A incontitucionalidade do §2° do artigo 7° da lei 12.016, de 2009 face ao direito à compensação tributária

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Resumo: Após quase oito anos de tramitação no Congresso Nacional, em 07 de agosto de 2009 foi promulgada a Lei 12.016 que regula o Mandado de Segurança. A novel lei veio em substituição da lei 1.533/1951 que, embora tenha tido algumas alterações, não conseguia mais regular devidamente o processamento do remédio constitucional. A nova lei não trouxe grandes inovações ao ordenamento jurídico brasileiro, preocupando-se em sedimentar entendimentos jurisprudenciais. Neste sentido, foi que a lei 12.016/2009 proibiu no §2° do artigo 7°, a concessão de medida liminar em mandado de segurança que tenha por objeto a compensação de créditos tributários. E o fez em total desrespeito a princípios constitucionais, como o acesso à justiça, o devido processo legal, a separação de poderes e, sobretudo, a supremacia da Constituição Republicana.

 Palavras-chave: Acesso à justiça. Mandado de Segurança. Compensação Tributária. Lei 12.016/2009. Inconstitucionalidade.

Abstract: After almost eight years processing in the National Congress on August 7, 2009 was enacted the Law 12016/2009 which regulates the Writ of Mandamus. The new law was enacted to substitute the Law 1.533/1951. Although it introduced some gets, this new law wasn't able to properly regulate the proceedings of the constitutional action. The new law did not bring major innovations to the brazilian legal system. It major aim was to put together the jurisprudence of Brazilian legal courts.  With this purpose, the Law 12.016/2009 prohibited, in § 2 of Article 7, the granting of an injunction in a mandate which has the aim of offsetting tax credits. That was made in a complete disregard of constitutional principles, such as the justice access, the due process of law, the separation of powers and, above all, the republican constitutional supremacy. 

 Keywords: Justice Access. Writ of Mandamus. Offsetting Tax. Law 12.016/2009. Unconstitutionality.

 Sumário: Introdução. 01. Acesso à jurisdição. 02. Mandado de segurança. 3. Conceito. 3.1. Liminar em mandado de segurança. 3.2. Compensação tributária. 4. A incontitucionalidade do §2° do artigo 7° da lei 12.016, de 2009 face à compensação tributária. 5. Conclusão. 6. Referências Bibliográficas.

 1. Introdução

Embora elucidada pela súmula 212 do Superior Tribunal de Justiça, a proibição da concessão de liminar para a compensação tributária em sede de mandado de segurança mitiga o princípio do devido processo legal e reduz, consubstancialmente, a acessibilidade à justiça.

Há quem argumente que a impossibilidade gira em torno de, às vezes, não se poder mensurar a veracidade do crédito e do débito que se pretende compensar. Contudo, esta certeza está no próprio fundamento do mandado de segurança, que, por preceito constitucional, só pode ser concedido quando se tratar de direito líquido e certo.

Ademais, constitui requisito para a concessão de liminar a presença do fumus boni iuris, a fumaça do bom direito, ou seja, o juiz ao analisar a possibilidade ou não da concessão, analisará se há presença de quesitos suficientes à garantia antecipada do direito.

Por fim, se buscará demonstrar quão inviável e arbitrária é a impossibilidade de concessão de liminar que tenha como objeto a compensação tributária. Nesse passo, cristaliza-se a necessidade do estudo sobre a possibilidade da concessão de liminar para que se efetive essa modalidade de extinção de crédito tributário, ao passo que graves problemas podem surgir no dia a dia dos tribunais na medida em que se aplica a “Nova Lei do Mandado de Segurança”. 

 2. Acesso à jurisdição

Constitucionalmente, o acesso à jurisdição é assegurado no artigo 5°, inciso XXXV, que assim dita: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Desta feita, toda e qualquer demanda levada à apreciação do Poder Judiciário deve ser processada e julgada.

Dito isso, mister alguns dizeres quanto a questão principiológica. Diddier Jr. (2006, p. 37), ao citar Guerra Filho, assim aponta:

 “Inicialmente, vale sublinhar, com DWORKIN, que conduzir uma argumentação utilizando princípios necessariamente resulta na tentativa de estabelecer algum direito fundamental, envolvido na questão, já que, segundo ele, ‘principles are proposition that describe rights’, pelo que se diferenciaram de outro importante standart argumentativo, aquele que invoca políticas públicas (policies), que seriam ‘proposition that describe goals’.”

 E aqui, não haveria de ser diferente. Princípios direcionam a direitos fundamentais, e estes são a maior valia de um Estado Democrático de Direito. O acesso à justiça, como direito fundamental, aponta a maior garantia da sociedade desde que o Estado tomou para si a função jurisdicional. É, pois, a síntese de todas as garantias do processo. Processo que, a bem dizer, é a forma de exteriorização da jurisdição e de garantia da cidadania.

Saliente-se que, o acesso à justiça é também conhecido, segundo a doutrina mais sedimentada como “acesso à ordem jurídica justa”. Para explicar, Lenza (2010, p. 773) cita Watanabe:

“a problemática do acesso à justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa.”

 Como princípio fundamental e garantia individual, é notório que o princípio do acesso à justiça não pode ser mitigado, porquanto considerado cláusula pétrea. Nesta óptica, tal princípio direciona-se a todo processo legislativo, que não poderá editar leis que obste o acesso ao Poder Judiciário (LENZA, 2010, p. 774). Tal ditame apenas exterioriza a inafastabilidade, característica da jurisdição.

A bem dizer, o princípio do acesso à justiça ou do acesso à ordem jurídica justa está diretamente ligado ao princípio do devido processo legal. Isto porque, conforme dito acima, não pode o legislador ao editar o ordenamento jurídico, criar mecanismos que impeçam o acesso à jurisdição. Assim como, não pode o Judiciário apenas solucionar conflitos jurídicos, mas deve sim, garantir a realização da justiça. Neste sentido, ensina Theodoro Júnior (2009, p. 456):

“A prestação do Poder Judiciário, destarte, está profundamente comprometida com o princípio da efetividade. Por isso, o acesso à justiça se faz com a observância da garantia constitucional do devido processo legal, nela compreendidas tanto a meta do procedimento legal como sua adequação a realizar a justiça material.”

Em síntese o princípio do acesso à justiça ou acesso à ordem jurídica justa, norteia todo o Estado Democrático de Direito, afim de que seja garantido a toda sociedade o direito de perquirir a reparação por dano sofrido. Ademais, tal princípio conduz o Poder Legislativo a não criar normas que reduzam esse direito da sociedade. Além de fazer com que sejam criados mecanismos de facilitação à busca da satisfação dos direitos. Neste sentido, é que surge a figura do Mandado de Segurança.

3. Mandado de segurança

 3.1. Conceito

Hely Lopes Meirelles conceitua Mandado de segurança como (2007,p. 25-26):

“o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.”

 Desta forma, o Mandado de Segurança é o instrumento às mãos dos cidadãos, afim de que tenham seu direito líquido e certo resguardado, quando não amparados pelo habeas corpus ou habeas data.

Segundo Moraes (2006, p. 136) “o mandado de segurança é conferido aos indivíduos para que eles se defendam de aos ilegais ou praticados com abuso de poder, constituindo-se verdadeiro instrumento de liberdade civil e liberdade política”.

Assim como qualquer outro processo, o Mandado de Segurança inicia-se com uma petição inicial. E é este o momento para que se prove a liquidez e certeza do direito objeto do mandamus. Líquido e certo é aquele direito sobre o qual não há dúvidas. É aquele que pode ser comprovado de plano. Não se olvide que qualquer direito é, pois, em sua essência, líquido e certo. O que pode gerar dúvidas é o fato que fez aflorou determinado direito à determinada pessoa.

Nesse sentido Moraes (2006, p. 139) explica:

“Note-se que o direito é sempre líquido e certo. A caracterização de imprecisão e incerteza recai sobre os fatos, que necessitam de comprovação. Importante notar que está englobado na conceituação de direito líquido e certo o fato que para tornar-se incontroverso necessite somente de adequada interpretação do direito, não havendo possibilidades de o juiz denegá-lo, sob o pretexto de tratar-se de questão de grande complexidade jurídica.”

Saliente-se que o Mandado de Segurança apresenta duas classificações: o repressivo, e o preventivo. Será repressivo quando tiver por objeto uma ilegalidade ou abuso de poder que já ocorreu. E será preventivo quando o impetrante estiver prestes a sofrer cerceamento de algum direito líquido e certo por parte de determinada autoridade. Ressalte-se que neste último haverá sempre a necessidade de comprovação que o ato impugnado esteja colocando em risco algum direito. (MORAES, 2006).

Ademais, pode ainda o Mandando de Segurança ser coletivo. Isto se dá quando um único writ é aproveitado a um número maior de interessados que se encontrem em uma mesma situação jurídica. A finalidade maior do Mandado de Segurança coletivo é ampliar o princípio do acesso à justiça. O Mandado de Segurança coletivo pode ser a teor da Constituição Republicana de 1988, impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional ou ainda por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.[1]

O prazo para interposição do Mandado de Segurança extingui-se em 120 (cento e vinte) dias contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado. Opera-se aqui caso claro de decadência, portanto, não poderá o prazo ser suspenso tampouco interrompido. Incumbe dizer, que no caso do Mandado de Segurança preventivo não há aplicação deste prazo decadencial, posto que o dano temido está sempre presente.

O Mandado de Segurança Individual tem como sujeito ativo qualquer pessoa, seja física ou jurídica, desde que titular do direito líquido e certo não amparado por habeas corpus e habeas data quando este direito for violado. Sendo assim, não importa se brasileiro ou estrangeiro, domiciliado ou não no Brasil. O que interessa para fins de Mandado de Segurança é que o direito, objeto do mandamus, esteja sob a jurisdição da Justiça Brasileira (MORAES, 2006).

Já o Mandado de Segurança coletivo, conforme dito poderá ser proposto a teor do artigo 21 da Lei 12.016, de 2009 por:

“partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial.”

 O sujeito passivo tanto do Mandado individual como do coletivo é a autoridade coatora que pratica ou que ordena a execução ou a inexecução do ato impugnado, podendo a pessoa jurídica de direito público, ingressar a qualquer tempo, em litisconsórcio. Por seu turno, a novel Lei 12.016, de 2009 equipara à autoridades para efeitos de Mandado de Segurança, os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público, somente no que disser respeito a essas atribuições.

Além disso, a citada lei veda a concessão de segurança contra atos de gestão comercial praticados pelos administradores das empresas públicas, das sociedades de economia mista e de concessionárias de serviço público. 

3.2. Liminar em mandado de segurança

A medida liminar em sua essência tem natureza cautelar. Busca assegurar que determinado direito ou objeto não se perca pelo passar do tempo. Segundo Meirelles (2009) apud Jayme (2011, p. 89) a medida liminar:

“não é concedida como antecipação dos efeitos da sentença final, é procedimento acautelador do possível direito do impetrante, justificado pela iminência de dano irreversível de ordem patrimonial, funcional ou moral se mantido o ato coator até a apreciação definitiva da causa.”

Sendo assim, pode-se dizer que, ao deferir o pedido do impetrante liminarmente, o Juiz não está antecipando os efeitos da sentença, mas sim assegurando que o direito não se parca pelo decurso de tempo ou por a autoridade coatora permanecer cometendo o ato abusivo. Neste sentido Câmara (2006, p. 18) ensina:

“este provimento jurisdicional não é capaz de realizar o direito substancial afirmando pelo demandante, mas tão somente se destina a assegurar que, no futuro, quando chegar o momento de se obter a satisfação de tal direito, estejam presentes as condições necessárias para tanto. A medida cautelar não satisfaz, e sim assegura a futura satisfação.”

A melhor entender, a medida liminar faz parte do gênero medidas de urgência, do qual também fazem parte, a tutela cautelar e a tutela antecipatória.  A tutela cautelar tem como características essenciais a acessoriedade, a instrumentalidade e a autonomia. Assim necessita obrigatoriamente de um processo principal para existir. Por seu turno, a tutela antecipatória não se vincula obrigatoriamente, a um processo principal e o seu diferencial está em conceder uma decisão provisória sobre o pedido formulado na inicial. (MEDINA; ARAÚJO, 2009)

Mandamentalmente, a medida liminar é assegurada pela própria Lei 12.016, de 2009, em seu artigo 7°, III, que estabelece como requisitos para a concessão do provimento “fundamento relevante e que do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida”. Inexistentes estes requisitos o provimento liminar deve ser negado.

Em que pese os requisitos acima descritos, a doutrina majoritária os entende, respectivamente, como fumus boni iuris e periculum in mora, requisitos que devem ser observados em todos os provimentos cautelares.

 Fumus boni iuris pode ser traduzido como “a fumaça do bom direito”. Em outros dizeres, para que possa ser concedida a liminar o órgão julgador deverá utilizar de um juízo de probabilidade, bastando que o impetrante demonstre apenas a possibilidade da existência do direito. Ressalte-se aqui, que por mais que exista a probabilidade do direito, em sede de mandamus, esta análise se torna deveras simplificada, porquanto, necessária a comprovação, pelo impetrante, de seu direito líquido e certo. 

Na tentativa de melhor conceituar esse requisito, Câmara (2006, p.36) evidência a divergência doutrinária a cerca do fumus boni iuris, senão veja-se:

“Não é pacífica, porém, a doutrina quando se trata de definir o fumus boni iuris. Há quem afirme tratar-se ele da mera “aparência do bom direito”. Outros autores, por sua vez, referem-se a este requisito de concessão de medidas cautelares como a verossimilhança do direito afirmado pelo demandante. Todos estes conceitos, embora tenham sutis diferenças entre si, conduzem todos, a uma mesma idéia: a de que a cognição a ser realizada no processo cautelar é sumária, não se exigindo nesta sede, a certeza quanto à existência do direito substancial.”

 Já o periculum in mora, traduzido como “perigo da demora” será, pois, em sua essência, a iminência de um dano irreparável. Conforme dito, a liminar como medida cautelar que é, tem por finalidade a proteção de um provimento jurisdicional futuro. Sendo assim, nada mais natural que se exija a comprovação de que o ato impugnado poderá, se persistir, gerar dano irreparável ao impetrante.

Medina; Araújo (2009, p.119), em estudo aprofundado sobre a Lei 12.016, de 2009, destaca que a liminar em sede de Mandado de Segurança pode se dá de três espécies: cautelar, antecipatória, e satisfativa. Confira-se:

 “Em todo caso, o provimento de urgência previsto pelo artigo 7°, III, poderá assumir tripla configuração: 1) liminar cautelar; 2) liminar antecipatória; ou 3) liminar satisfativa. Tudo dependerá das eficácias sentenciais que forem agregadas ao comando mandamental.

Em determinadas situações a liminar será satisfativa e esgotará o objeto do pedido, como na liminar para fornecimento de medicamento. Em outro exemplo, pode-se visualizar a natureza de antecipação da tutela no mandamus, como no pedido de reintegração provisória do servidor do cargo. E, por fim, a liminar poderá assumir contorno cautelar quando tenha objetivo agregar eficácia suspensiva à exigência do crédito tributário.”

Por fim, registre-se que segundo o artigo 7° da Lei 12.016, de 2009, o momento para concessão de da medida liminar é do despacho da inicial pelo juiz. Contudo, o provimento liminar poderá ser concedido em momento diverso a este como, por exemplo, após a autoridade coatora prestar as devidas informações. Não há, portanto, obste à concessão de liminar em momento diverso que o especificado no caput do artigo 7°. O que geralmente ocorre é que, devido a sumariedade do procedimento do Mandado de Segurança, o juiz não encontra outro momento para apreciar a existência dos requisitos do inciso III do artigo 7° da Lei 12.016, de 2009, fazendo-o assim, conforme o caput do artigo 7° da citada lei.

4. Compensação tributária

 A compensação tributária é uma modalidade de extinção do crédito tributário, do qual fazem parte também, segundo o artigo 156 do Código Tributário Nacional:

a) o pagamento;

b) a transação;

c) a remissão;

d) a prescrição e a decadência;

e) a conversão de depósito em renda;

f) o pagamento antecipado e a homologação do lançamento;

g) a consignação em pagamento;

h) a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;

i) a decisão judicial passada em julgado.

 Ater-se-á aqui tão somente ao instituto da compensação.

O instituto da compensação não é novidade no Direito. Encontra respaldo primeiramente no Código Civil Brasileiro – Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002 – que assim ensina: “Art. 368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem”.

Desta maneira, toda vez que dois indivíduos forem credor e devedor entre si, suas obrigações estarão extintas, até onde se equivalerem.

Para melhor compreensão, Alexandre (2010, p.447) fornece um claro exemplo, veja:

“Assim, se ‘A’ deve a ‘B’ cem reais e ‘B’ deve a ‘A’ setenta reais, as obrigações são passíveis de compensação até setenta reais, de forma que a dívida de ‘B’ estará completamente extinta e a dívida de ‘A’ será parcialmente extinta, restando, tão somente, a parcela não compensada de trinta reais.”

 Em matéria tributária a compensação tem o mesmo alcance. A diferença principal é que a sujeito ativo na relação jurídico-tributária será sempre o Estado, através de seus entes federados ou pela Administração Indireta que age em seu nome.

A compensação tributária encontra respaldo no artigo 170 do Código Tributário Nacional, in verbis:

“A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.

Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento.”

Pela leitura do artigo supra, verifica-se que a compensação de créditos tributários opera-se entre créditos líquidos e certos do sujeito passivo para com a Fazenda Pública, podendo ser vencidos ou vincendos, diferentemente do Direito Civil, onde compensação de créditos se dá apenas entre créditos vencidos. Contudo, registre-se aqui, que apenas poderá ser vincendo o valor que a Fazenda Pública deve. O crédito tributário deve estar sempre vencido.

Caso o crédito tributário seja vincendo, necessário se faz proceder ao cálculo do seu atual valor, a fim de atualizá-lo à data da compensação. Neste pensar é que se aplica o parágrafo único do artigo 170 acima transcrito.

Outro ponto deveras importante de ser lembrado é que a compensação somente opera-se mediante lei. Sendo assim, necessário se faz a existência de uma lei que diga as condições para o processamento da compensação tributária. Neste sentido assevera Alexandre (2010, p.447):

“O dispositivo deixa claro que, em se tratando de crédito tributário, a compensação sempre depende da existência de lei que estipule as respectivas condições e garantias, ou que se delegue à autoridade administrativa o encargo de fazê-lo. Não é suficiente, portanto, a simples existência de reciprocidade de dívidas para que a compensação se imponha. Grifos não constantes no original.”

Em que pese as regras da compensação, ressalte-se que muitas vezes o sujeito passivo da obrigação tributária utiliza desse instituto quando, após ter pago determinado valor referente a determinado crédito tributário, entende ter sido tal valor pago indevidamente. Sendo assim utiliza a compensação do valor já pago com outros créditos tributários, a fim de fugir da demorada sistemática dos precatórios. (ALEXANDRE, 2010)

Machado explica (2009, p. 209):

“Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para efeito de compensação, que se apure o montante do crédito, não podendo determinar redução superior ao juro de 1% ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento.”

Noutra seara, o artigo 170-A do Código Tributário Nacional vincula a compensação de créditos tributários ao trânsito em julgado da decisão. Confira-se: “É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial”.

Por esse entender é que se deu a Súmula 212 do Superior Tribunal de Justiça proibindo a compensação tributária por intermédio de ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória. In verbis: “A compensação de créditos tributários não pode ser deferida em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória”.

Não obstante à súmula 212 do Superior Tribunal de Justiça, Machado (2009, p. 213) esboça um acertado pensamento quanto à concessão de medida liminar para a compensação tributária:

“O art. 170-A veda a compensação que o contribuinte eventualmente pretenda fazer apenas porque, considerando que pagou tributo indevido, ingresse em juízo para obter decisão confirmatória de seu entendimento, vale dizer, decisão considerando que efetivamente ocorreu um pagamento indevido. Não veda o deferimento de medida liminar autorizando a compensação.”

Contudo, embora acertado o pensamento acima transcrito a Lei 12.016, de 2009, que regula o Mandado de Segurança, sedimentou entendimento que não possível a compensação tributária por medida liminar. E o fez ao estatuir o artigo §2° do artigo 7°: “Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação tributária […]”.

E assim fez a lei 12.016, de 2009 em flagrante inconstitucionalidade, porquanto, não observou o princípio do acesso à justiça, tão pouco o devido processo legal. Ademais, reduziu o alcance da súmula 213 do Superior Tribunal de Justiça que atribui ao Mandado de Segurança a maneira de se perquirir a compensação tributária, conforme se verá adiante.

5 . A incontitucionalidade do §2° do artigo 7° da lei 12.016, de 2009 face ao direito à compensação tributária

A Lei 12.016 de 07 de agosto de 2009 veio como diploma regulador do Mandado de Segurança, remédio constitucional previsto no artigo 5° inciso LXIX da Constituição Republicana de 1988. A novel lei veio como substitutiva da lei 1.533 de 31 de dezembro de 1951.

O mandado de segurança, conforme dito é o remédio constitucional cabível para resguardar e assegurar direito líquido e certo não amparado por habeas corpus nem por habeas data.

A nova Lei que regula o mandado de segurança não trouxe muitas inovações legislativas, se preocupando, com demasia, em sedimentar entendimentos jurisprudenciais.

Foi neste sentido que a lei 12.016, de 2009 proibiu na primeira parte do §2° do artigo 7°, a concessão de medida liminar que tenha por objeto a compensação tributária.

“Art. 7°. Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:

 §2°. Não será concedida medida liminar que tenho por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza. Grifos não constantes no original.”

Conforme dito anteriormente, a compensação tributária é o instituto do Direito Público que tem por objeto a extinção de débitos quando sujeito ativo e sujeito passivo são, ao mesmo tempo, credor e devedor um do outro. Ademais, para que seja possível a compensação de créditos com a Fazenda Pública, necessário que se demonstre a certeza e a liquidez do crédito que se pretende extinguir.

Por assim ser, o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula 212 que proíbe a compensação tributária em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória, por entender que a demonstração de certeza e liquidez só existiria com o trânsito em julgado da ação, conforme assevera o artigo 170-A do Código Tributário Nacional.

Não obstante a isso, o Superior Tribunal de Justiça editou também a súmula 213 que deixa claro que o Mandado de Segurança é a ação correta para se requerer a compensação de tributos, veja: “O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária”.

Sendo assim, o legislador ao editar a primeira parte do §2° do artigo 7° da Lei 12.016, de 2009 agiu em flagrante inconstitucionalidade, já que a medida liminar é inerente ao mandado de segurança.

A medida liminar é uma medida de caráter cautelar que busca assegurar o direito do impetrante quando há risco deste direito se perder no tempo. Desta maneira, sempre que houver presente os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, deve ser deferida, pelo magistrado, medida liminar de caráter satisfativo, antecipatório ou cautelar.

Desta feita, o legislador ao editar a primeira parte do §2° do artigo 7° da Lei 12.016, de 2009 o fez em nítida inconstitucionalidade, pois não respeitou o princípio do acesso à justiça, ademais desrespeitou o pacto federativo no que tange à separação de poderes.

O acesso à justiça é o princípio de ordem constitucional que garante a todos os cidadãos ter sua demanda processada e julgada pelo Poder Judiciário. Ademais, tal princípio conduz o Estado Democrático de Direito a uma ordem jurídica justa, afastando assim, toda e qualquer hipótese de redução do acesso ao judiciário.

Nesse sentido, proibir a concessão de liminar para compensação tributária mitiga o direito constitucional do acesso à justiça do cidadão além de retirar do writ sua efetividade, confira-se os dizeres de Bueno (2009, p. 45):

“As previsões são todas, sem exceção, flagrantemente inconstitucionais, destoando, por completo, da ordem constitucional e do modelo por ela criado para o mandado de segurança, individual e coletivo. Impensável que a grandeza constitucional do mandado de segurança e sua aptidão para assegurar a fruição integral e in natura de bem da vida (o que decorre imediatamente do art. 5°, XXXV E LXIX, da Constituição Federal) sejam obstaculizadas, frustradas ou, quando menos, minimizadas por qualquer disposição infraconstitucional.” 

Assim, não se pode admitir, em hipótese alguma, que uma norma infraconstitucional mitigue uma garantia expressamente assegurada pela Carta Magna. Ou melhor, nem mesmo por norma constitucional de daria possível. Direitos e garantias constitucionais são cláusulas pétreas e não podem, nem mesmo pelo próprio texto constitucional, ter seu alcance reduzido. Veja:

“Aliás, nem mesmo por alteração constitucional isso seria possível, porque os direitos e garantias fundamentais são cláusulas pétreas, imunes, pois, a alterações até mesmo por parte do constituinte derivado (art. 60, §4°, IV, da Constituição Federal). (BUENO, 2009, p. 45).”

O trecho acima transcrito apenas evidencia o princípio da supremacia da constituição, mais um princípio basilar de um Estado Democrático de Direito. Por ele se tem a ideia de que todo o ordenamento jurídico deve estar plenamente de acordo com a Carta Magna. E de uma rápida leitura da primeira parte do §2º segundo do artigo 7º da lei 12.016, de 2009 verifica-se, com uma clareza palmar, que a norma não está de acordo com a Constituição Republicana.

E foi nesse sentido que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil impetrou uma Ação Direita de Inconstitucionalidade em detrimento de alguns artigos da Lei 12.016, de 2009, dentre eles o §2° do diploma legal. Confira-se texto da ADI 4.296, de 2009 no que tange a compensação tributária[2]:

“A legislação, portanto, já impunha exaustivas limitações legais, e tal previsão na Lei n° 12.016/09 inviabiliza o exame e ilegalidade pontuais sob aspectos que, no que toca à compensação, muitas vezes torna impraticável o exercício do direito assegurado, sendo necessário observar, todavia, que o mandado de segurança é instrumento de matriz constitucional, e a ele não se pode aplicar, por via de simples lei, restrição dessa ordem.

Não cabia ao legislador, como exsurge da redação do § 2° do art. 7°, primeira parte, excluir a possibilidade de concessão de liminar em mandado de segurança em matéria de compensação de créditos tributários, visto que a legislação e a jurisprudência se sedimentaram no sentido de tal possibilidade, desde que haja lei prevendo essa hipótese e o crédito se constitua por homologação.

Com delineado, o direito líquido e certo do impetrante salta aos olhos nas hipóteses já reconhecidas pela jurisprudência, notadamente se observado que nenhuma lesão ou ameaça a direito deixará de ser apreciada pelo Poder Judiciário. Conforme art. 5°, XXXV, CF/88.

O legislador, contudo, estabeleceu restrição desarrazoada e inconciliável com o remédio constitucional, cuja conseqüência prática mitiga a possibilidade de concessão de liminar e retira do ‘mandamus’ a máxima eficácia, incorrendo, pois, em manifesta vulneração aos artigos 2°, por ingerir na esfera do Poder Judiciário e quebrar o Princípio da Separação de Poderes, bem como por ofender a própria garantia fundamental do mandado de segurança e do acesso à jurisdição, na forma dos incisos XXXV e LXIX do art. 5°, da Carta Maior.

Imperioso, portanto, o reconhecimento da inconstitucionalidade do § 2° do art. 7°, primeira parte, da Lei n° 12.016/09, posto que amesquinhou a possibilidade de concessão de liminar e desconsiderou vasta e sedimentada jurisprudência a respeito do cabimento da segurança para fins de declaração do direito à compensação, daí a necessidade de suspender a eficácia do dispositivo.”

Conforme se vê da leitura da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.296, de 2009, a previsão legal da impossibilidade da concessão de liminar em mandado de segurança que tenha por objeto a compensação tributária é assente inconstitucional não podendo persistir no ordenamento jurídico brasileiro.

Saliente-se, por oportuno, que a inconstitucionalidade tratada aqui é de ordem material. Explica-se.

Ao se editar qualquer norma, o poder legislativo deve, precipuamente, verificar os dizeres constitucionais acerca do tema, não podendo assim, editar qualquer ditame que fira o texto constitucional.

Pois bem, em linhas gerais, a inconstitucionalidade pode ser de duas órbitas: formal e material.

Dá-se inconstitucionalidade formal quanto a forma de edição do diploma legal. A bem dizer, a Constituição Republicana de 1988 dita como deve ser o processo legislativo de cada norma. Assim, a própria Constituição elenca regras como competência, quorum etc.

Confira-se os ensinamentos de Bonavides (2007, p. 297):

“O controle formal, é por excelência, um controle estritamente jurídico. Confere ao órgão que o exerce a competência de examinar se as leis foram elaboradas de conformidade com a Constituição, se houve correta observância das formas estatuídas, se a regra normativa não fere uma competência deferida constitucionalmente a um dos poderes, enfim, se a obra do legislador ordinário não contravém preceitos constitucionais pertinentes à organização técnica dos poderes ou às relações horizontais e verticais desses poderes, bem como dos ordenamentos estatais respectivos, como sói acontecer nos sistemas de organização federativa do Estado.”

Assim, por exemplo, se um Deputado Federal faz uma proposta de uma lei ordinária tenente a criar algum cargo na Administração Pública, assente está sua inconstitucionalidade, porquanto, tal competência é privativa do Presidente da República, conforma dita o artigo 61, §1º, “a”, da Constituição Republicana de 1988. Outrossim, seria inconstitucional uma norma que foi aprovada com quorum de 1/3 quando deveria ter sido aprovada por um quorum  de 3/5.

Por outro lado, a inconstitucionalidade material é aquela que diz respeito ao conteúdo da norma. Nesse sentido Lenza (2010, p. 210) ensina:

“Por seu turno, o vício material (de conteúdo, substancial, ou doutrinário) diz respeito à “matéria”, ao conteúdo do ato normativo. Assim, aquele ato normativo que afrontar qualquer preceito ou princípio da Lei Maior deverá ser declarado inconstitucional, por possuir um vício material. Não nos interessa saber aqui o procedimento de elaboração da espécie normativa, mas, de fato, o seu conteúdo. Por exemplo, uma lei discriminatória que afronta o princípio da igualdade.”

Sendo assim, a norma ora em questão, traz em seu conteúdo flagrante inconstitucionalidade material. A uma, pois mitiga uma garantia de ordem constitucional e o pacto federativo; a duas, pois mitiga o princípio constitucional do acesso à justiça.

Noutra seara, a impossibilidade da concessão de liminar com a finalidade de compensar tributos ataca direitamente a órbita patrimonial do contribuinte. Para haver a possibilidade de compensação tributária deve o contribuinte dever ao Fisco assim como deve ser credor do Fisco. Assim, estando a Fazenda Pública a dever, o contribuinte vê seu patrimônio ficar retido violando ademais, a sua esfera patrimonial.

Ressalte-se que não há de se dizer que a violação existe pela falta de certeza e liquidez do crédito que o contribuinte pretende compensar. O direito líquido e certo já é inerente à ação constitucional do mandado de segurança. Ademais, não se pode questionar, outrossim, a ausência de danos ao contribuinte (periculum in mora).

Com efeito, por mais que ação do mandado de segurança seja, em sua exegese, rápida e célere, salta aos olhos de qualquer um que a máquina judiciária é, em demasia, lenta. E essa demora ataca como dito, o patrimônio do contribuinte que fica em detrimento do Estado, gerando, sem sombra de dúvidas, danos ao contribuinte.   É nesse sentido os dizeres de Wambier; Vasconcelos (2009, p.195):

“Estão expressamente previstos, então, na nova Lei do Mandado de Segurança (nos moldes da disciplina anterior), os pressupostos para a concessão da medida liminar. São eles, nas palavras de Teresa Arruda Alvim Wambier: ‘da relevância dos motivos em que se baseia o pedido; e da possibilidade de ocorrência de lesão irreparável ao direito do impetrante’. A autora citada, explica que o primeiro desses pressupostos não corresponde ao fumus boni iuris tal com se exige para a concessão das medias de natureza cautelar, porque a aparência do bom direito é exigível para a própria impetração do mandado de segurança. E, para que se possa lançar mão da ação constitucional, o direito líquido e certo deve ser demonstrável de plano, através de prova documental. Logo, quando o juiz constata a relevância dos fundamentos do pedido, ainda que em exame superficial, verifica que há mais do que mera plausibilidade. O segundo pressuposto, no entanto, é precisamente o periculum in mora. É o fundado receio de que, se não imediatamente concedida a medida pleiteada, danos irreparáveis possam ser causados ao impetrante. Pode-se dizer que, não raro a concessão da segurança de quase nada adianta ao impetrante se não for deferida liminarmente a medida.”

Portanto, dúvida não resta que proibição da concessão de medida liminar com o intuito de compensação tributária é inconstitucional, não condizente com os ditames de um Estado Democrático de Direito. E sedimentando esse entendimento, Wambier; Vasconcelos (2009, p. 195-196) diz:

“Por esses fundamentos é que acreditamos ser inconstitucional o art. 7º, §2º, da nova lei, que pura e simplesmente, sem qualquer ressalva, proíbe a concessão da liminar em mandado de segurança, violando flagrantemente o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV, CF/1988) e o próprio devido processo legal (art. 5º, LIV e LV, CF/1988) inerente à ação constitucional.”

6. Considerações finais

Por todo o exposto, verifica-se quão arbitrária é a vedação constante no §2° do artigo 7° da Lei 12.016, de 2009. A sociedade não pode ser permissiva a tal ponto e deixar que seu direito líquido e certo seja embaraçado.

Vive-se, hoje, em um Estado Democrático de Direito, cuja premissa maior é ter efetivado a soberania popular. Assim sendo, atitudes como a não concessão de liminar com a finalidade de se compensar tributos é arbitrária e incompatível com os princípios norteadores de um Estado Democrático.

Saliente-se que o conceito de compensação vem previsto no ordenamento jurídico desde o pretérito Código Civil de 1916 ao dizer que as obrigações serão extintas na maneira em que se compensarem sempre que duas pessoas forem ao mesmo tempo, credor e devedor uma da outra.

Nesse diapasão, o Código Realeano manteve o preceito em seu artigo 368 com dizeres semelhantes: “Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem”.

Em matéria tributária a compensação como modalidade de extinção de créditos tributários vem regularmente prevista nos artigos 156, II, 170 e 170-A, do Código Tributário Nacional, condicionando esta possibilidade, por natural, a créditos líquidos e certos, podendo ser vencidos ou vincendos.

Sendo assim, a compensação tributária se torna maneira efetiva e legítima de extinção de débitos dos contribuintes para com a Fazenda Pública. Contudo, muitas vezes, a Administração Pública impede que esses contribuintes façam jus a esta possibilidade.

Nesse sentido, quando surge essa impossibilidade, por vezes arbitrária, vê-se possível a figura do mandado de segurança, como meio garantidor à satisfação do bem jurídico tutelado. Desta feita, cumpre ao contribuinte, vendo seu direito violado, impetrar tal remédio constitucional, a fim de obstar a atitude temerária da Administração Pública. Todavia, na maioria das vezes, não pode o cidadão aguardar o trânsito em julgado da ação – que é extremamente moroso – pois corre o risco de o bem jurídico tutelado se perder no tempo. Assim, dá-se a figura da medida liminar.

É nesse sentido que se deve ver o parágrafo 2º do artigo 7º da Lei 12.016. A bem dizer, é inconstitucional a proibição de medida liminar em mandado de segurança que vise à compensação tributária. A uma, por ser garantia constitucional intrinsecamente contida no artigo 5º, XXXV e LV; a duas, por violar, nitidamente, o pacto republicano, já que, o Mandado de Segurança e a medida liminar a ele inerente constituem direitos e garantias fundamentais, portando, cláusulas pétreas não se admitindo óbice ou mitigação.

O constituinte originário ao prever o devido processo legal, quis que a todos fosse garantido o direito de ter suas pretensões avaliadas pelo Judiciário, e o fez ao estatuir que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”. De sorte, o devido processo legal assegura que ninguém deve ter seus direito restritos sem a observância de todos os preceitos legais.

Noutra esteira, o devido processo legal deve ser respeito, de igual forma, no processo legislativo. A lembrar o grande mestre Kelsen, todas as normas jurídicas devem, obrigatoriamente, respeitar uma hierarquia. A ser assim, no Estado Democrático de Direito, todo processo legislativo deve estar em conformidade com o a norma maior; deve estar em consonância com a Carta Magna.

Insta dizer então, que a Lei 12.016, em seu artigo 7º, §2º, constitui imensurável afronta à Constituição da República. Como já dito, o legislador infraconstitucional, ao estatuir a predita lei, não respeitou o devido processo legal, já que tal dispositivo viola o pacto republicano ao reduzir o alcance de um direito fundamental, além de violar preceitos fundamentais.

Com isso, a vedação à concessão de liminar em mandado de segurança para a compensação tributária não deve prevalecer por subsistir em total afronta a princípios e preceitos da Carta Republicana de 1988, além de violar o dever maior do Estado, qual seja, a satisfação do bem social.

Referências
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Notas:
[1] SANTOS, Roberto Ignácio dos; PEREIRA, Hylton. Manual do Mandado de Segurança. 2 ed. rev. e atual. Disponível em <http://www.cjf.jus.br/download/manual1.pdf> Acesso em 16.10.2011

[2]FEDERAL, Supremo Tribunal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.296, de 2009. Impetrante: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Impetrado: Câmara dos Deputados; Senado Federal; Presidente da República. Relator: Ministro Marco Aurélio. Brasília, 2009. Disponível em www.stj.jus.br. Acesso em 08.10.2011


Informações Sobre o Autor

Ramon Gonçalves Rocha

Graduado em Direito. Advogado. Pós-Graduando em Direito Tributário pela PUC/MG. Membro da Associação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT-Jovem. Diretor da Associação Mineira de Direito do Estado – AMIDE


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