Políticas públicas de prevenção da violência e a prevenção vitimária

Segundo a criminologia moderna, a violência não é somente um problema da polícia e os esforços no seu combate não devem ser direcionados somente ao infrator. Falar sobre combate a criminalidade é falar principalmente sobre prevenção. A melhor forma de se combater ou diminuir a criminalidade é alcançando o crime em suas causas, suas raízes, não suas conseuquências.

Mas o que podemos entender como prevenção da criminalidade? Garcia-Pablos de Molina afirma que a criminologia clássica direciona todos os seus esforços preventivos para o infrator pois entende a ameaça da aplicação da pena como modo eficaz de neutralizá-lo. “Não existe, pois, outro possível destinatário dos programas de prevenção criminal, tendo em vista o protagonismo absoluto que se outorga ao delinqüente” (Molina & Gomes, 1997: 74).

É como se o infrator fizesse um balanço entre os custos e benefícios caso cometa o crime, e de uma maneira refletida, decide consumá-lo. É a Teoria da Escolha Racional, onde o indivíduo confronta, de um lado, o volume da punição, e principalmente as probabilidades de detenção e aprisionamento, e de outro, o custo da oportunidade de cometer crime, os potenciais ganhos resultantes da ação criminosa, traduzido como salário alternativo no mercado de trabalho (Becker, 1968) e entao decide sua participação em atividades criminosas a partir desta avaliação entre ganhos e perdas.

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Já a moderna criminologia aceita a possibilidade de diminuir a delinqüência através de diversas outras formas que não exclusivamente o delinquente, destacando as formas de prevenção primária, secundária e terciária.

A prevenção primária ressalta a educação, a habitação, o trabalho, a inserção do homem no meio social, a qualidade de vida, como elementos essenciais para a prevenção do crime, elementos estes que operam sempre a longo e médio prazo e se dirigem a todos os cidadãos. São estratégias de política econômica, social e cultural, cujo objetivo primário seria oferecer qualidade de vida ao cidadão, e último seria dotar o cidadão de capacidade social para superar eventuais conflitos de forma produtiva.

A prevenção secundária atua mais tarde, nem quando nem onde o conflito criminal se produz ou é gerado mas onde se manifesta ou se exterioriza. Opera a curto e médio prazo e se orienta seletivamente a grupos concretos, ou seja, grupos ou subgrupos que ostentam maiores riscos de padecer ou protagonizar o problema criminal. São exemplos a política legislativa penal e a ação policial, políticas de ordenação urbana, controle dos meios de comunicação.

A prevenção terciária tem um destinatário perfeitamente identificável, o recluso, o condenado, e um objetivo certo, qual seja o de evitar a reincidência através de sua ressocialização.

A seguir, tratatremos dos principais programas de prevenção, em teoria, e as devidas correntes criminológicas nas quais se inspiraram.

1. Principais programas de prevenção.

1.1. Prevenção sobre áreas geográficas: é nos núcleos urbanos industrializados que se identifica a concentração dos mais elevados índices de criminalidade, por serem áreas muito deterioradas, pobres de infra-estrutura, e com significativos níveis de desorganização social. É com base na Escola de Chicago que se faz uma análise sobre a expansão das cidades e o fenômeno da industrialização, de onde emergem novos fenômenos sociais, a partir das provocadas mudanças na ordem econôomica, demográfica e espacial. É desse turbilhão que surge um novo ambiente, marcado por grandes desigualdades e propício ao surgimento de condutas desviadas, muitos deles tipificados pela legislação como crime.

O crime é então um produto social do urbanismo. Essa teoria basea-se na perspectiva de vida coletiva como um processo adaptativo consistente de uma interação entre meio-ambiente, população e organização (Freitas, 2002). O comportamento humano é visto como sendo moldado por vetores sócio-ambientais, portanto, o crime não é considerado um fenômeno individual, mas ambiental, no sentido de que o ambiente compreende os aspectos físico, social e cultural da atividade humana.

Sugere-se então atitude de intervenção dos poderes públicos nestas áreas marginalizadas, com programas de reordenação urbana, melhoria de infra-estrutura, oferecimento de serviços públicos básicos. A prevenção do delito tabém pode acontecer por meio da reestruturação física ou urbanização dos bairros, procurando-se assim neutralizar o risco criminógeno ou vitimário de certos espaços, a partir, por exemplo, de medidas de melhoramento das vias de acesso as residências ou local de trabalho, melhorias na iluminação, no sistema de transporte público e da criação de pontos de observação ou vigilância. Seriam espécies de barreiras ao crime, que dificultariam o acesso e incrementariam o risco para o infrator potencial.

Todavia, devemos observar a possibilidade desta política de prevenção se tornar em política de conteúdo ofensivo e discriminatório, com base no entendimento segundo o qual a criminalidade estaria concentrada nos locais de alta densidade demográfica, e menos favorecidos. Seriam então vítimas de discriminação principalmente os cidadãos marginalizados, pois frequentemente residem nos ambientes onde há grande concentração demográfica e falta de estrutura urbana. Desta forma, o público alvo destes programas seriam com frequência os marginalizados, ou aqueles que pelo fato de estarem à margem numa série de aspectos, habitam nos bairros menos favorecidos ou mais conflituosos.

1.2. Prevenção dirigida à reflexão axiológica: seria a revisão de atitudes, de valores e de pautas de comportamento. Para evitar certos comportamentos no futuro, faz-se necessário substituir os valores sociais que os sustentam no presente. A criminalidade dos jovens e crianças é um exemplo, pois o crime é aprendido, segundo a teoria do Aprendizado Social (ou da Associação Diferencial).

De acordo com Sutherland (apud Kuhn, 2002, 41) os indivíduos determinam seus comportamentos a partir de suas experiências pessoais com relação a situações de conflito, por meio de interações pessoais e com base no processo de comunicação. Desta aprendizagem, determinam-se os comportamentos favoráveis e desfavoráveis ao crime. Neste sentido, tanto os contatos pessoais, como o contato com métodos e técnicas criminosas são formas de aprendizado que motivariam e legitimariam o comportamento delituoso.

Sutherland então constrói nove hipóteses onde a primeira, a segunda e a quarta são consideradas as mais relevantes. O comportamento criminal é apreendido (primeira hipótese). É dentro do processo de comunicação com as outras pessoas (segunda hipótese) que a aprendizagem começa pela transmissão e imitação de técnicas e de atitudes criminosas (quarta hipótese).

1840

Esta teoria pode explicar claramente a delinquência juvenil dos bairros menos favorecidos das cidades brasileiras. A sociedade adulta deveria passar mensagens de êxito ou triunfo pessoal, mas não a qualquer preço. E ainda, não somente evitar comportamentos negativos, mas levar mensagens e modelos positivos de conduta que outorguem um sentido a existência.

Todavia, são feitas críticas no que se refere a relação de causalidade desta teoria. São os contatos com criminosos que levam o indivíduo a uma vida criminosa, ou o indivíduo criminoso procura laços com grupos de criminosos?

1.3. Prevenção do delito de inspiração político social: boa parte da criminalidade de que uma sociedade padece tem raízes em conflitos sociais, como situações carenciais, desigualdades, conflitos não resolvidos. Isto fica bem claro a partir da teoria da Anomia, que deve ser entendida na perspectiva de Durkheim (1897) e de Merton (1957).

Segundo Durkheim o crime é um fato social. O homem não vive num ambiente de eleição, mas sujeito a uma ordem imposta, estabelecendo-se, assim, as condições para a produção do crime.

Introduzindo a teoria da anomia, Durkheim explica que o crime é uma manifestação de um desregulamento social. O crime é fruto da estimulação de desejos, decorrentes da modernização. Anomia significa uma falta, um espaço, um branco, que devido ao seu não preenchimente de forma lícita, estimula no homem o institinto de preenchê-lo de qualquer maneira, ainda que de forma ilícita. A modernização e a urbanização são fenômenos que provocam a anomia pois aumentama quantidade e a variedade de bens de consumo, mas ao mesmo tempo, provocam na sociedade uma insuficiência de bens, pois nem sempre são disponíveis. Ainda mais, a satisfação do homem é evolutivamente refinada. Desta forma, a anomia é a distância entre o crescimento de bens disponíveis e a evolução dos desejos do homem.

Quanto mais a sociedade se moderniza, mais será anomica pois os desejos do homem serão sempre maiores que os recursos disponíveis. Em período de crise econômica por exemplo, onde produção e recursos diminuem de maneira brutal, os desejos humanos continuam a crescer. Não há então uma equivalência ou adaptação entre ambos.

Merton (1957) reformulou a teoria de Durkheim trazendo uma nova abordagem. Segundo ele a motivação para a delinqüência decorreria da impossiilidade de o indivíduo atingir as metas desejadas por ele, como o sucesso econômico. Esse modelo de explicação funcionalista consiste em reportar o crime a uma possível contradição entre estrutura social e estrutura cultural. A cultura, em determinado momento do desenvolvimento de uma sociedade, propõe ao indivíduo determinadas metas, como por exemplo um certo nível de bem-estar e de sucesso econômico, o carro X, a roupa Y. Proporciona também modelos de comportamento institucionalizados que resguardam que aquelas metas deverão ser alcançadas através de meios legítimos.

Todavia, pode existir desproporção entre os fins culturalmente reconhecidos como válidos e os meios legítimos de que dispõe o indivíduo para alcançá-los. E esta desproporção está na origem dos comportamentos desviantes. A Anomia é, portanto, “crise da estrutura cultural, que se verifica especialmente quando ocorre uma forte discrepância entre normas e fins culturais, por um lado, e as possibilidades socialmente estruturadas de agir em conformidade com àquelas, do outro lado” (Merton, 1957).

Em síntese, inspirado por Sutherland, Merton explica que existem sociedade extremamente pobres (carência de bens disponíveis, anômicas) onde os índices de criminalidade são baixos, como na Índia. Então não seria necessariamente a falta de bens de primeira necessidade o que é determinante, mas sim a tensão resultante da estrutura social destes países onde encontramos desigualdade. A criminalidade é resultado da distância entre o desejo de vencer na vida e os meios disponíveis para vencer na vida, como educação, saúde, trabalho e dinheiro (apud Kuhn, 2002).

Observando o contexto social do nosso país, a tensão decorrente do modo de vida advindo dessa estrutura nos faz concluir que temos que buscar suporte principalmente nesta teoria, para justificarmos o aumento da criminalidade, e assim portanto tentar buscar soluções de caráter principalmente social que possam amenizar o problema. Uma ambiciosa política social se converte então no melhor programa de prevenção criminal, já que pode intervir nas causas, do qual o crime é um mero sintoma ou indicador.

1.4. Prevenção Vitimária: é a prevenção a partir da vítima, verificando o seu potencial vitimal. A partir da consciência do papel ativo da vítima na dinâmica do delito, a prevenção vitimária sugere uma intervenção nos grupos de vítimas potenciais que ostentam, por diversos motivos, tais como condição social, física, idade, sexo ou origem, maiores riscos de sofrerem agressões. “O crime é um fenômeno altamente seletivo, não casual, nem fortuito ou aleatório: busca o lugar oportuno, o momento adequado, e a vítima certa também. A condição de vítima – ou risco de chegar a sê-lo – tampouco depende do azar ou da fatalidade, senão de certas circunstâncias concretas, suscetíveis de verificação” (Molina & Gomes, 1997: 75).

É a teoria da ocasião ou do situational approach, segundo a qual o homem é influenciado por elementos que estão ao seu redor para a prática do crime. Desta forma, segundo o estilo de vida da vítima (life style model, de Hondenlang, Gottfredson e Garofalo, 1978), o risco de se sofrer uma vitimização pode também ser maior, bastando que a vítima potencial encontre um autor motivado.

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No aspecto prevencional, a teoria da ocasião de certa forma contribuiu para algumas inovações na política criminal. A noção de hot spots trouxe para as discussões criminais a preocupação com locais onde exista uma concentração de causas que possam levar ao crime, como bairros menos favorecidos e marginalizados, ou locais freqüentados pela noite, ainda que em bairros mais favorecidos, mas onde se possa encontrar uma combinação de fatores que possam levar ao crime, tais como drogas, bebida e dinheiro

Ainda segundo a mesma teoria da ocasião, o segundo aspecto a ser observado para a prevenção vitimária seria a rotina de vida: routine activity approach (Chen & Felson, 1979). Não somente o lugar que a vítima freqüenta é importante, mas também sua rotina de vida. O crime é cometido quando o autor motivado encontra sua vítima potencial e desprotegida. Desta forma, há um equilíbrio entre as condições objetivas que oportunizam o crime, e as condições objetivas produzidas pela própria vítima, a partir da sua rotina[1]..

Sondagens de vitimização foram feitas em alguns países da Europa, na intenção de mesurar a criminalidade oculta e traçar o perfil das vítimas mais freqüentes de crimes. Perguntou-se ao entrevistado se já havia sido vítima de algum delito, qual delito, em que período, em que lugar, quais as características do infrator, se o infrator eraconhecido, qual foi o prejuízo advindo do crime, se o fato foi noticiado à autoridade competente e se houve intervenção desta (Killias, 2001; Molina & Gomes, 1997).

O que foi identificado nestas pesquisas, além da total discordância entre os delitos registrados na polícia e os índices de vitimização detectados pela pesquisa, principalmente nos delitos sexuais, foi que alguns delitos podem ser evitados a partir do momento em que se conhece o público alvo das infrações e as condições físicas em que estes se desenvolvem Com frequência, são mais vítimas de violência pessoas que tem uma rotina mais agitada, e que declaram passar mais tempo fora do que dentro de casa, seja trabalhando ou se divertindo. Inclui-se ai os índices de violação de domicílio, que aumenta também entre as pessoas que viajam com mais freqüência (Killias, 2001). É comum que a vítima conheça seu agressor, principalmente quando falamos de mulheres vítimas de violência. Os jovens do sexo masculino e os que têm nível superior de escolaridade são o público mais frequentemente alvo da criminalidade urbana (Kahn, 2002).

Isto demonstra a possibilidade de detectarmos os indicadores que convertem as pessoas em candidatos à vitimização. Através de um estudo do comportamento, do perfil da vítima, e das possibilidades que algumas têm de se tornarem vítimas, pelo meio em que vivem, ou por serem de classes mais vulneráveis, tais como mulheres, crianças, idosos, estrangeiros, marginalizados, podemos elaborar políticas criminais de segurança pública mais objetivas. Podemos verificar também os locais e momentos mais prováveis de vitimização, trabalhando com estas pessoas de forma que evitem estes espaços e comportamentos considerados mais perigosos, ou então que organizem sua vida de forma a evitar sofrerem crimes, que assumam atitudes em defesa de seus próprios interesses, desde o momento em que já conhecem o motivo que as torna mais vulneráveis.

O outro aspecto das políticas de prevenção vitimária que é importante ressaltar é a cultura do medo que estas políticas podem desenvolver. O medo que cidadãos, ou vítimas em potencial, passam a desenvolver em seu psíquico através do mecanismo natural de auto-defesa.

2. E a polícia? Como vai?

Quando falamos em políticas de prevenção da crminalidade, é a polícia, no entendimento geral, o principal ator. Mas esta mesma polícia, segundo nosso entendimento, depende de outros atores, quer sejam as vítimas da criminalidade. Como vimos, são as vítimas a principal fonte de informação, e sem a sua colaboração a criminalidade oculta tende a aumentar. Ademais, a prevenção vitimária, excluindo-se a possibilidade de uma proliferação da cultura do medo, é o segundo melhor programa de prevenção do qual disposmos, sendo o primeiro certamente as medidas de inspiração político social. Uma vez que as medidas de cunho político-social para a prevenção do crime são mais complexas de serem atacadas, além de demonstrarem resultados somente a longo prazo, preferimos concentrar nossos esforços em sugestões de cunho prático, que poderiam ser iniciadas imediatamente, no intuito de facilitar o acesso das vítimas à polícia, e desta feita, contribuir para a prevenção direta ou indireta de alguns crimes. Colocando de lado as discussões sobre corrupção e falta de recursos destinados à polícia, por razões óbvias de falta de interesse no combate a criminalidade, e ainda acreditando que poderemos mudar esta situação um certo dia, propomos algumas sugestões a seguir.

Primeiramente, o mal atendimento nos órgãos policiais é motivo de grandes frustrações e vítimas de violência desistem de registrar a ocorrência em muitos casos por esta razão. Neste sentido, essencial é a instituição de cursos de treinamento para os operadores deste setor. O trato com a vítima de violência ainda demonstra resquícios de um sistema inquisitorial onde a investigação era feita à todo preço, ainda que desrespeitando os direitos humanos de seja lá quem. A polícia deve melhorar seu trato com a vítima de violência, e ao inves de observá-la com desconfiança ou como alguém que levantasse suspeitas, tê-la como um possível aliado (Jorge & Lima, 2003).

Recursos como transporte ou sala de espera para vítimas que fossem prestar depoimento, além da redução do seu tempo de permanência nas delegacias, também são de extrema importância para seu bem estar e recuperação (Fernandes, 1995). Creche, berçário ou espaços adequados para às crianças vítimas diretas ou indiretas são medidas que, definitivamente tornariam o ambiente das delegacias mais aconchegante.

Serviços de assistência social, psicológica e jurídica também são imprescindíveis. Em algumas cidades do Brasil, tais como São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Florianópolis, Goiânia, João Pessoa, Maceió, Recife, estes serviços são oferecidos pelos Centros de Apoio às Vítimas de Crime (Jorge, 2005). Todavia atingem somente cerca de 5% da população de vítimas, porcentagem de pessoas que procuram estes centros, ficando a grande maioria à margem destes atendimentos, a não ser que tenham seus próprios meios e busquem a iniciativa privada. Estes serviços devem ser instalados nas delegacias de polícia, para que o apoio emergencial seja oferecido e o alcance seja maior.

E por fim, o mais crítico dos aspectos: o respeito à privacidade da vítima. É público e notório o escancaramento da vida privada do ofendido a partir do momento em que (principalmente se a vítima for “ela”) pisa numa delegacia de polícia. É programa de televisão. Da confrontação com o agressor às conversas de corredor, a vítima é exposta a constrangimentos e sua intimidade é violada.

Tomadas estas medidas, observaríamos uma melhora essencial no serviço público prestado pela polícia, aumentando a confiança da comunidade e fazendo com que as vítimas de violência denunciassem mais crimes e colaborassem nas investigações. Isto poderia contribuir para a diminuição da impunidade no nosso país.

3. A lei que nos governa

Legislação adequada também é medida necessária para que políticas de prevenção, primeiramente, sejam permanentes e duradouras e não medidas tomadas de forma diferente de governo a governo, de quatro em quatro anos. Política criminal é formulada de forma científica e progressiva, com a colaboração da teoria e da pesquisa com a prática, com a aliança entre sociólogos, juristas, parlamentares e administradores públicos, e não de acordo com a boa vontade e o humor de cada um que esteja no poder. Ademais, política criminal não significa criar novas leis e novos crimes com novas penas, não são planos de ação como exército nas ruas, intervenção da polícia federal, plantão da polícia no morro, mas sim medidas eficazes de combate ao crime, a partir de programas de ação nas ruas e de intervenção nos orgãos da justiça criminal que não estejam funcionando adequadamente. Mais uma vez, esquecendo a obviedade da falta de interesse dos nossos políticos e adminitradores públicos em prevenir ou combater a criminalidade, sugerimos a seguir mudanças necessárias.

Legislação penal não deveria ser criada a partir da comoção social. O caminho correto seria primeiro, buscar critérios científicos para a produção legislativa, segundo, observar sua próvavel eficácia social a partir de testes com grupos de controle, terceiro, disseminar seu conteúdo e ao mesmo tempo lobby para sua aprovação, e por último, publicação e entrada em vigor. Leis penais são escritas e aprovadas pelos nossos parlamentares de um dia para o outro como se fossem fazer milagres, sem se ter o mínimo conhecimento sobre sua aplicação prática.

Depois, a justiça criminal deveria buscar em primeira mão sempre a conciliação entre agressor e vítima. Nos crimes de menor potencial ofensivo, apesar do procedimento dos Juizados Especiais já ser considerado um avanço, na prática juízes e promotores não se preocupam com o bem estar da vítima e com a conciliação entre as partes, mas com o fim do caso, ou seja, encerrar mais um processo criminal sem que seja necessário outro processo de execução, registro de antecedentes criminais, utilização das abarrotadas prisões como recurso. Entendemos suas razões, todavia, a filosofia do instituto dos juizados que seria resolver os conflitos menores a partir da mediação entre as partes envolvidas, proporcionando a ambos a oportunidade de refletir sobre o acontecido e seu compotamento e restaurando a harmonia social, nem sempre acontece.

Por fim, o Estado tem uma grande parcela de responsabilidade no aumento da criminalidade, pois responsável pelo bem estar social, não consegue cumprir com sua obrigação e nem proporcionar a segurança pública, que é também seu dever nos termos do art. 144 da Constituição Federal. Desta forma, deveria no mínimo oferecer a assistência social devida àqueles que são vitimizados, e isto implica a regulamenta ção do art. 245 da Constituição Federal de 1988. Sugerimos então a criação de benefícios sociais direcionados às vítimas de crime ou de fundos de indenização às vítimas. Países como a Nova Zelândia, desde 1963 oferecem esta forma de compensação às vítimas de violência. A maioria do países da União Européia (Alemanha, Austria, Bélgica, Espanha, Finlandia, França, Grécia, Itália, Portugal, Reino Unido, Suécia, etc.) possuem serviços de assistência às vítimas de crime e fundos de indenização estatal, caso o autor seja insolvável. Outros países do Conselho da Europa (Suiça, Turquia, etc) dispõe de um sistema onde os recursos para indenização são previstos em orçamento e pagos em até dois anos após a decisão do caso[2]. (Brienen & Hoegen, 2000).

4. Conclusão

Dentre os fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito, encontramos expresso no art. 1°, inciso III da Constituição Federal a diginidade da pessoa humana. O não exercício da Democracia, a desigualdade e o não acesso aos direitos fundamentias ou direitos humanos, tais como saúde, educação, alimentação, habitação, trabalho, certamente são os principais fatores que dão origem ao fenômeno da violência.

Isto nos faz concluir que a eficaz prevenção do delito pressupõe um conhecimento mais complexo e profundo do cenário criminal. Requer uma estratégia. “O infrator não é o único protagonista do fato delitivo, visto que outros dados, variáveis e fatores configuram esse acontecimento. Os programas de prevenção devem ser orientados seletivamente para todos e cada um deles: espaço físico, habitat urbano, grupos de pessoas com risco de vitimização, clima social.” (Marchewka, 1997: 136).

A prevenção e a diminuição da criminalidade são possíveis, todavia, medidas alternativas e interdisciplinares são mais importantes e eficácias que medidas repressivas. Repressão policial, legislação mais severa, construção de prisões nunca foi nem nunca serão soluções. Investimentos do Estado no respeito e garantia dos direitos fundamentais e sociais, garantidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pela Magna Carta, uma comunidade solidária e que colabore com a segurança pública, respeito ao próximo e ao cidadão são ideais, sonhos daqueles que pretendem ver a escalada do nosso país e a transição de país subdesenvolvido (desculpem, em desenvolvimento) em país desenvolvido, onde existiria a real Democracia. Utopia? Veremos nos próximos 20 anos.

 

Bibliografia
Becker, Gary (1968). “Crime and Punishment: An Economic Approach”. The Journal of Political Economy, 76, pp. 169-217.
Brienen, M. E. I. & Hoegen, E. H. (2000). Victims of Crime in 22 European Criminal Justice Systems. The Netherlands: Wolf Legal Productions.
Cohen, L. E., & Felson, M. (1979). “Social Change and Crime Rate Trends: A Routine Activity Approach”. American Sociological Review, 44, pp. 588-608.
Durkheim, E (1897). Le suicide. Alcan. Paris.
Fernandes, Antonio Scarance (1995). O papel da vítima no processo criminal. São Paulo: Malheiros Editores.
Freitas, Wagner Cinelli de Paula (2002). Espaco urbano e criminalidade: lições da Esocla de Chicago. São Paulo: IBCCRIM.
Jorge, Alline Pedra & Lima, Lavinia Cavalcanti de Mello. (2003). “A concepção de justiça das vítimas de delito: análise através de pesquisa de campo realizada no município de Maceió”. Revista da Escola Superior da Magistratura de Alagoas, nº 02, jan-jun, Maceió: ESMAL, pp. 27-43.
Jorge, Alline Pedra. (2005). Em busca da satisfação dos interesses da vítima penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris.
Kahn, Tulio (2002). Pesquisa de vitimização 2002 e avaliação do plano de prevenção da violência urbana – PIAPS. Acesso em 27 de maio de 2006, http,//www.ilanud.org.br/modelos/download.php?arquivo=/upload/pdf/PesquisaVitimizacao2002.pdf
Killias, Martin (2001). Précis de Criminologie. 2° edição. Bern: Stæmpfli Editions SA.
Kosovski, Éster & Piedade Júnior, Heitor. (coords.) (2001) Temas de Vitimologia II. Rio de Janeiro: Lúmen Juris.
Kuhn, André. (2002) Sommes-nous tous des criminels ? Grolley (Suiça) : L’Hèbe.
Marchewka,  Tânia Maria Nava. (1997). “Aspectos criminológicos da Lei 9.099/95 Juizados Especiais Criminais”. Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Brasília: jul.- dez., p.129 – 147.
Merton, Robert K. (1957). Social Theory and Social Structure. Nova Iorque:  Free Press of Glencoe.
Molina, Antonio Garcia-Pablos de & Gomes, Luiz Flávio (1997). Criminologia. 2°. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais.
Notas:
[1] Todavia, fica claro o moralismo escondido na teoria, que acaba criticando o modo de vida de jovens, que com mais frequência, saem a noite, alguns usam bebidas e drogas. E ainda, a perspectiva de completos bairros ou favelas serem considerados como hot spots ou pontos quentes, colocando a polícia em estado de alerta em relação a comunidades inteiras que ficam sob a mira de armas de fogo diuturnamente, pelo fato de combinarem as clássicas causas do crime, tais como a pobreza, a desorganização urbana, o desrespeito aos direitos básicos.
[2] Curiosamente na Suiça, mesmo que tenha havido conciliação entre vítima e agressor com o pagamento de compensa ção, o Estado é também obrigado a pagar uma indenização à vítima. A única exigência é que, em havendo conciliação, o agressor reconheça o delito, ou que haja uma condenação.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Alline Pedra Jorge-Birol

 

Advogada, Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco, Mestre e Doutoranda em Criminologia pela Université de Lausanne (Suiça) e autora, dentre outras publicações, do livro Em busca da satisfação dos interesses da vítima penal editado pela Lumen Juris (Rio de Janeiro). A autora foi também responsável pela tradução do website http://www.vaonline.org/exchange – Projeto Internacional para o Intercâmbio de Advogados/Serviços de Assistência às Vítimas (International Victim Advocate Exchange Project) na língua portuguesa.

 


 

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