A distinção, na esfera da Administração Tributária, entre os meros procedimentos administrativos e os processos administrativos propriamente ditos

Resumo: Analisa a diferenciação, no âmbito da Administração Tributária, entre os meros procedimentos administrativos e os processos administrativos propriamente ditos.


Palavras-chave: Administração Tributária. Procedimentos administrativos. Processos administrativos propriamente ditos.


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Ab initio, parece-nos pertinente um rápido e superficial discernimento a respeito de processo e procedimento. Procedimento advém do latim procedere (andar para frente, ir para adiante, prosseguir). Por sua vez, processo advém, pela etimologia, do latim processus, de procedere: ação de proceder, de prosseguir. O dicionário jurídico de Plácido e Silva1 explica que embora a derivação de ambos se apresente em sentido equivalente, na linguagem jurídica há distinção entre processo e procedimento:


“Procedimento nos revela a ação de ir por diante, a ação de prosseguir, ou a atuação, já o processo nos fornece a ordem de coisas, que se seguem uma às outras, dá-nos a direção dessa sucessão de coisas, para o exato cumprimento do que se tem em mira. (…) Assim, processo mostra-se a reunião de todos os feitos ou atos, que se indicam necessários e assinalados em lei, para que se investigue, para que se esclareça a controvérsia, e afinal, para que se solucione a pendência.”


Pois bem. No campo do direito tributário, percebe-se cizânia doutrinária no emprego da expressão procedimento administrativo fiscal. Para alguns autores, a terminologia deve ser utilizada para indicar apenas e tão somente o lançamento (por qualquer de suas modalidades) não impugnado pelo sujeito passivo, exaurindo-se com o pagamento do montante do tributo e seus acréscimos legais. Para outra corrente, procedimento administrativo fiscal é todo e qualquer conjunto de atos que precede à fase contenciosa da cobrança de tributo ou multa. Nesta esteira, a consulta tributária (procedimento pelo qual o contribuinte indaga ao fisco sobre sua situação legal diante de determinado fato, de duvidoso entendimento) e a denúncia espontânea (prevista no art. 138 do CTN) se enquadrariam como procedimento administrativo fiscal de natureza preventiva. Já a restituição, a compensação e o ressarcimento de tributos consubstanciariam em procedimentos administrativos de natureza voluntária.


Já no que atine ao processo administrativo fiscal subsiste consenso doutrinário de que é aquele que se instaura no exato momento em que o lançamento é impugnado pelo sujeito passivo.


JAMES MARINS2 indica a existência de três momentos no iter tributário: “i) procedimento fiscal preparatório do ato de lançamento (fiscalização e apuração); ii) ato de lançamento de tributos e/ou aplicação de penalidades administrativas (obrigação principal, multa de mora, sanção instrumental); iii) processo administrativo tributário de julgamento (julgamento de impugnação ao lançamento)”.


A nosso sentir, procedimento administrativo fiscal é denominação que deve ser reservada para denominar o conjunto de atos tendentes à formalização do crédito tributário que se situam antes do momento de oportunização de impugnação do lançamento. Destarte, nos termos do Art. 7º, do Decreto n. 70.235/72, o procedimento fiscal tem início com: I – o primeiro ato de ofício, escrito, praticado por servidor competente, cientificado o sujeito passivo da obrigação tributária ou seu preposto; II – a apreensão de mercadorias, documentos ou livros; III – o começo de despacho aduaneiro de mercadoria importada; apresentando como marco final a notificação de lançamento expedida pelo órgão que administra o tributo (art.11).


Daí porque na fase do lançamento não há que se falar em processo administrativo, mas sim em procedimento. Encerrado este, e demonstrado inconformismo pelo sujeito passivo da relação jurídica tributário, exsurge a etapa contenciosa (processual), denominada processo administrativo fiscal. Nesta senda, o Decreto n. 70.235/72 (com força de lei – ADIn-ml 1.922 e 1.976-7, DJU 24-11-2000) que dispõe que: “Art. 14. A impugnação da exigência instaura a fase litigiosa do procedimento”.


Corroborando com este entendimento, elucidativa doutrina de JAMES MARINS3:


“Pode haver participação do contribuinte na atividade formalizadora do tributo e isso se dá, por exemplo, quando este junta documentos contábeis que lhe foram solicitados ou quando comparece ao procedimento para esclarecer esta ou aquela conduta ou procedimento fiscal que tenha adotado na sua atividade privada. Até esse ponto não se fala em litigiosidade ou em conflito de interesse, até porque o Estado ainda não formalizou sua pretensão tributária. Há mero procedimento que apenas se encaminha para a formalização de determinada obrigação tributária (ato de lançamento). Após essa etapa, que se pode mostrar mais ou menos complexa, praticado o ato de lançamento e portanto, formalizada a pretensão fiscal do Estado, abre-se ao contribuinte a oportunidade de insurgência, momento em que, no prazo legalmente fixado, pode manifestar seu inconformismo com o ato exacional oferecendo sua impugnação, que é o ato formal do contribuinte em que este resiste administrativamente à pretensão tributária do fisco. A partir daí instaura-se verdadeiro processo informado por seus peculiares princípios (que são desdobramentos do due process of law) e delimita-se o instante, o momento em que se dá a alomorfia procedimento processo modificando a natureza jurídica do atuar administrativo”.


Impende notar, por oportuno, que a Constituição de 1988, em seu art. 5º LV, estipula que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Indene de dúvidas, pois, que ao processo administrativo fiscal se aplicam as garantias processuais de status constitucionais, a saber devido processo legal (art. 5º, LIV), contraditório e a plenitude da defesa (art. 5º, LV). Neste sentido, lição de JAMES MARINS4 que afirma que tal rol das garantias individuais:


“…representa, em seu conjunto, verdadeira conditio sine qua non da validade constitucional do processo administrativo tributário brasileiro, justamente por encontrarem radicação constitucional no art. 5º, incisos LIII, LIV e LV, da CF/88: a) direito de impugnação administrativa à pretensão fiscal (art. 5º, LIV); b) direito a autoridade julgadora competente (art,. 5º, LIII); c) direito ao contraditório (art. 5º, LV),; d) direito à cognição formal e material ampla (art. 5º, LV); e) direito à produção de provas (art. 5º, LV); f) direito a recurso hierárquico (art. 5º, LV)”.


O processo administrativo fiscal é, portanto, instrumento que legitima a pretensão exatória da Fazenda face ao Estado Democrático de Direito, oportunizando-se ao contribuinte o direito de opor-se à tributação, mediante o pleno exercício de seus direitos e garantias individuais (art. 5º, Cf/88).


 


Referências Bibliográficas

MARINS, James Direito Processual Tributário Brasileiro. São Paulo: Dialética, 2001.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

 

Notas:

1 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

2 MARINS, James Direito Processual Tributário Brasileiro. São Paulo: Dialética, 2001, p. 162.

3 Ob.cit. p. 189

4 Ob.cit. p. 189.


Informações Sobre o Autor

Alan Saldanha Luck

Procurador do Estado de Goiás, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela UNIDERP-LFG


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