo, ao devido processo legal, à presunção de inocência, entre outros.

Vale transcrever o art. 5° da Constituição Federal:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

Pode-se classificar os direitos fundamentais conforme adota Manoel Gonçalves Ferreira Filho em individuais, coletivos, de grupos e difusos.

Os direitos individuais têm como sujeito ativo um indivíduo humano, esse ser quando verificar que teve a supressão, ou melhor, quando houver perturbação de seu direito por autoridade pública, ou outra que atue em lugar da pública, poderá impetrar habeas corpus (art. 5° LXVII CF/88) quando verificar que há impedimento no seu direito de livre circulação (ir e vir – e ficar), habeas data, quando houver necessidade de retificação de registro ou para que seja prestada informação que sobre ele constem nos bancos de dados (art. 5°, LXXII, a, b CF/88). O sujeito individual poderá ainda solicitar a providência da segurança (art. 5°, LXIX CF/88) quando a perturbação de seu direito líquido e certo não for de matéria do habeas corpus nem do habeas data.

Os direitos coletivos são aqueles que envolvem a coletividade como um todo, uma sociedade. Por essa natureza quando há a turbação de algum direito fundamental é dever do Ministério Público promover a ação cabível, uma vez que esse órgão é o responsável pela defesa dos interesses da coletividade. Dessa forma, o Ministério Público poderá promover ação civil pública para defesa do patrimônio público e social, do meio ambiente e outros interesses conforme art 129, III, não sendo vedado à interposição desse remédio por outras pessoas segundo o §1º do mesmo artigo.  A constituição vigente foi inovadora ao permitir a proposição de mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX CF/88) por partido político com representação no Congresso Nacional ou por qualquer organização não-governamental constituída há mais de um ano.

Direitos de grupos são direitos individuais “homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum” (art. 81, parágrafo único, III, do Código de Defesa do Consumidor).

E por fim, os direitos difusos são aqueles conforme o Código de Defesa do Consumidor define em sendo “transindividuais de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato” (art. 81, parágrafo único, I do Código de Defesa do Consumidor).

Há, todavia, que se falar em direito-garantia, ou nos remédios constitucionais a cerca da ação popular (art. 5º LXXIII CF/88) a qual poderá ser proposta por qualquer cidadão nacional desde que no uso de sua plena cidadania para defesa do meio ambiente adequado contra ato lesivo da autoridade pública.

E, por último, há o mandado de injunção (art. 5º, LXXI CF/88), modalidade esta que é recente no direito pátrio. Este remédio constitucional será proposto sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos fundamentais. Entretanto, o mandado de injunção não tem sido utilizado e na verdade não haveria necessidade de sua existência, uma vez que o legislador constitucional assegurou a aplicação imediata dos direitos e garantias fundamentais. Então, a autoridade pública não poderia se escusar de cumprir com a tutela dos direitos humanos assegurados, pois estes não mais possuem caráter de normas programáticas. Portanto, quando não há o cumprimento público de um direito essencial o cidadão pode usar dos direitos-garantias (como o habeas corpus ou data, mandado de segurança, ação popular ou civil pública) sempre que houver a supressão de um direito elementar ao homem.

É preciso fazer uma consideração especial sobre o habeas corpus com relação a prisão civil do depositário infiel, matéria essa assegurada constitucionalmente (art.5º, LXVII) e regulamentada pele decreto-lei n° 911 (01.10.1969). Essa matéria tem sido controversa na Suprema Corte brasileira em vista da adesão do Brasil à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (22.11.1969), a qual entrou em vigor no plano interno pela aprovação do Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº 27 (26.05.1992).

A discussão versa sobre a proibição da prisão civil, pois a Convenção Americana veda a prisão civil em seu art. 7, 7, abrindo ressalva quanto a prisão em virtude de inadimplemento inescusável de obrigação alimentícia.

Parece que a controvérsia pode ser definida com base na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados utilizando seus arts. 26, 27 e 46.  O art 27 diz “uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”. Contudo, há julgados do STF que não dão status constitucional aos tratados, dizendo que eles ocupam a posição de legislação ordinária, pois bem, se são ordinárias há de se observar o princípio de que lei posteriri derrogat anteriori, desta forma a Convenção revoga o Dec. 911 e por isso não há regulamentação para executar a prisão do depositário infiel. Nesse sentido vale lembrar o posicionamento do Ministro Marco Aurélio no julgamento do HC 73.044, citado por George Rodrigo Bandeira Galindo, no seguinte teor:

A promulgação sem qualquer reserva atrai, necessariamente e no campo legal a conclusão de que hoje somente subsiste uma hipótese de prisão por dívida civil, valendo notar a importância conferida pela Carta de 1988 aos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

De qualquer forma (…), uma vez promulgada, a convenção passa a integrar a ordem jurídica em patamar equivalente ao da legislação ordinária. Assim a nova disciplina da matéria, ocorrida a partir de 06.11.1992, implicou a derrogação do Dec.-lei 911/69, no que se tinha como abrangente da prisão civil na hipótese de alienação fiduciária. O preceito da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, limitador da prisão por dívida, passou a viger com estatura de legislação ordinária, suplantando, assim enfoques em contrário, relativamente a essa última, até então em vigor.[15]

Porém, é de se dar o devido valor às normas internacionais sobre direitos humanos e concedê-las status constitucional, mesma as anteriores a emenda constitucional nº 45 que adicionou o §§ 3° e 4° ao art. 5° No § 3° está escrito que os tratados e convenções internacionais que forem assinados pelo Brasil e depois submetido à votação no Congresso Nacional e forem aprovados por três quintos dos votos, em dois turno em cada casa, terão equivalência as emendas constitucionais. Contudo o dilema parece quanto aos tratados já assinados e incorporados à legislação brasileira. Terão eles status de lei ordinária ou constitucional. É importante que se conceda nível constitucional aos tratados já ratificados e daqui para frente que ocorra essa mudança quanto aos tratados que virão a ser ratificados.

Por essa razão, o Estado brasileiro deve zelar pelo total cumprimento dos acordos internacionais e ser uma nação “amiga” do direito internacional.

3.0 OS TEMAS NÃO ENFRENTADOS PELA CONSTITUINTE/88

Com a evolução e o progresso da humanidade, urge no plano do direito interno brasileiro a atenção do legislador com temas delicados e que merecem suporte legal com a maior urgência. Um dos temas é de ordem econômica-científica (as pesquisas com células-tronco), os outros dois são de ordem ético-moral (eutanásia e união homo-afetiva).

3.1 Eutanásia

A eutanásia é a chamada “morte tranqüila”, “morte bela” ou “morte suave”. Há dois tipos de eutanásia: o primeiro quando uma pessoa apresenta um estado de saúde irrecuperável, ou melhor, sem possibilidades de tratamento clínico e nem de melhora por incapacidade de resposta do sistema imunológico, solicita à equipe médica que o matem para aliviar seu sofrimento e o de sua família. Essa pessoa na plenitude de suas condições mentais não quer sofrer mais com a enfermidade e pede a piedade dos médicos para que aliviem seu sofrimento. O outro tipo identificado de eutanásia é quando um ser humano em condições vegetativas, ou seja, vive sem saber que vive, já que não consegue exercer suas faculdades mentais, é mantido vivo por aparelhos. Dessa forma, sua família pede aos médicos que realizem a eutanásia por este ser um desejo do enfermo enquanto vivo, ou ainda se mesmo não fosse sendo, a família decide que a morte provocada será o melhor caminho do que fazer com que seu ente querido agonize anos e anos em cima de uma cama hospitalar sem perspectivas técnicas de melhora.

José Afonso da Silva lembra que a eutanásia é proibida pela Constituição Brasileira por ela assegurar em seu art. 5° caput, o direito à vida. Faz-se necessário confrontar dois princípios de direitos humanos: o direito à vida versus o direito à dignidade humana (art. 1°, III CF/88).

Ambos direitos são tutelados pela ordem nacional e internacional, mas qual deverá ser o posicionamento do legislador no futuro próximo? A tutela da inviolabilidade da vida? Ou a possibilidade de cometer a eutanásia em face do princípio da dignidade humana? Do que vale viver se não se tem qualidade e condições razoáveis para viver? Vida com qualidade salutar versus vida sem perspectivas nem nenhuma qualidade salutar?

Pode não parecer fácil tomar partido de uma ou outra corrente, entretanto, é importante lembrar que nenhuma conclusão poderá ser tomada com decência se o aspecto político-religioso não for deixado de lado. Há que se fazer essa separação, política de um lado analisando friamente os fatos, e do outro a religião com toda a sua paixão e fundamentalismo.

Percebe-se que o fundamental na atualidade, e em razão do incrível avanço da medicina, que o ser deve ter sua vida tutelada em primeiro lugar, mas de nada vale sua vida se seu arbítrio e sua dignidade não forem respeitados. Na era da liberdade, há de se permitir as pessoas tomarem a decisão de continuar com sua vida, lutando por melhoras, ou desistir do processo doloroso e agonizante.

Não se pode proibir o ir e vir, assim como não se pode proibir a vontade de uma pessoa abandonar o plano material e buscar a razão do universo.

3.2 União homo-afetiva

A expressão união homo-afetiva é utilizada pelos juristas contemporâneo para descrever a união entre indivíduos do mesmo sexo. O debate a cerca do tema vem esquentando a cada ano. Alguns julgados começam a surgir permitindo a abertura de sucessão do(a) parceiro(a).

Nesta matéria o principal confronto que se tem é o confronto entre as ideologias religiosas as quais têm muita força atualmente no Congresso Nacional. O debate aqui versa sobre a liberdade (art. 5°, caput), igualdade (art. 5°, caput) entre os seres humanos e sua não discriminação (art 3°, IV CF/88). Vale transcrever o que diz o art. 24 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos: “Todas pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei.” Portanto, os homossexuais merecem não serem discriminados pela opção sexual que fizeram. Devem ter seus direitos resguardados assim como os heterossexuais. A impossibilidade de homossexuais de se unirem civilmente é uma forma de discriminação que não pode ser tolerado no tempo atual.

Se todos são livres, nada mais racional do que permitir que cada um faça de sua vida o que quiser. O sistema legal não pode ser opressor dizendo que os únicos que podem casar-se são homem e mulher entre si, caso o sistema positivo o fizer estará violando a liberdade sexual de cada um.

O direito à sexualidade deverá ser considerado em breve um direito humano, pois a sexualidade não é questão de escolha e sim de afinidades psíquicas de cada indivíduo humano. O homossexualismo não foi inventado pela época atual. Há indícios históricos de homossexualismo dentre os povos antigos, inclusive na Grécia antiga.

Outra alegação que os grupos religiosos fazem é que a instituição do casamento serve para fundar família o que pressupõe em ter filhos. Dessa forma, casais estéreis não poderiam casar-se. O que impede a adoção por casais estéreis e homossexuais? Nada obstrui os casais estéreis realizar adoção, em contrapartida, como não há união homo-afetiva não se concebe que casais homossexuais adotem. Essa discrepância é mais modelo de tratamento desigual e discriminatório da lei.

Preza o art. XVI, 1 da Declaração Universal do Homem que homens e mulheres maiores de idade têm o direito de contrair matrimônio. O artigo fala sem restrição de religião. Ora, se o credo de um grupo de pessoas permite a união entre entes do mesmo sexo, nada mais natural aceitá-la em nome da liberdade religiosa. E parece que a Igreja continua governando a Humanidade, assim como fez desde a vinda de Cristo.

Os dilemas da atualidade são simples de resolver quando se deixa de lado a paixão religiosa e se encara os fatos com lucidez e sabedoria.

Pesquisas de células-tronco

As transformações no mundo moderno, tanto no âmbito social quanto no âmbito tecnológico-científico, tem sido inúmeras bem como a velocidade que tais mudanças são processadas em nossas vidas é assustadora. As pesquisas biotecnológicas não param um instante. O primeiro passo ocorreu com o mapeamento genético do DNA e desde então novas pesquisas foram propulsionadas.

Atualmente a biotecnologia tem evoluído para alguns caminhos, mas pode-se citar dois em especial: a pesquisa e a intervenção genética, tanto em alimentos como também na possibilidade de alteração genética e clonagem do ser humano; e o outro caminho tem sido na possibilidade de regeneração de tecidos do corpo humano a partir do uso de células-tronco, as quais são encontradas no cordão umbilical, na medula óssea e no embrião humano, contudo, somente são encontradas no embrião células totipotentes e pluripotentes.

Depois de haver-se retratado o problema há necessidade de delimitar o assunto em função das células-tronco que foram proibidas pela lei de biossegurança recentemente aprovada pelo Congresso Nacional. O principal ponto a ser discutido é por que há tanta resistência à pesquisa de células-tronco embrionárias?

Volta a cena a resposta que há grande resistência dos grupos religiosos os quais dizem que a vida começa desde a concepção. Deve-se esquecer o embate religioso e pensar na tutela do ser humano e no seu direito ao desenvolvimento integral o qual abrange os campos econômico, social, educacional, cultural, científico e tecnológico, conforme art. 30 da Organização dos Estados Americanos.

No sistema legal brasileiro a vida começa a ser protegida com o nascimento da criança, e claro o aborto é vedado.

As células embrionárias não são fetos, não são pessoas, são apenas células. Células não têm direito, do contrario estar-se-ia cometendo uma aberração jurídica ao tutelar o direito a célula, que nem ser é. A vida começa a partir do desenvolvimento do feto e não da célula, portanto, as pesquisas com células-tronco embrionárias deveriam ser legalizadas pois em nome do progresso científico (direito ao desenvolvimento), da melhora da qualidade de vida do ser humano (direito à dignidade) tais pesquisas ajudarão a preservar a vida presente e não violam de maneira alguma o direito à vida, ao contrário, reforçam esse direito trazendo esperança aos desacreditados.

Os debates políticos não podem versar mais sobre aspectos espirituais e sim sobre os fatos da realidade humana. O homem deve buscar sempre o desenvolvimento em prol da melhora de vida de sua comunidade, entretanto, a busca de novas tecnologias não pode ferir a ética, a moralidade, a preservação dos direitos fundamentais e a proteção do meio ambiente equilibrado. O progresso da humanidade não pode estar atrelado à redução ou supressão dos direitos fundamentais do homem e a biossegurança da vida humana, vegetal e animal.

A religião não pode ser empecilho do progresso e da evolução juris-científica. Somente se alcança o progresso com o debate, a pesquisa, o esforço conjunto e a completa desvinculação do Estado Democrático de Direito do Estado Religioso Fundamentalista Ortodoxo. A religião tanto no ocidente como no oriente exercem exerce o mesmo papel conservadorista.

CONCLUSÃO

Visto o que foi abordado sobre direitos humanos ficou claro que sua tutela é indispensável para a promoção da justiça e paz social. A evolução da humanidade mostra que sem direito não há sociedade, sem sociedade não há direito e sem respeito aos preceitos fundamentais do homem não há condições básicas para o crescimento, o desenvolvimento e a proteção do ser.

Podemos visualizar que nossa Constituição de 1988 apresenta um texto rígido, contudo, aberto para as inovações dos direitos humanos. A evolução dos direitos humanos apresentado em gerações de direitos estão consolidados na Carta Magna brasileira, porém, os novos direitos sociais que estão surgindo deverão ser em breve positivados no nosso sistema legal, visto que sua supressão poderá causar discriminação, cerceamento do direito de liberdade e igualdade assim como impedimento ao desenvolvimento integral.

O direito sempre anda atrás das mudanças sociais, contudo no âmbito científico deve ser vanguardista. A luta dos homossexuais por terem seu direito assegurado pela lei é antiga e já é hora de ser amparado legalmente à união homo-afetiva.

A polêmica sobre a eutanásia ainda é recente, porém a liberdade do homem de abdicar de sua vida deve ser resguardada, visto que o preceito da vida digna apresenta tanta importância quanto o preceito a vida. Vida sem dignidade não é vida, é a condenação do ser humano a agonia. A dualidade vida e dignidade não sobrevivem separadas, vida pressupõe dignidade e dignidade pressupõe vida. Pode existir vida sem dignidade, mas ela não se completa nem se aperfeiçoa.

Inferimos que a evolução da humanidade é acelerada e por essa razão a elaboração de leis, bem como a incorporação de novos direitos humanos de segunda geração deve ocorrer o quanto antes porque desta maneira afastaremos as injustiças sociais e estaremos promovendo o avanço sócio-tecnológico.

 

Bibliografia
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MEDEIROS, Leonardo. Lei de Biossegurança proíbe pesquisas com células-tronco. In: Folha Online. Disponível na internet URL: http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/ult306u11308shtml Acesso em 05.08.2005.
MORAIS, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
REZEK, J. F. O direito internacional no século XXI: textos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2002.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito Constitucional Positivo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
Notas
[1] Trabalho Elaborado no Núcleo de Pesquisa Jurídica do Departamento de Ciências Jurídicas da Fundação Universidade Federal do Rio Grande, NUPEJUR/DCJ/FURG, sob orientação do Prof. João Moreno Pomar.
[2]DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos e cidadania. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2004. p. 12.
[3] Idem ibidem. p.13
[4] MORAIS, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 20
[5] idem ibidem. p.21
[6] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p.15
[7] Idem ibidem. p. 23
[8] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 563 e 564
[9] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Op. cit. p. 51
[10] Paulo Bonavides. op. cit. p.565
[11] Diretor da divisão de Direitos do Homem e da Paz  da UNESCO em 1979.
[12] Manoel Gonçalves Ferreira Filho. op. cit. p.57
[13] Paulo Bonavides. op. cit. p.571
[14]DALLARI. op. cit. p. 22
[15]  GALINDO, George Rodrigo Bandeira. Tratados Internacionais de Direitos Humanos e Constituição Brasileira. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p.258

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Ignácio Mendez Kersten

 

Advogado.

 


 

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