A regra-matriz de incidência tributária e o imposto sobre serviços – ISS

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Resumo: O presente trabalho destina-se a analisar, à luz da teoria da regra-matriz de incidência tributária, os aspectos constitucionais e legais do imposto sobre serviços – ISS, bem como traçar seus requisitos mínimos de conformidade com o direito positivo. A pesquisa abrangerá também a análise dos serviços descritos na Lei Complementar n. 116/2003 para efeito de lançamento e aferição de decadência e ainda sobre às práticas administrativas de fiscalização e gestação tributária.

Palavras-chave: Regra-matriz de incidência tributária. Imposto sobre serviços. Lei Complementar n. 116/2003. Lançamento tributário. Decadência.

Abstract: This paper aims to analyze the constitutional and legal aspects of the tax on services (ISS), as well as to outline its minimum requirements for compliance with positive law, in the light of the tax incidence matrix rule theory. The research will also cover the analysis of the services described in Complementary Law n. 116/2003 for the purpose of launching and assessing decay, as well as on the administrative practices of fiscalization and tax gestation.

Keywords: Matrix-rule of tax incidence. Tax service. Complementary Law n. 116/2003. Tax assessment. Decay.

Sumário: Introdução. 1. Direito positivo e ciência do direito. 1.1 A interpretação do direito. 1.2 Incidência e aplicação do direito. 1.3 Regras de comportamento e regras de estrutura. 1.4 A norma jurídica completa. 2. A regra-matriz de incidência tributária. 2.1 Origem e estrutura. 2.2 Antecedente da norma. 2.2.1 Critério material. 2.2.2 Critério espacial. 2.2.3 Critério temporal. 2.3 Consequente. 2.3.1 Critério pessoal. 2.3.2 Critério quantitativo. 2.4 Síntese teórica e prática da regra-matriz de incidência tributária. 3. A regra-matriz de incidência tributária do ISS. 3.1 Análise logico-semântica de serviço. 3.2 Análise pragmática de serviço. 3.3 Critérios da hipótese. 3.3.1 A materialidade do ISS. 3.3.1.1 A taxatividade da lista de serviços. 3.3.2 O critério espacial e a territorialidade. 3.3.2.1 Serviços prestados no exterior. 3.3.3 O aspecto temporal. 3.4 Critérios do consequente. 3.4.1 O critério pessoal. 3.4.2 O critério quantitativo. 4. Questões controvertidas sobre o ISS no tempo. 4.1 O problema do ISS Habite-se. 4.2 Serviços fracionáveis. 4.3 Antecipação do aspecto temporal. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

O ISS ou Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), tal como estabelecido no inciso III do artigo 156 da Constituição Federal de 1988, é de competência dos Municípios e tem sua definição condicionada à Lei Complementar, no caso, a Lei Complementar n. 116, de 11 de julho de 2003.

Não só o estudo do direito positivo delimita as regras do direito tributário. Em termos de regra-matriz de incidência tributária, a linguagem será, sobretudo, o ponto fulcral para o processo de construção do direito, porquanto constitutiva da própria realidade, a qual o direito positivo encontra-se também inserido.

Desta feita, antes de serem traçadas as estruturas básicas da regra-matriz de incidência tributária do ISS (norma em sentido estrito), é fundamental a análise de seus elementos de modo neutro, isto é, como norma geral e abstrata do direito, bem como às premissas que levam a esta construção.

Somente assim será possível aferir com maior exatidão os limites da constitucionalidade e legalidade das normas positivas tributárias, principalmente, daquelas instituidoras de tributos.

1. Direito positivo e ciência do direito.

Da análise da obra do professor Paulo de Barros Carvalho: Curso de direito tributário, o estudioso do direito depara-se com o tema inicial “Direito positivo e Ciência do direito”, indicando como premissa a necessidade de divisão do direito posto da construção do direito pela linguagem. Assim, muito bem observa o autor que:

“Muita diferença existe entre a realidade do direito positivo e a da Ciência do direito. São dois mundos que não se confundem, apresentando peculiaridades tais que nos levam a uma consideração própria e exclusiva. São dois corpos de linguagem, cada qual portador de um tipo de organização lógica e de funções semânticas e pragmáticas diversas” (2012, p. 33).

Neste contexto, Paulo de Barros Carvalho menciona que direito positivo é o “complexo de normas jurídicas válidas num dado país.”, ao passo que à ciência do direito representa a tarefa de descrever esse plexo normativo, organizando-o, ordenando sua hierarquia, interpretando os sentidos dos enunciados prescritivos, para extrair os conteúdos de significação (2012, p. 34).

Hans Kelsen, já observava que “(…) as manifestações por meio das quais a Ciência Jurídica descreve o direito, não devem ser confundidas com as normas criadas pelas autoridades legislativas, dado que estas são prescritivas, enquanto aquelas são descritivas”. (2006, p. 64).

Nesses termos, o direito, como ciência, seria produto de um trabalho descritivo, uma vez que utiliza a linguagem adequada para transmitir conhecimentos e informações de como são as normas aplicadas na realidade jurídica intersubjetiva, ao passo que o direito posto teria uma linguagem prescritiva, porquanto prescreve regras de comportamento.

Paulo de Barros Carvalho, ainda observa outro traço que separam as duas linguagens, qual seja: a lógica. Explica o autor que o direito positivo busca a lógica deôntica, isto é, a lógica do dever-ser (lógica das normas), por sua vez, a ciência do direito trabalha com a lógica apofântica, a lógica alética dos enunciados verdadeiros ou falsos.

No entanto, a manifestação do direito sempre terá a linguagem como veículo de expressão. Clarice von Oertzen de Araújo observa que: “O direito é apenas uma das formas sociais institucionais que se manifesta através da linguagem, a qual possibilita e proporciona a sua existência.” (2005, p. 19).

Outro não é o entendimento de Fabiana Del Padre Tomé, segundo o qual: “É a linguagem que cria a realidade. Só se conhece algo porque o ser humano o constrói por meio de sua linguagem.” (2011, p. 38).

Dessa forma, para o direito a linguagem também é pressuposto de existência. É instrumento inseparável, seja no âmbito prescritivo, seja no âmbito descritivo (interpretativo). Nada se manifesta senão por intermédio de uma linguagem devidamente estruturada.

1.1 A interpretação do direito.

Fincadas as premissas de que o direito positivo é um corpo de linguagem prescritivo, organizado para disciplinar as relações intersubjetivas em sociedade, e que a ciência do direito é instrumento linguístico a extrair os significados prescritivos, torna-se fundamental a análise da interpretação do direito.

Ensina Paulo de Barros Carvalho, que a aplicação do direito pressupõe a interpretação, entendido como “(…) a atividade intelectual que se desenvolve à luz de princípios hermenêuticos, com a finalidade de construir o conteúdo, o sentido e o alcance das regras jurídicas.” (2012, p. 128).

No entanto, o conceito de interpretação precisa adequar-se aos novos paradigmas trazidos pela filosofia da linguagem e da semiótica. O professor Paulo de Barros Carvalho esclarece que:

Segundo os padrões da moderna Ciência da Interpretação, o sujeito do conhecimento não ‘extrai’ ou ‘descobre’ o sentido que se achava oculto no texto. Ele constrói em função de sua ideologia e, principalmente, dentro dos limites de seu mundo, vale dizer, do seu universo de linguagem.” (2013, p. 197).

A tradição hermenêutica encabeçada por Carlos Maximiliano, associava a interpretação a atividade de extrair da frase ou texto tudo o que nele contivesse, como se existisse um conteúdo próprio a cada termo.

Assim, o trabalho de intérprete limitava-se em encontrar a significação preexistente no texto, extraindo dele o sentido que existia, como se este fosse algo dado, mas escondido ou implícito.

Entretanto, acompanhando as lições do professor Paulo de Barros Carvalho, Aurora Tomazini de Carvalho, observa que:

O sentido não está no texto (aqui considerado na acepção estrita), como algo a ser descoberto ou extraído pelo intérprete. Não há um sentido próprio (verdadeiro) para cada palavra, expressão ao frase. Ele é construído por meio de um ato de valoração do intérprete. (…). A significação não está atrelada ao signo (suporte físico) como algo inerente a sua natureza, ela é atribuída pelo intérprete e condicionada as suas tradições culturais.” (2013, p. 224-225).

Nesses termos, podemos afirmar que o texto é significativo, mas não contém, em si mesmo, significações (conteúdo). As significações são construídas na mente daquele que interpreta o suporte físico (o texto).

1.2 Incidência e aplicação do direito.

Vimos que, tanto a realidade social, quanto o sistema do direito positivo são constituídos pela linguagem.

Tampouco, o direito dispõe de normas individuais e concretas para regular cada caso em específico. Na verdade, o ordenamento jurídico dispõe de um aparato de normas gerais e abstratas que a partir delas possam ser criadas outras normas (individuais e concretas) para serem aplicadas diretamente aos indivíduos. Fala-se, então, em aplicação do direito.

Tárek Moysés Moussallem, menciona que o direito positivo é um sistema auto-referente, na medida em que só permite o ingresso dos fatos do mundo exterior quando estes estiverem descritos nas hipóteses normativas. (2006, p. 96).

É como notavelmente ensina Lourival Vilanova: “O fato se torna fato jurídico porque ingressa no universo do direito através da porta aberta que é a hipótese.” (2005, p. 89). Dessa forma, o evento, como acontecimento puro, não ingressa no sistema do direito positivo por carecer de linguagem.

O professor Paulo de Barros Carvalho traz em sua obra, Direito tributário: Fundamentos jurídicos da incidência, um simples e grandioso exemplo para ajudar na compreensão da fenomenologia da incidência:

“Pensemos num exemplo singelo: nasce uma criança. Isto é um evento. Os pais, entretanto, contam aos seus vizinhos, relatam os pormenores aos amigos e escrevem aos parentes de fora para dar-lhes a notícia. Aquele evento, por força dessas manifestações de linguagem, adquiriu também as proporções de um fato, num de seus aspectos, fato social. Mas não houve o fato jurídico correspondente. A ordem jurídica, até agora ao menos, não registrou o aparecimento de uma nova pessoa, centro de imputação de direito e deveres. A constituição jurídica desse fato vai ocorrer quando os pais ou responsáveis comparecerem ao cartório de registro civil e prestarem declarações. O oficial do cartório expedirá norma jurídica, em que o antecedente é o fato jurídico do nascimento, na conformidade das declarações prestadas, e o consequente é a prescrição de relações jurídicas em que o recém-nascido aparece como titular dos direitos subjetivos fundamentais (ao nome, à integridade física, à liberdade, etc.), oponíveis a todos os demais da sociedade.” (2012, p. 145-146).

Por sua vez, falar em aplicação seria o mesmo que falar em incidência, pois a norma jurídica não incide sozinha. Para produzir efeitos concretos ela precisa ser aplicada por alguém. Portanto, a incidência não seria automática e infalível. Caso contrário, seria entender que a norma não precisa de interpretação.

Quanto a isso, Aurora Tomazini de Carvalho observa que a aplicação da norma jurídica requer a presença de uma pessoa, de um ente competente, ou seja, alguém que o próprio sistema elege como pessoa apta para, a partir de normas gerais e abstratas, produzir normas individuais e concretas. (2013, p. 439).

Esta atividade nada mais é que a subsunção da norma ao fato ocorrido, tornando-o jurídico com produção de efeitos.

Pelas lições de Paulo de Barros Carvalho: “não é o texto normativo que incide sobre o fato social, tornando-o jurídico. É o ser humano que, buscando fundamento de validade em norma geral e abstrata, constrói a norma individual e concreta.” (1998, p. 145). Com base nisso, traz o autor o conceito de fato jurídico tributário como sendo: “O enunciado protocolar denotativo, posto na posição sintática de antecedente de uma norma individual e concreta, emitido, portanto, com função prescritiva, num determinado ponto do processo de positivação do direito.” (CARVALHO, 2012, p. 176).

Ainda adverte o nobre autor que: “uma coisa é o marco de tempo em que uma norma, individual e concreta, entra no sistema do direito posto; outra, a data que o enunciado registra como da realização do acontecimento.” (CARVALHO, 2012, p. 176).

Nesse contexto, haverá subsunção quando o fato (fato jurídico tributário), constituído pela linguagem prescrita pelo direito positivo guardar absoluta identidade com o texto normativo da hipótese (hipótese tributária).

Para Gabriel Ivo, a ideia de incidência automática e infalível levaria a neutralidade do aplicador. A incidência teria sempre o sentido que o homem lhe der. Desse modo, a norma não incidiria por força própria, ela seria incidida (2006, p. 62).

1.3 Regras de comportamento e regras de estrutura.

Para que o direito posto possa realizar seu fim de regular o comportamento das pessoas, ele necessita de regras que devem estabelecer direta ou indiretamente a conduta humana.

Paulo de Barros Carvalho, aponta a existência de dois tipos de normas jurídicas no ordenamento do direito positivo: as regras de comportamento, relacionadas a conduta das pessoas e suas relações intersubjetivas; e as regras de estrutura, aquelas voltadas a criação de órgãos, procedimentos e de que maneira as normas deveriam ser criadas, modificadas ou retiradas do sistema. (2012, p. 317).

O sistema do direito positivo é tido como deôntico, porquanto as normas jurídicas expressam-se por intermédio do conectivo dever-ser, representado em uma permissão, obrigação ou proibição.

Quanto às regras de estrutura, a relação com o deôntico reside na dependência da edição de uma outra norma regulamentadora, fazendo assim surgir a relação de intersubjetividade entre os entes.

Assim sendo, a regra-matriz de incidência tributária é, por excelência, uma regra de comportamento, preordenada a disciplinar a conduta do sujeito devedor da prestação fiscal perante o pretenso titular do direito ao crédito.

1.4 A norma jurídica completa.

Para falar de norma jurídica completa é preciso explicar o significado da locução unidade irredutível de manifestação do deôntico, uma vez que os comandos jurídicos prescritivos para terem sentido a seus destinatários devem possuir uma estrutura formal mínima e necessária.

Para o professor Paulo de Barros Carvalho, a norma jurídica completa é composta por uma única norma, mas com feição dúplice, contendo, assim, uma norma primária e uma norma secundária. A norma primária seria aquela que vincula a ocorrência de um fato social ou natural a uma consequência normativa. Prescreve um dever-ser, representado numa relação de obrigação, permissão ou proibição entre os sujeitos de direito. Já a norma secundária é a que prescreve uma providência sancionatória. (2012, p. 56).

“Tanto na primária como na secundária a estrutura é uma só [D(càq)]. Varia tão somente o lado semântico, porque na norma secundária o antecedente aponta, necessariamente, para um comportamento violador de dever previsto na tese de norma primária, ao passo que o consequente prescreve relação jurídica em que o sujeito ativo é o mesmo, mas agora o Estado, exercitando sua função jurisdicional, passa a ocupar a posição de sujeito passivo.” (CARVALHO, 2012, p. 56).

Nesse passo, às fórmulas proposicionais que melhor compõem a norma jurídica completa são: D[(pàq) v [(p.-q)S], onde “D” representa o dever-ser contido na norma; “p” é a ocorrência do fato jurídico; “à” o operador implacacional; e “q” o consequente, representado pelo surgimento da relação jurídica; “v” como disjuntor includente, em que ambas as regras são válidas, mas a aplicação de uma exclui a da outra, havendo então a necessidade de um conectivo conjuntor, representado pelo “.”; que, por exclusão, poderá fazer aplicar a norma sancionadora “S”.

Com isso, somente uma norma jurídica, tomada em sua integralidade constitutiva (como unidade mínima e irredutível do deôntico), terá o condão de expressar o sentido dos mandamentos da autoridade que legisla, cumprindo efetivamente com a mensagem deôntica nela insculpida.

Ainda, alerta Maria Rita Ferragut que:

“Nem sempre as significações construídas a partir de um único artigo de lei são suficientes para compor a norma jurídica, unidade mínima irredutível do deôntico (…). Para isso, o intérprete deverá socorrer-se de diversos textos de lei (suportes físicos), podendo o mesmo artigo, a seu turno, gerar tantas significações quantos forem o número de intérpretes, pois a norma não está no texto escrito, mas no juízo provocado no espírito do intérprete.” (2001, p.20).

Desta feita, a norma jurídica que não ostentar a estrutura sancionatória necessária será apenas uma norma de significação com o sentido do dever-ser incompleto, diferentemente da norma jurídica construída pelo intérprete e organizada em uma estrutura hipotético-condicional, com a associação de duas ou mais proposições prescritivas.

2. A regra-matriz de incidência tributária.

A partir deste ponto fica claro observar que toda norma jurídica deve possuir uma estrutura capaz de proporcionar a geração de sentidos e de veicular um comando prescritivo. Segundo Aurora Tomazini de Carvalho:

“Todas as regras do sistema têm idêntica esquematização formal: uma proposição-hipótese “H”, descritora de um fato (f) que, se verificado no campo da realidade social, implicará como proposição-consequente “C”, uma relação jurídica entre dos sujeitos (S’ R S’’), modalizada com um dos operadores deônticos (O, P, V). Nenhuma norma foge a esta estrutura, seja civil, comercial, penal, tributária, administrativa, constitucional, processual, porque sem ela a mensagem prescritiva é incompreensível.” (2013, p. 289).

Assim, todo ordenamento jurídico apresenta-se sob uma mesma estrutura: a hipótese e o consequente. O que muda é a variação de seus conteúdos: as significações, que podem mudar de acordo com a matéria eleita pelo legislador ou conforme os valores do interpretador inserido na sociedade.

Com o tempo, novos enunciados surgem, outros são retirados do sistema, as interpretações modificam-se, os valores sociais alteram-se, mas a forma normativa não se altera. Diante disto, Aurora Tomazini de Carvalho afirma que o direito positivo é um sistema sintaticamente homogêneo e semanticamente heterogêneo. (2013, p. 289).

Logo, a norma jurídica tributária em sentido estrito é aquela que define a incidência fiscal, isto é, a regra que institui o tributo. Como tal, sua construção é feita pelo intérprete que, a partir do texto da lei (suporte físico), constrói a significação de cada enunciado prescritivo (planos dos significados), para, assim, reunir essas significações, estruturando-as em juízos hipotético-condicionais (mínimos deônticos completos).

Observa Paulo de Barros Carvalho, que as demais normas que versam sobre o direito tributário, como àquelas que veiculam deveres instrumentais, são chamadas de normas tributárias em sentido amplo. (2012, p. 297).

Como a norma jurídica que define a incidência tributária situa-se entre as normas gerais e abstratas, a regra-matriz de incidência aqui também se enquadra, pois não se identifica na sua hipótese a descrição de um evento já ocorrido ou especificado em certo espaço.

Explica Aurora Tomazini de Carvalho que na expressão “regra-matriz de incidência”, o termo “regra” é empregado como sinônimo de norma jurídica, porque trata-se de uma construção do intérprete, feita a partir do contato com os textos legislativos. O termo “matriz” é empregado como sendo um modelo padrão sintático-semântico na produção da linguagem jurídica. E “incidência”, porque se refere a norma a ser aplicada. (2013, p. 380).

2.1 Origem e estrutura.

O surgimento da regra-matriz de incidência tributária deu-se nos anos 60 (sessenta), na ocasião da apresentação de defesa da tese de doutoramento do professor Paulo de Barros Carvalho, denominada “Teoria da norma tributária”, amparada em sólidos fundamentos da teoria geral do direito e da filosofia jurídica. (CARVALHO, 2014, p. 299).

Em virtude do diálogo feito entre a ciência do direito e o direito positivo, e principalmente, em razão do estreito contato com os trabalhos de Lourival Vilanova, a teoria da regra-matriz foi aperfeiçoada, consolidando-se no movimento ideológico conhecido como: Construtivismo Lógico-Semântico, que também toma o direito como linguagem, mas o analisa em sua integralidade, isto é, em seus aspectos sintático (lógico), semântico e pragmático (CARVALHO, 2014, p. 301).

Com isso, a técnica interpretativa de compreensão da estrutura mínima da norma jurídica tributária, por intermédio da regra-matriz, foi muito bem recebida pelos juristas, responsáveis até hoje pelo aprimoramento no campo prático e teórico.

Dessa forma, como norma jurídica ampla e abstrata, a regra-matriz de incidência tributária é composta pelas seguintes estruturas: um antecedente (hipótese), que descreve um comportamento; um dever-ser, que a vincula a um consequente, este responsável por estabelecer uma relação entre fisco e contribuinte (obrigação tributária). (CARVALHO, 2012, p. 298).

Assim sendo, a hipótese sempre estará aludindo a um fato e a consequência à prescrição dos efeitos jurídicos que o evento vier a deflagrar, razão pela qual se fala em descritor para o antecedente e prescritor para o consequente.

Com efeito, tem-se na hipótese um elemento (critério) material, representado por um comportamento humano, condicionado no tempo (critério temporal) e no espaço (critério espacial). Por sua vez, na consequência existe um critério pessoal (sujeito ativo e passivo) e um critério quantitativo (base de cálculo e alíquota). E é na junção de todos esses elementos que a obrigação tributária, núcleo-estrutural da norma, poderá ser exigida. (CARVALHO, 2012, p. 298-299).

2.2. Antecedente da norma.

Como tratado no tópico acima, a regra-matriz de incidência aparece como uma norma de estrutura lógico-semântica, composta inicialmente por um antecedente que descreve um comportamento juridicamente relevante, construído pela vontade do legislador, tornando-o fato jurídico.

O legislador ao escolher esses acontecimentos relevantes como causa para o desencadeamento de efeitos jurídicos, seleciona os fatos e também as relações a serem estabelecidas e os normatizam: a primeira como hipótese e a segunda como consequente.

E foi considerando que todo fato refere-se a um acontecimento (ação), num dado espaço e tempo, que o professor Paulo de Barros Carvalho elegeu 3 (três) critérios identificadores da hipótese de incidência: a) critério material, b) critério espacial, e c) critério temporal. (2012, p. 298-299).

Portanto, tais critérios foram selecionados com a finalidade trazer as informações mínimas e necessárias para a identificação de um fato jurídico tributário.

2.2.1. Critério material.

Não restam dúvidas que a hipótese descreve um comportamento humano condicionado no tempo e no espaço. Agora, o exercício de abstração, que retira o núcleo do verbo (ação) desse comportamento, é que confere o critério material.

Assim, o critério material nada mais é que “a expressão, ou enunciado, da hipótese que delimita o núcleo do acontecimento a ser promovido à categoria de fato jurídico.” (CARVALHO, 2013, p. 386).

Fala-se ainda que este núcleo do critério material (verbo) é pessoal, posto que os fatos que interessam para o direito são necessariamente aqueles que envolvem pessoas. (CARVALHO, 2013, p. 389).

Por isso mesmo, Geraldo Ataliba, enfatizava que o fato de o verbo ser pessoal faz dispensar a necessidade de um critério pessoal no enunciado da hipótese de incidência tributária. (2012, p. 82). Para Alfredo Augusto Becker, “a realização da hipótese de incidência está sempre ligada a alguém, entretanto, esta ligação (que não necessita ser social, podendo ser de natureza física ou psicológica ou de proximidade etc.) não é relação jurídica.” (2007, p. 300).

2.2.2. Critério espacial.

O critério espacial é a “expressão, ou enunciado, da hipótese que delimita o local que o evento, a ser promovido à categoria de fato jurídico, deve ocorrer.” (CARVALHO, 2013, p. 392).

Paulo de Barros Carvalho explica que existem diferentes níveis de elaboração de coordenadas de espaço, dividindo o critério espacial em: a) pontual: quando faz menção a determinado local para a ocorrência do fato; b) regional: quando se refere a áreas específicas, de tal sorte que o acontecimento apenas ocorrerá se dentro delas estiver geograficamente contido; e c) territorial: quando amplo, onde todo e qualquer fato, que se suceda sob o manto do território da lei, estará apto a desencadear seus efeitos peculiares. (2012, p. 329).

 

Desse modo, a título exemplificativo, poderíamos citar os impostos que gravam o comércio exterior como o imposto de importação e o de exportação como pontuais. Já os que incidem sobre bens imóveis, como o IPTU e o ITR, sendo regionais, e os demais tributos estariam no abrigo do subcritério territorial.

Interessante é o caso do imposto de renda da pessoa física, uma vez que a norma jurídica tributária alcança também os acontecimentos ocorridos fora do território nacional, pois se algum residente brasileiro auferir renda no exterior, estará sujeito ao pagamento do imposto no Brasil.

No entanto, Aurora Tomazini de Carvalho, observa para este caso que a territorialidade não está atrelada ao aspecto espacial, e sim pelo critério pessoal (do consequente normativo) na expressão “residente”. Dessa forma, classifica a autora tratar-se de um critério espacial universal. (2013, p. 396).

2.2.3. Critério temporal.

O critério temporal apresenta-se como um feixe de informações contidas na hipótese normativa que permite identificar, com exatidão, o momento da ocorrência do evento a ser promovido a fato jurídico. (CARVALHO, 2013, p. 398)[1].

Este momento poderá ser, por exemplo, o primeiro dia do exercício financeiro, no caso do IPTU, do ITR e do IPVA; o exato momento da saída da mercadoria nas operações mercantis, no caso do ICMS; ou o momento da morte da pessoa natural, no caso do ITCMD.

E como bem observa o professor Roque Antonio Carrazza: “Este momento não deve ser confundido com o prazo de recolhimento do tributo, que é o estipulado em lei, para que o contribuinte efetue o voluntário pagamento da exação.” (2010, p. 75).

Veja-se tratar de um importante elemento normativo, sem o qual não se pode precisar o exato momento da ocorrência da hipótese tributária, abrindo-se aos sujeitos da relação o exaro conhecimento de seus direitos e obrigações. Assim, o critério temporal é determinante para completar o antecedente normativo.

Mas toda ação, por mais simples que possa parecer, exige uma série de atos ou desmembra-se em várias outras ações, o que levou o legislador a eleger um marco temporal, como por exemplo: o último dia do mês; noventa dias após a notificação; ou ainda escolher fatores de ação, como por exemplo: saída da mercadoria.

Dadas essas considerações, a professora Aurora Tomazini de Carvalho chama atenção para o cuidado de não confundir os fatores de ação do critério temporal com o próprio critério material, uma vez que ambos sinalizam uma ação em si. (2013, p. 399).

Paulo de Barros Carvalho menciona uma série de exemplos desse equívoco entre o critério temporal e o critério material, quando envolve fatores de ação dos impostos de importação e exportação, do IPI e do ICMS:

“A pretexto de mencionarem o fato, separam um instante, ainda que o momento escolhido se contenha na própria exteriorização da ocorrência. Não passa, contudo, de uma unidade de tempo, que se manifesta, ora pela entrada de produto estrangeiro no território nacional (Imposto de Importação), ora pela saída (Imposto de Exportação); já pelo desembaraço aduaneiro, já por deixar o produto industrializado o estabelecimento industrial ou equiparado, ou pelo ato de arrematação, tratando-se daqueles apreendidos ou abandonados e levados a leilão (IPI), já pela saída de mercadorias dos estabelecimentos.” (2012, p. 334).

Imperioso lembrar que o critério temporal não demarca o instante do nascimento do vínculo obrigacional. Este como elemento delimitador da hipótese, apenas aponta para a realidade social, com única função de identificar o exato momento em que se considera ocorrido o fato a ser elevado ao patamar de jurídico. Dessa forma, enquanto não vertido em linguagem competente nenhum efeito produzirá no ordenamento jurídico.

Nesse mister, Aurora Tomazini de Carvalho, brilhantemente, identifica 2 (duas) funções ao critério temporal: uma indireta, que é a identificação precisa do momento da ocorrência do evento relevante para o direito; outra indireta, quando visa identificar o momento da ocorrência do fato jurídico para determinar quais regras jurídicas vigentes serão aplicadas (2013, p. 403), como por exemplo, as regras de decadência.

2.3. Consequente.

Se na hipótese, o legislador busca enunciar critérios que identifiquem um fato jurídico tributário, no consequente, ele seleciona os elementos que devem conter para às relações intersubjetivas relacionadas a este fato.

“Ao preceituar a conduta, fazendo irromper direitos subjetivos e deveres jurídicos correlatos, o consequente normativo desenha a previsão de uma relação jurídica, que se instala, automática e infalivelmente, assim que se concretize o fato.” (CARVALHO, 2012, p. 353).

Desse modo, 2 (dois) critérios são indicados para identificar nascimento da relação jurídica: a) critério pessoal, e b) critério quantitativo. Sem eles, o prescritor da norma jurídica não consegue identificar os sujeitos da relação, e muito menos mensurar o tamanho da obrigação.

Para a teoria geral do direito, relação jurídica é definida como: “ O vínculo abstrato, segundo o qual, por força da imputação normativa, uma pessoa, chamada sujeito ativo, tem o direito subjetivo de exigir de outra, denominada sujeito passivo, o cumprimento de certa prestação.” (CARVALHO, 2012, p. 354-355).

Neste ponto, é importante também observar que no campo das prescrições normativas, relacionadas ao direito tributário, encontram-se dois tipos de relações jurídicas: uma de caráter estritamente patrimonial, e outra, relacionada aos deveres exigidos pela administração pública.

Estas últimas, são melhor denominadas de “deveres instrumentais” (ou formais) (CARVALHO, 2012, p. 360), pois as tradicionais “obrigações acessórias” não indicam sintaticamente os elementos caracterizadores dos laços obrigacionais, como se fosse impossível transformá-las em obrigações pecuniárias.

Nos ensinamento do professor Paulo de Barros Carvalho: “São liames concebidos para produzirem o aparecimento de deveres jurídicos, que os súditos do Estado hão de observar, no sentido de imprimir efeitos práticos à percepção dos tributos.” (2012, p. 360). No campo tributário, são os deveres relacionados à escrituração de livros, apresentação de declarações de rendimentos, de emitir notas fiscais, colaborar com as fiscalizações, manter dados à disposição das autoridades, tudo no intuito de proporcionar ao Estado a verificação do adequado cumprimento da obrigação tributária (principal).

2.3.1. Critério pessoal.

Em termos gerais, o critério pessoal refere-se aos integrantes da relação jurídica obrigacional tributária, ou seja, o sujeito ativo e o sujeito passivo.

Para a professora Aurora Tomazini de Carvalho, é “o feixe de informações contidas no consequente normativo que nos permite identificar, com exatidão, os sujeitos da relação jurídica a ser instaurada quando da constituição do fato jurídico.” (2013, p. 406.

Essas informações contidas no consequente normativo são fundamentais para o sistema jurídico, pois o único meio que o sistema dispõe para prescrever condutas é estabelecendo relações entre os sujeitos em relação ao objeto.

Nesse contexto, as informações contidas no texto legislativo, que identificam o indivíduo a quem é conferido o direito de exigir o cumprimento da conduta prescrita, são utilizadas na composição normativa na posição de sujeito ativo (titular do direito subjetivo), ao passo, que as notas remetem ao indivíduo a quem é conferido o dever de realizá-la, são empregadas na composição do sujeito passivo (portador do dever jurídico).

Quanto ao números de sujeitos, o legislador pode eleger mais de um indivíduo para compor um dos polos da relação, como no caso de responsabilidade solidária (ativa ou passiva), ou ainda, para garantir o cumprimento da obrigação tributária, pode eleger outras pessoas, instituindo a chamada responsabilidade subsidiária.

Nestes casos, explica Aurora Tomazini de Carvalho que não se justifica a necessidade do sujeito, posto na posição ativa ou passiva de determinada relação jurídica, integrar diretamente a ocorrência típica que deu causa ao vínculo jurídico obrigacional. Haveria sim a necessidade de guardar relação com o fato que o colocou na condição de responsável, substituto ou sucessor. (2013, p. 412).

Seja como for, para traçar os contornos da incidência, o intérprete deve estar atento a todas essas nuanças do legislador, para poder identificar, com precisão, quem são os sujeitos ocupantes do polo ativo e passivo da relação.

2.3.2. Critério quantitativo.

Seguindo a lógica normativa estabelecida, o critério quantitativo é aquele que recai sobre o objeto dos direitos e deveres da relação jurídica tributária, relevando o seu caráter patrimonial (econômico) expresso em pecúnia, observando o conceito legal de tributo esculpido no artigo 3º, do Código Tributário Nacional. É ele quem estabelece os elementos necessários para a quantificação do tributo.

Logo o critério quantitativo do consequente da norma jurídica tributária deve ser representado por elementos mensuráveis, como, por exemplo, a base de cálculo e a alíquota. Assim, podemos conceituar o critério quantitativo como sendo o grupo de informações que o intérprete obtém da leitura da norma geral e abstrata, e que lhe permite precisar a exata quantia devida do tributo. (2012, p. 396).

A alíquota, dentro do ordenamento tributário brasileiro, é matéria submetida à reserva legal, integrando a estrutura da regra-matriz de incidência tributária. Congregada à base de cálculo, dá a mensuração numérica da dívida a ser exigida do sujeito passivo, em cumprimento da obrigação que nascera pela ocorrência do fato jurídico tributário.

Por sua vez, muito se fala no termo tributos fixos, onde o valor do crédito tributário já viria determinado nas expressões da lei, dispensando maiores esforços de interpretação, mostrando aos interessados um valor pré-estipulado, mesmo antes da ocorrência do fato jurídico tributário.

Quanto a isso, Paulo de Barros Carvalho menciona, a título de exemplo, o ISS e a maioria das taxas, apontando, inclusive, uma inconstitucionalidade dessas normas ante o caráter definitivo e invariável. (2012, p. 397). E enfatiza:

“Temos para nós que a base de cálculo é a grandeza instituída na consequência da regra-matriz de incidência tributária, e que se destina, primordialmente, a dimensionar a intensidade do comportamento inserido no núcleo do fato jurídico, para que, combinando-se à alíquota, seja determinado o valor da prestação pecuniária. Paralelamente, temo o condão de confirmar, infirmar ou afirmar o critério material expresso na composição do suposto normativo.” (2012, p. 400).

Desse modo, ensina o ilustre autor que o critério quantitativo possui três funções distintas dentro da regra matriz de incidência tributária: “a) medir as proporções reais do fato; b) compor a específica determinação da dívida; e c) confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério material da descrição contida no antecedente da norma.” (2012, p. 400).

2.4 Síntese teórica e prática da regra-matriz de incidência tributária.

Uma vez percorrida todas as estruturas lógicas da regra-matriz de incidência tributária, podemos propor a seguinte fórmula representativa:

D {[Cm(v+c) . Ct.Ce] à [Cp(Sa.Sp) . Cq(bc.al)]}

Pelo sinal “D”, temos o dever-se (neutro) que outorga validade à norma jurídica, Este incide sobre o conectivo condicional interproposicional “à”, responsável por instaurar o vínculo jurídico entre hipótese (“[Cm(v.c) . Ct.Ce]”) e consequente (“[Cp(Sa.Sp) . Cq(bc.al)]”). O sinal “Cm” para critério material (verbo mais complemento: “v+c”); o “.”, como conectivo lógico conjuntor (mais +); “Ct” (critério temporal); “Ce” (critério espacial); “Cp” (critério pessoal), formado entre o sujeito ativo “Sa’ e o sujeito passivo “Sp”; somado ao critério quantitativo “Cq”, composto pela base de cálculo “bc” e alíquota “al”.

Na jurisprudência, como exemplo da aplicação prática da norma, podemos citar o julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal, no Agravo Regimental do Recurso Especial n. 602480 (DJe 21/06/2012), de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, exteriorizado na seguinte Ementa:

“AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO DESTINADA AO CUSTEIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. ANTERIORIDADE. PRAZO FINAL. DISTINÇÃO ENTRE O CRITÉRIO TEMPORAL E A DATA DE RECOLHIMENTO DOS VALORES DEVIDOS. QUESTÃO INFRACONSTITUCIONAL. MP 63/1989. LEI 7.787/1989. ART. 195, § 6º DA CONSTITUIÇÃO. O acórdão recorrido reconheceu a inconstitucionalidade condicional do art. 21 da Lei 7.787/1989, por violação da regra da anterioridade nonagesimal ou especial (art. 195, § 6º da Constituição), conforme precedente adotado por esta Suprema Corte. Da forma como posta a questão nas razões recursais, o debate toma por parâmetro direto de controle o texto do próprio acórdão recorrido, para definir se a expressão “cobrada a partir de outubro de 1989” significa “incidente sobre a remuneração paga em outubro de 1989” (fato jurídico tributário) ou “recolhido em outubro de 1989” (fato jurídico do adimplemento da obrigação tributária). Ademais, a solução dessa controvérsia se esgota na interpretação do próprio texto da legislação federal que estabelece o critério temporal da regra-matriz de incidência, que não se confunde com a data de recolhimento do tributo. Agravo regimental ao qual se nega provimento.” (Sem grifos no original).

Na ocasião, o Ministro-relator da Suprema Corte utilizou-se dos elementos da regra-matriz de incidência tributária, ilustrando a assertiva de que se trata de um instrumento de ampla eficácia para a solução dos casos que se apresentam ao intérprete da norma tributária.

3. A regra-matriz de incidência tributária do ISS.

Conforme verificado no capítulo anterior, a regra-matriz de incidência tributária representa uma norma de comportamento, posta no sistema para disciplinar a conduta do sujeito devedor da prestação fiscal, perante o agente pretensor, titular do direito de crédito.

Em relação ao Imposto sobre Serviços – ISS, é a Constituição Federal quem traça as suas estruturas lógicas iniciais. Nos dizeres do professor Roque Antonio Carrazza: “No que se refere aos impostos, a Magna Carta traçou a regra-matriz da incidência (o arquétipo genérico) daqueles que podem ser criados, sempre em caráter exclusivo, pela União, pelos Estados, pelos Municípios e pelo Distrito Federal.” (2002, p. 30).

Nesses termos, vem o artigo 156, inciso III, da Constituição Federal, estabelecer a competência para o legislador municipal criar, em caráter geral e abstrato, a norma do ISS. Vejamos:

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:(…);

III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar; (…)”.

Pois bem. De início, é possível ver que a referida norma constitucional, além de traçar os limites de sua competência, deixou também traços iniciais do critério material do ISS, porquanto já é sabido que a norma deverá incidir sobre os serviços de qualquer natureza, a serem definidos por lei complementar, bem como não incidirá sobre aqueles previstos no inciso II, do artigo 155, referentes a serviços de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, cuja competência legislativa recai aos Estados.

Em face disso, observa-se que o melhor termo a ser empregado para se referir a este imposto é “Imposto sobre Serviços”, ou “ISS”, uma vez que pela disposição da própria Constituição, o tributo não incide sobre serviços de qualquer natureza, mas sim aqueles estabelecidos em lei complementar.

3.1 Análise logico-semântica de serviço.

Antes de traçarmos o perímetro delimitador da norma instituidora do ISS, é preciso analisar o conceito de “serviço” e trazê-lo aos parâmetros constitucionais para saber o que pode ser tributado.

Quanto a isso, Aires F. Barreto, em sua obra Curso de direito tributário municipal, explica que: “O conceito constitucional de serviço não coincide com o emergente da acepção comum, ordinária, desse vocábulo. Essa diferença é fruto das limitações que o termo sofre, uma vez inserido no contexto global do sistema jurídico.” (2012, p. 336).

No sistema jurídico, o que se vê são definições de serviços e não conceitos (conteúdo semântico), ou ainda o estabelecimento de formas de prestá-lo, como prevê o artigo 594 do Código Civil[2].

Pelo Dicionário Houaiss da língua portuguesa, serviço: “É substantivo masculino: 1. Ação ou efeito de servir, de dar de si algo em forma de trabalho. 2. Exercício e desempenho de qualquer atividade.” (HOUAISS, 2001, p. 2559).

Nessa mesma linha, o Código de Defesa do Consumidor define serviço como sendo: “Qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”[3]

A ação que faz nascer o fato jurídico tributário é expressada pelo verbo “prestar”, que significa propiciar, dar, conceder. (HOUAISS, 2001, p. 2293). A partir desses signos, Natália de Nardi Dácomo, conceitua serviço como sendo: “Ação ou efeito de servir; propiciar, dar, conceder, dispensar, dar de si algo em forma de atividade, executar um trabalho intelectual ou uma obra material.” (2007, p. 34).

Denota-se disso, que a relação de prestação de serviço pode ter como objeto, tanto uma obrigação de dar (produto), quanto uma obrigação de fazer (processo). Eurico Marco Diniz de Santi, observa que: “O ato de pintar é enunciação; o quadro pintado, enunciado. O ato de legislar é enunciação; a lei, enunciado. O ato de julgar; enunciação; a sentença, enunciado. (…) Finalmente, o processo é enunciação; o produto, enunciado.” (2000, p. 63).

Portanto, é importante termos, ao menos, em mente que o serviço envolve um processo e um produto, e, de acordo com o caso, o enfoque será dado a um ou outro elemento.

3.2 Análise pragmática de serviço.

Há ainda juristas que veem o conceito de “serviço” à luz dos aspectos: econômico e jurídico, numa tentativa de obter o verdadeiro alcance deste signo.

Acompanhando a melhor doutrina, encontramos os ensinamentos de Aires F. Barreto, ao apontar que serviço “(…) é uma conduta humana (prestação de serviço) consistente em desenvolver um esforço visando a adimplir uma obrigação de fazer.” (2003, p. 423.). No mesmo sentido aponta José Eduardo Soares de Melo. (2003, p. 33).

Na linha do conceito econômico, a título de exemplo, podemos citar Sergio Pinto Martins, segundo o qual: “Serviço é bem imaterial na etapa da circulação econômica. Prestação de serviço é a operação pela qual uma pessoa, em troca do pagamento de um preço (preço do serviço), realiza em favor de outra a transmissão de um bem imaterial (serviço).” (2004, p. 42).

Nesse contexto, insta lembrar que foi a adoção do conceito jurídico de serviço, isto é, como obrigação de fazer, que levou o Supremo Tribunal Federal a afastar a incidência do ISS sobre os “serviços” de locação de bens móveis, no julgamento histórico do Recurso Extraordinário 116.121, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, em 11 de outubro de 2000, com a seguinte Ementa e, posteriormente, sendo transformada em súmula vinculante:

“TRIBUTO – FIGURINO CONSTITUCIONAL. A supremacia da Carta Federal é conducente a glosar-se a cobrança de tributo discrepante daqueles nela previstos. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS – CONTRATO DE LOCAÇÃO. A terminologia constitucional do Imposto sobre Serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo considerado contrato de locação de bem móvel. Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável – artigo 110 do Código Tributário Nacional.”

“Súmula Vinculante 31: É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis.” (DJe 17/02/2010).

Outrossim, na dimensão do significado “serviço” para fins do ISS, não se incluem também: “a) o serviço público, tendo em vista ser ele abrangido pela imunidade (art. 150, a, da Carta Fundamental); b) o trabalho realizado para si próprio, despido que é de natureza econômica; e c) o trabalho efetuado em relação de subordinação, abrangido pelo vínculo empregatício.” (CARVALHO, 2013, p. 774).

3.3. Critérios da hipótese.

3.3.1 A materialidade do ISS.

Em linhas gerais, o critério material da hipótese de incidência, contida na regra-matriz constitucional do ISS, é a prestação de serviço, daqueles não compreendidos na competência tributária dos Estados (art. 155, II, CF), e definidos em lei complementar.

Quanto a isto, Paulo de Barros Carvalho, comenta que: “Diante da complexidade desse imposto e visando a evitar eventuais conflitos de competência, o constituinte houve por bem eleger a lei complementar como veículo introdutor de normas jurídicas tributárias definidoras de quais sejam os serviços de qualquer natureza, suscetíveis de tributação pelos Municípios.” (2013, p. 771).

Além disso, a composição do critério material exige a identificação de um verbo, seguido de um complemento, pois se o direito destina-se a regular condutas humanas intersubjetivas, não há como imaginar a possibilidade do critério material descrever um evento estritamente natural, como a chuva, o vento, o brotar de uma árvore[4], por exemplo.

O complemento “serviço” indica um verbo “prestar”, pressupondo sempre uma conduta humana (atividade), ou seja, prestar serviço. Com isso, só há falar em prestação de serviço diante de presença de duas pessoas, envolvidas na relação: o prestador e o tomador do serviço.

Para José Eduardo Soares de Melo: “O cerne da materialidade da hipótese de incidência do imposto em comento não se circunscreve a ‘serviço’, mas a uma ‘prestação de serviço’, compreendendo um negócio (jurídico) pertinente a uma obrigação de fazer, de conformidade com os postulados e diretrizes do direito privado.” (2003, p. 33).

Mas Aires F. Barreto observa que a norma tributária do ISS não deve incidir sobre a relação jurídica privada entre prestador e tomador, mas sobre a atividade de prestação de serviço, pois se assim fosse, bastaria contratar o serviço que o imposto já seria devido, passando o ISS a ser um tributo sobre contratos. (2012, p. 341).

Por sua vez, a Lei Complementar 116, de 31 de julho de 2003, introduziu no sistema uma lista de serviços, que assim complementa a norma geral e abstrata do ISS prevista na Constituição Federal.

Nesse mister, a lista de serviços tem a função de estabelecer os critérios para que um evento do mundo social possa ser enquadrado pelos operadores do direito como um fato jurídico, no caso, uma prestação de serviço tributável pelo ISS. (DÁCOMO, 2007, p.42).

Portanto, a lista de serviços contida na Lei Complementar n. 116/2003, é descritora dos critérios de identificação de um fato, na medida em que compõe a hipótese de incidência da norma geral e abstrata do ISS. O próprio termo “congêneres” contido na lista de serviços ratifica este caráter conotativo (descritor).

Entretanto, é preciso ter em mente que a referida lei complementa e sua lista anexa não são autoaplicáveis. A Constituição Federal sobretudo outorgou competência tributária para os Municípios. Nem ela, nem a lei complementar podem instituir o ISS. Isto é tarefa do legislador ordinário do ente político que recebeu esta competência.

Na prática, o que se vê nas legislações municipais é a instituição do tributo e a transposição ipsis litteris da lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003, inclusive, reproduzindo a expressão “congêneres” sem especificar quais seriam.

3.3.1 A taxatividade da lista de serviços.

Muito se discutiu sobre a taxatividade da lista de serviços anexa à Lei Complementar n. 116/2003.

Geraldo Ataliba e Aires F. Barreto sempre defenderam que o rol de serviços da lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003, seria exemplificativo. Para tais autores, os Municípios poderiam tributar todo e qualquer serviço, exceto aqueles que a Constituição reservou a competência para os Estados (art. 155, II, CF), sob pena de violação à autonomia municipal. (1986, p. 33).

Atualmente, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, prevalece a interpretação que vê a lista de serviços como taxativa, e não meramente exemplificativa. Mas embora taxativa, os Tribunais Superiores têm ventilado à possibilidade de uma interpretação extensiva. Vejamos as seguintes Ementas:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ISS. LEI COMPLEMENTAR: LISTA DE SERVIÇOS: CARÁTER TAXATIVO. LEI COMPLEMENTAR 56, DE 1987: SERVIÇOS EXECUTADOS POR INSTITUIÇÕES AUTORIZADAS A FUNCIONAR PELO BANCO CENTRAL: EXCLUSÃO. I. – É taxativa, ou limitativa, e não simplesmente exemplificativa, a lista de serviços anexa à lei complementar, embora comportem interpretação ampla os seus tópicos. Cuida-se, no caso, da lista anexa à Lei Complementar 56/87. II. – Precedentes do Supremo Tribunal Federal. III. – Ilegitimidade da exigência do ISS sobre serviços expressamente excluídos da lista anexa à Lei Complementar 56/87. IV. – RE conhecido e provido. (Sem grifos no original). (STF, RE 361829, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Órgão Julgador:  Segunda Turma, DJ 24/02/2006, LEXSTF v. 28, n. 327, 2006, p. 240-257).”

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF. VIOLAÇÃO DO ART. 333, I, DO CPC NÃO EVIDENCIADA. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7 DO STJ. ISS. SERVIÇOS BANCÁRIOS. LISTA DE SERVIÇOS. TAXATIVIDADE.

INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. ART. 543-C DO CPC. ENQUADRAMENTO. SÚMULA 7/STJ. PRECEDENTES. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.(…).

5. Para verificar se as atividades que se pretende tributar enquadram-se nos itens 95 e 96 da lista anexa ao Decreto-Lei n. 406/68 é indispensável a análise da natureza das cobranças realizadas pela instituição financeira, isto é, saber em que essas atividades consistem efetivamente, não sendo suficiente considerar o mero nomen iuris da cobrança.

6. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, a Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei n. 406/68 e à Lei Complementar n. 116/2003, para efeito de incidência de ISS sobre serviços bancários; é taxativa, mas admite-se a interpretação extensiva, sendo irrelevante a denominação atribuída.

7. Tal entendimento foi consolidado no julgamento do REsp 1.111.234/PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, submetido ao rito dos recursos repetitivos, nos termos do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. Incidência da Súmula 424/STJ.

Agravo regimental improvido. (Sem grifos no original). (AgRg nos EDcl no AREsp 131227, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA, DJe 18/06/2012).”

Também, é imperioso lembrar que, pela própria subordinação à descrição em lei complementar dos serviços tributáveis, estes realmente não poderiam admitir a integração normativa pela analogia, por violação frontal a regra da legalidade tributária (art. 150, I, CF).

Todavia, observa Kiyoshi Harada que a taxatividade proclamada pelo Supremo Tribunal Federal não representaria a imutabilidade da norma. Quer por razões de política tributária, quer por decorrência do surgimento de novos serviços do mundo globalizado, o legislador complementar poderia ampliar o rol de serviços. (2014, p.14).

E mais. Deve ser entendido também pela possibilidade de redução deste rol, sem que isto represente violação à autonomia municipal, uma vez que o recorte constitucional da regra-matriz de incidência tributária do ISS, estabelecido no artigo 156, inciso III, da Constituição Federal, prescreve competência legiferante à União por meio de lei complementar.

3.3.2 O critério espacial e a territorialidade.

Não restam dúvidas que para um fato concretizar-se no mundo fenomênico necessita de um determinado espaço, como referencial de lugar, para que a ocorrência do fato tipificado na lei tributária como jurídico possa permitir o surgimento da obrigação tributária.

Geraldo Ataliba, designa por aspecto espacial “(…) a indicação de circunstâncias de lugar, contidas explicita ou implicitamente na hipótese de incidência, relevantes para a configuração do que convencionou chamar ‘fato imponível’.” (2012, p. 104).

Mas em termos de critério espacial do ISS é preciso ter em mente sempre a noção de eficácia territorial da lei, posto que no caso do ISS, que é tributo de competência municipal, a Constituição Federal outorgou, concomitantemente, competência tributária a mais de 5.570 (cinco mil, quinhentos e setenta) Municípios[5].

No entanto, o critério espacial do ISS não se confunde com o plano de eficácia territorial, não obstante em alguns casos eles coincidam. O primeiro, tem a função de delimitar o local da ocorrência do fato jurídico tributário (local da prestação do serviço), enquanto a territorialidade delimita o plano geográfico de incidência da lei municipal (dentro do território do município).

Assim, nenhum município poderia pretender exigir o ISS sobre fatos ocorridos fora de seu território. No entanto, o legislador complementar enfraqueceu esta regra, estabelecendo vários critérios delimitadores espaciais para a incidência do tributo, vindo, inclusive, a permitir que o local da prestação do serviço não seja o mesmo da incidência.

Trata-se da prescrição contida no artigo 3º, da Lei Complementar n. 116/2003, segundo a qual, o local da prestação do serviço poderá ser o local do estabelecimento prestador, ou, na falta, o local do domicílio do prestador, o local do estabelecimento do tomador, ou, por fim, o local da prestação do serviço.[6]

Com base nesse dispositivo supracitado, é possível encontrar 4 (quatro) critérios delimitadores espaciais do ISS, isto é: a) em razão do local do estabelecimento prestador; b) em razão do domicílio do prestador; c) em razão do estabelecimento tomador (ou intermediário); e d) em razão do local da prestação do serviço.

Desse modo, embora o local da prestação do serviço seja, por excelência e lógica-pragmática, o critério espacial do ISS, com o advento da Lei Complementar 116/2003, ficou estabelecido como regra geral o local do estabelecimento prestador, esteja ele localizado onde for, e, subsidiariamente, o local do domicílio do prestador. Nos casos de importação de serviços, o estabelecimento tomador ou intermediário. E por último, não se tratando de nenhuma das hipóteses elencadas no artigo 3º, será o local da prestação do serviço.

Veja-se que a pretexto de fixar a competência tributária dos Município, a lei complementar desrespeitou completamente o primado constitucional de fixação do critério espacial, com base na conjugação dos critérios espacial e pessoal. Nesse sentido, Roque Antonio Carrazza enfatiza que: “Impõe-se, pois, a urgente reposição do único critério que parece prestigiado pela Constituição, qual seja, a de que o local da prestação é o do Município onde se conclui, onde se consuma o fato tributário, é dizer, onde se produzem os resultados da prestação do serviço. Se o fato tributável só ocorrer no momento da consumação do serviço, ou seja, no átimo da produção dos efeitos que lhe são próprios, parece ser necessário concluir que o Município competente seja o do lugar onde forem eles produzidos, executados, consumados.” (2002, p. 609).

3.3.2.1 Serviços prestados para o exterior.

O artigo 2º, da Lei Complementar n. 116/2003, traz algumas hipóteses de não incidência tributária[7]. E no inciso I, estabelece que o ISS não incidirá sobre “as exportações de serviços para o exterior do País.”

Trata-se, na verdade, de uma delegação de competência constitucional negativa, pois segundo o inciso II, do § 3º, do artigo 156, da Constituição, em relação ao ISS, caberá à lei complementar “(…) excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior.”. Ou seja, o legislador complementar não tem espaço para prescrever em sentido contrário.

Porém, observa o Paulo de Barros Carvalho que: “A previsão do art. 156, § 3º, II, que parece ser, à primeira vista, caso de imunidade, não se configura como tal, precisamente porque remete à lei complementar e, como vimos, a proibição de exaurir-se no altiplano da Constituição.” (2012, p.246).

Trata-se, portanto, de regra de não incidência tributária, pois a Lei Complementar, ao definir a materialidade do ISS, delimitou o seu campo de incidência para as hipóteses em que o serviço é prestado para o exterior.

Existe ainda um complemento condicionante delimitador do critério espacial bastante polêmico da não incidência do ISS sobre os serviços para o exterior, o qual não será objeto deste estudo, porquanto merecedor de uma profunda e exclusiva discussão.

Este complemento condicionante refere-se a norma prevista no parágrafo único do artigo 2º, da lei complementar, segundo a qual: “Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.”. (Sem grifos no original).

As assertivas traçadas e a interpretação dessas significações foram muito bem desenvolvidas no processo administrativo n. 2011-0.125.786-1, de relatoria do Conselheiro Julgador Alberto Macedo, do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo, cujo julgamento ficou conhecido como caso NOOR[8].

Na ocasião deste julgamento, o relator do processo observou que o legislador complementar definiu “exportação de serviço”, de modo negativo, ou seja, estabeleceu o que não é exportação de serviço.

Assim, observou que a celeuma criada em relação à caracterização da exportação de serviços para fins de não incidência do ISS reside exclusivamente na expressão “cujo resultado aqui se verifique”, contida no parágrafo único do artigo 2º da Lei Complementar nº 116/2003, já mencionado.

No referido julgamento ficou assentado que: “Não pode a busca do resultado do serviço partir para resultados mediatos, extrínsecos à relação de prestação de serviço. Agindo assim, a determinação do local do resultado do serviço entraria num subjetivismo sem fim, valendo-se de resultados financeiros e até psicológicos, reduzindo-se ao absurdo. E a caracterização do local do resultado não pode se dar em outro lugar que não aquele onde se encontra o beneficiário do serviço, outro elemento fixo aferível que faz parte da relação de prestação de serviço.”.

Portanto, no caso em questão, onde se envolveu uma prestação de serviço de consultoria de investimentos para um fundo (tomador) situado no exterior, o tribunal administrativo assentou entendimento no sentido da efetiva exportação do serviço, uma vez que os resultados da consultoria só poderiam ter ocorrido no exterior (beneficiário do serviço), mesmo tendo a consultoria como objeto investimentos no mercado nacional.

3.3.3 O aspecto temporal.

Por outro prisma, o critério temporal deve corresponder ao momento em que determinada materialidade concretiza-se no mundo fenomênico. Exemplo: prestar serviço. Não se confunde com o momento em que nasce a obrigação tributária, uma vez que a relação jurídica somente surge após ser vertida em linguagem competente.

A norma de estrutura do direito positivo que prescreve o momento da ocorrência da hipótese de incidência é aquela prevista no artigo 116 do Código Tributário Nacional, segundo a qual:

“Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

I – tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;

II – tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.”.

Com efeito, o ISS é imposto que se classifica entre os exigíveis em virtude de uma situação de fato, ou seja, pelo fato prestar serviço, e não pelo negócio jurídico decorrente desta prestação. Assim, considera-se ocorrido o fato gerador do tributo, desde o momento em que se verificar as circunstâncias materiais essenciais da prestação do serviço.

Entretanto, é preciso atentar ao fato que esta disposição normativa leva ao equívoco de entendimento no sentido de que com o mero evento já teria ocorrido o “fato gerador”, bem como os seus efeitos. Conforme visto neste trabalho, o fato ocorre apenas quando o acontecimento juridicamente relevante for descrito no antecedente de uma norma individual e concreta. E nos dizeres de Paulo de Barros Carvalho: “O átimo de constituição, salienta-se, não pode ser confundido com o momento da ocorrência a que ele se reporta.” (2012, p. 343).

E mais. Traz o autor em sua obra, Fundamentos jurídicos da incidência, uma importante distinção entre: o “tempo do fato” e “tempo no fato”. Segundo ele: “O tempo do fato é aquele instante no qual o enunciado denotativo, perfeitamente integrado como expressão dotada de sentido, ingressa no ordenamento do direito posto, não importando se veiculado por sentença, por acórdão, por ato administrativo ou por qualquer outro instrumento introdutório de normas individuais e concretas. (…) Algo diverso, porém, é o tempo no fato, isto é, a ocasião a que alude o enunciado factual, dando conta da ocorrência concreta do evento.” (2012, p. 194).

Em síntese, o tempo “no fato” refere-se ao momento de ocorrência de um evento no mundo fenomênico, que, quando convertido em linguagem competente, transformar-se em tempo “do fato”. Portanto, este sempre será posterior àquele.

 Na análise do ISS, temos, então, o evento prestar serviço como indicador do tempo no fato. Quando esse fato é vertido em linguagem competente: prestar serviço, dentre aqueles previstos na Lei Complementar n. 116/2003, é que se considera ocorrido o fato gerador e permitido a instauração da relação jurídico-tributária reveladora da obrigação de pagar o tributo.

3.4 Critérios do consequente.

3.4.1 O critério pessoal.

Consubstanciados na figura de um sujeito passivo (S’) e um sujeito ativo (S’’), na hipótese específica do ISS, trata-se do prestador do serviço[9], de um lado, e o Município, do outro. Ainda, como sujeito ativo da obrigação tributária poderá ser: o Distrito Federal ou a União, nos Territórios (artigo 147, CF).

O sujeito ativo segundo o artigo 119 do Código Tributário Nacional, “é a pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o cumprimento da obrigação tributária.”. O Sujeito passivo, por sua vez, “é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária”.

Lembre-se que o sujeito passivo poderá ser tanto aquele que pratica a conduta descrita no critério material, como a pessoa que a lei expressamente atribua o dever de pagar o tributo ou penalidade, nos estritos termos do parágrafo único do artigo 121, do Código Tributário Nacional[10].

No mais, a Constituição Federal traz os parâmetros mínimos para a instituição do ISS. Quando se refere a expressão “serviços”, tira a liberdade do legislador eleger aleatoriamente sujeitos passivos do tributo que não estejam envolvidos na relação jurídica negocial (prestador e tomador).

Além disso, cita Aires F. Barreto o princípio da capacidade contributiva (artigo 145, § 1º, CF) como limite objetivo à livre escolha dos sujeitos passivos do ISS, e afirma que: “A lei tributária que violar a capacidade contributiva (art. 145, § 1º, CF), será inconstitucional e não poderá ser aplicada. E um dos modos frontais e flagrantes de fazê-lo estará em colocar como sujeito passivo do ISS aquele que não revela capacidade contributiva pela participação, provocação ou produção dessa espécie de fato tributável.” (2012, p. 384).

Isso nos leva a conclusão de que a Constituição Federal também delimita a norma de incidência tributária do ISS em aspecto pessoal, no sentido de exigir como sujeito passivo somente aqueles que tenham relação com o fato imponível, isto é, o prestador ou o tomador do serviço.

3.4.2 O critério quantitativo.

A exigência do ISS, tal como ocorre com os demais tributos, pressupõe a mensuração da intensidade da relação humana intersubjetiva. O valor do tributo deve guardar estreita relação com o fato jurídico tributário, bem como com a capacidade contributiva.

A base de cálculo e a alíquota, como elementos integrantes do aspecto quantitativo da regra-matriz de incidência tributária, estão presentes em todo e qualquer tributo. No ISS, a base de cálculo reside sobre o preço do serviço[11], como regra. Mas também pode ser determinada com base por um valor fixo, independentemente, do valor do serviço.

Como exemplo deste último caso, podemos citar os serviços prestados sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte ou aqueles prestados por meio de sociedades de profissionais. E a alíquota é mensurada também por um preço fixo em conjunto com a base de cálculo, ou como indicador de numérico por sócio ou empregado.

Outrossim, uma grande distinção tem que ser feita entre preço e custo do serviço, porquanto esta última, por questões pragmáticas e semânticas, não deve integrar a base de cálculo do tributo. Tanto que o § 2º, do artigo 7º, da Lei Complementar n. 116/2003, previu a não inclusão dos valores de materiais empregados nos serviços da construção civil. Vejamos:

“Art. 7º. (…).

§ 2º. Não se incluem na base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza:

I – o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa a esta Lei Complementar; (…)”.

Ainda, alguns doutrinadores identificam o ISS como sendo um tributo não cumulativo. Nos dizeres de Aire F. Barreto: “O fato de a legislação de natureza complementar autorizar a dedução das subempreitadas já tributadas, no caso de construção civil, parece remeter à confirmação de ser o ISS, como regra, não cumulativo. (2012, p. 398).

Isto se verifica desde à égide do Decreto-lei n. 406/1968, onde se permitia a dedução de subempreitadas já tributadas pelo imposto, nos termos de seu § 2º, b, do artigo 9º[12], permanecendo válida esta previsão até os dias de hoje em razão de sua recepção pela Constituição.

4. Questões controvertidas envolvendo o ISS no tempo.

Vimos que o critério temporal apresenta-se como um feixe de informações contidas na hipótese normativa que permite identificar o momento exato da ocorrência do evento a ser promovido a fato jurídico.

Temos observado que as maiores discussões relativas ao aspecto temporal do ISS surgem quando o “fazer”, indicativo da prestação do serviço, estende-se no tempo, ou quando a norma tributária antecede o momento de sua realização no mundo fenomênico, fazendo aparecer questionamentos em relação compatibilidade da norma com a regra-matriz de incidência tributária.

Para efeito do ISS, em face da enorme diversidade de serviços objeto de tributação, o momento preciso de sua conclusão dever ser identificado, analisando-se cada caso específico, para somente assim ser levado ao patamar da incidência tributária e o consequente surgimento da obrigação.

4.1 O problema do ISS Habite-se.

O ISS “habite-se”, por definição, corresponde a um ato administrativo (unilateral) emitido pela autoridade competente, assim definida pela legislação municipal, e que corresponde à manifestação de um poder de polícia local.

No município de São Paulo, o ISS “habite-se” encontra-se positivado na Portaria SF 118/2010: “Institui o ‘Certificado de Quitação do Imposto Sobre Serviços – ISS Habite-se’ e a ‘Confirmação de Autenticidade do Certificado de Quitação do Imposto Sobre Serviços – ISS Habite-se’.”

As condições para a emanação desse ato de polícia encontram-se previstas em outras legislações municipais, com a finalidade de regulamentar as construções em relação a metragem, recuos, dimensões, limites de construção, saídas de emergência, etc., tudo isso visando proteger bens jurídicos como segurança, saúde, higiene, etc. Dessa forma, verifica-se haver espaço normativo para os Municípios veicularem exigências a serem atendidas pelos destinatários.

Portanto, o ISS “habite-se” nada mais é do que um ato administrativo emitido em conclusão de um processo administrativo tendente a verificar se dada edificação construída pelo interessado está de acordo com as posturas edilícias municipais. À vista disso, o imóvel ou o empreendimento recebe o certificado de quitação e está liberado para a utilização na finalidade a que se destina.

Todavia, isto não valida o arbitrário condicionamento para a emissão do “habite-se”, à exibição dos comprovantes de recolhimento do ISS devido nas prestações de serviços que resultaram na edificação. Este condicionamento extrapola os fundamentos do ato de polícia (higiene, saúde, segurança), representando tão somente uma coerção ao efetivo cumprimento da obrigação tributária do ISS. Seria supor, ao lado da taxa de serviço público e de poder de polícia, uma terceira espécie de taxa: a de coação[13].

É em razão desta carga coercitiva que muitos juristas enquadram o ISS “habite-se” como se fosse uma nova e indevida espécie tributária.

Por outro lado, se o ISS “habite-se” não se refere a um novo imposto sobre prestação de serviço, a autoridade competente muito menos poderá utilizá-lo como como marco inicial de contagem do prazo decadencial[14] do ISS.

Da mesma forma que prazo para pagamento não se confunde com o aspecto temporal da hipótese de incidência tributária, a data do lançamento da taxa do “habite-se” não pode reportar-se aos fatos jurídico desencadeadores do ISS na construção civil.

Veja-se que, nos termos do artigo 173, do Código Tributário Nacional, a Fazenda Pública dispõe de 5 (cinco) anos para efetuar o ato jurídico administrativo de lançamento. Não praticado este ato, decai o direito de constituí-lo.[15]

Sem proceder a um exame pormenorizado dos regimes de lançamento previstos no Código Tributário Nacional, como regra geral, tem-se o ISS relativo às prestações de serviço da construção civil sujeito ao denominado lançamento por homologação. Ou seja, exige-se que o contribuinte calcule e recolha o ISS relativo aos serviços prestados, tomados ou intermediados e, segundo a praxe legislativa municipal, recolha o imposto pertinente até o dia dez do mês subsequente.

Nestes casos, o recolhimento do imposto declarado e pago ao Fisco municipal ensejará a deflagração do procedimento de fiscalização e cobrança, tendente a verificar a correta declaração e pagamento do tributo.

Assim, na hipótese de lançamento por homologação, não há necessidade do Fisco constituir o crédito, posto que este já teria sido constituído no momento da declaração, e após a ocorrência do fato gerador.

Portanto, na hipótese de eventual constatação de irregularidades na declaração do ISS devido na obra, deverá o Fisco municipal, nos termos do § 4º, do artigo 150, do Código Tributário Nacional[16], reportar-se ao momento dos fatos geradores como marco inicial do prazo decadencial. Nunca no momento do lançamento do “habite-se”, isto é, da emissão da “Certificado de Quitação do ISS Habite-se”.

4.2. Serviços fracionáveis.

No entanto, pode ainda existir dúvidas em relação ao exato momento em que se considera ocorrido o fato jurídico tributário, quando nos reportamos a serviços divisíveis ou fracionáveis.

Conforme bem observa Aires F. Barreto: “Essa bipartição é crucial porque, se o fato for fracionável, o aspecto temporal pode ser tido por completado quando da ultimação de cada fração. Se, inversamente, não puder ser secionado, esse imposto só se tornará exigível quando da integral conclusão do fato (…). Sempre que a segmentação dos fatos se revelar viável sem perda de sua inteireza (e configurem uma prestação de serviço), ocorrerão tantos fatos tributários quantas forem as decomposições que se fizerem possíveis. Os fracionamentos pode constituir em etapas, fases ou trechos ou, ainda, em períodos de tempo. (…). Se é possível defender que, se há medições efetuadas, tem-se a cada uma delas, um fato suscetível de tributação, por via do ISS.” (2012, p. 352-353).

Mas a maioria dos serviços, pela sua natureza, não comportam fracionamento. No entanto, é preciso examinar com cautela a natureza de cada atividade. Se admitir execuções parceladas ou por etapas, o ISS poderá ser devido quando de suas conclusões.

Isso também poderá influenciar na contagem do prazo decadencial para o lançamento, não permitindo, por exemplo, que a autoridade administrativa se reporte somente ao final do empreendimento como sendo o momento da conclusão do serviço, se este já foi cronologicamente apurado, declarado e recolhido o tributo.

4.3. Antecipação do aspecto temporal.

Muito se discute sobre a possiblidade da norma tributária antecipar a ocorrência do fato jurídico tributário e cobrar o tributo sem que se tenha instaurado a relação jurídico tributária.

Para Aires F. Barreto, tal hipótese é instransponível. Cita o autor que “mesmo nos casos em que for admissível o fracionamento, não pode considerar como aspecto temporal qualquer momento que anteceda a prestação dos serviços.” (2012, p. 355).

No mesmo sentido, encontramos Geraldo Ataliba, que dispõe não ser possível a fixação do critério temporal antes da consumação do fato. Para o saudoso autor: “Violaria o princípio da irretroatividade da lei (art. 150, III, ‘a’). Daí a inconstitucionalidade das antecipações de tributos (algumas vezes camufladas sob a capa da substituição tributária).” (2012, p. 95).

Mas a despeito disso muitos Municípios exigem que contribuintes da área de diversões públicas e demais eventos chancelem os ingressos que serão postos à venda, efetuando, nessa oportunidade, o pagamento do ISS.

A materialidade “prestar serviço”, no caso de diversão pública, embora tenha início com o efetivo espetáculo, este só se conclui no momento no final do mesmo. Antes disso, qualquer momento que anteceda à efetiva prestação não poderá ser considerado como fato gerador.

A jurisprudência integrou parte desta interpretação, pois em uma das ementas abaixo transcritas, definiu como o momento da prestação do serviço a conclusão da venda do bilhete. Vejamos:

“TRIBUTÁRIO – ISS – DIVERSÕES PÚBLICAS – FATO GERADOR – ARTIGOS 114 E 116 DO CTN.

1. O fato gerador do ISS reside na efetiva prestação de serviço, definido em lei complementar, constante da Lista de Serviços anexa

ao Decreto-Lei 406/68.

2. Em se tratando de ISS incidente sobre diversões públicas, o fato imponível se configura no momento da venda do ingresso ao consumidor, pelo que ilegítima a antecipação do recolhimento, quando da chancela prévia dos bilhetes pelo município.

(STJ, REsp n. 159.861/SP, Relator: Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS. Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA, DJ 14/12/1998, p. 109).”.

“AGRAVO MANDADO DE SEGURANÇA LIMINAR – ISS – Município de São Paulo Lei municipal e Instrução Normativa 06/2012 que obrigam o prestador de serviço de valet service a recolher antecipadamente o imposto mediante aquisição de cupom de estacionamento Tratando-se de ISS incidente sobre tal serviço, o fato gerador tributário configura-se no momento da prestação do serviço, motivo pelo qual, conforme precedentes do STJ, é ilegítima a antecipação do recolhimento – Fumus boni juris presente – Perigo da demora que se revela com a possibilidade de prejuízo à regular execução da atividade do contribuinte Liminar mantida – RECURSO IMPROVIDO.” (TJSP, Agravo de instrumento n. 0011935-86.2013.8.26.0000, Relator: Rodrigues de Aguiar, Órgão julgador: 15ª Câmara de Direito Público, DJe 03/06/2013).

CONCLUSÃO.

No presente trabalho deu-se a oportunidade de analisar o direito sob a ótica da teoria geral do direito e da regra-matriz de incidência tributária. Foram identificados e traçados os elementos essenciais que devem compor toda e qualquer norma jurídica, e que dispõe sobre o comportamento humano e suas relações intersubjetivas.

Com isso observa-se que os aspectos da linguagem norteiam todo o estudo da regra-matriz de incidência tributária. Importante também foi a distinção entre direito positivo e ciência do direito. Viu-se que o direito, como ciência, seria produto de um trabalho descritivo, porquanto utilizaria a linguagem para transmitir conhecimentos e informações de como são as normas aplicadas no mundo fenomênico, ao passo que o direito posto teria apenas uma linguagem prescritiva, prescrevendo regras de comportamento das relações intersubjetivas.

Assim, como norma jurídica em sentido estrito, a regra-matriz de incidência tributária insere-se no ordenamento jurídico como regra de comportamento, visando disciplinar as condutas envolvendo o sujeito passivo, devedor da prestação fiscal, e o sujeito ativo, pretensor, titular do direito do crédito tributário. Desse modo, torna-se plenamente possível identificar a estrutura lógica de todo e qualquer tributo, podendo ainda verificar a validade da norma frente ao sistema jurídico como um todo.

Nesse mister, ficou bastante claro que o critério material da hipótese de incidência do ISS seria a prestação de serviço, daqueles não compreendidos na competência tributária dos Estados (art. 155, II, CF), e definidos em lei complementar. E que o rol da lista de serviços da Lei Complementar n. 116/2003, é taxativo, embora permita interpretação extensiva.

O critério espacial, por excelência, deveria ser somente o local da prestação do serviço, mas a lei complementar estabeleceu outros 3 (três) lugares de ocorrência do fato jurídico tributário: o local do estabelecimento prestador, o lugar do domicílio do prestador, e o lugar do estabelecimento tomador (ou intermediário).

O critério temporal do ISS por questões semântica e lógica só pode ser o momento imediatamente posterior à prestação do serviço. No entanto, este critério foi o escolhido para melhor análise, visando sanar desvios de conduta do legislador local, que muitas vezes posterga este momento no tempo para efeito de contagem decadencial, ou, ainda, antecede o momento de sua realização no mundo fenomênico.

No critério pessoal verificou-se, sem maiores problemas, os possíveis sujeitos integrantes da relação jurídica tributária do ISS. Mas identificamos na eleição dos substitutos tributários o dever de obediência ao princípio objetivo da capacidade contributiva. Com isso, concluímos que nem toda pessoa pode ser eleita como substituta ou responsável pelo recolhimento do tributo.

No critério quantitativo, nota-se que os Município não estão autorizados nem pela Constituição, nem pela Lei Complementar n. 116/2003, a cobrar qualquer valor a título de ISS. Só o que resulte da aferição da perspectiva dimensional do respectivo fato jurídico tributário, ou seja, o preço do serviço.

Por fim, ao se debruçar sobre os questionamentos de ordem prática envolvendo o ISS no tempo, vê-se que o ISS habite-se, como verdadeira taxa de polícia, não pode condicionar a emissão do certificado à prova do pagamento do ISS a qual se refere. Muito menos poderá a autoridade administrativa utilizar como marco inicial decadencial o momento desta emissão, devendo, portanto, reportar-se a fatos tributáveis.

No mais, restou identificado à possibilidade de fracionamento dos serviços, o que influencia nas regras de lançamento e decadência e que em nenhuma hipótese seria autorizado ao legislador complementar (ou local) antecipar o momento da prestação dos serviços.

 

Referências
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VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 3ª ed. São Paulo: Noeses, 2005.
 
Notas
[1] Compreendemos o critério temporal da hipótese tributária como o grupo de indicações, contidas no suposto da regra, e que nos oferecem elementos para saber, com exatidão, em que preciso instante acontece o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que amarra o devedor e credor, em função de um objeto – o pagamento de certa prestação pecuniária. (CARVALHO, 2012, p. 331).

[2] Art. 594. Toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição.

[3] Art. 3º, § 2°, da Lei n. 8.078/1990.

[4] O homem pode até ser contratado para plantar árvores, como uma atividade prestacional (plantar), mas o fato brotar está fora do seu alcance e controle.

[5] Dados obtidos no sítio eletrônico do IBGE (http://7a12.ibge.gov.br/voce-sabia/curiosidades/municipios-novos.html), acessado em 26 de fevereiro de 2016, que mantém esses registros desde 1º de janeiro de 2013.

[6] Art. 3º. O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local:
I – do estabelecimento do tomador ou intermediário do serviço ou, na falta de estabelecimento, onde ele estiver domiciliado, na hipótese do § 1º do art. 1º desta Lei Complementar;
II – da instalação dos andaimes, palcos, coberturas e outras estruturas, no caso dos serviços descritos no subitem 3.05 da lista anexa;
III – da execução da obra, no caso dos serviços descritos no subitem 7.02 e 7.19 da lista anexa;
IV – da demolição, no caso dos serviços descritos no subitem 7.04 da lista anexa;
V – das edificações em geral, estradas, pontes, portos e congêneres, no caso dos serviços descritos no subitem 7.05 da lista anexa;
VI – da execução da varrição, coleta, remoção, incineração, tratamento, reciclagem, separação e destinação final de lixo, rejeitos e outros resíduos quaisquer, no caso dos serviços descritos no subitem 7.09 da lista anexa;
VII – da execução da limpeza, manutenção e conservação de vias e logradouros públicos, imóveis, chaminés, piscinas, parques, jardins e congêneres, no caso dos serviços descritos no subitem 7.10 da lista anexa;
VIII – da execução da decoração e jardinagem, do corte e poda de árvores, no caso dos serviços descritos no subitem 7.11 da lista anexa;
IX – do controle e tratamento do efluente de qualquer natureza e de agentes físicos, químicos e biológicos, no caso dos serviços descritos no subitem 7.12 da lista anexa;(…);
XII – do florestamento, reflorestamento, semeadura, adubação e congêneres, no caso dos serviços descritos no subitem 7.16 da lista anexa;
XIII – da execução dos serviços de escoramento, contenção de encostas e congêneres, no caso dos serviços descritos no subitem 7.17 da lista anexa;
XIV – da limpeza e dragagem, no caso dos serviços descritos no subitem 7.18 da lista anexa;
XV – onde o bem estiver guardado ou estacionado, no caso dos serviços descritos no subitem 11.01 da lista anexa;
XVI – dos bens ou do domicílio das pessoas vigiados, segurados ou monitorados, no caso dos serviços descritos no subitem 11.02 da lista anexa;
XVII – do armazenamento, depósito, carga, descarga, arrumação e guarda do bem, no caso dos serviços descritos no subitem 11.04 da lista anexa;
XVIII – da execução dos serviços de diversão, lazer, entretenimento e congêneres, no caso dos serviços descritos nos subitens do item 12, exceto o 12.13, da lista anexa;
XIX – do Município onde está sendo executado o transporte, no caso dos serviços descritos pelo subitem 16.01 da lista anexa;
XX – do estabelecimento do tomador da mão-de-obra ou, na falta de estabelecimento, onde ele estiver domiciliado, no caso dos serviços descritos pelo subitem 17.05 da lista anexa;
XXI – da feira, exposição, congresso ou congênere a que se referir o planejamento, organização e administração, no caso dos serviços descritos pelo subitem 17.10 da lista anexa;
XXII – do porto, aeroporto, ferroporto, terminal rodoviário, ferroviário ou metroviário, no caso dos serviços descritos pelo item 20 da lista anexa.

[7] “Art. 2º. O imposto não incide sobre:
I – as exportações de serviços para o exterior do País;
II – a prestação de serviços em relação de emprego, dos trabalhadores avulsos, dos diretores e membros de conselho consultivo ou de conselho fiscal de sociedades e fundações, bem como dos sócios-gerentes e dos gerentes-delegados;
III – o valor intermediado no mercado de títulos e valores mobiliários, o valor dos depósitos bancários, o principal, juros e acréscimos moratórios relativos a operações de crédito realizadas por instituições financeiras.
Parágrafo único. Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.”

[8] “EXPORTAÇÃO DE SERVIÇOS – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PARA FUNDOS OFFSHORE – RESULTADO DOS SERVIÇOS VERIFICADO NO EXTERIOR E NÃO NO BRASIL. CONHECIDO E PROVIMENTO PARCIAL POR UNANIMIDADE.”

[9] Art. 5º, LC n. 116/2003: “Contribuinte é o prestador do serviço.”

[10] “(…) Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:
I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;
II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.”

[11] Art. 7º, LC n. 116/2003: A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.

[12] Art. 9º A base de cálculo do impôsto é o preço do serviço.
(…) § 2º Na execução de obras hidráulicas ou de construção civil o impôsto será calculado sôbre o preço deduzido das parcelas correspondentes:
a) ao valor dos materiais adquiridos de terceiros, quando fornecidos pelo prestador de serviços;
b) ao valor das subempreitadas já tributadas pelo impôsto.

[13] Súmula 70, STF: “É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.”.

[14] “Decadência é a fórmula extintiva da obrigação consistente na perda do direito, por parte do sujeito ativo, no sentido de efetuar o lançamento, em virtude de sua inércia dentro de um dado espaço de tempo.” (JARDIM, 2014, p. 472)

[15] Para Paulo de Barros Carvalho, o lançamento reporta-se a três significados: o de ato, procedimento e de norma (de estrutura). (2012, p. 543).

[16] “Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.(…)
§ 4º. Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.”.


Informações Sobre o Autor

André Rodrigues Pereira da Silva

Advogado e professor universitário. Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP e em Direito Processual Civil pela Escola Paulista da Magistratura – EPM. Ex-Conselheiro Julgador no Conselho Municipal de Tributos de São Paulo – CMT


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