Resumo: Pretende-se, neste artigo, apresentar algumas considerações sobre os crimes fiscais – ou simplesmente, crimes tributários, presentes na mídia e, geralmente, até mesmo nas Varas Criminais do Brasil. Tem-se como objetivo deste estudo demonstrar, cristalinamente, a possibilidade de suspender o processo criminal e extinguir a demanda em virtude de pagamento ou parcelado do débito fiscal, seja antes ou depois de aceita a denúncia. Vale ressaltar a existência de considerações acerca de decisões tanto do Supremo Tribunal Federal, quando do Superior Tribunal de Justiça, comprovando a tese da extinção da punibilidade em caso de crimes de apropriação indébita previdenciária e sonegação fiscal. Para alcançar tal objetivo foi utilizada a pesquisa básica, uma vez que o intuito era o de satisfazer uma necessidade intelectual pelo saber. No que diz respeito ao nível, optou-se pela pesquisa exploratória. Com relação à abordagem, a pesquisa é qualitativa, pois foram analisados o teor dos decisórios produzidos pelo Supremo Tribunal Federal sobre do tema. Deste presente estudo, verificou-se que o entendimento majoritário é no sentido de ser possível a extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária pelo pagamento integral da dívida, podendo este ser feito a qualquer momento da ação penal. No que diz respeito ao parcelamento, os ministros do STF o consideram capaz de suspender a pretensão punitiva do Estado e apenas quando fora formalizado antes do recebimento da denúncia.
Palavras-chave: Crime de apropriação indébita previdenciária. Ordem Tributária. Pagamento. STF. STJ. Processo Criminal.
Introdução
Pode-se asseverar que a apropriação indébita é um dos principais crimes contra a Previdência Social, há, inclusive, a Lei Nº 8137/90, que trata sobre os crimes tributários. Com relação à apropriação indevida de tributo, em 1937, o DL nº 65, previa em seu art. 5º, uma modalidade desse crime, que, atualmente, é conhecida como “apropriação indébita previdenciária” (art. 168-A do Código Penal, acrescido pela Lei nº 9.983/00). Pregava o art. 5º do DL nº 65/37: "O empregador que retiver as contribuições recolhidas de seus empregados e não recolher na época própria incorrerá nas penas do art. 331, nº 2, da Consolidação das Leis Penais, sem prejuízo das demais sanções estabelecidas neste decreto-lei". Portanto, observa-se a existência da possibilidade (principal objetivo deste trabalho) em suspender o processo criminal e extinguir a demanda se for efetuado o pagamento ou parcelado do débito fiscal, seja antes ou até mesmo depois de aceita a denúncia.
É importante frisar que este assunto não é algo inovador, não obstante, levantou um grande interesse em virtude das inúmeras decisões dos Tribunais (STF e STJ), sustentando, de forma cristalina, a tese da extinção da punibilidade quando se trata em crimes de apropriação indébita previdenciária e sonegação fiscal.
Em 1960, foi promulgada a Lei nº 3.807, dispondo sobre a Previdência Social. Poucos anos depois, em 1966, a Lei nº 3.807/60 foi modificada, mais precisamente em seu art. 155, o qual, no inciso I, equiparou algumas condutas ao crime de sonegação fiscal, tipificado na Lei nº 4.729/65; no inciso II, e, assim, equiparou certas condutas ao crime de apropriação indébita (art. 168 do CP); no inciso III, equiparou outras condutas à falsidade ideológica (art. 299 do CP); e, posteriormente, delimitou outros tipos de condutas como estelionato (art. 171 do CP).
A Lei Nº 9.983/2000 revogou expressamente o art. 95 da Lei 9.212/91, com exceção de seu § 2º; e incluiu, no Código Penal, os mesmos tipos descritos no art. 95, no que diz respeito a condutas lesivas à Previdência Social.
Desta forma, o crime de apropriação indébita previdenciária era, até então, definido na Lei n.º 4.357/64. Com a promulgação da Lei n.º 9.983/2000, o crime foi tipificado no art. 168-A do Código Penal Brasileiro.
Em virtude disto, logo, o crime de sonegação fiscal, atualmente, é conhecido como crime contra a ordem tributária, sendo que este está definido na Lei n.º 8.137/90; já o crime de apropriação indébita previdenciária está previsto no art. 168-A do Código Penal.
A partir da promulgação da Lei n.º 10.684, de 30 de maio de 2003, a extinção da punibilidade nos crimes de sonegação fiscal e apropriação indébita previdenciária recebeu um novo regramento. O presente dispositivo trouxe a seguinte inovação, no artigo 9º, in verbis:
“Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168 A e 337 A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.
§ 1o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.
§ 2o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios”.
Nota-se que o dispositivo legal citado acima não faz menção ao recebimento da denúncia, silenciando, então em relação ao momento processual em que o pagamento integral do débito pode ser realizado e, consequentemente, ter-se-à a extinção da punibilidade.
Desta maneira, o contribuinte que cometer qualquer um dos crimes supracitados poderá ter a sua punibilidade extinta, contanto que efetue o pagamento do tributo devido, mesmo que seja posterior ao recebimento da denúncia.
Desenvolvimento
Houve uma série de modificações nas leis que regulam a possibilidade da extinção de punibilidade nos crimes tributários. Inicialmente, era preciso realizar o pagamento do débito antes do recebimento da denúncia do crime feita pelo Ministério Público, no entanto, novas leis revogaram esse requisito temporal.
O artigo 34 da Lei 9.249/95 previa o seguinte:
“Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia. […]”
Sendo assim, havia o requisito temporal, isto é, para a extinção faz-se necessário que o pagamento do débito aconteça antes do recebimento da denúncia realizada pelo Ministério Público.
Por outro lado, a Lei 10.684/03, no artigo 9, § 2º, difere da lei antecedente, não trouxe o requisito temporal para pagamento do débito. Logo, por ser mais favorável, ela retroage para os casos anteriores a ela.
“Art. 9º […]
§2º – Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios. […]”
A Lei 11.941/09, nos seus artigos 68 e 69, assevera o seguinte:
“Art. 68. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, limitada a suspensão aos débitos que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento, enquanto não forem rescindidos os parcelamentos de que tratam os arts. 1o a 3o desta Lei, observado o disposto no art. 69 desta Lei.
Parágrafo único. A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.
Art. 69. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no art. 68 quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.
Parágrafo único. Na hipótese de pagamento efetuado pela pessoa física prevista no § 15 do art. 1o desta Lei, a extinção da punibilidade ocorrerá com o pagamento integral dos valores correspondentes à ação penal. […]”
Verifica-se que em momento algum é mencionado quando deverá suceder o pagamento, isto é, ela não mudou o artigo 9, § 2, da 10.684/2003.
Sobre o tema, Prado ensina que:
“Para solucionar essa questão, foi editada a Lei 10.684, de 30 de maio de 2003, que trouxe algumas modificações em relação ao diploma legal anterior. Entre estas podem ser citadas a contida no art. 9º, o qual dispõe que: ‘É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168 A e 337 A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento’. No parágrafo 1º reitera-se a disposição no sentido de não correr a prescrição criminal durante o período de suspensão da pretensão punitiva. Contudo, o acréscimo mais importante constante dessa lei é o consubstanciado no parágrafo 2º, o qual determina: ‘Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios’. Desse modo, não existe mais razão para a divergência existente nos tribunais, em face do novo tratamento expressamente consignado pelo parágrafo 2º do presente diploma legal”. (PRADO, 2004, p. 428-429)
O artigo jurídico da advogada, Heloísa Estellita, publicado no IBCCRIM-SP em setembro de 2003, com o título “Pagamento e Parcelamento Nos Crimes Tributários: A nova disciplina da Lei 10.684/03” faz uma breve análise e guiada pela disciplina do antigo Refis poderia levar a acreditar que o artigo 9 ordena, de maneira cronológica (§§ 1º e 2º), os efeitos acerca do parcelamento referido no caput. Uma vez alcançado o parcelamento, automaticamente, seria suspendida a pretensão punitiva, conforme o caput e, consequentemente, a prescrição elencada no § 1º e, a dívida ficará integralmente quitada (§ 2º). Trata-se, portanto, de uma estupenda verdade, todavia, totalmente inconclusa, relatando menos que a Lei quer exprimir, asseverou a ilustríssima autora.
Alguns operadores de Direito passaram a acreditar que a quitação do débito deveria ser feita antes da denúncia. Depois de algumas discussões, o STF se posicionou e passou a compreender que o pagamento pode ser feito a qualquer tempo:
“EMENTA Habeas corpus. Crime contra a ordem tributária. Aplicação do princípio da insignificância. Tese não analisada pelo Superior Tribunal de Justiça. Impossibilidade de conhecimento pela Suprema Corte. Inadmissível supressão de instância. Precedentes. Não conhecimento do writ. Requerimento incidental de extinção da punibilidade do paciente pelo pagamento integral do débito tributário constituído. Possibilidade. Precedente. Ordem concedida de ofício. 1. Não tendo sido analisada pelo Superior Tribunal de Justiça defesa fundada no princípio da insignificância, é inviável a análise originária desse pedido pela Suprema Corte, sob pena de supressão de instância, em afronta às normas constitucionais de competência. 2. Não se conhece do habeas corpus. 3. O pagamento integral de débito devidamente comprovado nos autos – empreendido pelo paciente em momento anterior ao trânsito em julgado da condenação que lhe foi imposta é causa de extinção de sua punibilidade, conforme opção político-criminal do legislador pátrio. Precedente. 4. Entendimento pessoal externado por ocasião do julgamento, em 9/5/13, da AP nº 516/DF-ED pelo Tribunal Pleno, no sentido de que a Lei nº 12.382/11, que regrou a extinção da punibilidade dos crimes tributários nas situações de parcelamento do débito tributário, não afetou o disposto no § 2º do art. 9º da Lei 10.684/03, o qual prevê a extinção da punibilidade em razão do pagamento do débito, a qualquer tempo. 5. Ordem concedida de ofício para declarar extinta a punibilidade do paciente.” (STF – HC: 116828 SP, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 13/08/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-206 DIVULG 16-10-2013 PUBLIC 17-10-2013) (grifei).
Por conseguinte, visto que o denunciado realizou o pagamento para solver o débito existente junto a Fazendo Pública, é possível, certamente, requerer a extinção da punibilidade, independentemente do tempo de andamento do processo.
De acordo com Luiz Flávio Gomes (2011), o mesmo reforça pela exegese em idêntico sentido tecida pelo Ministro do STF Dias Toffoli (no citado HC no 111828/SP), o art. 9o, § 2º, da Lei no 10.684/03 não teve sua aplicabilidade subtraída pela Lei no 12.382/11 e ainda permite o pagamento integral a qualquer tempo, recebida ou não a denúncia. Assevera o jurista, Luiz Flávio Gomes: “A nova lei não tem a força de repristinar o antigo art. 34”. Vale deixar claro que repristinação é a restauração da vigência de uma Lei revogada pela perda da vigência da Lei que a havia revogado, fenômeno que não ocorre no Direito brasileiro, salvo se for expressamente declarado, conforme art. 2º, § 3º, da LINDB.
CONCLUSÃO
Observou-se que o art. 9º da Lei n.º 10.684/2003 oferece a possibilidade para o contribuinte, acusado do cometimento de um crime fiscal, de requerer a extinção de sua punibilidade, com a condição de que esse efetue o pagamento do tributo devido.
Vale frisar que o simples parcelamento de tal dívida fiscal acarretará em suspensão do processo criminal, até o final pagamento. Uma vez comprado que o contribuinte quitou a dívida com o fisco, este poderá solicitar o requerimento da extinção do feito em virtude da quitação da dívida que este possuía.
É extrema importância destacar que o art. 9º, da Lei n.º 10.684/2003 pode ser aplicado tanto para pessoas físicas, quanto para sócios e dirigentes de pessoas jurídicas.
Conforme as informações expostas, os devedores do fisco, acusados de crimes fiscais, podem solicitar a extinção da punibilidade, até mesmo se estes tenham sido condenados, pois, depois da promulgação da Lei n.º 10.684/2003, todas as dívidas tributárias – federais, estaduais ou municipais, anteriores ou posteriores a Lei n.º 10.684/2003 -, são passíveis de serem pagas integralmente ou de forma parcelada e, como consequência disto, a extinção da punibilidade.
Informações Sobre o Autor
Elane Botelho Monteiro
Professora Universitária. Graduada em Direito Esmac e Licenciada em Letras com Habilitação em Língua Portuguesa e Inglesa Universidade Anhanguera. Pós-graduada em Direito Processual Civil Constitucional Penal Trabalhista Faculdade Maurício de Nassau