Crime de tráfico de drogas – análise dos principais verbos do tipo

Resumo: este artigo tem como principal objetivo apresentar breves esclarecimentos a respeito de alguns dos mais discutidos núcleos do crime de tráfico de drogas, previsto na lei 11.343/06, artigo 33. Para tanto, foi realizada uma leitura de material bibliográfico de doutrinadores da seara penal brasileira, bem como da jurisprudência pátria, no intuito de incutir maior certeza jurídica e clareza quando do estudo do principal tipo penal contido na lei de entorpecentes.

Palavras-chave: Tráfico. Verbos Nucleares. Definições.

Abstract: this article has as main objective to present brief explanations about some of the most discussed nuclei of the crime of drug trafficking, provided for in Law 11.343 / 06, article 33. For this purpose, a bibliographical material was read of Brazilian criminals , As well as the jurisprudence of the country, in order to instill greater legal certainty and clarity when studying the main criminal type contained in the law of narcotics.

keywords: Traffic. Nuclear Verbs. Definitions.

Sumário: Introdução. 1. Considerações gerais. 2. A existência de discussão a respeito do conteúdo de certos núcleos do tipo do crime de tráfico. Conclusão.

Introdução.

Este ensaio tem como fim elaborar um apanhado dos elementos aqui considerados como basilares do crime de tráfico de drogas, realizando-se uma leitura de seus núcleos mais discutidos na doutrina, de modo a permitir uma melhor visualização pelo leitor do conteúdo do crime de entorpecentes.

Para tanto, apontar-se-á, logo de início, alguns breves esclarecimentos a respeito da figura do crime de tráfico de forma ampla, com vistas a viabilizar que, num segundo momento, sejam pormenorizados os verbos deste tipo penal.

1.Considerações gerais.

O crime de tráfico de drogas está previsto na lei 11.343/06, em seu artigo 33:

“Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:

I – importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;

II – semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;

III – utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

§ 2o Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.

§ 3o Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.(…)” (BRASIL – 2006)

Tal crime é classificado pela doutrina como delito de ação múltipla ou de conteúdo típico alternativo (E. DE JESUS – 1999). Ou seja, o agente é responsabilizado por um único crime ainda que pratique mais de um núcleo verbal previsto no tipo penal, desde que, como bem afirma Damásio (1999), não haja considerável intervalo temporal entre a prática das condutas. Além disso, afirma o doutrinador, se inexistir vínculo espacial entre as ações também seria possível a caracterização de imputações diversas.

Florêncio Filho (2009), por sua vez, aponta como possibilidade de instauração de uma continuidade delitiva em caso de duas ou mais condutas serem separadas por um intervalo de tempo consideravelmente longo.

Ainda no que se refere à continuidade delitiva e os seus reflexos na pena, esclarecedora a posição esposada pelo STJ no informativo de jurisprudência nº 456:

“TRÁFICO. DROGAS. CONTINUIDADE DELITIVA.

Com referência ao crime de tráfico de drogas, a Turma, por maioria, entendeu, entre outros tópicos, que a jurisprudência do STJ é pacífica quanto a permitir o aumento de pena pela continuidade delitiva ao se levar em conta o número de infrações. Assim, na hipótese, de quatro delitos, entendeu correta a exacerbação da pena em um quarto em razão do crime continuado. O voto divergente do Min. Jorge Mussi entendia não ser possível aplicar ao delito de tráfico de drogas a figura do crime continuado em razão de sua natureza de crime permanente. O Min. Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ-AP) acompanhou a maioria com ressalvas. Precedentes citados: HC 112.087-SP; HC 125.013-MS, DJe 30/11/2009; HC 106.027-RS, DJe 23/8/2010; HC 103.977-SP, DJe 6/4/2009; HC 44.229-RJ, DJ 20/3/2006, e HC 30.105-SP, DJ 18/4/2005. HC 115.902-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 18/11/2010”. (BRASIL, 2016)

Damásio de Jesus (1999), na análise do tipo quando previsto pela lei revogada lei de drogas, defende sua estruturação como crime de lesão especial, uma vez que teria como base de aferição do dano não o objeto material, mas o bem jurídico tutelado: a saúde pública.

 Feitos esses breves apontamentos quanto ao crime, tratemos agora de seus núcleos de forma mais detida, denominados de elementos materiais do tipo penal (HUNGRIA – 1958).

2. A existência de discussão a respeito do conteúdo de certos núcleos do tipo do crime de tráfico.

Apesar da clareza de grande parte dos termos constantes do tipo de tráfico de drogas, certos núcleos encontram dificuldade no meio jurídico no momento de sua delimitação. Por isso, será apontada aqui a posição de grandes nomes da doutrina a respeito da melhor interpretação de tais elementos materiais.

Segundo Vicente Greco Filho (2012), “importar” significa fazer ingressar no território brasileiro – seja no espaço aéreo, mar territorial ou através da superação das fronteiras terrestres – o objeto do crime.

“Exportar”, em contrapartida, pode ser definido como viabilização pelo agente da saída do objeto do crime do território nacional. Trata-se, tal previsão, como bem destaca Greco Filho (2012), de preocupação com o alcance do tráfico no cenário mundial, em acordo com posicionamento defendido na Convenção Única sobre Entorpecentes, ocorrida em 1961.

Essas duas condutas, em face dos crimes de contrabando ou descaminho, previstos no art. 334 e 334-A do Código Penal(CP), com redação semelhante, encontra certo impasse doutrinário, vez que estes, pela abrangência de seu conteúdo, poderiam facilmente abarcar os dois primeiros núcleos previstos no delito de tráfico de drogas. (GRECO – 2012)

Nesse contexto, Greco Filho (2012) entende pela aplicação do crime previsto na lei de drogas, em detrimento dos previstos no CP, tendo como base a maior especificidade, grau de sanção e importância do bem jurídico tutelado pelo tipo do tráfico.

Não se pode afastar a possibilidade de, no entanto, realizar-se uma interpretação no sentido de identificar nesta hipótese a existência de concurso formal, art. 70 do CP, por considerar o contrabando, diante da fiscalização aduaneira, a única forma possível de remessa internacional de drogas. Entretanto, não sendo o caso de prática do crime mediante desígnios autônomos, as duas posições terão a mesma consequência prática, vez que se aplicará ao caso em processamento a pena cominada mais grave.

Por sua vez, “remeter” refere-se a enviar a mercadoria para outro local dentro do território nacional. (NUCCI – 2010)

Os verbos “preparar”, “produzir” e “fabricar”, ante sua semelhança, merecem ser tratados em conjunto. Assim, embora todos exprimam, numa visão geral, a mesma ideia de fabricação de algo, as condutas possuem, na realidade, algumas nuances que as distinguem. (GRECO – 2012)

A primeira ação trata-se da mistura de componentes, os quais, então, passarão, depois de terminado o procedimento, a se constituírem em substâncias capazes de gerar dependência química ou física. Enquadram-se também nesse núcleo as condutas de combinar duas ou mais drogas para a formação de uma nova. (GRECO – 2012)

A segunda conduta se refere a um nível mais elevado de participação do agente. Aqui, não basta a mera combinação, e sim uma verdadeira criação da droga. Sendo assim, produzir seria “dar origem a algo antes inexistente”(NUCCI – 2010 – p. 357).

“Fabricar”, por sua vez, pode ser tida como a produção industrial da droga (GRECO – 2012), em, pois, maior escala – o que, para Nucci (2010), pressupõe a utilização de instrumentário de trabalho próprio.

“Adquirir” trata-se de conduta de obtenção da droga. Na prática processual, acaba ganhando o título de núcleo subsidiário, vez que se refere a ato executivo de quase todos os núcleos do tipo. Tal situação, frise-se, não atinge o campo material, tendo em vista todas as condutas típicas serem equiparadas e ser ela antecedente cronológica de muitas outras na disposição do texto.(GRECO – 2012)

“Vender” é a transferência onerosa da droga, isto é, transação em que o agente, pela entrega do objeto do crime, recebe em troca uma vantagem indevida, seja por meio da entrega de dinheiro ou de bem diverso, dentre as possibilidades, outra substância viciante.(GRECO – 2012)

“Expor à venda” pode ser entendida como uma conduta preparatória ao ato de vender. Trata-se de disponibilizar, tornar acessível, pôr à vista o produto ilícito à compra pelo interessado.

“Oferecer”, da mesma forma que a figura antecessora, refere-se a um ato preparatório a outro núcleo, qual seja, “fornecer” – prestar ao usuário a mercadoria. Assim, o oferecimento poderia ser definido como a conduta daquele que, intencionando o fornecimento oneroso ou gratuito, mostra a droga ao interessado.(GRECO – 2012)

“Ter em depósito” é uma das condutas do tipo marcadas pela permanência, Nela, diferente do “guardar” (cujo sentido pode ser considerado sinônimo de ocultação), o agente apenas detém a coisa em caráter provisório (GRECO – 2012). Há quem, no entanto, divirja de Greco, incluindo ainda ao ato de “ter em depósito” a livre disposição da mercadoria pelo agente, enquanto “guardar” seria conduta praticada para a disposição da droga por terceiro.

“Trazer consigo”, como o próprio núcleo já esclarece, consiste no deslocamento, carregamento da droga pessoalmente pelo agente, sendo todos os outros meios de locomoção insertos no núcleo “transportar”. O núcleo “ministrar” significa a prática das condutas necessárias para a ingestão da droga pelo usuário. (GRECO – 2012)

O crime ainda previu conduta que traz ao tipo característica de infração própria. Trata-se do verbo “prescrever”, o qual, para Greco (2012), apenas pode ser executado por sujeitos ativos restritos: “médico, dentista, farmacêutico ou profissional de enfermagem” (GRECO – 2012 – p. 85), que, em conduta dolosa, receita ou indica substância capaz de gera vício químico ou físico em desacordo com norma legal ou regulamentar, bem como se em quantidade além da terapêutica. De forma ainda mais excludente, Damásio(1999), tratando do mesmo tipo previsto na antiga lei, apontava como únicos agentes possíveis o médico e o dentista.

Nucci (2010) e Florêncio Filho (2009), no entanto, consideram o núcleo como crime comum, visto não se tratar de conduta limitada aos profissionais de saúde, dando como exemplo a prescrição de droga por curandeiro.

Conclusão.

Logo, é possível perceber a importância da análise dos verbos do tipo de tráfico de drogas, no intuito de compreender melhor este delito tão presente no cotidiano.

Sendo assim, vê-se que se trata de delito complexo, responsável pela imputação de diversas condutas, alcançando muito além da clássica definição divulgada pela mídia.

 

Referências.
BRASIL. Lei nº 11343, de 23 de agosto de 2006. Site da Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm>. Acesso em: 16 mar. 2017.
BRASIL. Código Penal, de 7 de dezembro de 1940 ( Decreto-lei nº 2.848/1940). Site da Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 18 mar. 2017.
E. DE JESUS, Damásio. Lei Antitóxicos Anotada. São Paulo: Saraiva, 1999.
FLORÊNCIO FILHO, Marco Aurélio. Crimes Hediondos. Lei n° 8.072/1990. In: DAOUN, Alexandre Jean; FLORÊNCIO FILHO, Marco Aurélio (Coord.). Leis Penais Comentadas. São Paulo, Quartier Latin, 2009
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. 14. ed. Niterói: Impetus, 2012.
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal (Decreto-lei nº 2.848, de 7 de setembro de 1940). Vol. IX. Artigos 250 a 361.Rio de Janeiro: Revista Forense, 1958.
Informativo n. 0456. Site do STJ. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/SearchBRS?b=INFJ&livre=@COD=%270456%27&tipo=informativo>. Acesso em: 05 set. 2016.
NUCCI, Guilherme de Souza. Lei Penais e Processuais Penais Comentadas. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

Informações Sobre o Autor

Ariela Alves Monteiro Pessoa

Graduada pela Universidade Federal de Pernambuco; pós-graduanda em direito civil e processo civil. Com cursos de especialização nas áreas de direito do consumidor, administrativo, constitucional, dentre outras


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