Ilegalidade e inconstitucionalidade da retenção do ISS na fonte – Impossibilidade jurídica de instituição da substituição tributária – Direito do prestador de serviços estabelecido em outra municipalidade à repetição do indébito junto ao erário paulistano – Inexistência de relação jurídico‐tributária entre o prestador e o fisco paulistano

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1. Nos presentes estudos vamos tratar da ilegalidade e inconstitucionalidade da exigência de retenção do ISS na fonte, o que autoriza sempre o contribuinte perseguir, perante o judiciário, declaração judicial de inexistência de relação jurídico-tributária entre ele e a fazenda pública. Vamos abordar, aqui, a legislação paulistana mas os fundamentos são aplicáveis, mutatis mutandis, nas relações estabelecidas entre contribuintes e fisco de qualquer municipalidade. No caso da legislação paulistana, a base legal é a Lei Municipal 14042/2005. Lembrando que da ilegalidade e inconstitucionalidade decorre consequente intitulação à repetição do indébito.


2. Vamos tomar, por exemplo, um caso concreto em que uma dada empresa “A” sediada em município do interior do Estado de São Paulo, regularmente inscrita no cadastro de contribuintes do ISS daquele município, foi contratada por empresa “B” que industrializa aparelhos celulares, com planta fabril e Manaus, porém estabelecida também no Município de São Paulo, para prestar serviços de conserto em tais aparelhos no período de garantia. Empresa “A” é do ramo eletro‐eletrônico, cujas atividades incluem a prestação de serviços de assistência técnica de equipamentos e produtos eletrônicos e elétricos.


3. Atenção: é no Município do interior paulista, onde estabelecida “A”, local onde efetivamente presta os serviços para sua contratante “B”.


4. Por se tratar “A” de empresa contratada para a prestação de serviços de assistência técnica dentro do período de garantia, recebe aparelhos telefones celulares de diversas partes do País, enviados por pessoas naturais (físicas), para cujo acobertamento de sua entrada no seu estabelecimento emite Nota Fiscal Mercantil de Entrada (NATUREZA: REMESSA EM GARANTIA).


5. E, quando efetivamente consertados, devolve‐os também devidamente acompanhados de NF de Saída – NF’S (NATUREZA: RETORNO DE CONSERTO EM GARANTIA). Se os aparelhos por qualquer razão não podem ser tecnicamente consertados, são substituídos por aparelho novo entregue ao consumidor final acompanhado de NF‐S com a natureza “Substituição em Garantia”.


6. Na média, são recebidos no estabelecimento de “A”, para conserto em garantia, milhares de aparelhos/dia, amparados por NF’E e NF’S.


7. As Notas Fiscais Entrada e Saída abrangem uma grande quantidade de municípios de diversos Estados Federativos, a comprovar que a contratante “B” encontra-se estabelecida no município de São Paulo, a contratada “A”, estabelecida em município do interior paulista onde regularmente inscrita no cadastro dos contribuintes do ISS e os remetentes de aparelhos celulares, em inúmeras cidades de todo o País.


8. Mesmo quando “A” recebe para conserto, em seu estabelecimento, aparelhos celulares remetidos por assistências técnicas (pessoas jurídicas) de qualquer localidade do País, com natureza de Remessa/Devolução de Mercadorias para Conserto, os aparelhos após consertados são por “A” devolvidos mediante NF‐S com a natureza: Retorno de Conserto em Garantia. Nesse sentido, por exemplo, aparelhos recebidos para conserto de empresas de assistência técnica estabelecidas em Porto Alegre (RS) e também em Votuporanga (SP) e para os mesmos remetentes, lá respectivamente estabelecidos, devolvidos efetivamente consertados.


9. Em razão do que, por força de disposição contratual, “A” emite NF de Prestação de Serviços para sua contratante “B”, para faturamento dos serviços de assistência técnica prestados no mês em aparelhos celulares em garantia para os clientes desta, consumidores finais. Tais aparelhos chegam ao estabelecimento de “A” oriundos diretamente de consumidores finais ou através de outras assistências técnicas as quais, a sua vez, também receberam tais aparelhos para conserto de consumidores finais e que, por não disporem elas de conhecimento suficiente, tecnologia ou equipamentos necessários, remetem para o estabelecimento de “A”.


10. Unicamente o faturamento correspondente aos serviços prestados para consumidores finais residentes e domiciliados em toda a parte indistinta do território nacional é a final promovido contra o endereço de “B”, em São Paulo, local de sua sede administrativa, onde não seria minimamente viável a prestação de serviços de assistência técnica, por “A”, em dezenas de milhares de aparelhos celulares, por mês.


11. Apenas para se ter uma ideia da inviabilidade da prestação de serviços em São Paulo, em especial na sede da contratante “B”, para prestar assistência técnica e reparos na quantidade que o faz “A” para essa contratante, “A” mantém em sua sede no interior paulista uma linha industrial onde efetiva e exclusivamente presta tais serviços. Tratam‐se, a final, de dezenas de milhares de aparelhos consertados todos os meses.


12. Seria humana e materialmente impossível a realização desses serviços no estabelecimento da tomadora, “B”, em São Paulo, onde mantém seu escritório administrativo. Ou, pior que isto, a prestação de tais serviços nos endereços de cada um dos consumidores finais espalhados por todo o território nacional!!!


13. Ad argumentandum, se o ISS fosse efetivamente devido fora do Município onde efetivamente estabelecida “A”, certamente não o seria apenas ao fisco paulistano, mas ao fisco municipal de todo o país, de norte a sul, de leste a oeste, onde residentes e domiciliados os consumidores finais que enviam seus aparelhos celulares para conserto dentro da garantia, ou onde estabelecidas as empresas de assistência técnica que também os enviam para o estabelecimento de “A”, para conserto.


14. Nesse caso, o ISS exigido pelo município de São Paulo, por retenção na fonte, importaria lesão ao interesse arrecadatório de todos os demais municípios que teriam seus ingressos desviados integralmente para os cofres paulistanos. Deveras, uma sandice completa e insegurança jurídica total consubstanciada na pretensão do erário paulistano, que vêm, a final, grassando enquanto o Judiciário não coloca freios a esse desvario!!!


15. É no interior paulista, remarque‐se, onde mantém “A” registro fiscal e recolhe, mensalmente, o ISS sobre a receita obtida com a prestação dos serviços para clientes estabelecidos em quaisquer localidades do território nacional, sendo inclusive beneficiária de incentivos fiscais vinculados à contrapartida em investimentos naquele município interiorano.


16. À toda evidência, só pode ser beneficiária de incentivos do ISS concedidos pelo Município onde estabelecida, na forma de contrapartida pelos investimentos ali realizados porque é ali onde presta serviços e recolhe o imposto devido!!! Caso contrário, obviamente não se intitularia a incentivo ou benefício algum!!!


17. Com efeito, por sua vocação de empresa industrial já que integrante de um grupo industrial com sede em Manaus, “A” é regularmente contratada por diversas grandes empresas para a prestação de serviços de assistência técnica, dentre elas “B”, para quem, mediante contratação presta serviços regulares de assistência técnica, dentro da garantia, em telefones celulares por esta última fabricados.


18. Com fulcro na Lei 14042/2005 do Município de São Paulo, sua cliente “B” reteve alguns milhares de Reais dos pagamentos realizados a “A”.


19. Ocorre que tal retenção é absolutamente inconstitucional e ilegal consoante a seguir demonstrar‐se‐á, com amparo na melhor doutrina e direito aplicáveis.


II DO DIREITO


A) ISS – PRESTADORES DE SERVIÇOS ESTABELECIDOS NOUTROS MUNICÍPIOS ‐ REGRAS GERAIS E EXCEÇÕES APLICÁVEIS – LEI 14042/05


20. Com a edição da Lei Municipal Paulistana 14042 de 30.08.05 foram introduzidas alterações nas regras gerais e exceções aplicáveis ao ISS.


21. Por sua elevada importância sob a perspectiva jurídica, imperativo detalhá‐las já que a municipalidade paulistana erigiu critérios inconstitucionais posto, em qualquer caso, colidentes com a Constituição Federal tocantemente à sua competência tributante seja com fulcro na Lei Complementar 116/03, seja contra as disposições da referida LC 116/03, ao extravasá‐la invadindo a competência exacional de outros municípios, como é o caso daquele onde estabelecida “A”. Isto porque é ali onde: a) estabelecida “A”; b) efetivamente presta serviços, e; c) recolhe o ISS decorrente da prestação dos serviços tais.


REGRA GERAL: ISS DEVIDO NO MUNICÍPIO ONDE ESTABELECIDO O PRESTADOR


22. A regra geral da Lei Municipal paulistana é aquela conforme com a Lei Complementar 116, art. 3º: o serviço considera‐se prestado e o ISS devido no município onde estabelecido o prestador de serviços (LEI MUNICÍPIO DE SÃO PAULO Nº 13701/03, ART. 3º).


1ª EXCEÇÃO À REGRA GERAL: ISS DEVIDO NO LOCAL DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS


23. Dita regra geral, retromencionada, comporta as seguintes exceções: o ISS é considerado devido no local onde o serviço for prestado nos casos de (LC 116/03, ART. 3º, IN FINE E LEI 13701/03, ART. 3º, IN FINE):


a) Instalações de andaime, palcos, coberturas e outras estruturas anteriormente objeto de contrato de cessão temporária (item 3.04 da Lista Anexa à Lei 13701/03);


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b) Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica, elétrica e semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS) (item 7.02);


c) Acompanhamento e fiscalização da execução de obras de engenharia, arquitetura e urbanismo (item 7.17);


d) Demolição (item 7.04);


e) Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS) (item 7.05);


f) Varrição, coleta, remoção, incineração, tratamento, reciclagem, separação e destinação final de lixo, rejeitos e outros resíduos quaisquer (item 7.09);


g) Limpeza, manutenção e conservação de vias e logradouros públicos, imóveis, chaminés, piscinas, parques, jardins e congêneres (item 7.10);


h) Decoração e jardinagem, inclusive corte e poda de árvores (item 7.11);


i) Controle e tratamento de efluentes de qualquer natureza e de agentes físicos, químicos e biológicos (item 7.12);


j) Florestamento, reflorestamento, semeadura, adubação e congêneres (item 7.14);


k) Escoramento, contenção de encostas e serviços congêneres (item 7.15);


l) Limpeza e dragagem de rios, portos, canais, baías, lagos, lagoas, represas, açudes e congêneres (item 7.16);


m) Guarda e estacionamento de veículos terrestres automotores, de aeronaves e de embarcações (item 11.01);


n) Vigilância, segurança ou monitoramento de bens e pessoas (item 11.02);


o) Armazenamento, depósito, carga, descarga, arrumação e guarda de bens de qualquer espécie (item 11.04);


p) Serviços de diversões, lazer, entretenimento e congêneres (todo o item 12 e subitens, exceto 12.13);


q) Serviços de transporte de natureza municipal (item 16.01);


r) Fornecimento de mão‐de‐obra, mesmo em caráter temporário, inclusive de empregados ou trabalhadores, avulsos ou temporários, contratados pelo prestador de serviço (item 17.05);


s) Planejamento, organização e administração de feiras, exposições, congressos e congêneres (item 17.09);


t) Serviços portuários, aeroportuários, ferroportuários, de terminais rodoviários, ferroviários e metroviários (todo o item 20 e subitens).


2ª EXCEÇÃO À REGRA GERAL. TOMADOR E PRESTADOR ESTABELECIDOS NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO RETENÇÃO DO ISS NA FONTE


24. Em que pese a regra geral determine que o ISS seja devido no local onde estabelecido o prestador de serviços e a própria Lei Complementar 116 tenha arrolado cerca de 20 exceções à referida regra geral (alíneas “a” a “t”, supra), há no Município de São Paulo uma outra exceção: tratam‐se dos serviços os quais, inobstantes prestados por empresas estabelecidas no Município Paulistano, contratadas por outras empresas (tomadoras dos serviços) neste mesmo município igualmente estabelecidas, as tomadoras são obrigadas a reter o ISS na fonte (LC 116/03, ART. 6º E LEI 13701/03, ART. 9º, II, “A”). São eles:


a) todos os serviços arrolados na 1ª EXCEÇÃO, salvo os itens 11.01, 11.04, 12 (todos os subitens);


b) Acompanhamento e fiscalização da execução de obras de engenharia, arquitetura e urbanismo (item 7.17);


c) Agenciamento, corretagem ou intermediação de câmbio, seguros, cartões de crédito, planos de saúde e planos de previdência privada (item 10.01);


d) Lubrificação, limpeza, lustração, revisão, carga e recarga, conserto, restauração, blindagem, manutenção e conservação de máquinas, veículos, aparelhos, equipamentos, motores, elevadores ou de qualquer objeto (exceto peças e partes empregadas, que ficam sujeitas ao ICMS) (item 14.01);


e) Serviços de regulação de sinistros vinculados a contratos de seguros; inspeção e avaliação de riscos para cobertura de contratos de seguros; prevenção e gerência de riscos seguráveis e congêneres (item 18.01).


3ª EXCEÇÃO À REGRA GERAL: TOMADOR ESTABELECIDO NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO E PRESTADOR ESTABELECIDO NOUTRO MUNICÍPIO CADASTRAMENTO EM SÃO PAULO RETENÇÃO DO ISS NA FONTE Lei 14042/05


“Art. 9ºA – O prestador de serviços que emitir nota fiscal ou outro documento fiscal equivalente autorizado por outro Município ou pelo Distrito Federal, para tomador estabelecido no Município de São Paulo, referente aos serviços descritos nos itens 1, 2, 3 (exceto o subitem 3.04), 4 a 6, 8 a 10, 13 a 15, 17 (exceto os subitens 7.01, 7.03, 7.06, 7.07, 7.08, 7.13, 7.18, 7.19, 7.20, 11.03 e 12.13, todos constantes da lista do ‘caput’ do art. 1º desta lei, fica obrigado a proceder à sua inscrição em cadastro da Secretaria Municipal de Finanças, conforme dispuser o regulamento. (…)


§ 2º As pessoas jurídicas estabelecidas no Município de São Paulo, ainda que imunes ou isentas, são responsáveis pelo pagamento do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS, devendo reter na fonte o seu valor, quando tomarem ou intermediarem os serviços a que se refere o ‘caput’ deste artigo executados por prestadores de serviços não inscritos em cadastro da Secretaria Municipal de Finanças e que emitirem nota fiscal autorizada por outro Município.


§ 3º Aplicase, no que couber, o disposto nos parágrafos do art. 9º aos responsáveis referidos no § 2º deste artigo.”


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25. A Lei 14042/05, em vigor a partir de 31.08.05 no que se refere ao tópico imediatamente acima, introduziu nova exceção à regra geral a qual pode ser assim sintetizada:


a) Os tomadores de serviços estabelecidos no Município de São Paulo devem reter o ISS na fonte e recolher o imposto ao erário paulistano nos casos arrolados na dita legislação, toda vez que o prestador dos serviços, inscrito noutro município, não se cadastrar junto à Fazenda do Município de São Paulo, nos termos definidos em regulamento paulistano (ART. 9º‐A, § 2º, ACRESCIDO À LEI 13701/03);


b) Entretanto, com o seu cadastramento fica afastada a obrigatoriedade do tomador dos serviços aqui estabelecido proceder à retenção na fonte (ART. 9º‐A, CAPUT, ACRESCIDO À LEI 13701/03);


c) Os serviços sujeitos a essa nova regra são, basicamente, todos aqueles não submetidos à retenção na fonte constantes das 1ª e 2ª Exceções.


B) CONSIDERAÇÕES JURÍDICAS – IMPOSSIBILIDADE DE INSTITUIÇÃO DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA E DE RETENÇÃO NA FONTE


26. Praticamente todos os serviços contemplados na lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/03 foram abrangidos dentro da exceção à regra introduzida pela própria LC 116/03, de modo que, por lei ordinária o Município de São Paulo transformou tal exceção, que não encontra fundamento de validade jurídica na Constituição Federal e no CTN, menos ainda na LC 116/03, quase que absoluta regra!!!


27. Consoante ver‐se‐á muito detidamente adiante, o município de São Paulo não desfruta de poder algum para exigir que os prestadores de serviços estabelecidos noutros municípios, ao aqui prestarem serviços para tomadores estabelecidos neste município paulistano, cadastrem‐se junto ao fisco local.


28. Ainda porque, ao assim exigir, extravasando sua competência constitucional a qual é circunscrita aos limites territoriais do município de São Paulo (CF, ARTS. 156, III C/C § 3º, 146, I, 18, CAPUT, 24, I), impõe com isso o cumprimento de obrigações acessórias (CTN, ART. 113, § 2º) – cadastrar‐se no município ‐ as quais só tem razão de existir se houver prévia vinculação legal do contribuinte com o ente tributante, decorrentes de uma obrigação principal (CTN, ART. 113, § 2º) – débito de imposto −, inexistente no caso.


29. Nesse sentido, doutrina abalizada de Roque Antonio Carrazza:


“Como não poderia deixar de ser, também a Constituição brasileira contém normas que disciplinam a produção de outras normas. São as ‘normas de estrutura’, estudadas por Paulo de Barros Carvalho, em seu Curso de Direito Tributário. Pertencem a esta categoria as que tratam das competências tributárias, especificando quem pode exercitálas, ‘de que forma e dentro de que limites temporais e espaciais’. Tais normas autorizam os Legislativos da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal a criarem, in abstracto, tributo, bem como a estabelecerem o modo de lançálos e arrecadálos, impondo a observância de vários postulados que garantem os direitos dos contribuintes.


Posto isto, conceituemos a competência tributária. (…).


Competência tributária é a aptidão para criar, in abstracto, tributos. (…).


Portanto, competência tributária é a possibilidade de criar, in abstracto, tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas. Como corolário disto, exercitar a competência tributária é dar nascimento, no plano abstrato, a tributos. (…).


Logo, a Constituição limita o exercício da competência tributária, seja de modo direto, mediante preceitos especificamente endereçados à tributação, seja de modo indireto, enquanto disciplina outros direitos, como o de propriedade, o de não sofrer confisco, o de exercer atividades lícitas, o de transitar livremente pelo território nacional etc. A competência tributária, portanto, já nasce limitada.


Ilimitada, de resto, não é nem mesmo a autonomia das pessoas políticas, que encontra na competência tributária uma das mais salientes manifestações.


Com tais assertos, estamos acolhendo as lições clássicas de Albert Hensel, para quem ‘cada norma jurídica tributária deve respeitar as limitações jurídicas fixadas na Constituição, como lei suprema.’ É o caso de aqui repetirmos que a Lei Maior Tributária – pelo menos no Brasil – é a Constituição. (…).


A Constituição, por assim dizer, delimitou o campo tributável e deu, em caráter privativo, uma parte dele à União; outra, a cada um dos Estados; ainda outra, a cada um dos Municípios; e, a última, ao Distrito Federal. (…).


Sobremais, à pessoa política autorizada pela Constituição a tributar é dado instituir deveres instrumentais tributários (‘obrigações acessórias’). A respeito, tivemos a oportunidade de escrever: ‘Pode (a pessoa política) também estabelecer deveres instrumentais, que, naturalmente, só vão incidir sobre as pessoas relacionadas, de algum modo, com as exações da competência privativa do ente político que as editou. A título de exemplo, não pode a União, pelo seu Legislativo, dar à publicidade, validamente, deveres instrumentais que pretendam disciplinar, para os contribuintes dos Estados e os entes que com estes contribuintes convivem, salvo a própria União, o recolhimento do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias (e serviços).


Neste caso, a qualquer destinatário da lei é dado insurgirse contra a medida, que lhe cria óbices que só os Estados poderiam impor.”[1]


30. Mutatis mutandis, não pode o Município de São Paulo, igualmente, extravasando os limites de sua competência constitucional atribuída pela Constituição Federal, a qual é partilhada – não se disse “compartilhada”, mas “partilhada” ‐‐ dentro do espaço territorial nacional com outros entes políticos titulares de igual competência (municípios), obrigações principais ou acessórias que alcancem contribuintes submetidos à competência de outro ente tributante.


31. Isto porque, ex vi de disposições constitucionais, obrigações acessórias e principais estão estritamente vinculadas ao poder de tributar, como exposto, delimitado este pela área geográfica do município dentro do qual a autoridade tributante exerce sua competência exacional.


32. De modo que empresa estabelecida noutro município onde efetivamente presta serviços tributáveis pelo ISS não se submete, em absoluto, a qualquer exigência imposta pela municipalidade paulistana, ainda que de natureza meramente acessória e mesmo que desprovida a norma legal, como ocorre in concretu, de qualquer sanção.


33. Em verdade a sanção, aqui, é indireta e tem natureza eminentemente comercial, capaz de comprometer a relação tomador/prestador já por estabelecer um ponto de tensão entre as partes acerca da retenção na fonte. Isto é, a sanção exterioriza‐se na negativa do tomador de contratar o prestador na hipótese deste negar‐se ao cadastramento posto que o pagamento feito pelo tomador dos serviços ao prestador desacompanhado da respectiva retenção na fonte importa transferência da responsabilidade para o tomador (LEI 14042/05, ART. 8º, § 4º C/C ART. 9º‐A, § 3º).


4. De qualquer modo essa exigência agride a ordem jurídica ao entrar em testilhas com preceitos constitucionais, dentre eles, atinentes à vedação aos Municípios de impor diferenças tributárias entre serviços em razão de sua procedência (CF, ART. 152). Outrossim, a proibição de impor limitações ao tráfego de bens por meio de tributos intermunicipais (CF, ART. 150, IV), hipótese esta latente no caso ao exigir o Município de São Paulo, dos tomadores de serviços aqui estabelecidos, a cobrança do ISS, por retenção na fonte, daqueles prestadores estabelecidos noutras municipalidades que, ao aqui prestarem serviços, tenham‐no feito sem seu prévio cadastramento municipal.


35. A autorização conferida pela Lei Complementar 116/03, art. 6º, aos municípios, para que mediante lei atribuam a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação tributária – trocando em miúdos, estabelecer a obrigatoriedade de retenção na fonte – nem de longe pode respaldar a pretensão paulistana instituída pela Lei 14042/05 ante seu vício de origem.


36. Evidente inconstitucionalidade e ilegalidade, o assunto demanda ser apreciado também por uma perspectiva prática. Veja‐se, parece inexistir dúvida alguma de que a obrigatoriedade de cadastramento dos prestadores estabelecidos noutras municipalidades visou munir a fiscalização local de instrumental jurídico supostamente eficaz para continuar ela exigindo o imposto daquelas empresas que, estabelecidas nas cercanias, aqui efetivamente prestam serviços.


37. Mas essa prática não é e, muito menos ainda, pode ser proibida (CF, ARTS. 1º, IV, 5º, II, LIV, 170, II E IV)!!! O problema reside nos casos de empresas que apenas “de fachada” encontram‐se estabelecidas noutras municipalidades. Na verdade, em muitos casos todas as atividades dessas empresas são de fato desenvolvidas no município de São Paulo, mas juridicamente encontram‐se estabelecidas em quaisquer dos municípios próximos, lá recolhendo o ISS a alíquotas bastante módicas! Para essas a nova exigência instituída pelo fisco paulistano representa um golpe letal. Entretanto, para enfrentar isto o fisco paulistano tem que encontrar soluções que não entrem em confronto direto com a Constituição Federal e com o CTN, como ocorre no presente caso.


38. Já para as demais, efetivamente estabelecidas noutros municípios onde vem regularmente desenvolvendo suas atividades, como é o caso de “A”, o registro no município de São Paulo é exigência que não se conforma com a partilha de competências tributantes, próprias e naturais de um Estado Federativo tal qual insculpido em nossa Constituição Federal. Muito menos ainda, a retenção na fonte realizada por “B” no importe de milhares de Reais, calculada sobre os pagamentos por ela devidos a “A”.


39. Repita‐se, o ente tributante não pode impor, mediante tributação, restrições à livre circulação de pessoas, bens e serviços (CF, ART. 152 E 150, IV). Assim como não pode exigir o cumprimento de obrigações acessórias daquele que se encontre ao largo de seu âmbito de competência, caso de “A”. Muito menos, exigir o cumprimento da obrigação principal.


40. É absolutamente evidente ter pretendido o Município de São Paulo, com tal obrigatoriedade de cadastramento, afastar a ilegalidade ínsita na exigência de retenção na fonte ao tentar conferir à sua legislação aparência de constitucionalidade e legalidade.


41. E com a declaração do prestador estabelecido noutro município obtida no procedimento de cadastramento pretendeu afastar a necessidade, até o advento da Lei 14042/05 verificável, de, em procedimentos fiscalizatórios, deslocar‐se o agente fiscal paulistano até outro município onde estabelecido o prestador “fiscalizado” para ali levantar informações suas, inclusive lastrear tais levantamentos com fotos do local onde supostamente estabelecido, prática até então comum nos procedimentos fiscalizatórios do ISS.


42. É evidente que nos processos judiciais exigindo o ISS de prestadores estabelecidos noutras municipalidades a Fazenda Municipal paulistana certamente lastreará sua tese no argumento de que sua pretensão se estriba nas declarações prestadas pelo próprio prestador!!!


43. Trata‐se, como se vê, de engenhosa solução introduzida pelo fisco paulistano! Que esbarra, contudo, no teste da constitucionalidade e da legalidade.


44. Ocorre que a substituição tributária com retenção do imposto na fonte, para ser introduzida no ordenamento, obedece a algumas regras, insuprimíveis, a saber:


a) Sujeito passivo da obrigação tributária só pode ser a pessoa que provoca, desencadeia ou produz a materialidade da hipótese de incidência de um tributo, tal qual previsto na Constituição Federal, é dizer, quem tenha relação pessoal e direta com tal materialidade (CTN, ART. 121, PAR. ÚNICO, I).


Na própria designação constitucional do tributo encontra‐se implicitamente indicado quem é o sujeito passivo da obrigação tributária, é dizer, aquela pessoa que terá seu patrimônio diminuído em razão do gravame tributário. Em relação ao ISS, é a pessoa que presta os serviços tributáveis.


O que impede que o ente tributante, por simples comodidade ou por qualquer outra razão não estritamente relacionada com a materialidade tributária deixe de alcançar a pessoa licitamente eleita como sujeito passivo para alcançar outra[2].


E é assim porque nossa Constituição Federal adota como princípio geral do sistema tributário a capacidade contributiva (CF, art. 145, § 1o), de modo que o legislador deve adotar como pressuposto do imposto um fato ligado à pessoa que revele capacidade contributiva, sinal presuntivo de riqueza, que só pode ser próprio e inerente ao contribuinte, não a qualquer terceiro. Dito de outro modo, contribuinte do ISS só pode ser o prestador do serviço que aufere receita tributável (sujeito passivo direto, como tal aquele que aufere vantagem econômica direta da situação que constitui fato gerador da obrigação tributária e que, por isso mesmo, tem uma dívida tributária própria em relação ao ente tributante assim constitucionalmente eleito).


b) Sujeito passivo indireto também pode responder pela obrigação tributária nascida em relação ao sujeito passivo direto, desde que tenha uma relação estabelecida pelo Direito ou por fatos jurídicos, caso em que poderá ser chamado a responder por dívidas de terceiro (contribuinte).


Nesse caso de substituição tributária, o regime jurídico aplicável à tributação será sempre o regime do substituído (contribuinte, sujeito passivo direto) jamais o do substituto (terceiro, sujeito passivo indireto), já que este estará sempre pagando tributo alheio[3].


O disparate da Lei 14042/05 chegou a ser objeto de incisiva observação da doutrina, nestes termos:


“Essas cautelas não vem sendo adotadas pelos Municípios que, frequentemente, têm previsto ‘substituições’ incabíveis, cujo propósito não é outro senão o de fraudar a hipótese de incidência do ISS, por via do seu aspecto espacial, como será visto adiante.


A mais evidente demonstração de absurdos desse jaez consta da Lei do Município de São Paulo no 14.042, de 30 de agosto de 2005, que, dentre outros absurdos, pressupondo não serem os prestadores de serviços os sujeitos passivos diretos do ISS, determina que estes devam responder ‘supletivamente’ pelo pagamento do imposto, multa e demais acréscimos legais, na conformidade da legislação, em caso de descumprimento, total ou parcial, ‘pelo responsável’, da obrigação de reter na fonte o valor do ISS (cf. § 9o acrescido ao art. 9o da Lei no 13.701/2003).


Ao lado desse despropósito, pretendese nessa Lei no 14.042/05 que prevaleça a alíquota vigorante no Município de São Paulo e não aquela a que submetido o substituído.” [4]


c) A sujeição passiva por substituição ou por responsabilidade não foi e jamais poderá traduzir um cheque em branco em favor da administração tributária federal, estaduais ou municipais. A rigor, a CF, art. 150, § 7º nem mesmo autorizaria a instituição da substituição tributária no âmbito do ISS.


Veja‐se por que.


O sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo devido, podendo ser como tal considerado contribuinte – quando guarde relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador – ou responsável – quando sua obrigação decorra de disposição expressa de lei (CTN, ART.121, PAR. ÚNICO, I E II)[5]. A responsabilidade tributária importa solidariedade (CTN, ART. 124, I E II)[6].


Entretanto, assim como a obrigação tributária pode ser imputada a outrem em decorrência de solidariedade entre terceira pessoa vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação e o contribuinte originário (CTN, ART. 124, I E II), pode também ser imputada a outrem por substituição, caso em que a lei deve excluir a responsabilidade do contribuinte originário ou mesmo atribuir a ele responsabilidade – não mais solidária – mas em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida


obrigação por aquele que o tenha substituído no cumprimento da obrigação, é dizer, substituto tributário (CTN, ART. 128)[7].


Já a Constituição Federal somente dispõe sobre sujeição passiva por responsabilidade num único dispositivo (CF, ART. 150, § 7º), pelo qual autoriza à lei atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada imediata e preferencial restituição da quantia paga caso não se realize o fato gerador presumido[8].


Notar que, nesse caso, não cogita a Carta Política de substituição tributária de um contribuinte originário, por terceiro, substituto. E nem poderia ser diferente, claro! Ora, o núcleo do comando constitucional autoriza a lei atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de tributo cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente.


É sutil, mas isto precisa ser efetivamente captado, pena de perder‐se a essência do entendimento em prejuízo da ordem jurídica e da Constituição. Portanto, à evidência, tal fato gerador ainda não ocorreu. E, se ainda não ocorreu, impossível denominar o sujeito passivo de contribuinte, o que juridicamente não o é de vez que contribuinte é aquele que tem relação pessoal e direta com a situação constitutiva do respectivo fato gerador.


O fato gerador tem, em sua essência, o poder irradiador de uma consequência jurídica – no caso, de natureza tributária, gerando direito de crédito em favor do ente tributante constitucionalmente autorizado −, daí porque é gerador.


Como a situação constitutiva do respectivo fato gerador, diz a Constituição, art. 150, § 7o, ainda não ocorreu – razão pela qual dispõe: “cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente” – a única opção legal disponível para o legislador constituinte (EMENDA CONSTITUCIONAL 3/93) era designar, como efetivamente o fez, o agente simplesmente de sujeito passivo responsável tributário.


Com efeito, o sujeito passivo, no comando insculpido a teor do disposto no § 7º do art. 150, CF, não poderia jamais ser substituto tributário. Apenas responsável tributário, consoante expressa dicção do referido § 7º.


E por que não poderia ser substituto tributário? Ora, porque o texto constitucional autoriza ao legislador ordinário a atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de tributo cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente. É a conhecida e impropriamente designada substituição tributária para a frente. Imprópria por diversos aspectos mas, no caso, porque, como visto, não se trata de substituição, senão de responsabilidade tributária.


Essa conclusão sugere a seguinte indagação: apenas a denominação empregada seria suficiente para amparar a conclusão que aqui se lança – considerando‐se que o constituinte não é obrigado a observar a técnica jurídica na elaboração do texto constitucional? Obviamente não!


O próprio texto constitucional oferece a solução pois se, consoante autoriza, a lei ordinária pode atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária futura a condição de responsável pelo pagamento de tributo cujo fato gerador deva ocorrer  osteriormente, assegurada imediata e preferencial restituição da quantia paga caso não realizado o fato gerador, é isto, per se, absolutamente indicativo de se tratar de um mesmo sujeito passivo, que ante a impossibilidade de ser considerado contribuinte já que o fato gerador ainda não se consumou, é então designado responsável tributário.


E se inexistente um terceiro por ser o próprio sujeito passivo eleito responsável tributário por fato gerador que se realizará no futuro, tanto que a ele assegurada imediata e preferencial restituição da quantia paga caso não se realize o fato gerador, à época do nascimento da obrigação, apenas presumido, nada mais óbvia a impossibilidade de instituição da substituição tributária. Isto porque não há, na previsão constitucional, um terceiro a quem atribuir a substituição tributária. Há apenas um único responsável que convolar‐se‐á, quando o fato gerador se consumar, em contribuinte.


De modo que, quando muito, aplicáveis as disposições do § 7º do art. 150, CF, a tributos nãocumulativos (ICMS, IPI, Pis e Cofins ambos nas suas modalidades não‐cumulativas) em cujo ciclo econômico possível se verificar uma sequência de fatos geradores sucessivos, caso em que, a exemplo da substituição tributária instituída para o ICMS, o imposto devido em todo o ciclo econômico de comercialização é antecipado para o momento de saída da mercadoria do estabelecimento fabricante, por exemplo. Essa afirmativa não significa nossa compactuação com esse quasímodo denominado “substituição tributária”, especialmente no caso do ICMS. Mas como o espaço aqui é dedicado ao ISS, a ele nos circunscreveremos.


Jamais aplicáveis tais disposições constitucionais (CF, art. 150, § 7o) ao ISS ante a absoluta impossibilidade de se cogitar de responsabilidade por seu pagamento cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, hipótese totalmente inviável dada a natureza desse tributo, cujo fato gerador se exaure num único ato: prestação do serviço.


O encargo do ISS, diferentemente do ICMS, não é transferível para o ciclo subsequente, de modo que impossível cogitar de “fato gerador [que] deva ocorrer posteriormente”.


Nada obstante desautorizada constitucionalmente, a LC 116/03[9] veio autorizar os municípios a, mediante lei ordinária, atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo‐a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação, inclusive tocantemente à multa e aos acréscimos legais.


Por todas as razões aqui amplamente demonstradas, essa autorização conferida pela LC 116/03 aos legisladores municipais para instituir a substituição tributária com retenção na fonte é absolutamente inconstitucional e assim deve ser reconhecida pelo Poder Judiciário, único intitulado a reparar essa violação à Lex legum[10].


d) A possibilidade de erigir terceiros como substitutos tributários se se revelasse um cheque em branco entregue ao ente tributante, ante a dificuldade de qualquer natureza, máxime fiscalizatória ou arrecadatória e o legislador ordinário trataria logo de prover o fisco de instrumental legal apto a exigir o imposto daquele que representasse maior garantia arrecadatória. Ou daquele que, fora dos limites da competência territorial exacional, interessasse ao erário cobrar.


Exatamente o que se verifica no caso vertente. Tudo nasceu com a denominada “guerra fiscal”, cujas alíquotas maiores aqui praticadas empurraram muitos contribuintes paulistanos para municípios circunvizinhos ao de São Paulo.


Insuficiente o ganho político obtido pela ex‐Prefeita Marta Suplicy junto ao Congresso Nacional do qual resultou por limitar a alíquota mínima do ISS a 2%, revelando‐se o efeito dessa medida ineficaz posto que as empresas prosseguiram estabelecidas noutros municípios limítrofes e nesta Capital prestando serviços, o município encetou algumas providências fiscalizatórias junto aos tomadores de serviços aqui estabelecidos, estendendo tais procedimentos fiscalizatórios até mesmo junto aos prestadores, ainda que extravasando a área geográfica sob sua competência.


Sem efeitos práticos concretos porquanto desprovido o fisco paulistano de instrumental legal apto a exigir o imposto do prestador estabelecido noutro município e, idem, do tomador aqui estabelecido, passo seguinte foi, contra a Constituição Federal e contra o CTN, amparado numa Lei Complementar inconstitucional (LC 116/03), promulgar a Lei 14042/05, cuja exigência não se sustenta em si mesma. Trata‐se de aplicação, aqui, do Princípio Constitucional da Legalidade, insculpido no art. 5º, II e art. 150, I, ambos da Carta Política.


Ocorre que essa Lei 14042/05 padece, tanto quanto a LC 116/03 que lhe deveria emprestar validade jurídica, do vício insanável de inconstitucionalidade.


e) O insuperável vício de inconstitucionalidade, ainda que ausente, não autorizaria a instituição da substituição tributária com retenção do ISS na Fonte por outra razão igualmente relevantíssima. É que o ISS é imposto cuja exigência requer estreita e indissolúvel observância à taxatividade da lista de serviços insculpida na LC 116/03, além do que, absoluto respeito aos limites territoriais sobre os quais projeta a lei, com amparo na Constituição Federal, o poder exacional conferido a cada um dos entes tributantes.


É dizer, lei tributária projetando efeitos no espaço em estrita observância e conformação com a partilha exacional conferida a cada um dos municípios brasileiros.


Exatamente em atendimento a esse aspecto atinente à competência exacional, limitada que é pelos lindes territoriais dentro dos quais a Constituição outorgou poderes que pode exercer o ente tributante o seu integral, porém estreito poder, já que além deles (lindes), a competência é de outro ente tributante.


Com efeito, ambos os agentes envolvidos no fato gerador da obrigação tributária devem estar rigorosamente situados no âmbito dos limites territoriais dentro dos quais o ente tributante exerce seu poder de império para que a substituição tributária tenha lugar.


Dito de outro modo e em prestígio da objetividade: tomador e prestador devem estar estabelecidos dentro do mesmo território paulistano para que o Município de São Paulo possa exercer seu poder, exigindo inscrições ou cadastramentos e, sobretudo, erigindo o prestador em substituto tributário do tomador.


Inobservada essa condição sine qua non, ocorrerá, como de fato concretamente ocorre na situação vertida na presente demanda, a exigência do imposto por retenção na fonte promovida pelo tomador dos serviços estabelecido em São Paulo, no caso, “B”, e recolhimento do mesmo imposto − e sobre a mesma base‐de‐cálculo porquanto oriunda do mesmo fato gerador −, ao Município onde estabelecida “A”!!!


A doutrina e a jurisprudência já se posicionaram sobre o tema, afastando por completo a viabilidade jurídica de exigência desse jaez, tal qual pretendida pelo Município de São Paulo, adotando o entendimento de que o ISS é devido no local da prestação dos serviços.


Observe‐se: não é devido no local onde estabelecido o prestador, consoante disposto na LC 116/03, nas hipóteses em que o serviço é efetivamente prestado em Município distinto daquele em que estabelecido o prestador, normalmente coincidindo esse local da prestação com o Município onde estabelecido o tomador, de modo que se, como no caso aqui vertido o serviço é efetivamente presta do na localidade onde estabelecida “A”, é lá e somente lá que o imposto será devido[11].


Veja‐se, nesse sentido, julgado da lavra da Ministra Eliana Calmon (RESP 729278/MG, DJU 30/09/05):


“Ao proferir voto mérito no REsp 399.249/RS, cujo Relator é o Ministro Peçanha Martins, assim me pronunciei sobre a questão: Em relação ao mérito do ISS, confesso que, quando cheguei ao STJ, encontrei uma jurisprudência reiterada da Casa de que o imposto deveria ser recolhido no local da prestação de serviço. Adotei o entendimento, segundo a jurisprudência da Corte. Porém, verifiquei que esse entendimento era objeto de diversas críticas e as reuni para estudálas, quando tivesse oportunidade de vir a julgar a tese. A oportunidade apareceu quando o Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins relatou o REsp 252.114/PR. Ao examinálo, verifiquei que, efetivamente, a jurisprudência deste Tribunal está em testilha com o previsto no art. 12 do Decretolei 406/68. Essa é a maior queixa, porque, examinando o referido dispositivo, encontraremos:


Considerase local da prestação de serviço: a) o do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, o do domicílio do prestador; b) no caso de construção civil, o local onde se efetua a prestação. Pode se verificar que o fato gerador ocorre sempre no local do estabelecimento da prestação de serviços ou onde está domiciliado o prestador de serviço; com a exceção prevista na alínea ‘b’ – quando se referir à construção civil.


Preocupeime, porque o entendimento pretoriano está em confronto absoluto com a lei. Examinei toda a jurisprudência anterior; verifiquei o primeiro acórdão do Ministro Demócrito Reinaldo, que deu a interpretação que veio a prevalecer nos anos anteriores; consultei a doutrina e encontrei a explicação: o problema está na Constituição.


Dos juristas e tributaristas mais autorizados: Roque Komatsu, Ives Gandra da Silva Martins, Marçal Justen Filho e outros catalogados de uma séria de artigos a respeito do ISS dizem que o grande problema é a Constituição afirmar, no seu art. 156, inciso II, que cabe ao município cobrar o ISS. Por sua vez, o imposto incidente sobre a prestação de serviços realizados no seu território é criado por meio de uma lei municipal que obedece, por sua vez, a lei complementar. Assim, se ele é cobrado em um município diverso daquele do local da prestação de serviço, estarseá dando à lei municipal o caráter de extraterritorialidade.


Tenho, então, dois dispositivos legais: uma na Constituição, outro no Decretolei 406/68.


Qual deve prevalecer? Dizem os juristas que deve prevalecer a Constituição. Entretanto, cabe um segundo questionamento: se tenho uma norma infraconstitucional que está em testilha com a norma constitucional, devo arguir a inconstitucionalidade. Mas o problema é que o art. 12 do Decretolei 406/68 não é inconstitucional em relação a todos os serviços, mas somente quando o serviço é prestado fora do local do estabelecimento, porque, de um modo geral, as prestadoras de serviço realizam seu trabalho no local onde está sua sede. Excepcionalmente elas prestam o serviço fora desta sede. De forma que não se pode arguir a inconstitucionalidade do decreto por inteiro.


As dificuldades são grandes, pois, no caso, por exemplo, do Rio Grande do Sul, existe uma excepcionalidade que se repete em relação aos municípios que têm outros municípios circunvizinhos, como também a Grande São Paulo, Recife e Salvador, o qual tem o seu pólo petroquímico fora do Município de Salvador e dá azo, inclusive, ao problema da guerra fiscal. Esta é uma dificuldade enorme para as empresas prestadoras de serviços porque a sede se estabelece no município e a prestação de serviço se espraia em diversos outros. O problema é tamanho que, dizem os tributaristas, muitas empresas preferem até recolher duas ou três vezes o ISS por causa das complexidades contábeis, resultantes de uma legislação municipal miúda.


A pergunta que fica é a seguinte: não seria bem mais razoável ficar com a norma infraconstitucional, com o Decretolei 406/68 e abandonar o dispositivo constitucional? Pode parecer que sim, momentaneamente, mas se a Constituição é desobedecida aqui e acolá começaremos a abrir mão de garantias.


A conclusão de todos os tributaristas respeitáveis é no sentido de que não se pode ainda acusar o Superior Tribunal de Justiça de infringir a norma, porque a nossa jurisprudência está em sintonia com a Constituição.


Já votei em diversos processos seguindo a jurisprudência desta Casa e estou acompanhando o Sr. MinistroRelator, conhecendo do recurso especial e dandolhe provimento, mas, hoje, voto com absoluta segurança, porque estou respaldada na doutrina. (…)


A tese restou pacificada na âmbito da Primeira Seção a partir do julgamento do EREsp 130.172/CE, assim ementado:


‘EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ISS. COMPETÊNCIA. LOCAL DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PRECEDENTES.


I – Para fins de incidência do ISS – Imposto sobre Serviços −, importa o local onde foi concretizado o fato gerador, como critério de fixação de competência do Município arrecadador e exigibilidade do crédito tributário, ainda que se releve o teor do art. 12, alínea ‘a’ do DecretoLei nº 406/68.


II – Embargos rejeitados. (Relatora para acórdão Ministra Nancy Andrighi, Julg. 07/04/2000, DJ de 12/06/2000, página 66).’


Ainda sobre o tema, ensina Roque Antonio Carrazza (in Curso de Direito Constitucional Tributário,


20ª Edição, págs. 888/890):


‘[…] temos que a lei complementar nacional não pode definir local, para fins de ISS, alterando critérios constitucionais.


Como vimos, a Constituição traçou a regramatriz de todos os tributos. Esta regramatriz –que vincula o Poder Legislativo das várias pessoas políticas – indica, dentre outras coisas, o aspecto espacial possível da hipótese de incidência de cada exação (ou seja, os limites do aspecto espacial da hipótese de incidência dos tributos).


O postulado vale também para o ISS. De acordo com a Constituição, este imposto só pode alcançar os serviços de qualquer natureza (exceto os referidos no art. 155, II, da CF) prestados no território do Município tributante. Por que? Porque nosso Estatuto Magno adotou um critério territorial de repartição das competências impositivas que exige que a única lei tributária aplicável seja a da pessoa política em cujo território o fato imponível ocorreu.


De conseguinte, por injunção constitucional, a lei que cria, ‘in abstrato’, o ISS só pode irradiar efeitos sobre os serviços prestados no território do Município que a editou.


Nem mesmo a lei complementar nacional pode alterar a seguinte diretriz da Lei das Leis: ‘o ISS é sempre devido no Município onde o serviço for efetivamente prestado, ainda que seu prestador esteja domiciliado ou sediado em outro Município.’


Do exposto, claro estava que a ‘norma’ contida no art. 12 do Decretolei n. 406/68 – que, para alguns, fazia as vezes de lei complementar nacional −, estipulando que o ISS era devido (exceção feita à construção civil) ao Município onde o estabelecimento prestador estivesse sediado (mesmo quando o serviço era prestado em outro Município), consagrava a absurda ideia de que a lei do Município ‘A’, ao definir a hipótese de incidência desta exação, podia prever, como circunstância de lugar relevante à configuração do fato imponível tributário (aspecto espacial), a prestação de serviço em qualquer outro Município. Deste modo, a lei deste Município ‘A’ teria plena eficácia nos Municípios ‘B’, ‘C’, ‘D’ … ‘N’, afrontando totalmente o princípio constitucional da territorialidade das leis tributárias (…). Segundo à época sustentávamos, esta lei, para evitar eventuais conflitos de competência tributária entre os Municípios, só podia dispor no sentido de que o ISS seria devido àquele onde o serviço de qualquer natureza fosse prestado. E, mais: que acordos entre o prestador e o fruidor do serviço não teriam força jurídica bastante para alterar esse quadro, plasmado em inafastável postulado constitucional.


Infelizmente a Lei Complementar nº 116/2003 (que revogou, dentre outros, o art. 12 do Decretolei nº 406/68) perdeu uma boa oportunidade de restabelecer, neste aspecto, o primado da Constituição. Com efeito, embora tenha aberto uma série de exceções (incs. I – XXII do art. 3º), manteve (art. 3º, caput) a regra geral, afrontosa ao critério territorial de repartição de competências tributárias, no sentido de que o imposto é devido ‘no local do estabelecimento prestador’.”


Resulta da doutrina e jurisprudência do STJ que a territorialidade das leis tributárias deriva do fato de que as competências outorgadas pela Constituição para os Estados e Municípios (incluindo Distrito Federal) são materialmente concorrentes, daí porque adotado o critério territorial de repartição dessas competências, de modo que a única lei aplicável será sempre a do ente político em cujo território o fato gerador tributário teve lugar.


Com efeito, em prestígio ao critério da territorialidade das leis tributárias, e considerando que “A” encontra‐se estabelecida no Município do interior paulista onde efetivamente materializa a prestação de assistência técnica para os produtos telefones celulares produzidos por sua cliente “B”, porque em garantia enviados por usuários finais para conserto, absolutamente legítimo – na parte em que em conjuminância com os fatos verificados in concreto ‐‐ o comando insculpido na LC 116/03, art. 3º, caput, segundo o qual: “O serviço considerase prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador …” de vez que o Município onde fixado o estabelecimento prestador é o mesmo onde o serviço é prestado. Essa conclusão está em tudo e por tudo absolutamente alinhada com a jurisprudência do STJ, consoante acima reproduzida. Igualmente, com a melhor doutrina.


f) A retenção na fonte pressupõe prévia competência exacional. É dizer, só pode haver retenção na fonte, obviamente, se o ente tributante instituidor dessa obrigação tiver, dentro dos limites territoriais onde exerce seu poder de império, competência para exigir o imposto de ambas as partes envolvidas na relação fática ou jurídica ensejadora do nascimento da obrigação tributária. Se sobre uma delas não tiver competência tributante, inadmissível, sob pena de inconstitucionalidade, exigir o ISS, seja do tomador, seja do prestador dos serviços.


E é assim porquanto a lei vigente no Município de São Paulo, no caso, não desfruta de força vinculante em relação a “A”, estabelecida no Município interiorano onde é o serviço efetivamente prestado.


Veja‐se a doutrina:


“Como se depreende, para ser devida a responsabilidade por retenção do ISS na fonte e legitimamente instituída, o Município em que está situado o tomador, o local em que foi prestado o serviço e aquele em que se pretende criar a retenção do imposto têm que ser os mesmos.


Caso a Lei do Município ‘A’ crie retenção do ISS na fonte, elegendo como responsável pelo imposto o tomador, cabelhe cumprir esse dever, apenas nos casos em que o serviço tenha sido nele prestado (Município ‘A’), ainda que os estabelecimentos prestadores estejam situados em Municípios diversos.


Não há amparo no sistema para a instituição, pelo Município, de responsabilidade por retenção do ISS na fonte, em relação a tomadores de serviços nele localizados, cuja prestação tenha ocorrido em Município diverso (muito embora os seus prestadores estejam estabelecidos naquele), ou em relação a serviços ali prestados, estando seus tomadores localizados fora desse Município.[12]


45. Por todos os jurídicos fundamentos aqui apresentados resta para mais que comprovada a impossibilidade de a municipalidade paulistana, ainda que amparada em lei (inconstitucional), instituir a substituição tributária do ISS e, menos ainda, a responsabilidade por retenção na fonte de imposto devido e recolhido para o fisco efetivamente competente, do interior paulista, onde estabelecida “A” e onde efetivamente presta os serviços para todos os seus clientes pois é ali que mantém máquinas e equipamentos, inclusive estoques de peças empregadas na prestação dos serviços tributados.


C) INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICOTRIBUTÁRIA


46. Com a imputação ao tomador dos serviços da responsabilidade pelo pagamento do ISS, devendo reter na fonte (LEI 14042/05, ART. 9º, CAPUT, II) o valor do imposto quando tomar os serviços a que se refere o caput do art. 9º‐A da referida lei, pretende o fisco paulistano, em total subversão à Constituição Federal, imputar ao contribuinte os deveres de fiscalização que, ex vi legis, pena de responsabilidade funcional, são atribuições exclusivas da administração pública tributária.


47. Ora, lançamento é atributo exclusivo e inerente à atividade administrativa. Portanto, do agente público (CTN, ART. 142, CAPUT E PAR. ÚN.). Não cabe ao tomador dos serviços exigir o cadastramento junto ao fisco paulistano do seu prestador de serviços e, muito menos ainda, reter o imposto no caso desse prestador não promover o seu próprio enquadramento.


48. O ente público quer a garantia de arrecadação sem riscos! E quando no caso concreto experimenta tais riscos, cria logo um mecanismo que recebe a chancela “legal” — ainda que, como no caso, inconstitucional — de transferir para terceiro, que nada tem a ver com a frustração estatal no cumprimento de sua obrigação de fiscalizar, cobrar e executar seus devedores, os ônus financeiros.


49. Entretanto, a inconstitucionalidade e ilegalidade da Lei 14042/05 subtrai da municipalidade paulistana o direito de exigir o ISS sobre as receitas de prestação de serviços obtidas por “A”. Isto porque inexistente relação jurídico‐tributária entre o Município de São Paulo e “A”.


D) DIREITO DE REPETIR


50. Nem se diga aplicável, à espécie, a previsão disposta no art. 11 da Lei 14042/05, segundo cuja dicção:


“Art. 11 – A legitimidade para requerer a restituição do indébito, na hipótese de retenção indevida ou maior que a devida de imposto na fonte recolhido à Fazenda Municipal, pertence ao responsável tributário.”


51. Ora, primeiramente porque nas hipóteses de responsabilidade ou de substituição tributária, por ter‐se fenômeno de pagamento (juridicamente considerado) de tributo alheio por terceiro (não‐contribuinte em relação ao ente tributante que o exige) diverso do realizador do fato sujeito à incidência (este sim, o contribuinte), o regime jurídico a ser observado só poderá ser o do substituído (prestador de serviços), jamais o do tomador dos serviços[13].


52. Segundo, porque a legitimidade para repetir o indébito, no caso, por versar pagamento de algo indevido – daí porque repetível –, posto jungido às condições do prestador dos serviços, portanto submetido ao regime jurídico deste, não pode ter natureza jurídica de tributo porquanto não é este (“A”) contribuinte em relação ao montante descontado de seu pagamento pelo tomador dos serviços (“B”). Se consoante o regime jurídico do prestador de serviços não se trata de tributo, logo aplicáveis unicamente os pressupostos do Diploma Civil. E, segundo o Código Civil, a fim de afastar o locupletamento ilícito, todo aquele – é dizer, qualquer um – que tenha recebido o que lhe não era devido fica obrigado a restituir (CC, ART. 876).


53. Terceiro: ainda que tivesse natureza tributária, o prestador dos serviços – “A”, no caso −, perseveraria tendo direito à repetição do que pago indevidamente ao fisco paulistano, neste caso com fulcro no CTN (ART. 165), segundo o qual:


“Art. 165 O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial de tributo, seja qual for a modalidade de seu pagamento (…), nos seguintes casos:


I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;” (grifamos)


54. Neste caso, o fundamento legal para aplicação do art. 165 do CTN seria a Lei 13701/03 – alterada pela Lei 14042/05. Veja‐se:


“Art. 9ºA – (…)


§ 3º Aplicase, no que couber, o disposto nos parágrafos do art. 9º aos responsáveis referidos no § 2º deste artigo.


Art. 9º (…)


§ 4º Independentemente da retenção do imposto na fonte a que se referem o ‘caput’ e o § 3º, fica o responsável tributário obrigado a recolher o imposto integral, multa e demais acréscimos legais, na conformidade da legislação, eximida, neste caso, a responsabilidade do prestador de serviços.”


55. Se no regime da substituição tributária instituído pela Lei 14042/05, cujo art. 9º‐A determina aplicável o disposto no art. 9º e este (§ 4º) dispõe que mesmo que não se tenha operado a retenção na fonte o tomador dos serviços (responsável tributário) prossegue obrigado a recolher o ISS não retido acrescido de multa e juros, eximida assim a responsabilidade do prestador de serviços, significa isto ter sido adotado pela referida lei a figura da responsabilidade tributária supletiva do cumprimento total ou parcial da referida obrigação (a que alude o CTN, art. 128, in fine), de modo que se pendente o principal ou acréscimos, total ou parcialmente, o prestador responde supletivamente ao tomador. E se de um lado é‐lhe imposta responsabilidade supletiva, de outro tem direito à restituição do tributo juntamente com tomador (CTN, ART. 165, CAPUT), já que a legitimidade para requerer a restituição do indébito pertence ao sujeito passivo, gênero que engloba as espécies “contribuinte” (CTN, ART. 121, PAR. ÚN., I) e também “responsável” (CTN, ART. 121, PAR. ÚN., II).


56. Quarto, e derradeiramente, a Constituição Federal assegura a imediata e preferencial restituição da quantia paga ao sujeito passivo da obrigação tributária, por ela, CF designado, à época da efetiva ocorrência do fato gerador, sujeito passivo.


57. Posto isto, absolutamente legitimado para repetir o indébito aquele que arcou com os ônus financeiros correspondentes, seja sob a perspectiva jurídica, aqui amplamente demonstrada, seja sob a financeira, i. e., “A”.


III – CONCLUSÃO


58. À vista de todo o exposto, evidenciados os fatos e o direito que deles emergem e a ilegitimidade da retenção na fonte é de se reconhecer, igualmente, a ilegalidade e inconstitucionalidade da Lei 14042/05, art. 9º‐A e §§, tocantemente à exigência de cadastramento perante o fisco paulistano e a retenção na fonte promovida pela tomadora dos serviços, “B”, empresa estabelecida no Município de São Paulo onde mantém seu escritório, pena de enriquecimento ilícito do ente público tributante paulistano de vez que constitucionalmente não intitulado este ao recebimento desse imposto municipal (ISS), o qual efetivamente teve lugar com a retenção ocorrida no importe de milhares de Reais dos pagamentos a “A” realizados sobre serviços integralmente prestados em município do interior paulista a “B”.


59. Do mesmo modo, intitula‐se “A” à repetição do quantum indevidamente retido dos pagamentos feitos por “B”, a título de ISS retido na fonte, por esta recolhido aos cofres públicos paulistanos, tudo devidamente atualizado desde a data de sua retenção na fonte, mediante aplicação da tabela de acréscimos legais utilizados pelo fisco municipal paulistano;


60. O fundamento é o reconhecimento de absoluta inexistência de relação jurídico‐tributária entre “A” e a fazenda pública municipal paulistana.


61. Essas conclusões são totalmente indiscrepantes daquelas que se apresentam como únicas possíveis, posto consoantes com a Constituição Federal, doutrina e jurisprudência superior do STJ, ademais do que em induvidosa consonância porquanto alinhada com o direito positivo.


 


Notas:

[1] Roque Antonio Carrazza, Curso de Direito Constitucional, 19ª ed., 3ª tir., Malheiros, 2004, pp. 436-447.

[2] Aires Fernandino Barreto, ISS e Responsabilidade Tributária, Revista Dialética de Direito Tributário (RDDT) nº 122, pág. 8, averba: “Não pode a lei atribuir sujeição passiva a quem não esteja nitidamente no desígnio constitucional, ou seja, a quem não seja o destinatário da carga tributária, em conformidade à referência constitucional geral, ou, à excepcional …”

[3] Geraldo Ataliba, Substituição e Responsabilidade Tributária, Revista de Direito Tributário (RDT) nº 49, p. 75.

[4] Aires Fernandino Barreto, op. cit. p. 12.

[NOTA: Observamos que o fato do § 9o do art. 9o ter sido posteriormente revogado pela Lei 14865/08, art. 15, em nada altera a conclusão da doutrina, posto que a inconstitucionalidade da Lei 14042/05 persevera presente por todos os demais aspectos aqui evidenciados

[5] CTN:

“Art. 121 – Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único – O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.”

[6] CTN:

“Art. 124 – São solidariamente obrigadas:

I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;

II – as pessoas expressamente designadas por lei.”

[7] CTN:

“Art. 128 – Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.”

[8] CF:

“Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:(…)

§ 7º – A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.” 

[9] LC 116/03:

“Art. 6º – Os Municípios e o Distrito Federal, mediante lei, poderão atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação, inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais.”

 [10] Vide, nesse sentido, inobstante com amparo em fundamento distinto, doutrina de Aires Fernandino Barreto, op. cit., pp. 16-7.

[11] Aires Fernandino Barreto, op. cit., p. 19, ao discorrer sobre a inconstitucionalidade da Lei 14042/05 e a LC 116/03 que supostamente lhe emprestaria fundamento de validade jurídica, esclarece:

“Deveras, esse dispositivo possibilita a criação de onerosas e vexatórias exigências. Deturpa, pela fraude da hipótese de incidência do ISS, por via do seu aspecto espacial, o mecanismo da responsabilidade por retenção (substituição tributária). O Município em que estiver situado o estabelecimento prestador – até mesmo nos casos em que, em face da LC nº 116/2003, o ISS é considerado devido no local da prestação (cf. incisos do art. 3º) – seguramente, pretenderá imposto, invocando aquele fato; o Município no qual o serviço for prestado elegerá o tomador como substituto. Com efeito, para receber o preço (fruto da prestação de serviços) o prestador terá que sujeitar-se à retenção, caso prevista na lei municipal. Concomitantemente, ver-se-á obrigado a pagar ISS no Município em que estiver seu estabelecimento prestador. A cobrança dar-se-á lá e cá.

Não é pessimista a afirmação de que estará instalado um verdadeiro caos nessa matéria. Essa sistemática amplia a já precária segurança dos contribuintes, que estarão sujeitos à dupla oneração. Serão compelidos a recolher o tributo duas vezes: a) uma, no Município da prestação, inclusive, com retenção na fonte, do valor do imposto, pelos tomadores ou intermediários nele localizados e, b) outra, no Município em que localizados seus estabelecimentos prestadores”

[12] Aires Fernandino Barreto, op. cit., p. 23.

[13] Aires Fernandino Barreto, op. cit., p. 12.


Informações Sobre o Autor

Adonilson Franco

Advogado de Empresas em São Paulo; Pós-Graduado em Direito Tributário; Assistente no Curso de Pós-Graduação em Direito Tributário do Centro de Estudos Universitários (CEU); Autor de matérias publicadas na Revista Tributária e de Finanças Públicas (RT) e na Revista Dialética, além de em sites especializados.


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