A sujeição passiva das empresas prestadoras de serviços inscritas no cadastro de contribuinte do ICMS

O trabalho traz à baila considerações tecidas acerca da disceptação constatada no dias atuais concernente ao deletério entendimento de que as empresas prestadoras de serviços cadastradas no Cadastro de Contribuinte do ICMS não seriam passíveis da exigência do ICMS relativo ao diferencial de alíquota, tendo em vista que tal benefício só é concedido de direito aos contribuintes do ICMS. Assim, corroboramos a tese de que todo inscrito é contribuinte, mas nem todo contribuinte é inscrito.

Várias questões relacionadas ao ICMS nos afligem diariamente, pois várias delas, apesar da vasta doutrina existente, suscitam a necessidade de serem analisadas, com o intuito de se corrigirem as distorções e se aplicar a tão almejada justiça fiscal.

No caso “in comento”, existe grande disceptação acerca da sujeição passiva das empresas que, apesar de serem prestadoras de serviços, praticando operações sujeitas ao ISS, são inscritas no cadastro de contribuinte do ICMS.

Pois grande parte dessas empresas, apesar de não praticarem operações mercantis concernentes a vendas de mercadorias, pelo fato de serem inscritas no Cadastro de Contribuintes do ICMS, adquirem mercadorias como contribuintes do imposto retromencionado, beneficiando-se de alíquotas interestaduais, amparadas no que dispõe a norma constitucional infracitada:

“Art. 155 –…………………………………………..

§ 2º –  …………………………………………………

VII – em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:

a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;”

Destarte, como se pode observar na exegese da norma supra e com base na prática reinterada, a empresa adquirente da mercadoria, quando inscrita no CCICMS, recebe as mesmas com alíquotas interestaduais, mesmo que não pratique operações mercantis sujeitas ao ICMS, pois a condição “sine qua non” explicitada pela norma se reporta ao fato do adquirente ser contribuinte, onde se supõe que sendo a mesma inscrita, tal fato é suficiente para o remetente considerar a adquirente contribuinte do ICMS para efeito de aplicação da alíquota interestadual.

Ora, vislumbra-se a grande testilha que surge do texto da norma retromencionada, quando a mesma se reporta à “contribuinte”, pois o cerne da questão se prende em se decifrar se o contribuinte é o que pratica o fato gerador do ICMS ou se o simples fato da empresa ser inscrita já pode ser considerada contribuinte.

Na nossa singela concepção, entendemos que todo inscrito é irremediavelmente considerado contribuinte, sujeito as obrigações principais e assessórias, mas nem todo contribuinte é inscrito, a exemplo da pessoa física que pratica o fato gerador do imposto.

No caso em tela, observa-se que em regra, a empresa só deveria ser inscrita no CCICMS se realmente praticasse operações mercantis com mercadorias, onde deveria ser defeso às empresas prestadoras de serviços, sujeitas ao ISS, cadastrarem-se como contribuintes do ICMS.

Porém, convenhámos que tal vedação seria um tanto arbitrária, já que é pacífico e unissóno o direito ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer, conforme se depreende do art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal.

Dessa forma, infere-se que qualquer empresa tem o direito de se inscrever no CCICMS, apesar de não praticarem operações mercantis, porém, urge ressaltar ser cediço que a inscrição no CCICMS enseja direitos e deveres, e dentres eles avulta-se o cumprimento das obrigações principal e acessória, ou seja, efetuar o pagamento do ICMS quando da ocorrência do fato gerador contido na hipótese de incidência do imposto e praticar as prestações positivas e negativas previstas no regulamento.

“In casu”, o que não é cabível ou aceitável, são as alegações das empresas prestadoras de serviços de que apesar de serem inscritas no CCICMS, não são contribuintes do ICMS, portanto, não estariam obrigadas ao pagamento do diferencial de alíquota quando da aquisição de mercadorias para consumo ou ativo fixo em outras unidades da Federação.

Diante desse fato, surge a seguinte pergunta: Qual o motivo das empresas prestadoras de serviços se inscreverem no CCICMS?

Ora, se as mesmas não praticam mercantilismo, se são apenas consumidoras finais, se estão sob a égide das normas que norteiam o ISS, a exemplo da Lei Complementar nº 116/2003, chega-se à ilação de que a resposta mais cabível seria que elas se inscrevem com o objetivo primordial de receberem as mercadorias utilizadas na prestação de serviços com a alíquota interestadual, ou seja, 7% ou 12%, posto que, ao não serem inscritas no CCICMS, teriam que receber os produtos com alíquota cheia (internas), a exemplo de 17% e 18%, como qualquer consumidor final.

Neste norte, observa-se que o entendimento explicitado pelas empresas prestadoras de serviços são antagônicos, pois para poderem receber as mercadorias com alíquotas interestaduais se consideram contribuintes, outrossim, para recolher a complemenação da alíquota (diferença de alíquota) exigida pelo fisco quando da aquisição em outro Estado, de mercadorias destinadas ao ativo fixo ou consumo, alegam não serem contribuintes.

Assim, vislumbra-se que a contumácia em deixar permanecer essa situação é deletéria às finanças do Estado e consequentemente à sociedade como um todo, pois tal procedimento, se não for reprimido, enseja grave ofensa ao princípio da isonomia tributária, já que outros contribuintes inscritos são obrigados a recolher o diferencial de alíquota quando da aquisição em operações interestaduais de mercadorias destinadas ao ativo fixo e consumo.

Mesmo porque, no momento em que tais empresas tem a liberdade de adquirir mercadorias com alíquotas interestaduais sem o respectivo recolhimento do diferencial de alíquota, estão estas empresas praticando enriquecimento ilícito, onde estão se locupletando de parcela do ICMS que caberia ao Estado adquirente, já que são inscritas como contribuintes do ICMS, além de estarem pagando um valor bem menor sobre as mercadorias adquiridas em outras unidades da Federação, em virtude da aplicação da alíquota interestadual, em detrimentos das mercadorias adquiridas internamente, o que caracteriza uma concorrência desleal, que poderá levar o comércio interno a falência, já que não tem condições de concorrer com preços de 7% a 12% menores.

Perfilhando essa tese, é de bom alvitre ressaltarmos que existem decisões judiciais, a exemplo das construtoras, que declararam ser as empresas de construção civil apenas prestadoras de serviços sujeitas ao ISS.

Ora, em nenhum momento deixamos de comungar com essa tese, pois a própria Lei Complementar nº 87/96 já prever a incidência do ICMS apenas no fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não previsto na Lei Complementar nº 116/2003, conforme se observa abaixo:

“Art. 2º O imposto incide sobre:

IV – fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios;

V – fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual.”

Todavia, apesar de tais empresas serem prestadoras de serviços, independente de serem inscritas no CCICMS ou não, praticando as mesmas o fato gerador do ICMS, elas passam a ser também contribuintes do imposto, como qualquer pessoa, seja física ou jurídica, conforme se depreende da inteligência emergente do art. 4º, da Lei Complementar nº 87/96, “in verbis”:

“Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.” (Grifo nosso)

Onde mister se faz ressaltar que a condição de contribuinte não está atrelada a regularidade fiscal, ou seja, ao fato de ser pessoa física ou juridica regulamente inscrita ou prestadora de serviço, pois ao praticar o fato gerador do ICMS, estará a mesma obrigada ao recolhimento do imposto, entendimento este originado da exegese da norma explicitada no Código Tributário Nacional-CTN, a qual transcrevemos ipsis literis abaixo:

“Art, 4º – A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la:

I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei;”

Destarte, infere-se das considerações tecidas que se verificando a ocorrência do fato gerado, nasce a obrigação tributária, dessa forma, é de bom alvitre nos reportarmos ao disciplinamento contido na inteligência do art. 12, da Lei nº 6.379/96, do Estado da Paraíba, que assim dispõe:

“Art. 12 – Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:

XIV – da entrada, no estabelecimento de contribuinte, de mercadoria ou bem oriundos de outra unidade da Federação, destiando a uso, consumo ou ativo fixo.”

Neste diapasão, verifica-se que as empresas prestadoras de serviços inscritas no CCICMS realmente estão sujeitas ao ISS no tocante a sua atividade principal, porém, infere-se que no momento em que a mesma adquire com habitualidade mercadorias em outra unidade da Federação, beneficiando-se da alíquota interestadual, praticou o fato gerador do imposto previsto em lei, consequentemente, estará obrigada ao recolhimento do diferencial de alíquota, já que as mercadorias adquiridas para consumo final ou ativo fixo, não terão uma operação subsequente de venda, encerrando-se a fase de circulação para efeito de tributação do ICMS, cabendo assim o recolhimento da complementação da alíquota.

Pois, vale frisar que não se está cobrando o imposto concernente ao fornecimento de mercadoria com a prestação de serviços, e muito menos a prestação de serviço em si, pois é cediço que a operação como um todo está sujeita ao ISS, portanto, esta-se-á cobrando a obrigação surgida com a ocorrência do fato gerador prevista na lei do ICMS, quando da entrada no estabelecimento de mercadorias adquiridas em outra unidade da Federação para uso, consumo ou ativo fixo, quando o adquirente é beneficiado pela aplicação da alíquota interestadual.

Dessa forma, vislumbra-se que são fatos geradores distintos, onde o do ISS surge quando da concretização da prestação de serviço, conquanto o fato gerador do ICMS advém da entrada no estabelecimento de mercadorias adquiridas em outra unidade da Federação destinadas ao uso, consumo ou ativo fixo, onde se infere ser perfeitamente legal a exigência do diferencial de alíquota das empresas prestadoras de serviços inscritas no CCICMS.

Sendo de bom alvitre ressaltar que a única maneira das empresas prestadoras de serviços se eximirem da exigência do diferencial de alíquota seria não serem cadastradas como contribuintes do ICMS, todavia, a grande maioria faz questão de se cadastrar para poder se beneficiar das alíquotas interestaduais.

Procedimento este muitas das vezes efetuado sob o manto de decisões judiciais equivocadas, onde os ilustríssimos magistrados excluem as empresas prestadoras de serviços da competência de pagar o diferencial de alíquota, com lastro na tese de que são sujeitas apenas ao ISS, ao tempo em que não explicitam na mesma decisão a impossibilidade de adquirir mercadorias com alíqutoas interestaduais, pois caberia a própria justiça vedar a inscrição dessas empresas no Cadastro de Contribuinte do ICMS, como isso não acontece, no mínimo, já que as mesmas são prestadoras de serviço, sujeitas apenas ao ISS, caberia a exigência, via decisão judicial, das mesmas não poderem receber mercadorias com alíquota interestadual.

Pois, com a devida vênia, o que não se pode aceitar é o fato das mesmas serem consideradas pela justiça, prestadoreas de serviço, sujeitas ao ISS e ao mesmo tempo, tendo o direito de adquirir mercadorias em outra unidade da Federação com alíquota interestadual, como se contribuinte fosse, em virtude de serem inscritas no Cadastro de Contribuinte do ICMS, procedimento este, como já dito no introito de nossas fundamentações, deletério a sociedade como um todo.

Ex positis, vislumbra-se que entre os temas atuais do direito tributário, vários necessitam ser deslindados, dentre estes está o tema “in examen”, tendo em vista a urgente necessidade de análise e discussão acerca desse tema para que possamos num futuro não muito distante, deleitar-nos com decisões judiciais pautadas no equilíbrio e respeitando o princípio da isonomia. Corrigindo dessa forma as distorções verificadas nos meandros da estrutura tributária hodierna.


Informações Sobre o Autor

Rodrigo Antonio Alves Araujo

Auditor Fiscal da Receita Estadual do Estado da Paraíba, atualmente exercendo a função de Auditor Processual e Suplente de Conselheiro do Conselho de Recursos Fiscais do Estado da Paraíba, com formação em Ciências Contábeis UFPB e Pós-Graduação em Auditoria Fiscal/Contábil – UFPB e Perícia Contábil – UNP-RN


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