Direito ao esquecimento na República Federativa do Brasil: análise aos casos Aída Curi e chacina da Candelária

Resumo: O presente trabalho científico tem seu objetivo, pautado na máxima da dignidade da pessoa humana, fundamento de existir da República Federativa do Brasil. As linhas deste estudo analisarão os pressupostos que ocasionam o direito da pessoa de viver em paz, de não ter sua vida invadida e permanentemente prejudicada, por fato pretérito. De modo a considerar, a amplitude do tema e o impacto que terá essa nova jurisprudência nas futuras decisões dos magistrados, importa desde já compreender a que se deu ao direito de ser esquecido. Desse modo, discorrerá se frente aos princípios constitucionais da República Federativa do Brasil pode-se considerar correta a limitação da liberdade de comunicação diante do direito, do indivíduo permanecer no anonimato, sobre a perspectiva da proteção à dignidade da pessoa humana. Em contrapartida, até onde a imprensa tem direito de invadir o direito privado. Por fim, tecem-se breves considerações acerca da influência da dignidade da pessoa humana com relação aos direitos da personalidade, de modo a entender como esses direitos influenciaram nas decisões dos casos Aída Curi e Chacina da Candelária, discutidos na pesquisa.

Palavra Chave: Direito. Esquecimento.  Personalidade. Privacidade. Imprensa.

Abstract: This scientific work is your goal, based on the maximum of human dignity, the basis of existence of the Federative Republic of Brazil. The lines of this study will examine the assumptions that cause a person’s right to live in peace, to not have his life invaded and permanently impaired, a past fact. In order to consider the breadth of the topic and the impact that this new law will have on future decisions of the judges, I already understand that given the right to be forgotten. Thus, will talk to front the constitutional principles of the Federative Republic of Brazil can be considered correct the limitation of freedom of communication on the individual’s right to remain anonymous, from the perspective of protection of human dignity. On the other hand, as far as the press has the right to invade private law. Finally, weave are brief considerations about the influence of human dignity with respect to the rights of personality in order to understand how these rights have influenced the decisions of cases Aída Curi and Slaughter of Candelaria, discussed in the research.

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Keyword: Right. Forgetfulness. Personality. Privacy. Press.

Sumário: Introdução. 1 Dos Direitos Humanos aos Direitos Fundamentais. 1.1 Dos Direitos Humanos aos Direitos Fundamentais: o reconhecimento da Dignidade na Constituição Federal de 1988. 1.2 Os Direitos Fundamentais à honra, imagem, intimidade e à vida privada. 1.3 Direito à Informação e a colisão entre os Direitos Fundamentais. 2 O Direito ao Esquecimento segundo enunciado 531 VI da Comissão de Justiça Federal: uma análise aos casos Aída Curi e Chacina da Candelária. 2.1 Direito de ser deixado em paz e a dignidade da pessoa humana. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.

Contents: Introduction. 1 From Human Rights to Fundamental Rights. 1.1 From Human Rights to Fundamental Rights: the recognition of dignity in the Constitution of 1988. 1.2 Fundamental rights to honor, image, intimacy and privacy. 1.3 Right to Information and the collision between the Fundamental Rights. 2 The Right to Oblivion second point 531 VI of the Federal Justice Commission: an analysis of the cases Aida Curi and Slaughter of Candelaria. 2.1 The right to be left in peace and human dignity. FINAL CONSIDERATIONS. REFERENCES.

INTRODUÇÃO

O presente artigo científico está pautado na máxima da dignidade da pessoa humana, fundamento de existir da República Federativa do Brasil, visa analisar os pressupostos que ocasionam o direito da pessoa de viver em paz, de não ter sua vida invadida e permanentemente prejudicada, por fato pretérito. De modo a considerar, a amplitude do tema e o impacto que terá essa nova jurisprudência nas futuras decisões dos magistrados, importa desde já compreender a que se deu o direito de ser esquecido.

Em contrapartida, o tema foi criado como uma forma de proteger ás pessoas da repercussão descontrolada da mídia. Portanto, será feita análise sob a égide do princípio da dignidade da pessoa humana (art.1º, inciso III, CF/88), versus a liberdade de imprensa (art.5º, inciso IX, CF/88), com base nas decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, comparando com o posicionamento doutrinário, a norma jurídica e as questões de sua aplicação na prática.

A pesquisa analisará o cabimento do ¨Direito ao Esquecimento¨ em meio ao Ordenamento Jurídico da República Federativa do Brasil, já reconhecido em duas decisões do Superior Tribunal de Justiça, especialmente em relação aos garantidos direitos à vida privada, à liberdade de imprensa e à dignidade da pessoa humana.

Introduzido no Brasil através do Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, o qual defende os direitos da personalidade protegidos no artigo 11 do Código Civil, sob o qual, inclui-se o direito de ser esquecido.

Nesse contexto, faz-se necessário estudar a interpretação de alguns princípios Constitucionais como à dignidade da pessoa humana, o interesse público, a liberdade de imprensa. Pois, serão relevantes para entender a colisão entre os direitos ofendidos; estando de um lado os direitos da personalidade, e do outro o direito de imprensa.

Abrindo à rediscussão dos conceitos de vida privada, pretende-se compreender se o conteúdo das decisões se identifica com o “Direito ao Esquecimento”, estendendo-se à proibição da publicação de notícias envolvendo o indivíduo, mesmo após seu retorno ao anonimato.

Dessa forma, o foco principal deste trabalho, coincidente com o problema proposto, é determinar se frente aos princípios Constitucionais pode-se considerar correta a limitação da liberdade de comunicação diante do direito do indivíduo permanecer no anonimato, sobre a perspectiva da proteção à dignidade da pessoa humana. Em contrapartida, até onde a imprensa tem direito de invadir o direito privado.

A escolha do tema se dá por três motivos, primeiro pelo fato de, atualmente, o judiciário estar recebendo ações onde se discutem a invasão da privacidade, o direito da pessoa de viver em paz sem ter sua vida prejudicada tanto por fatos presentes como pretéritos, diante da evolução da sociedade, através da internet onde tudo se espalha de maneira rápida. E segundo, devido à nova sociedade cibernética, onde as matérias ganham proporções indescritíveis, proteger à dignidade, a honra e a vida é medida que a cada dia se fará mais necessária, pois, uma matéria postada no Brasil, chega a lugares distantes em questões de segundos. E por fim, o terceiro motivo se dá pela falta de estudos da temática.

Cabe lembrar, os casos da Chacina da Candelária ocorrido no dia 23 de julho de 1993, em que foram cruelmente assassinados por policiais militares oito jovens moradores de rua. E também o caso de Aída Curi, que aconteceu no dia 14 de julho de 1958, onde dois rapazes ajudados pelo porteiro abusaram sexualmente da vítima e a espancaram, logo em seguida a jogaram do 12º (décimo segundo) andar, para simular um suicídio.

Portanto, a pesquisa bibliográfica e de cunho explicativo, trata de um meio de proteção à vida privada com relação aos meios descontrolados de invasão da mídia, e os danos materiais e morais causados à pessoa pelo sofrimento e exposição.

Estar envolvido na controvérsia de valores primordiais cultivados pela Constituição Federal e pela legislação civil, quais sejam, os princípios Constitucionais, os direitos fundamentais individuais e sociais. Trata-se de questão de interesse amplo e irrestrito, e que merece ser analisada de forma criteriosa.

1. Dos Direitos Humanos aos Direitos Fundamentais

Num primeiro momento, importante se faz ilustrar o modo pelo qual a Constituição Brasileira de 1988, se relaciona com o aparato internacional de proteção dos direitos humanos, a forma pela qual incorpora os tratados internacionais de direitos humanos e o status jurídico que lhe atribui. Sobretudo, diante da séria necessidade imposta pelo comando Constitucional, de se preservarem os direitos da personalidade do ser humano, em especial sua honra, imagem e privacidade, em geral os que se chocam com a liberdade de imprensa, também constitucionalmente garantida.

Para Antônio Henrique Pérez Luño apud Piovesan (2010, p.43):

¨os direitos humanos surgem como um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências de dignidade, liberdade e igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos, nos planos nacional e internacional¨.

Segundo Jorge Miranda (2010, p.166), os direitos fundamentais são considerados como elementos básicos para realização do princípio democrático, tendo em vista, que exercem uma função democratizada.

Pois, a Constituição confere uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema de direitos fundamentais. E ela repousa na dignidade da pessoa humana, ou seja, na concepção que faz a pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado.

São direitos relativos à personalidade, na lição de Gomes apud Godoy (2015, p.39), ¨aqueles essenciais ao desenvolvimento da pessoa humana, que a doutrina moderna preconiza e disciplina, no Código Civil, como direitos absolutos¨.

Destinam-se, a resguardar a eminente dignidade da pessoa humana, preservando-a dos atentados que pode sofrer por parte de outros indivíduos.

1.1. Dos Direitos Humanos aos Direitos Fundamentais: o reconhecimento da Dignidade na Constituição Federal de 1988

Os direitos humanos são um construir histórico que possuem suas raízes nos movimentos sociais, políticos, filosóficos e religiosos. Segundo assevera o doutrinador Cançado Trindade (2009, p.133):

A ideia desses direitos, são tão antigas como a própria história das civilizações, tendo logo se manifestado, em distintas culturas e em movimentos históricos sucessivos, na afirmação da dignidade da pessoa humana, na luta contra as formas de dominação e exclusão e opressão, e em prol da salvaguarda contra o despotismo e a arbitrariedade, e na asserção da participação da vida comunitária e do princípio da legitimidade.

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Segundo o contexto histórico dos Direitos Humanos, na Declaração da Virgínea de 1776, constituiu o registro de nascimento dos direitos humanos na História. Seguidamente, a Declaração de Independência dos Estados Unidos reconheceu solenemente que todos os homens são igualmente vocacionados, pela sua própria natureza, ao constante aperfeiçoamento de si mesmos (PIOVESAN, 2010).

Com a Revolução Francesa, a ideia de liberdade e igualdade dos seres humanos é reafirmada e reforçada, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Logo, o reconhecimento da fraternidade, só foi alcançada com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948.

Com aprovação da Declaração Universal em 1948 e diante da nova concepção de direitos humanos, houve a adoção de inúmeros tratados internacionais voltados à proteção dos direitos fundamentais.

A partir do mesmo cria-se um sistema normativo de proteção aos direitos humanos, no âmbito das Nações Unidas. Sobre o qual, se integra os Pactos Internacionais de Direitos civis e Políticos e de Direitos Econômicos, sociais, culturais, e as Convenções interamericanas que buscam responder a determinadas violações de direitos humanos como a tortura, a discriminação racial, a discriminação contra as mulheres, a violação dos direitos das crianças, dentre outras formas de violação (PIOVESAN, 2010).

No século XIX, com o constitucionalismo, as Declarações dos Direitos Humanos passam a ser inseridas nas Constituições dos Estados. Segundo Piovesan (2010), a Constituição Federal de 1988, situa-se como marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos humanos no Brasil.

A Constituição institucionalizou e instaurou um novo regime político Democrático no Brasil. Introduziu também um indiscutível avanço de proteção dos setores vulneráveis da sociedade brasileira ao incorporar os direitos e garantias fundamentais.

Não obstante, o princípio da dignidade da pessoa humana engloba os direitos da personalidade no que relaciona as manifestações abrangendo o direito ao nome, à privacidade e à imagem. Preceitua o artigo 5º, X da CF, que se refere principalmente ao direito à proteção da própria imagem quando vinculada em meios de comunicação (BRASIL, CF/88).

A dignidade acaba sendo de forma direta e evidente, a fonte ética dos direitos da personalidade. Dando maior relevância a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem da pessoa.

A inserção da dignidade da pessoa humana como princípio constitucional fundamental, contida em preceito introdutório do capítulo dos direitos fundamentais, significa, afinal, adoção do mesmo de um direito geral da personalidade, cujo conteúdo é justamente a prerrogativa do ser humano de desenvolver a integralidade de sua personalidade, todos os seus desdobramentos, nada mais senão a garantia dessa sua própria dignidade.

Para Miguel Reale Júnior (1998), o direito da personalidade se vincula a um valor fundamental que se revela através do processo histórico, o qual não se desenvolve de maneira linear, mas de modo diversificado e plural, compondo as várias civilizações.

A personalidade é, portanto, o conceito básico da ordem jurídica, que a estende a todos os homens, consagrando-a na legislação civil e nos direitos constitucionais de vida, liberdade e igualdade. São os direitos da personalidade, inalienáveis e cuja existência tem sido proclamada pelo direito natural, destacando-se, dentre outros, o direito à vida, à liberdade, ao nome, ao próprio corpo, à imagem e à honra (GONÇALVES, 2011, p.53).

A denominação dos direitos não é uniforme e varia conforme o autor e a tese por ele adotada. Foram também chamados de direitos essenciais, direitos fundamentais, ou individuais da pessoa, direitos personalíssimos e direitos sobre a própria pessoa se dispor do próprio corpo para fins científico ou altruísticos.

1.2. Os Direitos Fundamentais à honra, imagem, intimidade e à vida privada

O contexto histórico dos direitos fundamentais inseridos no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, tem suas raízes, na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, pois em seu artigo I, preconiza que: todos nascem livres e iguais em direitos e dignidade e que sendo dotados de consciência e razão devem agir de forma fraterna em relação aos outros”.

Diante do qual, foram feitos tratados internacionais como, por exemplo, o ¨Pacto de São José da Costa Rica¨, voltado a proteção do princípio da dignidade da pessoa humana, assim como, a honra, a intimidade, a imagem.

Os direitos fundamentais são elementos básicos para a concretização da República Federativa do Brasil, tendo em vista que exercem uma função democratizadora. Por sua vez, construir uma sociedade justa, livre e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceito, constituem objetivos fundamentais do Estado brasileiro. No entender de Silva (2010, p.93):

é a primeira vez que a Constituição assinala, especificamente, objetivos do Estado brasileiro, não todos, que seria despropositado, mas os fundamentais, e entre eles, uns que além como base das prestações positivas que venham a concretizar a democracia econômica, social e cultural, a fim de efetivar na prática a dignidade da pessoa humana.

A Constituição Federal na República Federativa do Brasil vem concretizar, desse modo, a concepção de que ¨os direitos fundamentais representam uma das decisões básicas do constituinte, através do qual os principais valores éticos e políticos de uma comunidade alcança a expressão jurídica.

Os direitos fundamentais assinalam um horizonte de metas sociopolíticas a alcançar, quando estabelecem a posição jurídica dos cidadãos em sua relação com o estado, ou entre si. Para Silva (2010) ¨os direitos fundamentais são assim, dotados de especial força expansiva, projetando-se por todo universo constitucional e servindo de critério interpretativo de todas as normas do Ordenamento Jurídico¨.

As manifestações de pensamento na internet, assim como, as manifestações de pensamento em qualquer outro veículo, seja, na televisão, nos jornais ou presencial, encontram sua base constitucional no direito à liberdade de expressão. Frequentemente tal direito irá colidir com o direito de outros indivíduos à honra, à intimidade e à vida privada, exigindo que o intérprete utilize a técnica da ponderação para encontrar a solução adequada ao caso concreto.

A proteção de que trata o inciso XXVIII, a, do art. 5º da Constituição Federal, abrange a tutela da voz, que é a emanação natural de som da pessoa, também conhecida como direito da personalidade. ¨são assegurados, nos termos da lei: a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas”.

Nesse sentido, classifica os direitos da personalidade conforme sua pertinência a integridade física, intelectual e moral do indivíduo.

Para Godoy apud Costa (2015, p. 61), a honra, imagem e privacidade são bens jurídicos pessoais que carregam consigo, quando exposto o homem ao relacionamento social, intrínseca vocação de conflito com a liberdade de informação, fazendo-se mesmo ¨portadores duma imanente colisão de valores¨.

É certo que existe um eminente conflito entre a liberdade de informação e a honra.  Imagem e privacidade não deve levar a mais que uma necessária conciliação entre elas, ao contrário de determinar o completo aniquilamento de uma ou de outra.

1.3. Direito à Informação e a colisão entre os Direitos Fundamentais

A Constituição Federal, em seu art. 5º, resguarda, a um só tempo, a liberdade de manifestação do pensamento, ainda que vedado o anonimato (inciso IV), tanto quanto assevera invioláveis à liberdade de consciência e da crença, garantindo o livre exercício dos cultos religiosos (inciso VI) e a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, cientifica e, frise-se, de comunicação (inciso IX e art. 220) (BRASIL, CF/88).

Ou seja, a constituição garante, em seu todo, à liberdade de pensamento, a todos assegurando, mais ainda, e de forma explícita, o acesso à informação, inclusive preservando o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional (art. 5º, inciso XIV).

Tem-se, pois, a liberdade de opinião, que compreende tanto o direito de informar, que se confunde com a liberdade de manifestação do pensamento, como o de ser informado, que corresponde ao direito coletivo de receber informação para que o receptor melhor edifique seu pensamento.

Tal como, aliás, a previu a Declaração dos Direitos do Homem aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em seu artigo 19, estatui, como garantia de liberdade de opinião, a de sem interferências, ter opiniões e de procurar receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios de independentemente de fronteiras (PIOVESAN, 2010).

Na mesma esteira, o Pacto de São José da Costa Rica, ao qual aderiu o Brasil, consagrou a liberdade de expressão e de opinião como a de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda índole, sem consideração de fronteiras, seja oralmente ou por escrito.

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Em um primeiro momento à liberdade de informação se revela pelo direito que a pessoa tem de informar, de se comunicar e exteriorizar sua opinião (artigo 5º, IV, da CF/88). Outrossim, a liberdade de informação configura um direito coletivo, porque inclui o direito do povo de ser bem informado.

Em outras palavras, conceber-se, se editada, lei que imponha hierarquia, entre valores fundamentais, inexistente na Constituição. Significa evidente afronta a seus termos, por isso, o artigo citado, pena de evidente inconstitucionalidade, só pode ser entendido, uma vez incidente sobre o caso concreto, como critério de ponderação que, entretanto, não exclui os outros anteriores.

Inúmeras são as possibilidades de no exercício do direito de informar, se manifestar uma opinião ou, de qualquer forma, se publicar notícia que coloque em confronto alguns dos direitos da personalidade, por exemplo, à honra, à imagem e à liberdade de imprensa. Não são raros os casos em que, à veiculação da notícia, da crítica ou da opinião, se oponha a vedação da invasão da intimidade ou da privacidade da pessoa humana.

Primeiro ponto que se entende fundamental ao exame da questão está na consideração de que, entre todos aqueles direitos já mencionados, não há relação de hierarquia. Pois nenhum deles pode ser considerado absoluto.

Trata-se de direitos de igual dignidade constitucional. O artigo 5º da Constituição Federal dá idêntica guarida ao direito à honra, à vida privada, a intimidade e, ainda, a livre manifestação do pensamento, ao acesso a informação e a livre expressão da atividade de comunicação.

Na verdade, esse preceito deve ser compreendido, tal qual, preleciona Farias (1999), como ¨limite externo à liberdade de informação, de modo a nortear a atividade do legislador infraconstitucional, mas sem que, por isso, se tenha estabelecido gradação hierárquica entre os direitos da personalidade e a liberdade de imprensa¨. Ou, no caso de colisão entre eles, não se tenha verdadeiro conflito de iguais direitos fundamentais.

Esses direitos, insista-se, estão todos na mesma Constituição, que deve ser entendida como um complexo de normas coerentes e de igual grau hierárquico.

Do mesmo modo, observa Celso Bastos (2008, 138), que ¨a Constituição é um conglomerado de normas e princípios que guardam entre si, frise-se, o mesmo grau de importância, apresentando, todos do mesmo nível hierárquico¨.

A rigor, direitos da personalidade e liberdade de imprensa se expressam sob a forma de regras porque, com isso, tendem a propiciar maior proteção a seus titulares. Não perdem, contudo, sua essência de princípios. Cuja fonte está no princípio da dignidade da pessoa humana, tomada como valor máximo do Ordenamento.

Desde já, cabe ressaltar, como princípios que são, os direitos da personalidade e a liberdade de imprensa suscitam constante concorrência, cedendo um, diante do outro, conforme o caso, e no mínimo possível, mas nunca se excluindo, reciprocamente, como aconteceria se se tratasse de uma simples regra.

A natureza jurídica dos direitos em questão não serve a lhes marcar qualquer hierarquia. De um lado, a atividade de imprensa acaba não deixando de representar, também, a expressão de um direito individual, igualmente atributo da personalidade da pessoa humana. Nada diferente, pois do direito a honra, imagem, e privacidade do indivíduo.

Cuida-se, de que na hipótese concreta, ponderar as circunstâncias que, afinal, venham a determinar a prevalência de um outro direito.

Na visão de Barros (1996), trata-se de técnica pela qual se concretiza o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, que tende, em caso de colisão de direitos fundamentais, a estabelecer entre eles uma relação de precedência no caso concreto, sempre a mercê da ponderação, que está em sua base.

A propósito, e mencionando o que chama de uma ponderação de bens no caso concreto, observa-se que, quando muito, a ocorrência de casos semelhantes pode servir de base a uma ponderação que, mesmo com a singularidade de cada caso concreto, cujas circunstâncias, em si, devem ser aferidas, não será nunca supérfluo, todavia sendo inviável a formação de regras fixas que, em verdade, não se prestariam a prever todas ocorrências fática mente possíveis, de possível acontecimento.

Em outras palavras, é preciso verificar-se, no caso concreto, o sacrifício da honra, privacidade ou imagem de uma pessoa se impõe diante de uma determinada informação ou manifestação que, de alguma forma, se faça revestida de interesse social, coletivo, sem o que não se justifica a invasão da esfera intima ou moral do indivíduo.

O papel institucional ligado a atividade de comunicação, frise-se, com o que não se compadece, desde logo já se salienta, também nortear o juízo de ponderação, que se vem examinando, o sensacionalismo, a notícia veiculada com o fim precípuo de causar escândalo e dele se tirar proveito, nada mais senão, para alguns, um verdadeiro abuso do direito de informar.

Dessa forma, um dado a ser considerado é de que o jornalista no desempenho da atividade de informar, tem inegável dever de verdade, de noticiar sem criar, distorcer ou deturpar fatos. É certo que esse dever de verdade não pode ser levado à extremos, dadas as limitações que ao órgão de imprensa se impõem no mister de apuração fática.

Esta questão do dever de verdade do jornalista, bem assim de seus limites, de sua exata compreensão, assume especial relevância quando se cuida de noticiar fato criminoso, particularmente quando imputado à pessoa certa.

De qualquer maneira, esse dever de verdade não pode ser desconsiderado ao se ponderarem os bens da personalidade e a liberdade de imprensa. Não há liberdade ou interesse público que justifique a notícia in veraz como causa de sacrifício da honra ou privacidade. Quanto mais reprovável e ético for esse trabalho de informação, de difusão de notícias e ideias, a demandar o jornalismo. Cuidado e prudência na coleta, triagem, edição e aprovação da matéria.

Percebe-se, que não se pode perder de vista a função institucional da imprensa, a qual, e reservado importante papel, não só no desenvolvimento da personalidade do indivíduo, em si considerado, mas também na expressão de uma liberdade jurídica, pilar do regime democrático. No desempenho de suas funções, os veículos de comunicação de certo garantirão aquela expressão pública que, realmente, deve e é institucionalmente protegida. Ao mesmo tempo em que, tomada à referência pessoal da atividade forja conceitos e valores no cidadão, conscientizando-o e, com isso, marcando o desenvolvimento de sua personalidade.

Ocorre que na maioria das vezes, é ao contrário então a informação oportunista, despreocupada, despida, enfim, de seu conteúdo ético. E esse desserviço, afinal, acabaria por negar a própria essência da liberdade de imprensa, de comunicação, de expressão do pensamento.

2 O Direito ao Esquecimento segundo enunciado 531 VI da Comissão de Justiça Federal: uma análise aos casos Aída Curi e Chacina da Candelária

A privacidade abarca igualmente a proteção à imagem das pessoas, sendo esta corriqueiramente desrespeitada, em virtude da grande quantidade de meios de comunicação existentes, em especial, a internet, televisão e rádio.

Assim, como na tentativa de inibir a divulgação de imagens ou fatos pessoais que tenha intuito de explorar comercialmente o produto, buscando uma maior “audiência”, sem a autorização da pessoa exposta, é atribuída ao autor da divulgação responsabilidade pela indenização de danos morais e materiais, quando houver. O direito à privacidade surgiu como meio limitador a devastação da mídia sobre a vida das pessoas.

Posicionou-se o Tribunal Superior pela limitação da liberdade de imprensa na confrontação com o direito da privacidade, aplicando a recomendada pelo enunciado 531 VI da Comissão de Justiça Federal ponderação de princípios, de acordo com o juízo de razoabilidade dos Ministros.

Com isso em mente, e apoiado no permissivo do Enunciado 531 da CJF, bem como no alargamento do alcance e tutela do princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, foi que a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por decisão de maioria, no primeiro semestre de 2013, aplicou a tese do “Direito ao Esquecimento” em duas decisões independentes, ambas relatadas pelo Ministro Luiz Felipe Salomão, Recursos Especiais n. 1.334.097/RJ[1] e 1.335.153/RJ, que aqui merecem análise.

No REsp 1.335.153, a mesma Quarta turma não acolheu direito de indenização aos familiares de Aída Curi, que foi abusada sexualmente e morta em 1958 no Rio de Janeiro. A história desse crime rendeu um dos mais conhecidos e famosos do noticiário policial brasileiro, foi transmitido, no programa Linha Direta, com a divulgação do nome da vítima e de fotos reais, o que, segundo seus familiares, trouxe a lembrança do crime e todo sofrimento que o envolve. Os irmãos da vítima moveram ação contra a emissora com o intuito de receber indenização por danos morais, materiais e à imagem. O STJ entendeu por maioria de votos, que nessa situação, o crime não poderia ser tratado sem o nome da vítima, ou seja, seria impossível que a emissora retratasse essa história omitindo o nome da vítima.

Tratam-se do caso da “Chacina da Candelária” e no caso “Aída Curi”, ambos propostos com o objetivo de condenar ao pagamento de indenizações por desrespeito ao direito da personalidade de “ser deixado em paz”, como sinônimo do direito de ser esquecido, e que ascenderam à corte superior devido à relevância do tema, haja vista a criação, se não de um novo direito, ao menos de um novo conceito na ordem jurídica nacional[2].

RECURSO ESPECIAL Nº 1.335.153 – RJ (2011/0057428-0) – Caso Aída Curi- os irmãos da vítima ajuizaram ação de reparação de danos morais, materiais e à imagem em face da TV Globo Ltda. (Globo Comunicações e Participações S/A). Afirmam os autores serem os únicos irmãos vivos de Aída Curi, vítima de homicídio no ano de 1958, crime que ficou nacionalmente conhecido por força do noticiário da época, assim também o processo criminal subsequente. ajuizaram ação de reparação de danos morais, materiais e à imagem em face da TV Globo Ltda. (Globo Comunicações e Participações S/A), Aída Curi, vítima de homicídio no ano de 1958, crime que ficou nacionalmente conhecido por força do noticiário da época, assim também o processo criminal subsequente. Por isso pleitearam indenização por danos morais – em razão de a reportagem ter feito os autores reviver a dor do passado –, além de danos materiais e à imagem, consistentes na exploração comercial da falecida com objetivo econômico. O Juízo de Direito da 47ª Vara Cível da Comarca da Capital/RJ julgou improcedentes os pedidos dos autores[3].

O Caso Aída Curi foi um dos primeiros casos de tentativa de estupro seguida de homicídio noticiado nacionalmente, sendo que este chegou a ter repercussão internacional, tendo em vista a localidade e as circunstâncias do crime[4].  A título de curiosidade: O caso refere-se à morte de Aída Jacob Curi, jovem de18 anos, ocorrido no dia 14 de julho de 1958 no bairro de Copacabana no Rio de Janeiro[5].

A garota foi levada à força por dois rapazes ao topo de um edifício, na Avenida Atlântica, onde, ajudados pelo porteiro do prédio, tentaram abusar sexualmente da moça, que, segundo a perícia, lutou contra os três agressores por pelo menos trinta minutos até vir a desmaiar por fatiga[6].

Segundo a conclusão das investigações, para encobrir o crime os agressores atiraram a jovem do terraço do prédio tentando simular um suicídio, o que causou a sua morte.  Apenas um dos jovens foi condenado pelo homicídio, os outros dois, apenas por atentado ao pudor e tentativa de estupro.

Nesse caso o recurso foi negado, sob a argumentação de que não foi utilizada de forma degradante ou desrespeitosa a imagem da vítima, afastando assim, o dano moral. Pois para corte seria desproporcional suprimir o direito à liberdade de imprensa, se comparado ao desconforto gerado pela lembrança.

O fato é que a sociedade moderna vive em constantes turbulências relacionadas à informação e a tecnologia, onde tudo acontece muito rápido. Não tem como negar que diante da sociedade moderna os meios tecnológicos de informação gerem conflitos entre a liberdade de expressão de informação com o direito de ser esquecido. Logo, atinge de forma imoderada a privacidade, intimidade e a honra, pois ambos direitos são garantidos pela Constituição Federal.

E apesar de o direito de imprensa ser defendido pela Constituição, esse direito deve ser limitado para que não fira outro bem jurídico tutelado pela mesma.

O caso da Chacina da Candelária ocorreu na noite de 23 de julho de 1993, na cidade do Rio de Janeiro. Ocupantes de um Chevette e um táxi estacionaram na Praça Pio X, na Candelária, e dispararam contra crianças de rua que dormiam embaixo da marquise. Oito menores morreram e um guardador de carros acabou sobrevivendo a quatro tiros, se tornando a mais famosa testemunha do país[7].

Ficou conhecido como Chacina da Candelária e teve repercussão internacional, decorrente da exploração do caso na mídia, ajudou na condenação dos policiais. Mas a pressão pela solução do crime resultou numa investigação conturbada. Dois policiais militares e um serralheiro foram presos injustamente e somente saíram da cadeia quase três anos depois, quando o verdadeiro assassino confessou. Quatro policiais militares, que eram amigos de infância do subúrbio do Rio, foram acusados da chacina. Um deles já havia morrido ao participar de um sequestro. Os outros três acusados foram condenados a penas que variam de 22 a 300 anos de prisão[8].

O motivo da chacina seria o apedrejamento de uma viatura pelos menores, ocorrido no dia do crime. Para a Justiça, a chacina foi esclarecida. Mas algumas perguntas ficaram sem resposta. Quem eram os ocupantes do táxi? Quem eram os homens que passaram horas antes na Candelária para avisar aos menores que haveria uma matança no local? Investigadores e jornalistas que cobriram o caso acreditam que outros policiais militares participaram da chacina. O único sobrevivente, Wagner dos Santos, hoje mora na cidade de Genebra sob proteção do governo suíço[9].

A investigação da Chacina da Candelária, como o crime ficou conhecido mundo afora, levou três PMs a serem condenados. Duas décadas depois, pivô da série de assassinatos, o soldado Marcus Vinícius Emmanuel Borges, de 46 anos, está foragido. Os outros dois PMs tiveram as penas extintas e também se encontram em liberdade[10].

Desde 1996, Borges foi julgado e condenado por três vezes. O policial passou 18 anos na cadeia, foi beneficiado com um indulto e ganhou a liberdade. O Ministério Público estadual, então, recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Após um ano, os ministros do órgão suspenderam o indulto. Com base na decisão, a juíza Juliana Benevides de Barros, da Vara de Execuções Penais, expediu novo mandado de prisão para Borges, que até hoje, é considerado foragido[11].

Em entrevista feita após 20 anos da chacina o Senhor Desembargador José Muiños Piñeiro Filho, que, como promotor, acompanhou por três anos a investigação da chacina, acredita que o trabalho contribuiu para um aperfeiçoamento das leis[12].

Segundo ele foi uma época muito difícil, principalmente no período de identificação de todos os envolvidos nas execuções. Eu e Maurício Assayag sofremos muita pressão, mas conseguimos evitar injustiças. Tenho convicção de que os três condenados foram os únicos responsáveis pelas execuções e lamento que três policiais inocentes tenham ficado presos até a descoberta dos verdadeiros culpados. Um dos momentos mais marcantes do julgamento foi aquele no qual pedimos a absolvição desses policiais[13].

Ao ser questionado sobre impunidade no caso, ele leciona que não houve impunidade. As condenações foram rigorosas. Na época, o homicídio qualificado não era considerado um crime hediondo. Apesar disso, conseguimos a condenação dos três policiais. Lamento que estejam soltos, acho injusto, mas o crime não ficou impune. Além disso, a chacina nos mostrou a necessidade de criação de um sistema de proteção a testemunhas e influenciou mudanças no Código Penal.

Para ele o episódio contribuiu para o aperfeiçoamento de instituições, porque após a Chacina da Candelária, houve a de Vigário Geral, na qual também foi comprovada a participação de policiais. Era preciso garantir proteção aos sobreviventes, e o Rio foi pioneiro nisso. Também foram criados programas assistenciais para meninos de rua.

No que concerne ao Recurso Especial 1.334.097, julgado pelo relator Ministro Luís. Felipe Salomão, o qual, findou o processamento no STJ e fora remetido ao STF para nova apreciação. Conhecido na doutrina e na jurisprudência como o caso da “Chacina da Candelária[14]”.

Baseia-se no pleito de Jurandir Gomes de França a consagração do seu direito de ser deixado em paz em face da rede Globo Comunicações e Participações S/A, conforme traz o Ministro Relator (Resp1.334.097); o autor busca a proclamação do seu direito ao esquecimento, um direito de não ser lembrado contra a sua vontade, especificamente no tocante a fatos desabonadores, de natureza criminal, nos quais se envolveu, mas que posteriormente fora inocentado[15].

Segundo o recorrido, levou-se à público situação que já havia superado alega que essa situação lhe prejudicou sobremaneira em sua vida profissional, não tendo mais conseguido emprego, além de ter sido obrigado a desfazer-se de todos os seus bens e abandonar a comunidade para não ser morto por “justiceiros” e traficantes e também para proteger a segurança de seus familiares[16].

O autor da ação de reparação de danos morais fora indiciado como coautor e partícipe dos homicídios praticados na cidade do Rio de Janeiro em 23 de julho de 1993 na Igreja da Candelária, no qual, policiais atiraram contra crianças que descansavam nas escadas da igreja. Ocorre que ao ser julgado pelo júri, o mesmo fora absolvido com base na negativa de autoria[17]. Em 2006, entretanto, com vistas a noticiar essa chacina a Rede Globo, no programa Linha Direta Justiça relembrou o ocorrido, retratando além do fato, a participação deste sem que houvesse qualquer autorização para uso de sua imagem. Destarte, o Proponente alegou que teve sua honra e imagem gravemente ferida por fato que já havia ocorrido em lapso temporal expressivo e que a lembrança no seio social prejudicou sobremaneira a reputação e convivência com os semelhantes[18].

Diante desse cenário há colisão de direitos fundamentais, o réu alegou que caso fosse acolhido da tese do direito ao esquecimento estar-se-ia tolhendo de forma agressiva a liberdade de imprensa e que haveria mácula ao direito de memória da sociedade, o que caracterizaria uma censura em época de modernidade.

O STJ então enfrentou o tema realizando uma ponderação de interesses in concreto com vistas, a equilibrar de um lado a liberdade de expressão e de outro, a privacidade e intimidade não ferindo de forma absoluta nenhum desses direitos. Quanto à historicidade do fato e o direito a memória coletiva, o STJ reafirma a importância do cenário informativo da imprensa, principalmente, no que tange a crimes históricos de grande repercussão.

Nestes termos, o Relator (Resp.1.334.097) afirma o Judiciário foi instado a resolver os conflitos por demais recorrentes entre a liberdade de informação e de expressão e os direitos inerentes à personalidade, ambos de estatura constitucional[19].

O direito a memória seria na visão de Rogério Gesta Leal, a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de escolha[20].

A Corte Superior de Justiça em um juízo de otimização reitera que deve ser preservada a história de um povo, porém também é imprescindível considerar que nenhum direito é absoluto. Nesta toada, caso não haja a necessidade de trazer a público nome dos autores, e ainda assim o fato possa ser contado, o direito ao esquecimento deve ser preservado. Com efeito, a historicidade de determinados crimes por vezes é edificada à custa das mencionadas vicissitudes, e, por isso, penso que a historicidade do crime[21].

Destarte percebe-se que, o STJ fora instigado a analisar pontos polêmicos acerca do right to be forgotten, ratificando que o Brasil, assim como as Cortes Estrangeiras, também consagra esse direito de não ser lembrado, principalmente, visando, em casos criminais, a reabilitação e reintegração do malfeitor a sociedade[22].

2.1 Direito de ser deixado em paz e a dignidade da pessoa humana

Ao tratarmos de um tema, seja ele da área jurídica, ou como de qualquer outra esfera, temos primeiro que entender sobre suas raízes, logo, não seria diferente quando falamos sobre o ¨Direito ao Esquecimento¨ ou seja, do direito que a pessoa tem de ser deixada em paz.

O direito de ser deixado em paz, está inserido nos direitos da personalidade. E dessa forma, não teríamos como falar de direitos da personalidade sem entendermos o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, alicerce desses direitos.

O fundamento etimológico da Constituição Federal de 1988, ou seja, a dignidade da pessoa humana. E ao abordar dignidade é necessário abordar “o outro”. ¨Os direitos fundamentais se relacionam à valores, a intencionalidade normativa dos direitos fundamentais, expressam o comprometimento com a dignidade humana¨[23].

No âmbito do direito Constitucional, são adotados textos constitucionais abertos a princípios, dotados de elevada carga axiológica, com destaque para o valor da dignidade da pessoa humana. Intenta-se a reaproximação da ética e do direito, e neste esforço, surge à força normativa dos princípios, especialmente do princípio da dignidade humana.

A autora faz menção ao pensamento Kantiano, com as ideias de moralidade, dignidade, direito cosmopolita e paz perpétua. Pois para Kant, ¨as pessoas devem existir como um fim em si mesmo e jamais como um meio, a ser arbitrariamente usado como este ou aquele propósito[24]¨.

Logo, nas palavras de Kant, ¨as pessoas são dotadas de dignidade, na medida em que tem um valor intrínseco[25]¨. Por isso, deve se tratar a humanidade, na pessoa de cada ser, sempre com um fim em si mesmo, nunca como um meio. Afirma ele, que a autonomia é à base da dignidade humana de cada criatura racional.

A origem remota dos direitos da personalidade em verdade foi particularmente na idade média que surgiram, com maior concretude, ideias de valorização do homem, reconhecendo-se nele intrínseco um componente espiritual, mais que corpóreo, cuja significação está em sua dignidade, base da concepção dos direitos da personalidade.

Conforme observa Elimar Skaniawski[26], para o pensamento ¨a racionalidade faz do homem um princípio de ação autônomo, sendo o pressuposto de uma dignidade e a dignidade da pessoa vem a identificar-se com a liberdade¨.  Ou seja, marca-se, já nesse instante a ideia de autodeterminação, da dignidade humana enquanto atributo que, ao ser garantido, assegura a liberdade do indivíduo de guiar sua própria existência.

O desembargador do Tribunal Regional Federal da 5ª Região Rogério Fialho Moreira, explica que ¨Não é qualquer informação negativa que será eliminada do mundo virtual¨. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.

Com base na dignidade da pessoa humana e nos direitos fundamentais à privacidade, à intimidade e à honra. Devem ser ressalvados, contudo o reconhecimento do homem como centro da ordenação, que serve à preservação de seu valor intrínseco, de seu desenvolvimento, de sua dignidade, palco fértil, como se examinará, a sistematização de uma teoria de direitos da personalidade e, antes, de um direito geral da personalidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objeto do trabalho científico apresentado, foi o de analisar a difícil questão do conflito entre vários direitos da personalidade e da liberdade de imprensa, procurando apontar diretrizes para sua solução com base nas decisões abordadas pelo Superior Tribunal de Justiça, e no enunciado 531 Conselho Nacional de Justiça.

O Superior Tribunal de Justiça reconhece a possibilidade jurídica do direito ao esquecimento nos casos de Aída Curi e da Chacina da Candelária. O fundamento maior do direito ao esquecimento, nos dois casos, é dignidade da pessoa humana (art. 1°, III, CF/88), materializada nos direitos da personalidade, e concretizados na regenerabilidade e ressocialização dos titulares.

O direito ao esquecimento ainda é embrionário quando confrontado com os meios tradicionais de comunicação televisão, jornais e rádio, a doutrina, e a jurisprudência deve estar preparadas para avançar na problematização que este novo direito da personalidade tem com o novo meio de comunicação do século XXI, ¨a Internet¨.

Devido ao modelo atual da sociedade, o direito ao esquecimento, vem ganhando contornos mais fortes em razão da facilidade de circulação da informação pela internet, capaz de proporcionar superexposição de fatos e notícias a qualquer momento, mesmo que decorrido muito tempo desde os atos que lhes deram origem.

Foram elucidadas questões sobre a natureza jurídica dos direitos de personalidade, os direitos conexos à liberdade de imprensa, a tutela preventiva e corretiva dos direitos da personalidade em face da liberdade de imprensa, sem olvidar o difícil problema da personalidade civil por abusos de imprensa.

O grande desafio do trabalho é o de diferenciar o direito de imprensa, do direito de informação e de apontar os limites a serem respeitados pelos meios de comunicação para resguardar a inviolabilidade dos direitos da personalidade.

Não vão longe os exemplos em nosso país da importância da atividade jornalística. Não há como negar o decisivo papel dos meios de comunicação no desdobramento de acontecimentos recentes, de depuração política e moral, que mostra bem a relevância social, mais que garantia de expressão e de direitos individuais constitucionais, que o exercício da liberdade de imprensa representa, alicerçando mesmo regime que se pretenda democrático.

Todavia, em contrapartida, igualmente não são longínquos casos em que o exercício desmoderado desse direito de informar provocou efeitos devastadores em pessoas, indevidamente, envolvidas em fatos penais, de outra parte a denotar o quão responsável deve ser o mister informativo.

De qualquer maneira importa considerar que o destinatário final, é o homem, de uma forma ou de outra, acaba sendo, sempre, o personagem da notícia, ao mesmo tempo em que se apresenta como receptor da informação e das ideias que, sobre ela, se levantam.

Assim, é natural que, ao lado do direito de informar e de ser informado, haja, também, o reconhecimento, que lhe é precedente, de uma esfera inatingível do homem a ser preservada, exatamente onde estão às questões dos chamados direitos da personalidade. Que tratam de direitos essenciais, emanações diretas da condição humana, entre os quais se reconhece o direito à integridade moral do homem, à sua imagem, privacidade e a sua intimidade.

E esses direitos, como não raro ocorre, podem conflitar com o exercício do direito de manifestar o pensamento, bem assim com o de informar e mesmo com o de crítica. Veja-se que são direitos da dignidade constitucional, cujos exercícios podem suscitar a necessidade de um juízo sobre a prevalência de um, em detrimento de outro.

De fato, não há como questionar o quanto é frequente o entrechoque desses direitos, o direito de informar com à honra, à imagem ou à intimidade de uma pessoa. Pois inúmeras são as hipóteses em que o exercício de imprensa, do direito de crítica ou, em geral, da liberdade de expressão, os coloca em confronto com os direitos da personalidade.

E foi nesse contexto que se apresentou a questão do conflito dos direitos da personalidade e da liberdade de imprensa, que há muito vem desafiando doutrina e jurisprudência, sem que se obtenha orientação única ou uníssona para solução.

Por fim, conclui-se, que será necessário a menção de formas mais comuns e não raros discutíveis de tutela de direitos da personalidade, frente ao exercício da liberdade de imprensa, desde que, compreendida a análise da responsabilidade civil por danos morais e materiais causados no desempenho abusivo da imprensa em sua atividade de informar inclusive nos termos da nova Lei de imprensa.

 

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Notas:
[1]o Min. Luis Felipe Salomão também ressaltou que “ressalvam-se do direito ao esquecimento os fatos genuinamente históricos,  historicidade essa que deve ser analisada em concreto, cujo interesse público e social deve sobreviver à passagem do tempo” (REsp 1.334.097). No REsp 1.334.097, foi reconhecido pela turma o direito ao esquecimento a um homem que foi inocentado da acusação no envolvimento da supramencionada chacina e que posteriormente foi retratado no programa Linha Direta, da TV Globo, anos depois de ter sido absolvido de todas as acusações. No julgamento a Turma condenou a emissora a pagar uma indenização no importe de R$ 50 mil.
[2]CHACINA da Candelária completa 20 anos. Relembre a tragédia que marcou o País. R7 Notícias, São Paulo, 23 jul. 2013. Disponível em: <http://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/fotos/chacina-da-candelaria-completa-20-anos-relembre-a-tragedia-que-marcou-o-pais-27072013#!/foto/1>. Acesso em: 22 abril 2015.
[3] http://s.conjur.com.br/dl/direito-esquecimento-acordao-stj-aida.pdf
[4]http://s.conjur.com.br/dl/direito-esquecimento-acordao-stj-aida.pdf; no Brasil o direito ao esquecimento surgiu com a disputa, através de dois casos, explicitados por buscar em (2013), o dos irmãos de Aída Cury e o da Chacina da Candelária, pleiteado por JGM, ambos contra a TV Globo Ltda., por seu programa Linha Direta justiça. Nos dois casos foi alegado o direito ao esquecimento, porém houve duas sentenças diferentes. Acesso dia 24 de abril de 2015.
[5] Idem
[6] Idem
[8] Idem
[9]Idem
[10]Idem
[12] Idem
[13] Idem
[14](Recurso Especial n. 1.334.097 – RJ (2012/0144910-7). Disponível em: http://s.conjur.com.br/dl/direito-esquecimento-acordao-stj.pdf acesso dia 12 de maio 2015
[15] Idem
[16] Idem
[17] Idem
[18] Idem
[19](Recurso Especial n. 1.334.097 – RJ (2012/0144910-7). Disponível em: http://s.conjur.com.br/dl/direito-esquecimento-acordao-stj.pdf acesso dia 12 de maio 2015
[20]Rogério Gesta Leal (2012, p. 62) cit. Recurso Especial n. 1.334.097 – RJ (2012/0144910-7)
[21](Recurso Especial n. 1.334.097 – RJ (2012/0144910-7). Disponível em: http://s.conjur.com.br/dl/direito-esquecimento-acordao-stj.pdf acesso dia 12 de maio 2015
[22] Idem
[23]Melgaré,2006>disponível>http://editora.unoesc.edu.br/index.php/uils/article/viewFile/3994/214acesso dia 10 de maio 2015
[24]A teoria moral kantiana exerceu enorme influência nos fundamentos de diversas teorias sobre direitos. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o princípio da dignidade humana. São Paulo, ed. 7º, 2010, 29p.
[25]Significativas teorias sobre direitos humanos tendem a enfatizar a importância e o valor da autonomia pessoal. Para J.Raz: ¨uma pessoa autônoma é aquela que é autora de sua própria vida. Sua vida é o que ela faz dela. Uma pessoa é autônoma somente se tem uma variedade de escolhas aceitáveis disponíveis para serem feitas e sua vida se torna o resultado das escolhas derivadas dessas opções. Uma pessoa quem nunca teve uma escolha efetiva, ou, tampouco, teve consciência dela, ou, ainda, nunca exerceu o direito de escolha de forma verdadeira, mas simplesmente se moveu perante a vida, não é uma pessoa autônoma. (J. Raz, Right-based moralities, p. 192-193) citado por PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o princípio da dignidade humana. São Paulo, ed. 7º, 2010, 29p.
[26]Szaniawski, Elimar. Direitos da personalidade e sua tutela. São Paulo: revista dos tribunais, 1993, apud Godoy, Op.cit. 87p.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Elizângela Martins Souza Rodrigues

 

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Campo Grande Anhanguera Unaes I (2014). Advogada. Especialista em Direito Penal e Processo Penal também pelo Centro Universitário de Campo Grande Anhanguera Unaes I; e em Docência no Ensino Superior à distância UCDB/Portal Educação, ambos (2016).

 


 

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