A importância da análise do comportamento da vítima no direito penal


Resumo:Esse artigo tem como objetivo central o estudo da Vitimologia, bem como, a análise do impacto do ato criminoso na vítima, nos seus familiares e na sociedade. Na primeira parte, são abordadas as origens da Vitimologia, desenvolvidos conceitos, tipificadas as vítimas e analisados os modos de aplicação das penas. No segundo tópico, aborda-se o estudo da ciência penal, demonstrando em quais áreas pode esse ser influenciado pelo Vitimologia. No terceiro tópico, se faz a análise primordial dessa pesquisa criminal, demonstrando como a vítima pode influenciar no ato delituoso. Propõe-se este trabalho a demonstrar que as vítimas nem sempre são inocentes e que o juiz não é um ser imparcial, pois absorve preconceitos durante sua vida, sendo assim, o mesmo não terá capacidade para medir a participação da vítima no ato criminoso de forma correta, necessitando assim de uma norma que delimite sua discricionariedade e não prejudique nenhuma das partes envolvidas.


Palavras-chave: Vítima; Culpa; Direito Penal.


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Sumário: 1. Vítima e vitimologia. 1.1. Conceito de Vítima. 1.2. Conceito de Vitimologia. 1.3. Conceito de Vitimodogmática. 1.4. O Inter Victimae. 1.5. Evolução do modo de aplicação das penas e da figura da vítima. 1.6 . Tipos de Vítimas. 2. A vítima no direito penal brasileiro. 2.1. O comportamento da vítima como uma das circunstâncias judiciais. 2.2. Os casos de legítima defesa. 2.3. Condições pessoais da vítima –art. 61 do Código Penal. 2.4. Causas extintivas de punibilidade – art. 107 do Código Penal. 2.5. Alguns exemplos de influência da vítima na parte especial do Código Penal. 2.6. Consentimento da vítima. 2.6.1. Conceito. 2.6.2. Teorias. 2.6.2.1. Feuerbach. 2.6.2.2. Teoria da Ação Jurídica. 2.6.2.3. Welzel. 2.6.3. Efeitos Jurídicos. 2.6.4. Requisitos. 2.6.5. Consentimento da vítima nos crimes sexuais. 2.6.6. Ações Médicas. 3. A importância do comportamento da vítima no direito penal. 3.1. Culpabilidade Vitimal. 3.2. Fatores que influenciam o comportamento humano. 4. Conclusão.


VÍTIMA E VITIMOLOGIA


Conceito de Vítima


A figura da vítima absolveu diversas conceituações com o passar dos tempos, sendo essa uma tarefa complexa e problemática, haja vista os diversos ramos doutrinários que estudam sua existência.


Na visão mitológica, a vítima era um ser vivo, não necessariamente um ser humano, que se submetia ao sacrifício para evitar as desgraças ou a ira dos deuses.


Alguns estudiosos, como Exner, Kimberg e Wolfgang, rebateram a conceituação mitológica afirmando que a vítima que definitivamente interessava à vitimologia era o ser humano, pois somente eles sofrem danos aos seus bens juridicamente protegidos.


Na conceituação doutrinária atual, a vítima pode ser uma pessoa física ou jurídica, desde que sofra a lesão ou ameaça de lesão a um bem que lhe pertença, e é sinônimo de ofendido, lesado ou sujeito passivo. Essa lesão pode ocorrer de forma mediata, que é no caso da figura do Estado, que é sempre uma vítima da ação delituosa, ou de forma imediata, que seria o detentor real do bem lesado.


Alessandra Grego (2003, pg. 19) discorrendo sobre esse tema, classifica a vítima como “aquele que sofre as conseqüências de determinada conduta típica, de modo relevante, que propicia a atuação do Estado para atingir os fins do direito penal, no Estado Democrático de Direito.”


Vale ressaltar a existência de um tipo de vítima denominada como difusa. Essa expressão é utilizada para conceituar as vítimas de crimes onde não se é possível determinar quem é o detentor do bem lesado. Ocorre nos casos de crimes contra a economia popular, meio ambiente, tráfico de entorpecentes e ao crime organizado.


Conceito de Vitimologia


Vitimologia é a ciência que estuda a vítima, de forma a entender qual a sua importância na relação delinqüente-ofendido, quais as conseqüências sofridas por que tem algum bem seu lesado, dentre outros fatores ligados a vítima.


Existe um dilema com relação a classificação científica da vitimologia, pois alguns estudiosos defendem que ela é uma ciência autônoma enquanto outros entendem que ela é parte da Criminologia, mais precisamente na Infortunística Criminal.


Entendimentos recentes classificam a vitimologia como uma ciência voltada para os direitos humanos, pois o resultado da análise da vítima proporciona a aplicação de políticas públicas com intuito de reparar os danos causados pelo crime.


Os estudiosos da vitimologia defendem que o ser humano é inconstante e mutável, e se transforma de acordo com experiências vividas e conhecimentos adquiridos, e por razão desses e de outros fatores a eles inerentes, é que não existem duas pessoas iguais, pois cada uma absorve de forma diferente os acontecimentos e lições que recebem. É nessa divergência de reações que se encontra o foco dos estudos vitimológicos, pois partindo delas os cientistas analisam os dados relacionados à constituição genética, disposição de temperamento, formação de caráter, adaptação ambiental, dentre outras coisas, para saber qual a real inclinação de uma pessoa para vitimalização.


Conceito de Vitimodogmática


É o ramo da Vitimologia que estuda a participação da vítima no crime, analisando a real contribuição desta no fato.


Por meio desses estudos se percebeu que a vítima não pode mais ser tratada como um ser inerte face ao crime, pois ela interage com o seu agressor, e, em alguns casos, cria situações de risco para si própria, influenciado no resultado danoso.


Na prática penal, esse enfoque vitimodgmático tem grande relevância, pois é dele que se originam institutos como o consentimento do ofendido, a concorrência de culpas e a provocação da vítima.


Esses estudos podem levar a uma falsa idéia de existência de uma co-culpabilização do lesado diante de um fato criminoso, mas o que realmente se visa é uma punição mais justa ao autor do fato quando se for comprovado um comportamento inadequado e instigador por parte da vítima.


O ITER VICTIMAE


Denomina-se Iter Victimae o conjunto de acontecimentos que, se estudados de modo coordenado, formam o processo de vitimização. Esses acontecimentos correspondem a modificações de natureza interna e externa, que fazem com que um simples indivíduo figure como vítima de um delito. Segundo a esquematização elaborada por Edmundo de Oliveira em sua obra Vitimologia e o Direito Penal – O crime precipitado pela vítima ( 2003), constitui um processo estruturado em cinco fases, são elas:


A primeira fase do Iter Victimae é a intuição, momento no qual se encere na mente da vítima a idéia de que irá sofrer uma agressão.


Depois da primeira fase, passa o indivíduo à fase dos atos preparatórios (conatus remotus), momento no qual ela começa a tomar medidas preliminares para defender-se ou ajustar o seu comportamento para que não venha a sofrer a agressão do ofensor.


Posteriormente, vem a fase do início da execução (conatus proximus), oportunidade em que a vítima começa a operacionalização de sua defesa, aproveitando a chance que dispõe para exercitá-la, ou direcionar seu comportamento para cooperar, apoiar ou facilitar a ação ou omissão aspirada pelo ofensor.


A próxima fase seria a executória, em que se operacionaliza a verdadeira defesa. Nesse momento se pode observar a autêntica execução, pois, trata-se de atos externados, definindo-se pela resistência da vítima para então evitar, a todo custo, que seja atingida pelo resultado pretendido por seu agressor, ou então se deixar por ele vitimizar.


A última fase seria a conclusão, em que se vê o resultado do ato delitivo, podendo esse ter se consumado ou não, com ou sem a adesão da vítima. Os resultados podem ser diversos, dependendo de qual crime se cometeu, de como a ação criminosa foi conduzida, e de fatores externos as partes envolvidas.


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Evolução do modo de aplicação das penas e da figura da vítima


O primeiro sistema das aplicações de sanções era o da vingança privada, onde essas ficavam à escolha da vítima ou de seus familiares. Não havia um poder central penalizador, a sanção era decidida pela pessoa lesada, de acordo com o que ela achava correto, utilizando para isso parâmetros introspectivos e totalmente pessoais, e baseando-se para tal na sua visão sobre a gravidade do problema, na sua religião, sua etnia, dentre outras coisas.


Posteriormente, com o advindo da sociedade germânica, surgiu o direito costumeiro, onde as penas eram estipuladas pela sociedade em conjunto. Nessa época eram seguidos os princípios da exclusividade, da responsabilidade e da proporcionalidade da pena, que impediam o uso da vingança privada.


A evolução do direito germânico foi a compositio, que consistia na entrega de um valor pecuniário ou de bens do agente ao ofendido ou a seus familiares como forma de impedir a vingança privada. Parte desse valor iria para a vítima e a outra parte iria para o Estado, através de pagamento de impostos. Com o advindo do feudalismo esse modelo sofreu modificações, pois nessa época o valor pago pelo ofensor era todo entregue ao Senhor Feudal. Na Idade Média, surgiram as penas corporais cruéis.


Com o desenvolvimento da figura estatal, responsável pela conservação da paz e pelo comando das relações sociais, iniciou-se a elaboração de normas que estipulavam quais penas deveriam se submeter quem cometesse algo considerado como crime.


A sistemática legal que era utilizada nas primeiras figuras estatais, abandonara a pessoa da vítima, reduzindo a mesma a simples condição de passiva receptadora da ação delituosa.


Obtemos essa conclusão quando vemos que a Escola Clássica, quando discorria sobre a figura do ato delituoso, tratando-o como uma entidade jurídica, abstraía-se de qualquer consideração com respeito a vítima.


A Escola Positivista foi uma espécie de evolução na análise dos delitos, pois, apesar de ainda não haver uma conclusão sobre a participação da vítima no crime, percebeu-se a necessidade de uma análise mais aprofundada do agente do crime, entendendo ser este influenciado por causas biológicas, físicas e sociais, criando-se, assim, os fatores criminógenos.


Com a evolução desses estudos adveio a Vitimologia, que teve seu marco inicial após a Segunda Guerra Mundial.


 O primeiro trabalho científico nessa área foi o de Benjamin Mendelsohn, advogado israelita, que no início do século passado, mais precisamente na década de 40, apresentou estudos que comprovavam a necessidade de analisar a participação da vítima na ação criminosa. Mendelsohn propôs a sistematização de pesquisas e estudos sobre o assunto, pois via que esses conhecimentos ajudariam a elucidar determinados atos criminosos.


Quase ao mesmo tempo que Mendelsohn, apenas um ano depois, Hans Von Henting publicou um trabalho cientifico que também tratava sobre essa participação da vítima do delito. Para ele a vítima poderia ao agir de forma direta, ser considerada provocadora, ou ser vulnerável, por causa de fatores que se encontram fora do controle da vítima (idade, sexo, posição social).


Esse breve histórico nos faz perceber que a vítima teve sua participação e importância modificada durante o tempo. Iniciando como protagonista, passando por uma fase de esquecimento, e atualmente, sendo redescoberta e estudada mais detalhadamente.


Tipos de Vítimas


Muitas vezes nos deixamos levar pelo pensamento de que o agressor é o único responsável pelo resultado da ação delituosa, agindo por razões que somente a ele são inerentes, mas esse entendimento foi modificado com a evolução da vitimologia, pois estudiosos dessa ciência concluíram que, em certas situações, pode a vítima influenciar de forma crucial na ação criminosa. Diante do exposto concluí-se que na mesma medida em que o criminoso modela sua vitima, esta pode modelar o criminoso.


No campo da prática jurídica, uma das preocupações primordiais se encontra na formulação de tipologias de vítimas, oriundas de observações científicas, que servirão para que se possa aferir a culpa de cada uma das partes e a fixação do efeito penal representado pelo emprego da pena.


Na doutrina encontramos diversos tipos de vítimas, pois cada autor possui uma própria divisão e nomenclatura, mais todas nos permitem compreender o papel desempenhado pela vítima no fenômeno da vitimização. Desse modo, descreverei a tipologia desenvolvida por três estudiosos da vitimologia.


Bejanmin Mendelson elaborou uma classificação vitimaria de forma que a relação de culpa entre a vítima e seu agressor sejam inversamente proporcionais. Seu primeiro tipo de vítima é a completamente inocente, esta é alheia à atividade do criminoso, nada contribuindo para o crime; o segundo tipo é a vítima de culpabilidade menor do que a do agressor ou por ignorância, que se caracteriza pela existência de um certo impulso não voluntário ao delito, como exemplo podemos citar a mulher que pratica o auto-aborto por meios impróprios, pagando com a própria vida por esse ato; o terceiro tipo é o da vítima tão culpada quanto o infrator, quando qualquer participante da ação delituosa pode ser o autor do crime, acontece nos casos de Roleta Russa; o quarto tipo seria a vítima que é mais culpada que o infrator, definidas como as vítimas provocadoras, que viabilizam a ação delituosa no momento que instigam, dolosa ou culposamente, a pessoa que vem a ser acusada de cometer o crime, e as vítimas imprudentes, que são aquelas vítimas que, por imprudência, imperícia ou negligência, incitam o agente a cometer o crime; o último tipo de vítima é aquele unicamente culpável, que se dividem em infratora, quando essa comete uma infração e como resultado desse se torna a vítima, é o caso da legítima defesa, a simuladora, quando por razão de sua premeditação leva alguém a ser acusado por um crime que não cometeu, e a imaginária, ocorre nos casos de pessoas com transtornos mentais que se dizem vítima e determinam uma pessoa como sua agressora sem que o crime tenha sequer existido.


Outra esquematização importante com relação a tipificação das vítimas é a de Hans von Henting. O primeiro dos seus tipos é a vítima isolada, que vive sozinha e não interage com as outras pessoas, e que, por essa razão, não se envolve em situações de perigo, o segundo tipo é a vítima por proximidade, que são divididos em três subtipos, as por proximidade espacial, quando essa é escolhida por se encontrar muito perto do infrator no momento que ele decidi cometer o crime, as por proximidade familiar, quando essas são lesadas por se encontrarem na mesma família do infrator, e as por proximidade profissional, que ocorre em geral no âmbito das atividades laborais. Outro tipo de vítima seria aquela que, por cobiça, desejo de enriquecimento fácil, se vê chantagiado por estelionatários, chamadas de vítimas que têm ânimo de lucro. Existe também a vítima com ânsia de viver, que seria aquela pessoa que por achar que não aproveitou a vida como devia, começa a se expor e se tornar uma vítima em potencial.


O trabalho de Hans von Henting foi bastante significativo, chegando ele a catalogar umas vinte espécies de vítimas. Além das citadas no parágrafo anterior, se tinha a vítima agressora, que reage a ação delitiva com raiva e hostilidade, a depressiva, que se autodestrói, a voluntária, que permite que contra ela se cometa o delito, sem oferecer resistência, as perversas, que são as pessoas psicopatas, os quais podem chegar a vitimização e não conseguir estabelecer limites de respeito em relação às outras pessoas, dentre outras.


Edmundo Oliveira, estudioso dessa área, também estabeleceu uma divisão dos tipos de vítimas em dois grupos; para ele existem as vítimas programadoras, que arquitetam suas ações com o intuito de instigar o autor do delito, agindo com uma certa dose de culpabilidade e interferindo totalmente no resultado do crime, e as vítimas precipitadoras, que são aquelas que se portam como colaboradoras da ação, por possuírem uma espécie de pré-disposição para ser vítima, contribuindo de alguma forma com o processo de consumação do crime e seus resultados. Como uma espécie de subgrupos desses supracitados ele dividiu as vítimas ainda em de culpa exclusiva, quando a responsabilidade pela ocorrência do delito é totalmente da vítima, de culpa concorrente, que se caracteriza quando a intervenção da vítima tem a mesma influência no fato criminoso que a intervenção do agressor, e a de culpa recíproca, quando a influência da vítima se dá por razão de sua falta de cuidado com os seus bens.


Importante tipificação, também do mesmo autor, diz respeito as vítimas de caso fortuito, quando pessoas se vem vitimadas por algum fenômeno da natureza e se depara com algo que é totalmente imprevisível e, por isso, incapacitando-se assim a tomada de alguma precaução, e as vítimas de força maior, que são aquelas que sofrem uma coação irresistível, como as situações na quais se buscam a sobrevivência, em casos de distúrbios clínicos ou até por indução hipnótica, nesses casos não há crime, pois não se verifica a existência de nenhum dos elementos subjetivos do crime.


A VÍTIMA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO


O comportamento da vítima como uma das circunstâncias judiciais


A Dosimetria da Pena é a nomenclatura dada ao ato de se calcular a pena que será aplicada ao réu da ação, normatizada no art. 68 do Código Penal, sendo utilizada pelo magistrado no momento da prolação da sentença.


Esse cálculo se divide em três fases bem distintas, mas a abordagem que será feita nesse trabalho se restringe a primeira dessas fases, mais precisamente no que diz respeito a análise do comportamento da vítima como uma das circunstâncias judiciais.


O juiz, ao analisar os critérios de individualização da pena, que estão elencados no art. 59 do Código Penal, deverá estabelecer uma pena-base, observando as margens mínimas e máximas existentes em cada tipo penal, sobre a qual incidirão os demais cálculos.


Esses critérios de individualização, denominados circunstâncias judiciais, são elementos que não se relacionam de forma direta com o delito, mais a análise desses para uma correta aplicação da pena do agressor é de suma importância.


Quando nos reportamos a circunstância judicial referente ao comportamento da vítima, verificamos que há necessidade de utilização de estudos vitimológicos, mais precisamente da vitimodogmática, pois devemos entender que a lei, quando utiliza o termo contribuição, não está colocando a vítima na condição de partícipe ou co-autora, mais, sim, pedindo que seja perquirida a exata influência que teve o ofendido na ação delituosa.


Explana Juliana Colle que “quando a vítima instiga, provoca, desafia ou facilita a conduta delitiva do agente, diz-se, portanto, que a oitava circunstância judicial está favorável ao réu. Nesses casos, a vítima teve participação efetiva na culpabilidade do autor, posto que enfraqueceu a sua determinação de agir conforme o Direito. Logo, por conseqüência, merece o agente uma censura mais branda do que a que lhe caberia nos casos de ausência total de provocação da vítima.”


Se nos reportamos aos crimes de natureza patrimonial, esse instituto processual seria de vasta importância se for comprovado durante a fase de instrução que o autor não tomou todos os cuidados necessários para proteção do seu bem, como exemplo podemos citar o agente que pratica um furto de um veículo, cujo proprietário deixou alguma janela aberta, nesse caso a circunstância será considerada favorável para o réu.


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Outro ponto seria sobre os crimes contra os costumes, onde deve haver uma ponderação por meio do magistrado, pois não se pode condenar uma pessoa somente pelos trajes que ela estava usando no momento da ação delituosa ou a mulher que decidi ir ao motel com um rapaz e desiste de consumar a relação no último momento e, por isso se vê vítima de um estupro.


Contudo, deve o magistrado estar atento a intenção real da pessoa que se encontra como vítima da ação penal, pois cada caso é diferente e deve ter seu desfecho de forma que todos sofram o mínimo possível.


Os casos de legítima defesa


O ordenamento jurídico atual veda o exercício arbitrário da defesa pessoal, devendo essa ser exercida somente por quem tem competência para tal, vedando-se assim a autotutela, mas nem sempre é possível a proteção e a prevenção policial e, para que não ocorra algo muito grave e até de natureza irremediável, nesses casos permite-se o uso da chamada legitima defesa.


Esse instituto esta normatizado no art. 25 do Código Penal, e tem como requisitos a ocorrência de uma injusta agressão, que pode ser atual ou iminente, que deve ser rebatida de forma moderada, somente até que se possa findar a ação da outra pessoa, e o direito lesado pode ser tanto de quem se defende quanto de outrem.


De acordo com Lélio Braga Calhau (apud, 2002), “a ordem jurídica visa a proteção dos bens juridicamente tutelados. E não só punir a agressão, mas preveni-la. Quem defende, seja embora violentamente, o bem próprio ou alheio injustificadamente atacado, não só atua dentro da ordem jurídica, mas em defesa dessa mesma ordem. Atua segundo a vontade do Direito. O seu ato é perfeitamente legítimo e exclui, portanto, a hipótese de crime.”


Quando o autor de uma ação criminosa alega que agiu em legítima defesa, é necessária uma análise bem detalhada do caso, para que se possa comprovar todos os requisitos já supracitados, pois não será válida as alegações quando comprovadamente a vítima se pôs na situação de agredida, para utilizando a lei, alcançar seu objetivo de consumar a agressão ao pretenso ofensor.


Não será aceita a alegação de legítima defesa quando a pessoa que a invoca deu causa a agressão, ou quando se quer incluir como tal um ato que antecede ao momento da agressão ou é posterior a ele.


Condições pessoais da vítima – art. 61 do Código Penal


O art. 61 do Código Penal explana que os crimes, quando cometidos contra pessoas enfermas, crianças, velhas ou mulheres grávidas, terão suas penas agravadas.


Vê-se aqui que o legislador entendeu que esses grupos de pessoas desenvolvem, por suas condições físicas e psicológicas, uma fragilidade e, com isso, diminuem seu poder de resistência ao delito.


Causas extintivas de punibilidade – art. 107 do Código Penal


Esse artigo descreve situações onde, apesar de o fato conter todos os elementos caracterizadores do crime, como a tipicidade, a antijuridicidade, e a culpabilidade, o agente não terá uma pena a ser cumprida. Desse rol, podemos separar algumas que exigem uma participação maior da vítima, tais como a decadência, que se encontra no inciso IV, e a renúncia ao direito de queixa e o perdão do ofendido, inciso V.


Explana Rogério Greco (2008, p. 708) sobre esse assunto que “mesmo que, em tese, tenha ocorrido a infração penal, por questão de política criminal, o Estado pode, em algumas situações por ele previstas expressamente, entender por bem em não fazer valer o seu ius puniendi, razão pela qual haverá aquilo que o Código Penal denominou de extinção de punibilidade.


A renúncia ao direito a queixa pode ser externada de duas formas, a primeira é a forma expressa, onde a vítima formaliza sua desistência por meio de declaração assinada perante autoridade policial, e a segunda seria a maneira tácita, que pode ser externada pela prática de atos incompatíveis com a vontade de ver o delito solucionado ou pela ocorrência da decadência.


A figura da decadência se torna importante nesse trabalho monográfico quando percebemos que, muitas vezes, essa se configura por causa da inércia da vítima ante o lapso temporal de que a mesma dispõe para oferecer a queixa no caso de uma ação penal privada. Esse prazo é de seis meses, contados a partir do conhecimento da autoria do fato, e, se a vítima se mantiver inerte até o final desse prazo, ele perderá o direito de ação contra o ofensor. É importante ressaltar que a renúncia do direito de queixa, em relação a um dos autores, se estenderá à todos os outros.


O perdão do ofendido ocorre é um instituto utilizado durante a ação penal privada, ou seja, essa já foi instaurada, e se dá de forma bilateral, isto é, somente produz seus efeitos que o réu assim aceitar.


Alguns exemplos de influência da vítima na parte especial do Código Penal


O primeiro artigo da parte especial que sofre a influencia da figura da vítima é o art. 121 do Código Penal, no seu parágrafo primeiro, que trata sobre o homicídio privilegiado, onde o agente comete o crime sob o domínio de uma violenta emoção, logo em seguida a uma injusta provocação da vítima e por motivos de relevante valor moral e social.


Configura-se o caso clássico de vítima mais culpada que o agente, não tendo este a alma assassina e cometeu o crime num momento de exaltação de ânimos, como exemplo podemos citar o pai que vê o estuprador de sua filha fazendo chacotas com a família, ou daquele que, ao chegar em casa, vê sua mulher cometendo adultério e vem a assassina-la.


Entendeu o legislador que o comportamento da vítima foi quem gerou a ação do agressor e, por essa razão sem tem uma diminuição substancial da pena, ou seja, a postura da pessoa que sofreu a agressão em face do seu agressor implica na modificação da pena deste.


Vemos a repetição dessa situação nos casos de lesão corporal, como prevê o art. 129, parágrafo quarto do Código Penal.


Existem alguns crimes em que a vítima tem uma participação decisiva, onde sua contribuição é essencial para que seja configurado o crime. Podemos citar o caso do crime de extorsão indireta, normatizado no art. 160, onde é necessário que alguém emita um cheque que esteja sem provisões de fundos, ou seja, cometa o crime de estelionato, facilitando a conduta do agente.


Outro crime em que a participação da vítima é essencial para sua consumação é o aborto consensual, onde a vítima não é procurada por ninguém da clínica, pelo contrário, vai lá por livre e espontânea vontade.


A rixa, crime descrito no art. 137 do Código Penal, tem como principal característica a indefinição da participação das pessoas que nela estão envolvidas, impedindo assim a determinação de quem é a vítima, por esse motivo todos os contendores são considerados culpados. Segundo a classificação de Mendelson esse é um crime em que a vítima é tão culpada quanto o agente.


Consentimento da vítima


– Conceito


Instituto de natureza doutrinária, pois não esta definida na nossa legislação penal, que tem como função analisar a aquiescência do ofendido ao fato criminoso.


Explana Guilherme Nucci ( 2006, pg. 261 ) que esse instituto “ trata-se de uma causa supralegal e limitada de exclusão da antijuridicidade, permitindo que o titular de um bem ou interesse protegido, considerado disponível, concorde, livremente, com a sua perda”.


– Teorias


Existem várias teorias que tentam explicar a figura do consentimento, vejamos algumas delas:


Feuerbach


Entendeu esse autor que o consentimento do lesado só seria considerado quando o bem fosse de natureza disponível, pois concluiu que nesses casos existe a faculdade do autor de determinar a forma como seu direito será tratado. Dessa forma, se houver consentimento não há inobservância ao direito penal, tornando assim a conduta lesiva típica em atípica.


Criou-se, com essa teoria, uma divergência doutrinária a respeito de quais os bens que seriam passíveis de disposição, pois alguns deles, apesar de terem seus titulares bem definidos, não poderiam deixar de ser protegidos de forma mais rígida pelo sistema, como a vida, por exemplo.


Teoria da Ação Jurídica


De acordo com essa teoria os bens só seriam juridicamente protegidos se os seus detentores assim os tratassem. Diante disso, caso fosse lesionado um bem que não tivesse esse tratamento, não ocorreria uma conduta ilícita.


Welzel


Seguidor da Teoria da Ação Jurídica, esse autor defendia que o consentimento do ofendido deveria ser de natureza inequívoca e isenta de coação ou fraude e que o fato não deveria ser contrário aos bons costumes.


Efeitos jurídicos


Conforme entendimentos doutrinários, a aquiescência do ofendido afetará de forma diversa, dependendo do bem jurídico e do tipo de fato lesivo que se quer analisar. Podendo ser considerada como excludente de ilicitude ou de antijuridicidade.


Para que possamos saber qual excludente será utilizada devemos analisar a definição legal da conduta delituosa em questão, pois se o consentimento for elemento caracterizador do tipo penal a existência do consentimento exclui a tipicidade.


Nos casos em que o dissenso do ofendido não é elementar ao tipo se exclui a ilicitude, pois se tem a presença dos fatores elementares ao tipo penal.


Requisitos


O primeiro requisito necessário para que o consentimento do ofendido seja válido é o de que o bem jurídico em questão teve ser passível de disponibilidade.


Diante desse assunto, Alessandra Greco ( 2004, p. 93 ), complementa que “O consentimento do ofendido pode constituir uma causa de exclusão da antijuridicidade unicamente nos delitos em que o único titular do bem ou interesse juridicamente protegido é a pessoa que aquiesce ( acordo ou consentimento ) e que pode livremente dele dispor.”


Devemos entender que, apesar de juridicamente protegidos, alguns bens tem natureza privada e podem ser disponibilizados por seus titulares.


Faz-se necessário salientar que em alguns casos não é fácil saber se o que se tutela em determinada norma é um direito disponível ou indisponível, pois existem situações onde o direito apesar de parecer de natureza personalíssima, tem que ser protegido pela figura estatal por atingir de forma mediata e subsidiária a sociedade, seria o caso dos crimes de roubo, de extorsão mediante seqüestro, homicídios, dentre outros.


Elenca-se como requisito também a necessidade de o consenso partir da pessoa titular do bem jurídico, que deverá ter consciência dos resultados que terão sua decisão, podendo ser pessoa física, que deverá ter capacidade civil plena, ou jurídica.


O último requisito é relacionado ao modo como deve ser exteriorizado o consentimento, este, para ser válido, deverá ser claro, sério, livre, anterior ao início do ato lesivo, ou concomitante ao início do mesmo, e deve ser feito de forma determinada para que se identifique de maneira inequívoca, a vontade do titular do bem.


Consentimento da vítima nos crimes sexuais


Quando se estuda esse tipo de consentimento, trazemos conosco um preconceito, adquirido durante nossa vida, que faz com essa matéria seja tão divergente e controvertida no meio doutrinário e jurisprudencial.


A nossa legislação prevê no Título VI da Parte Especial do Código Penal (artigos 213 a 249) a tutela jurídica dos costumes. Dentro desse universo, os crimes de estupro e atentado violento ao pudor são mais estudados, haja vista que, além de mais comuns, são considerados mais violentos.


Quando tratamos desses tipos de crimes é de fundamental importância a análise da pessoa que se encontra no pólo passivo dessa ação delituosa, pois seu consentimento terá um valor diversificado dependendo de quem ela for.


Podemos estender a esses tipos de delitos os requisitos gerais de validade do consentimento do ofendido, que já foram expostos nesse trabalho, sendo assim, o consentimento do maior capaz não traz nenhuma dúvida para os nossos estudos, pois, se esse existir, a conduta do agente será considerada atípica.


Estudando o crime de estupro, percebemos que é preciso para a sua consumação a ocorrência de uma espécie de constrangimento, por meio de violência ou grave ameaça, e a cópula carnal, entendendo a jurisprudência que o consentimento posterior ao início da consumação é inválido, pois, na maioria das vezes, a mulher permiti o ato por temor e medo do agressor.


Outro ponto de vasta importância aa essa matéria seria a as situações de presunção de violência nos crimes cometidos contras pessoas menores de 14 anos, que se encontra positivada no art. 224, alínea “a”, do Código Penal.


 Como explicação para a existência dessa presunção se pode alegar o art. 70 da Exposição de Motivos do nosso Código Penal, que diz: “O fundamento da ficção legal de violência, nos casos dos adolescentes, é a innocentia conciliii do sujeito passivo, ou seja, a sua completa inocência em relação aos fatos sexuais de modo que não se pode dar valor algum ao seu consentimento.”


 Tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça entendem que a violência, nesse tipo de crimes contra os costumes, e presumida, pois, embora possam existir menores que adquiram consciência sexual mais cedo, a grande maioria, antes de completos os quatorze anos, não tem desenvolvimento psicológico suficiente para compreender as conseqüências de seus atos. Acrescenta-se a essa tese, ainda, o entendimento que a idade da vítima faria parte do próprio tipo penal, havendo uma verdadeira norma de extensão, tal qual nas hipóteses de tentativa.


 No que tange à Jurisprudência, existem várias ementas que servem como fundamento ao que foi alegado no parágrafo anterior, abaixo estão descritas as mais recentes de cada superior tribunal que trata dessa matéria.


“EMENTA – PETIÇÃO CONHECIDA COMO HABEAS CORPUS. ESTUPRO. VIOLÊNCIA PRESUMIDA – VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE O PACIENTE [ … ] 2. Afigura-se inviável a apreciação da alegada ausência de provas seguras e convincentes da responsabilidade do Paciente no ilícito penal descrito na denúncia, em razão dele não ter conhecimento de que a vítima poderia ser menor de quatorze anos. 3. A presunção de violência prevista no art. 224, a, do Código Penal, tem caráter absoluto, afigurando-se como instrumento legal de proteção à liberdade sexual da menor de quatorze anos, em face de sua incapacidade volitiva, sendo irrelevante o consentimento da menor para a formação do tipo penal do estupro.” ( crifo nosso) [ … ] (Relator: Ministra Laurita Vaz – Petição 2007/0096227-0 – Superior Tribunal de Justiça – 11.12.2007)


“EMENTA – HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÃO DE QUE A PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA NO ESTUPRO DE MENOR DE QUATORZE ANOS SERIA RELATIVA EM RAZÃO DO CONSENTIMENTO DA OFENDIDA: IRRELEVÂNCIA PARA A CONFIGURAÇÃO DO DELITO QUANDO A VÍTIMA É MENOR DE QUATORZE ANOS. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS INDEFERIDO. 1. É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que o eventual consentimento da ofendida, menor de 14 anos, para a conjunção carnal e mesmo sua experiência anterior não elidem a presunção de violência, para a caracterização do estupro. Precedentes. 2. Habeas Corpus indeferido.” ( grifo nosso) (Relator: Ministra Cármen Lúcia – HC 93263 – Supremo Tribunal Federal – 19/02/2008)


Devemos, apesar dessa interpretação majoritária, ser coerentes e buscarmos a melhor solução para cada caso. Nesse sentido, vemos que não se pode pretender que um casal de namorados de quatorze anos, por exemplo, que decida manter relações sexuais esteja praticando ato infracional.


O Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe a possibilidade de aplicação de pena restritiva de liberdade ao adolescente, com idade entre doze e dezoito anos, pois o legislador entendeu que esses podem agir de forma errônea. Portanto, considera o ECA que o adolescente entre 12 e 18 anos tem plena capacidade de entender o caráter ilícito e reprovável da sua conduta, e merece punição.


Essa conduta ilícita que é cometida pelo menor, para que seja punida deverá esta descrita como crime ou contravenção penal e é denominada como ato infracional.


De acordo com esse Estatuto, a criança e o adolescente não será punido com uma pena, mas sim com medidas sócio-educativas, tais como: obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semi-liberdade; internação em estabelecimento educacional e, por fim, qualquer uma das previstas no artigo 101, I a VI.


 Se o legislador considerou que um adolescente tem capacidade para discernir o certo do errado, e pode ser até internado porque cometeu ato infracional, demonstra que o legislador de 1990 já acreditava que o adolescente dessa época tinha capacidade de dar um consentimento válido.


Ensina Guilherme Nucci (2006, pg. 757) que “não há sentido em se exigido do ser humano uma postura heróica, soba ameaça de sucumbir ao agressor, somente para fazer prova de que a relação sexuais foi, de fato, involuntária”


Entende alguns doutrinadores que a aceitação, sem nenhum questionamento, dessa presunção de violência, significa ignorar a realidade dos costumes atuais, além de que há uma nítida divergência entre a presunção de inocência e a presunção relativa de violência, pois, se for comprovada a colisão entre uma da norma de hierarquia constitucional, que seria o princípio da presunção de inocência e seu corolário lógico do ônus probatório do órgão acusador, que se encontram no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, e uma norma prevista na legislação infraconstitucional, a presunção de violência, que está prevista no art. 224 do Código Penal, deve prevalecer a norma de natureza constitucional.


 Essa tese defensora da relativização da presunção de violência também merece críticas. A principal delas se refere a continuidade da presunção de autoria, ou seja, o crime ainda será atribuído objetivamente ao agente, fazendo com que o indivíduo que praticou relações sexuais com o consentimento do menor ainda seja responsabilizado, salvo se esse menor tivesse, comprovadamente, uma vida pregressa devassa, ou algum tipo de experiência sexual.


Outro ponto a ser colocado diz respeito aos modos peculiares de consentimentos que se encontram nesses tipos de crimes, não podendo somente ser analisados um comportamento devasso ou uma roupa provocante, mas sim uma aceitação de certa forma explicita e determinada.


Ações Médicas


 No campo da medicina existem certos tipos de pacientes com tendência para serem lesadas, pois se encontram fragilizadas em razão de suas enfermidades, mas existem pessoas que se valem da medicina para se eximirem de um sentimento interno de culpa ou insatisfação com o próprio corpo, criando, com isso, um ambiente favorável para experimentos médicos, tornando-se uma vítima por razão de uma fraqueza sua. A psiquiatria denomina esse distúrbio como Síndrome do Espelho, pois a plástica representa para esses indivíduos uma espécie de solução para seu inconformismo, que muitas vezes é mais interno que externo.


 Explana Edmundo Oliveira (2005, pg.157) que:


“O paciente, em estado de procura, indo além do que o médico pode oferecer, encontra uma alternativa para os seus conflitos ou fragilidades, engendrando, inconscientemente, o propósito de se castigar, apoiado na colaboração técnica de do profissional da Medicina.”


 Nesses casos encontramos um típico exemplo da vítima latente, aquela que tem uma disposição para se tornar objeto de ações criminosas, por motivos de origem internas e por sua personalidade, por essa razão é que não se pode considerar que o médico nessas situações seja completamente culpado pelo que venha a acontecer com seu paciente, eximindo-se um pouco sua culpa.


A IMPORTÂNCIA DA ANÁLISE DO COMPORTAMENTO DA VÍTIMA NO DIREITO PENAL


A análise dessa espécie de comportamento faz com que haja uma mudança no conceito estático de vítima, que existia até o advindo da Vitimologia, pois a partir desses estudos, foi-se modificou a imagem que as pessoas tinham em relação a vítima, demonstrando que ela, por várias razões, pode influenciar de forma moderada, média ou destacada o autor do ato delitivo, pois interage com o sujeito ativo do crime, ou seja, com o criminoso, e com o meio em que está contida. Da comprovação da existência desse tipo de inclinação originou-se o entendimento de que certas pessoas podem trazer consigo uma natureza provocadora, e por essa razão, chamam a atenção dos delinqüentes e atraem para si o chamado processo de vitimização.


Entende Alessandra Greco (2004, pg.113) que “atualmente não se aceita mais um raciocínio simplista ao se tipificar uma determinada conduta, não se pode mais analisar somente o fato em concreto e aplicar a norma penal incriminadora, deixando-se de lado uma observação dos sujeitos que participam do fato criminoso.”


Culpabilidade Vitimal


A comprovação da existência da interação vítima-agressor serve como mais um critério de medição da pena que deve ser aplicada, mas nessa concepção do Direito Penal, raciocinando além da tradicional visão e utilizando-se de critérios de cunho supralegais, onde se é necessário observar qual a verdadeira intenção das partes envolvidas no delito, no sentido de oferecer ao juiz uma variada gama de informações aptas a indicar a participação que teve cada uma das partes envolvidas no delito, bem como o tipo de sanção que deve sofrer o agressor e o seu grau de culpabilidade.


Para que se possa mensurar esse grau de influência, foi elaborada uma espécie de tabela que estipula uma gradação progressiva de participação e se baseia nas condições personalíssimas da vítima, tais como, o temperamento, o caráter e a personalidade desta.


Com base nessa escala de valores legais, que não estar normatizada mais é largamente utilizada na prática jurídica, a vitimização deve ser avaliada em consonância com quatro grupos distintos de vítima. O primeiro grupo seria o das vítimas completamente inocentes, que ocorre quando esta não influencia de forma nenhuma na ação delituosa. O segundo grupo diz respeito as vítimas conscientes, que são aquelas que tem noção do que estão fazendo, sabendo que estão se colocando em risco. O terceiro grupo seria os das vítimas inconscientes, que se vêm nessa situação por razões que, apesar de serem originária de sua pessoa, não estão totalmente claras para ela, todavia se tratarem de motivos irracionais que atuam fora do conhecimento e da memória. O último grupo é o das vítimas subconscientes, que se caracteriza quando esta se encontra no limite entre a consciência e a inconsciência, podendo até se lembrar do que ocorreu, mas de forma muito branda.


Ainda dentro desse enfoque, podemos citar a Teoria dos Esquemas de Cruzamento vítima/ofensor, elaborada por Luís Rodriguez Manzanera, que estabelece uma espécie de relação entre o tipo de delito e o tipo de resultado que existe para cada uma das partes da relação processual.


O primeiro cruzamento da teoria se dá quando a vítima e o agressor, após a ação delituosa, continuam suas vidas normalmente, sem a existência de efeitos posteriores ao delito. Nesses casos se percebe que existe a consciente e clara noção da ilegalidade do ato. Caracteriza-se pela possibilidade de ambas as partes envolvidas agirem de forma criminosa, como exemplo temos a corrupção passiva e a corrupção ativa. O segundo cruzamento é o mais amplo, pois engloba todas as ações que se caracterizam por serem tipos penais consumados, onde todos os efeitos da ação delituosa são vislumbrados. Nesses casos a análise de cada caso individualmente é estritamente necessária para que haja uma correta solução ao crime. O terceiro cruzamento ocorre quando os efeitos da ação delituosa são sentidos somente pelo ofensor, como exemplo temos a legítima defesa. Nesses casos o agente será absolvido por se tratar de um motivo de extinção da punibilidade. O quarto cruzamento ocorre quando a vítima toma o mesmo caminho do ofensor, um exemplo seria a pessoa que adquire a Síndrome de Estocolmo após o crime. O quinto cruzamento acontece quando o agressor trilha o mesmo caminho da vítima, como exemplo temos o violador sexual que se apaixona pela sua vítima e tenta se modificar. O sexto cruzamento diz respeito aos delitos advindos de ações de natureza culposa, onde o agressor age de forma não deliberada e por negligência, imperícia ou imprudência provoca o ato delitivo. O sétimo cruzamento dar-se quando a vítima resolve se vingar do agressor.


Como síntese desse esquema se pode dizer então que existem dois tipos gerais de relação vítima-agressor.


 O primeiro ocorre quando vitimário e vítima estão em estado de oposição absoluta, desses casos advêm as chamadas vítimas completamente inocentes, que não interferem de nenhuma forma no ato criminoso, e as aproveitadoras, que, apesar de não interferirem, tiram proveito do delito por alguma forma de expressão de seu comportamento.


O segundo acontece quando há interesses homogêneos e harmônicos das pessoas que agem como personagens do crime, ou seja, quando eles se convergem para o mesmo caminho, dessas situações advêm as diversas tipificações de vítimas influenciadores que já destacamos nesse trabalho.


Importante ressaltar em ambas as situações devem ser averiguadas todas as circunstâncias inerentes ao fato, para que se possa concluir a verdadeira participação da pessoa que se denomina como vítima.


Essa linha de pensamento leva a interrogação sobre a capacidade de disposição do indivíduo sobre sua própria vida e sobre seus próprios bens. Neste sentido, deve ser utilizado, para que haja uma correta compreensão desse instituto, o princípio da subsidiariedade do direito penal, que explana que o Estado somente intervirá quando o detentor do bem em litígio não dispor de meios menos gravosos para sua proteção.


A essência desse principio seria a possibilidade de determinação dos meios individuais de proteção que devem ser utilizados pelos titulares de um bem jurídico definido, estipulados a partir de uma avaliação da espécie e da quantidade de riscos contra os quais esse deve reagir.


Para que se possa definir o nível de perigo de cada bem são mensurados um conjunto de elementos. O mais importante destes, diz respeito a distinção dos tipos de riscos que devem ser suportados pela pessoa em particular, esses são divididos em duas espécies, os riscos considerados como gerais, oriundos da convivência em sociedade, que tendem a diminui a possibilidade individuais de autoproteção, que, por existir um âmbito de afetação ao bem jurídico que não pode ser controlado, deve ser de responsabilidade do Estado, e os riscos individuais, que por visarem uma consolidação dos princípios de auto-responsabilidade dos indivíduos e a remoção da figura estatal em algumas ações, são de responsabilidade do proprietário do bem, havendo, dessa maneira, o cumprimento das finalidades protetoras sem que fosse necessário intervenção excessiva.


Fatores que influenciam o comportamento humano


A diversidade de comportamento humano, como já foi explanado no primeiro capítulo desse trabalho, é a base dos estudos vitimológicos, pois é sobretudo na pessoa da vítima que se concentra as pesquisas mais importantes, já que sobre ela atuam diversos fatores que formam o caráter e revelam a natureza da vontade de ser vitimada.


Com a evolução desses estudos surgiram no panorama vitimológico três orientações que influenciam a conduta de qualquer pessoa, também chamadas de fatores, relativamente bem definidas, as biológicas, as psicológicas e as sociológicas, que conjuntamente formam o denominado pela Biologia como Biótipo, ou seja, um conjunto de caracteres morfo-físicos-psicológicos do indivíduo, que se relacionam e se completam.


As duas primeiras orientações dizem respeito as influências de cunho interno, resultado de distúrbios psicológicos, conseqüência de alguma patologia, disfunção ou transtorno orgânico.


Apesar de haver uma resistência ao entendimento de que os fatores genéticos e biológicos influenciam no comportamento do ser humano, estudos científicos recentes comprovam e concluem que esses componentes participam de forma potencial do processo de formação do caráter de cada pessoa.


Como fundamento do que foi explanado no parágrafo anterior escreve Paulo de Souza (2001, pg. 112) que:


“Parece inegável que exista uma contribuição genética para quase toda forma de comportamento. Diversos distúrbios de conduta indicam, com crédito, a presença de um fator genético predisposto, e quiçá preponderante, no comportamento desviante, sem desprezar, é claro, os outros fatores”.


Com relação aos fatores de cunho externos, é relevante explanar, que a convivência em sociedade também influência de forma crucial no comportamento de qualquer ser humano, pois, dependendo de onde ela viva, adquire costumes e comportamentos próprios daquele lugar.


 Jo-Ellan, em seu livro Decifrar Pessoas (2000, pg. 238) diz que


“Certamente a raça, a etnia e o país de origem nos influenciam, mas o mesmo acontece com relação a nosso histórico religioso, idade, origem regional, condição econômica e orientação sexual. Existem até influências profissionais – entre atletas, médicos, caminhoneiros, atores, militares, acadêmicos e quase qualquer outro grupo identificável.”


Da combinação dos fatores genéticos, psíquicos e externos podem surgir personalidades com tendências ao desequilíbrio de conduta, onde se pode desenvolver predisposição tanto para cometer crimes quanto para se portarem como vítimas, pois sofrem uma forte influência de suas heranças biológicas e sociais. Quando nos reportamos a formação da personalidade percebemos que os fatores físicos, psíquicos e ambientais se interpenetram e agem de forma recíproca, essa conexão, de acordo com Edmundo Oliveira (2005, pg. 72), “é tal que a um impulso físico não apenas o corpo responde, e a um estímulo psíquico não é só a mente que reage, uma vez que ambos os casos é o homem inteiro.”


Essa entendimento seria a conclusão necessária par entendermos aquelas pessoas que, mesmo em condições ambientais favoráveis, são constitucionalmente inadaptáveis e cultivam uma vida considerada como anti-social, pois as circunstâncias sócio-ambientais não favorecem ou impedem o afastamento de sua verdadeira personalidade, fazendo com que esse indivíduo não siga as regras de convivência ditadas no conjunto social.


Como exemplo, podemos citar os casos de pessoas que possuem uma personalidade psicopática, que se caracteriza por meio de uma conduta anti-social com origem em anomalias internas e dificuldades para assimilar as normas de sociabilidade e bom senso, tornando-se desse modo um alvo fácil para a vitimização de cunho social.


CONCLUSÃO


O crime é um fenômeno de natureza seletiva, não fortuito ou aleatório, que visa um momento e, o que é mais importante, uma vítima adequada. Coerentemente, se o risco de vitimização se configura como um risco diferenciado parece razoável a existência de programas de proteção, aos grupos e subgrupos humanos que possuem maiores possibilidades de se tornarem vítima, como um meio de diminuição do número de delitos.


Os programas de prevenção criminal têm como enfoque principal a pessoa do infrator, pois entende que se esse for contido diminuirá a ocorrência de delitos, mas, após uma análise mais detalhada dos estudos vitimológicos, vê-se a necessidade dessa prevenção incidir também sobre a figura da vítima em potencial.


Existem vantagens quando se criam prevenções sobre a pessoa que tem potencial para ser vítima, uma delas seria que essa a intervenção é de natureza não-penal e teria como objetivo a diminuição do elevado custo monetário e impacto social que advêm de ações paliativas, resultante de programas sociais de ajuda às vítimas.


O Estado, quando não consegue impedir que aconteça o crime, não pode ser insensível aos prejuízos que a vítima sofreu, tanto de forma primária, resultante do delito, como de forma secundária, como conseqüência da investigação e do processo criminal, devendo proporcionar sua efetiva ressocialização. Analisando a prática jurídica atual verificamos que a condenação do autor do crime é considerada a recompensa da vítima, haja vista as atenções dos juristas e autoridades se dirigirem somente a pessoa do delinqüente.


Com o advindo da Vitimologia essa prevenção vitimal foi sendo difundida e a partir desse marco surgiram estudos que demonstram os variados e complexos danos sofridos pela vítima, que se diversificam de acordo com o tipo de delito e a gravidade com que ele foi cometido, e têm como finalidade a reintegração dessa na sociedade.


Outro aspecto a ser tratado diz respeito a afirmação de que, na maioria das vezes, os efeitos da ação criminal não se esgotam com o fim desta, pois existem efeitos de natureza colateral, como é o caso dos impactos de origem psicológica advindos posteriormente ao crime, que tem origem na sensação de impotência que a pessoa sente frente ao agressor e o medo de que tudo se repita, produzindo-se assim uma espécie de uma ansiedade, chegando até a depressão ou desencadeando doenças de classe neurológicas.


Não podemos deixar de citar que existem situações processuais, pelas quais as passam as vítimas, que tornam aquela situação ainda mais sacrificante, como a demora dos processos judiciais, denominadas de vitimização secundária.


No Brasil existem institutos na área do Direito Penal que utilizam os ensinamentos vitimologicos mais ainda não estão positivados, portanto, para que sejam corretamente utilizados é necessário que o juiz analise cada caso individualmente e com imparcialidade.


De acordo com algumas estatística, concluí-se que a aplicação da pena é a parte da sentença criminal que mais é reformada pelos tribunais, isso acontece por causa da inobservância aos critérios limitadores e garantias legais que são concedidas aos réus. E, dentre essas, a maior concentração de erros ocorre na primeira etapa do sistema dosimétrico, ou seja, no momento da análise das circunstâncias judiciais, que comprova o que a prática jurídica já se demonstra: o juiz não é um ser imparcial, pois absorve preconceitos durante sua vida. Sendo assim, o mesmo não terá capacidade para medir a participação da vítima no ato criminoso de forma correta, necessitando assim de uma norma que delimite sua discricionariedade e não prejudique nenhuma das partes envolvidas.


Um aspecto a ser lembrado diz respeito ao consentimento da vítima nos crimes sexuais, onde se é importante avaliar a superioridade de forças do agente para que se possa concluir se essa é apta a configurar o constrangimento através da violência.


A discussão da presunção de violência nos crimes sexuais, tratadas com fundamentos em legislação certa forma obsoletas e não atendem mais aos anseios de nossa sociedade. Essa faixa etária deveria servir somente como um parâmetro para o magistrado, como uma espécie de ajuda, para que ele soubesse até que idade poderia ele considerar a vítima como uma pessoa frágil e com potencial de vitimização.


A partir da admissão da existência da concepção interativa da vítima, surgiu o temor de que seu comportamento pudesse conduzir a uma espécie de culpabilização de sua pessoa e até a uma punição, por essa razão é que os magistrados optam por aplicar institutos que já estão normatizados, como, por exemplo, o consentimento da vítima e a legítima defesa.


O que se pode concluir a esse respeito é que há a necessidade de uma reforma na legislação penal pátria, para que se possa tratar melhor essa matéria tão controversa e delimitar as possibilidades de julgamento pessoais dos magistrados, bem como, para se adaptar as mudanças sociais objetivando um regular convívio entre as pessoas na sociedade.



Informações Sobre o Autor

Juliana Costa Tavares Marinho

Advogada – Assessora Jurídica da Secretaria de Infraestrutura e Controle Urbano da Cidade de Maracanaú/CE


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