Notas sobre o Fato Jurídico: crítica segunda ao realismo lingüístico de Paulo de Barros Carvalho

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Sumário: 1.
Fato e evento. – 2. Crítica à distinção entre fato e evento: protocolização circular.
– 3. A
solução proposta por Eurico M. Diniz de Santi: enunciação
do enunciado
e enunciado do enunciado. – 4. Fato e evento em Habermas: sobre o plano da ação comunicativa e o plano do
discurso. – 5. Conclusão.

1. Fato e evento.

O direito é processo de adaptação social. Tem por finalidade regrar a
conduta humana, de modo a permitir vivam os homens entre si, em suas complexas
relações intersubjetivas, formando o tecido social. O fenômeno jurídico, desse
modo, é fenômeno social e, como produto da atividade humana de tornar
controlável a relação eu-tu, nos limites da liberdade
de cada um, tem a sua realidade ôntica própria entre
os objetos culturais. O direito, desse modo, é produto cultural, e como tal se
apresenta para o sujeito cognoscente que lhe deseje
conhecer2.

O agir humano, envolto em suas múltiplas facetas,
inclusive relevantes para o direito,se dá no mundo da
vida
(Lebenswelt),
ou seja, no mundo em que estamos vivendo como seres históricos na co-presença
dos outros3. Essa afirmação é fundamental.
Para Habermas, a idéia husserliana de mundo da vida (como experiência
cotidiana) rompe com a arquitetônica da filosofia transcendental, pois já no
caso elementar da percepção de uma cor ou de um objeto, Husserl
o analisa dirigindo a atenção não tanto ao objeto mesmo, senão para como vem
dado esse objeto, no contexto desde o qual a cor ou o objeto emergem para os
que os vêem. De tais ingredientes da situação do objeto, de tais contextos
precategorial ou pré-predicativamente
concomitantes se compõe o mundo e nele também o observador mundano se
encontra já sempre. Segundo Habermas, portanto, referindo-se ao mundo da vida, “Éste nos viene dado en la forma de
un saber prereflexivo de certeza aproblemática, como saber holístico
de fondo, en el que convicciones de tipo descriptivo, evaluativo, normativo y expressivo se integran unas com
otras formando síndrome, y constituye al mundo de la vida com
sus coordenadas espacio-temporales como un todo ni objetivado ni objetivable que nos envuelve”4.

Se uma mulher vem em seu veículo e pára o carro diante um sinal
luminoso vermelho, sua atitude de parar o seu automóvel decorre do atendimento aproblemático da norma jurídica, socialmente
vivida, de que diante de um sinal vermelho no trânsito, deve o condutor do
veículo pará-lo. Se, ao sinal verde, volta a pôr em movimento o seu carro, mais
uma vez atende à norma jurídica que dispõe sobre as condutas devidas no fluir
do trânsito. Esse agir humano, subordinado a normas
jurídicas, dentro de um consenso préreflexivo,
como nossas ações cotidianas e nossa percepção aprobelmática
no contexto em que nossas vidas se dão, como ser-aí (pre-sença), é o que chamamos de mundo da vida, que embora experienciado, não é objetivado nem objetivável:
é vivenciado.

Qual a juridicidade desse agir humano aproblemático? Ou seja, os fatos hipotisados
em normas jurídicas, que ocorrem na concretude da
vida, mas que não geram controvérsia quanto ao seu significado social e,
portanto, sobre a respeitabilidade que devam os agentes àquelas disposições,
têm de fato algum significado jurídico? Tornando a questão mais clara: a
conduta da mulher que pára automaticamente o carro diante de um sinal vermelho,
tem algum significado jurídico? Se ela, descumprindo a norma jurídica, ultrapassasse
aquele mesmo sinal vermelho, tal conduta teria também algum timbre de juridicidade?

Para Paulo de Barros Carvalho, tais condutas não se revestiriam de
adjetivação jurídica. Para demonstrá-lo, parte ele de uma distinção feita por Habermas entre fatos e objetos da experiência. Os fatos seriam
os enunciados lingüísticos sobre as coisas e os acontecimentos, sobre as
pessoas e suas manifestações. Os objetos da experiência são aquilo
acerca do que fazemos afirmações, aquilo sobre o que emitimos enunciados5. Exemplificando o que entende por fato,
reproduz lição de Tércio Sampaio Feraz Júnior, vazada
nos seguintes termos: “É preciso distinguir entre fato e evento.
A travessia do Rubicão por César é um evento.
Todavia, ‘César atravessou o Ribicão’ é um fato.
Quando, pois, dizemos que ‘é uma fato que César atravessou o Rubicão’, conferimos realidade ao evento.
‘Fato’ não é, pois, algo concreto, sensível, mas um elemento lingüístico
capaz de organizar uma situação existencial como realidade”6.

Porém, para a teoria carvalhiana, não é
qualquer linguagem que dá facticidade jurídica ao
evento. Não bastaria, assim, a linguagem social para transformar um evento em
fato jurídico. Para Paulo de Barros Carvalho, “fatos jurídicos não são
simplesmente os fatos do mundo social, constituídos pela linguagem de que nos
servimos no dia a dia. Antes, são enunciados proferidos na linguagem
competente do direito positivo, articulados em consonância com a teoria das
provas
“7. Vale dizer, o evento, ainda que tenha suas notas relevantes
previstas no antecedente de uma norma jurídica, não seria apenas por isso fato
jurídico. Necessário, para ganhar significação jurídica, que o evento fosse
relatado em linguagem competente, assoalhada em provas admitidas pelo
ordenamento. Pouco importaria fosse um tal evento
relatado pela sociedade, ou por diversas pessoas. Apenas ganharia ele a estatura de fato jurídico, após a sua enunciação por um sujeito a
quem o direito outorgasse essa competência. Essa a razão pela qual, para
a teoria carvalhiana, fato jurídico será tomado
como um enunciado protocolar, denotativo, posto na posição sintática de
antecedente de uma norma individual e concreta, num determinado ponto do
processo de positivação do direito
8.

O uso competente da linguagem, para o direito, no dizer de
Paulo de Barros Carvalho, significaria manipular de maneira adequada os seus
signos e, em especial, a simbologia que diz respeito às provas, isto é, às
técnicas que o direito positivo elegeu para articular os enunciados fácticos com que opera. Desse modo, os acontecimentos do
mundo social que não pudessem ser relatados com tais ferramentas de linguagem
não ingressariam nos domínios do jurídico, por mais evidentes que fossem9. Noutro giro, poderíamos expor a teoria carvalhiana como fez didaticamente Joana Lins e Silva:
“Sem a linguagem, que confere realidade aos eventos, um acontecimento não
relatado não traz nenhuma conseqüência para o mundo. Caso haja o relato do
evento por uma linguagem natural, poderá falar-se em fato social, revelando
para o mundo as características daquele acontecimento. Mas, ainda assim, tal
relato não trará nenhuma repercussão para o mundo jurídico. A linguagem natural
não se mostra suficiente para fazer ingressar no mundo jurídico algum dado
novo, nem muito menos para desencadear conseqüências jurídicas”. Por fim, assere ela: “Qualquer evento pode se tornar facilmente
um fato da linguagem social, pois qualquer um é sujeito competente para
relatá-lo, mas para se tornar fato jurídico tem que ser relatado por um sujeito
a quem o direito outorgue essa competência”10.

Há uma questão aqui que merece muita atenção, para uma boa compreensão
da teoria carvalhiana, a respeito da distinção
entre fato e evento
, e que não tem sido devidamente observada: o fato seria
o evento enunciado, ou seja, seria o evento vertido em linguagem competente,
ou seria o enunciado que contém o evento, que lhe dá revestimento lingüístico?
Essa questão é importante, como veremos adiante. Partindo da distinção entre
texto e significado, vale dizer, entre o plano da literalidade textual e o da significação,
perguntamos: o fato é o texto ou o significado, no enunciado /”César atravessou o Rubicão”/?
A resposta dada por Alessandra Gondim Pinho é ambígüa. Afirma ela: “Assim, fato é ‘aquilo de que
se trata
‘. Quando alguém trata de um assunto, isto é, a ele se refere, faz
isso em linguagem, relatando o acontecimento. Por esse caminho, temos o evento
como o próprio sucesso e o fato como o acontecimento registrado, o relato em
linguagem do evento ocorrido. O fato seria, num sentido figurado, a roupa do
evento”. E mais adiante aduz: “Dentro do nosso modelo, fato não é sinônimo
de evento. O evento é o acontecimento que altera o mundo fenomênico, enquanto o
fato é a descrição desse evento”11. Pensamos, de modo diverso, que o fato não é a descrição do
evento, mas sim o evento descrito. O ato de descrição do evento seria o
ato de enunciação, vale dizer, o suporte físico da literalidade textual ou a roupa
que contém o fato
. Vejamos um exemplo, para esclarecer melhor o que
queremos dizer: alguém sofreu um acidente de automóvel e faleceu. Um amigo
escreve uma carta para seus familiares contando os detalhes do ocorrido, o
horário, o local, as circunstâncias todas. O acontecimento real, histórico,
seria um evento. Agora, fato seria a carta (suporte físico de
significado) ou o acontecimento narrado (o conteúdo da enunciação)? Se levarmos
em conta a afirmação de Paulo de Barros Carvalho, no sentido de que “os fatos
jurídicos são constituídos por normas individuais e concretas, consoante o
modelo dos enunciados conotativos das normas gerais e abstratas”12, temos que para ele os fatos seriam os
acontecimentos narrados (o conteúdo da enunciação sobre o evento). Noutro giro,
os fatos seriam constituídos pelo enunciado denotativo, é dizer, seriam produzidos pelo enunciado protocolar, mas com ele não
se confundiria. O enunciado denotativo, ao relatar o evento, o transformaria em fato. De conseguinte, por
uma questão didática, façamos a distinção entre fato, evento e relato
(ou ato de enunciação do evento). No exemplo acima citado, o
acidente de automóvel seria o evento; a carta, o relato do evento;
e o conteúdo da narração protocolar do evento, o fato. Portanto, para a
teoria carvalhiana, entre o evento e o fato
haveria, sempre, um ato de enunciação (relato), expedido por uma autoridade
competente, como figura intercalar.
É bem verdade que o próprio Paulo de
Barros Carvalho, por vezes bastas, é impreciso em algumas passagens de sua
obra. Há momentos em que ele impropriamente afirma que “Fato jurídico tributário
será tomado como um enunciado protocolar…
“, para logo em seguida precisar
os conceitos e dizer que “(…) o fato se constitui no preciso instante em
que o enunciado ingressa no sistema do direito positivo, como norma válida
(…)”13. Ou seja, o fato se constitui pelo enunciado
(relato), e não, como na primeira locução, o fato será tomado como enunciado.
Fato não é o enunciado: é, na verdade, a sua significação, que relata um
evento
. Afirma ele, noutra quadra: “(…) o instante em que nasce a obrigação
tributária é exatamente aquele em que a norma individual e concreta, produzida
pelo particular ou pela Administração, neste último caso por meio do lançamento,
ingressar no sistema do direito positivo (…)”14. É dizer, o lançamento (relato, ato de enunciação)
produz a norma individual e concreta (fato) ao relatar um evento. Uma coisa é o
enunciado protocolar (plano da literalidade textual); outra, a norma individual
e concreta (plano da significação, fato).

Essa distinção é embaralhada em ponto culminante da exposição de Paulo
de Barros de Carvalho, quando vem a tratar justamente da norma individual e
concreta que documenta incidência tributária
(capítulo IV do seu livro). Assere ele: “O fato jurídico tributário é constituído
por um enunciado protocolar, denotativo, relatando evento pretérito que se
consolidou numa unidade de tempo e num ponto do espaço social” E mais
adiante arremata: “(…) o relato do acontecimento pretérito é exatamente
o modo como se constitui o fato, como esta entidade aparece e é recebida no
recinto do direito, o que nos autoriza a proclamá-lo como constitutivo do
evento que, sem esse relato, quedaria à margem do universo jurídico. Por outros
torneios, o enunciado projeta-se para o passado, recolhe o evento e, ao
descrevê-lo, constitui-se como fato jurídico tributário”15. Ou seja, o relato, a enunciação, constitui o
evento em fato. Todavia,
a afirmação seguinte, feita por Paulo de Barros Carvalho, borra novamente essa
distinção: “(…) o enunciado do antecedente da norma individual e
concreta que analisamos se constitui como fato ao reportar-se ao
evento”16. Ora, o enunciado não se constitui como fato:
ele constitui o fato (a norma individual e concreta, a significação),
reportando-se ao evento. O evento se torna fato através do ato de enunciação
(relato, enunciado protocolar)
.

2. Crítica à distinção entre fato e evento:
protocolização circular.

Partindo da definição do fato jurídico como sendo aquele constituído
por um enunciado protocolar, denotativo, assoalhado em provas admitidas pelo
direito, temos como certo que, para a teoria carvalhiana,
o evento ocorrido no mundo apenas ganha significação jurídica se for
veiculado através de uma norma individual e concreta, que o relate em linguagem
competente.

Para a análise que se seguirá, tomemos de
empréstimo um exemplo construído por Paulo de Barros Carvalho “No dia 18
de maio de 1996, autoridade lançadora municipal expede ato jurídico de
lançamento tributário do IPTU, dando conta de que, em 1° de janeiro do mesmo
ano, fulano de tal era proprietário de bem imóvel situado em certa localidade,
no perímetro urbano do Município de São Paulo. Em 25 de maio, o destinatário recebe a notificação
do débito do imposto. Segundo as regras da legislação específica, a norma
individual e concreta veiculada pelo lançamento ingressa no sistema do direito
positivo no dia em que a notificação é recebida por quem de direito. O factum tributário constituiu-se no dia 25 de
maio, fazendo nascer, por força da eficácia jurídica (predicado de fato), a
correspondente obrigação tributária. Para efeito da constituição do fato
e da correspondente relação, pouco importa que o evento por ele referido tenha ocorrido
no dia 1º de janeiro. (…) Em termos de existência para o direito, o marco fundamental
é 25 de março e não 1° de janeiro. Todavia, para compor o enunciado protocolar,
no seu núcleo, e para determinar as alterações de conduta, projetadas no conseqüente
da norma individual e concreta, relevantíssima será a
data da verificação do evento, não do fato”17.

Para a teoria carvalhiana, a propriedade de
alguém sobre um imóvel no perímetro urbano do município, no dia 1° de janeiro,
seria um evento. Esse evento, concretamente ocorrido (ou não, vez que isso é matéria
probatória), estaria previsto, em suas notas relevantes, por uma norma geral e
abstrata. No dia 25 de maio, nessa hipótese de viveiro, o proprietário daquele
imóvel receberia uma notificação: um documento relatando aquele evento e
prescrevendo efeitos (obrigação tributária). O lançamento (ato de enunciação),
destarte, relataria aquele evento, constituindo o fato jurídico tributário. Uma
coisa, pois, seria a data do evento; outra a data do fato: aquela seria a data
do acontecimento no mundo fenomênico; essa, a data em que o evento se
constituiria em fato, pela enunciação protocolar (no caso do IPTU, a data do
recebimento da notificação).

O evento propriedade (+ espaço + tempo + etc.) seria previsto no
descritor da norma geral e abstrata que prescreve o IPTU. Quando esse evento
abstrato ocorresse no mundo, para ganhar significação jurídica seria necessário
que ele fosse vertido em linguagem competente, é dizer, que uma norma
individual e concreta o relatasse através de um enunciado protocolar
e denotativo, transformando-o em fato jurídico. Logo, fato jurídico
seria o evento enunciado em linguagem competente. O evento seria transformado
em fato jurídico pelo ato de enunciação (o lançamento). Assim, o lançamento
seria o enunciado protocolar, denotativo, que constituiria o evento (propriedade,
etc.) em fato jurídico, assoalhado em provas admitidas em direito. Pelo conseguinte,
teríamos: (a) o evento ocorrido em 1° de janeiro; (b) o relato (ato
de enunciação
) do evento, ocorrido validamente em 25 de maio; e (c) o fato
jurídico
, produto da enunciação protocolar do evento. Sendo assim, nos
surge de plano uma importante indagação: se o evento se torna fato jurídico
pelo relato (lançamento), qual o enunciado protocolar que faria jurídico
o relato? Ou seja: o relato (ato de enunciação, lançamento), para ser
fato jurídico, seria relatado por qual outro ato de enunciação (enunciado)?

Uma coisa é o evento propriedade; outra, o enunciado que o transforma em fato. Esse enunciado
protocolar é conteúdo do lançamento (suporte físico, texto, veículo introdutor de
norma individual e concreta). Temos, então, um fato do mundo (evento) e outro
fato do mundo (enunciado protocolar): o segundo tematiza
o primeiro, relatando-o, dandolhe, através da
linguagem competente, realidade jurídica. O ato de enunciação (lançamento),
destarte, constituiria o fato jurídico tributário: transformaria o evento em fato
através do relato em linguagem competente. Mas de onde proviria a juridicidade
do ato de enunciação (relato)?

Sejamos mais claros. Todos os elementos (subjetivo, temporal,
espacial, material) previstos no antecedente de uma norma geral e abstrata,
quando ocorressem no mundo, seriam meros eventos. Para que fossem reputados
jurídicos, esses elementos teriam de ser descritos em linguagem competente
através de um enunciado protocolar e denotativo, que narraria aquele evento,
transformando-o em fato jurídico. Da mesma maneira que a norma geral e abstrata
seria a significação atribuída ao diploma legal (texto, veículo introdutor de
normas), a norma individual e concreta (fato) seria a significação
atribuída a um enunciado protocolar e denotativo (texto, veículo introdutor de
normas individuais, lançamento)
. Temos, pois, que distinguir – como fizemos
acima – o evento, o ato que o relata (ato de enunciação, veículo introdutor, texto)
e o produto do relato: o fato (ou a significação jurídica do evento)18.

Feita essa distinção, é curial que passemos a pesquisar sobre o status
jurídico do ato de enunciação (relato). Noutro giro, indagamos: o lançamento
seria um fato jurídico? Se a resposta for afirmativa, qual o enunciado
protocolar, denotativo, que o juridicizaria? Essas
perguntas são muito importantes e merecem atenção. Segundo Paulo de Barros Carvalho,
chama-se processo de positivação o caminho percorrido das concepções abrangentes
para chegar às proximidades da região material das condutas intersubjetivas, ou
seja, iniciando-se por normas jurídicas gerais e abstratas para chegar a normas
individuais e concretas19. Para ele, portanto, é
vital o seguinte ponto de sua teoria: “a norma geral e abstrata, para
alcançar o inteiro teor de sua juridicidade, reivindica, incisivamente, a
edição de norma individual e concreta. Uma ordem jurídica não se realiza de
modo efetivo, motivando alterações no terreno da realidade social, sem que os
comandos gerais e abstratos ganhem concreção em normas individuais
“20.

A norma geral e abstrata seria veiculada por um texto, ou um documento
(suporte físico), que ganharia a sua juridicidade de uma outra norma geral e
abstrata de hierarquia superior, que seria o seu fundamento de validade. A
norma individual e concreta (fato), ao constituir juridicamente o evento, seria
veiculada por um texto, ou documento (suporte físico). De onde, então, proviria
a juridicidade do texto que veicula a norma individual e concreta (ou seja, o
ato de enunciação)? Há três respostas possíveis: (a) a sua significação
jurídica adviria da norma geral e abstrata que a prevê no seu antecedente,
atribuindo-lhe efeitos jurídicos; ou (b) a sua significação proviria de um
outro enunciado protocolar, denotativo, convertendo-o em fato jurídico; ou,
ainda, (c) ele auto-enunciaria a sua significação jurídica, ou seja, ele
próprio se constituiria como fato jurídico pela sua própria enunciação.

Para facilitar a nossa exposição, pensemos no lançamento, no
exemplo acima exposto. O lançamento tributário veicularia a norma individual e
concreta, constituindo o evento ocorrido em 1° de janeiro (propriedade + outros
elementos) em fato jurídico tributário. Sabemos que o evento convertido em fato
seria aquele previsto na hipótese de incidência do IPTU. Todavia, o lançamento seria, ele próprio, um fato jurídico? Para ser fato
jurídico, na teoria carvalhiana, teria
ele que ser objeto de um enunciado protocolar e denotativo, que o
constituiria de evento em
fato. Qual seria esse enunciado protocolar? Seria a
decisão de algum recurso administrativo, por acaso interposto pelo
contribuinte? E se fosse, qual enunciado protocolar e
denotativo constituiria essa decisão administrativa como fato jurídico? Seria,
por acaso, a sentença prolatada em algum processo judicial instaurado pelo
contribuinte irresignado? E se fosse,
qual enunciado protocolar a constituiria em fato jurídico? O Acórdão, lavrado
após a interposição de um recurso judicial?

Se admitíssemos essa resposta, haveríamos de admitir que o lançamento,
enquanto ato emitente da norma individual e concreta, que converte o evento em
fato jurídico, seria ele próprio um evento, que apenas seria fato
jurídico se fosse objeto de um outro enunciado protocolar. E, ao admitirmos uma tal proposição, haveríamos de nos defrontar com um
absurdo lógico: o fato jurídico (evento vertido em linguagem competente)
seria produto de um outro evento (o ato de enunciação: lançamento)
. Vale dizer:
o não-jurídico (evento do lançamento) constituiria o fato jurídico
(evento previsto na hipótese de incidência do IPTU, ocorrido no mundo, e
veiculado através de um enunciado protocolar e denotativo).

É evidente, desse modo, que o lançamento não obtém a sua juridicidade
de nenhum enunciado protocolar. Ao revés, segundo pensamos, o lançamento é
fato jurídico porque assim qualificado pela norma geral e abstrata veiculada no
art.142 do Código Tributário Nacional, que incide, fazendo-o jurídico, no mundo
do pensamento (Pontes de Miranda)
. De conseguinte, temos que refutar a
medula da teoria carvalhiana, segundo a qual apenas
seria fato jurídico a significação do enunciado protocolar, denotativo,
assoalhado nas provas admitidas em direito. Como essa solução desabonaria toda a
construção da teoria glosada, restaria, como solução
possível, apelar para uma auto-enunciação do lançamento, com a
finalidade de convertê-lo em
fato. Noutro giro, restaria à teoria carvalhiana
admitir a possibilidade de o evento factualizar-se
sozinho
: ao invés dele relatar um evento externo, ele se relataria a si próprio, como evento.

Joana Lins e Silva, parece-nos, percorreu
esse caminho. Para ela, o lançamento seria o ato administrativo pelo qual a
norma jurídica individual e concreta seria inserida no ordenamento jurídico,
elaborada a partir da interseção entre a reordenação das significações dos
textos legais e dos fatos do mundo. Ou seja, lançamento “é um veiculo introdutor
de norma jurídica individual e concreta, mas é, em si
mesmo, também uma norma jurídica individual e concreta”21. É dizer, para Joana Lins e Silva, “(…)
sendo a um só tempo ato administrativo e norma jurídica, o
lançamento tributário pode ser estudado tanto à luz da teoria dos atos
administrativos, como à luz da teoria das normas jurídicas”22.

Aqui, nesse ponto, resta evidenciada a insuficiência da teoria carvalhiana. A norma jurídica individual e concreta
veiculada pelo lançamento – já o dissemos -, constituiria o fato jurídico
tributário, ao descrever o fato do mundo (evento) em linguagem competente. Mas
há uma pergunta fundamental a ser respondida: qual a norma individual e
concreta que constituiria o lançamento como ato administrativo? A explicação
dada, em resposta, é absolutamente circular: o lançamento seria um veículo introdutor
de norma jurídica individual e concreta, mas, em si mesmo, também seria uma
norma individual e concreta. Ora, e qual o fato protocolar que enunciaria essa
outra norma individual e concreta (ensimesmada)? Resposta: o próprio
lançamento. Mas se assim fosse, teríamos um único ato de enunciação (veículo
introdutor de normas), com duas normas individuais e concretas enunciadas (a
primeira, que relataria o evento previsto na hipótese de incidência,
convertendo-o em fato jurídico tributário; e, a segunda, que relataria o
próprio texto do qual é significação, identificando o agente emissor
competente, a forma jurídica própria e os seus destinatário, fazendo-se a si própria
jurídica)23. Resta claro, sem embargo, que o recurso retórico
à auto-enunciação é a admissão da aporia
insuperável da teoria proposta. Se o enunciado protocolar pudesse enunciar-se a
si próprio como jurídico, seria ele a um só tempo evento, fato e ato de
enunciação dele mesmo, rompendo a necessidade de uma enunciação externa ao evento,
através de um enunciado protocolar e denotativo. É como se o lançamento constituísse
o fato tributário, relatando em linguagem competente o evento ocorrido em data
anterior (tempo no fato), e constituísse a si próprio, relatando a si
mesmo. Aqui, evento e fato seriam uma só e mesma coisa, fundindo-se.

A aparente sustentação lógica da teoria carvalhiana
decorre de estarmos sempre olhando para o evento (fato do mundo que reproduz a
hipótese de incidência) e para a sua transformação em fato jurídico pelo
enunciado protocolar e denotativo. Todavia, quando pousamos os olhos
detidamente sobre o elemento intercalar entre o evento e o fato, ou seja, sobre
o ato de enunciação (relato), ficamos perplexos em ver que
ele não possui juridicidade, se analisado pelo próprio sistema de referência
dessa mesma teoria. E como ele não possui relato em linguagem
competente, ele se auto-relata. Porém, é preciso gizar
com cores bem fortes, que, nesse caso, ou o auto-relato nada mais seria do que
a admissão implícita de que a significação jurídica adviria do próprio evento
(é dizer, o não-jurídico – o fato bruto – criaria, num processo autogerativo, a sua própria juridicidade)24; ou a admissão de que a sua juridicidade adviria
diretamente não do evento, mas da norma geral e abstrata, sem a reivindicação
do ato humano intercalar de aplicação: seria produto, noutro giro, da incidência
da norma jurídica, no mundo do pensamento
. É dizer: o lançamento seria fato
jurídico como produto da incidência do art.142 do CTN 25. Qualquer das duas soluções,
resta claro, impugna a construção lógica da teoria carvalhiana.

3. A solução proposta por Eurico M. Diniz de Santi: enunciação do enunciado e enunciado do
enunciado
.

Buscando superar as dificuldades lógicas apontadas na intimidade da
teoria carvalhiana, Eurico Marcos Diniz de Santi26 introduz a distinção entre enunciação do
enunciado
e enunciado do enunciado. Inicia ele
afirmando que seria necessário apartar o enunciado da enunciação. A enunciação
seria o próprio ato de fala, enquanto o enunciado seria o seu produto, ou seja,
aquilo que se fala 27. Partindo dessa distinção
entre a instância da enunciação e o texto enunciado, Eurico Marcos Diniz de Santi assere que o conjunto de marcas,
identificáveis no texto, que remetem à instância da enunciação denomina-se enunciação
enunciada
; doutra banda, a seqüência enunciada
desprovida dessas marcas de enunciação denomina-se enunciado enunciado. Tais marcas da instância de enunciação
seriam os dêiticos de espaço, tempo e pessoa disseminados no texto e que se referem
à enunciação28. Em uma lei, por exemplo, o seu conteúdo seria o
enunciado enunciado, enquanto o seu número (Lei
Complementar n° 64, por exemplo), a sua data e a autoridade da qual emanou
seriam as marcas da instância de enunciação, ou seja, consistiriam na
enunciação enunciada.

Mas qual a importância dessa distinção proposta? Partindo daquela
distinção entre fato e evento, na forma levada a cabo por Paulo de Barros
Carvalho, pela qual se teria deslocado o estudo das fontes, do universo
normativo para o ato de aplicação do direito, afirma Eurico Santi: “(…) o ato de aplicação para entrar no
direito há que se revestir de linguagem. (…) O ato de aplicação é o evento,
que é traduzido por uma articulação lingüística, o fato: o evento retido
do passado é o significado; o fato representado, o significante”29. Sendo o ato de aplicação um evento, como se
tornaria ele fato? Diz-nos o professor paulista: “O direito é criado
por eventos que se tornam fatos à medida que são enunciados no produto desses
processos normativos
. Assim, numa lei identificamos a enunciação
enunciada
como as marcas do processo que ficam no produto: (i) o próprio
nome lei, que indica a realização de determinado procedimento produtor
de normas; (ii) a data da promulgação e da
publicação; (iii) a referência à pessoa que sanciona
e promulga a lei, e (iv) o local onde foi produzida a
lei”30.

Eurico Marcos Diniz de Santi, destarte,
assume ostensivamente que o direito é criado por eventos, é dizer, o jurídico é
criado pelo não-jurídico (ou ajurídico,
se se preferir). O lançamento, como ato de aplicação,
seria um evento que criaria o fato jurídico tributário enunciado (a norma
individual e concreta, ou o enunciado protocolar e denotativo). Todavia,
enquanto enunciação enunciada, também se relataria em linguagem competente,
constituindo a si mesma como fato. Ou seja, o ato de
aplicação constituiria o fato pelo enunciado enunciado,
e se constituiria como fato pela enunciação enunciada.

Em que pese todo o esforço da construção teórica exposta, bem como a
introdução de um acervo de expressões novas tomadas de empréstimo da
lingüística, o certo é que o problema central da teoria carvalhiana
continuou intocado: o como justificar que o evento do ato de enunciação
(chamado de ato de aplicação) se constitua a si mesmo como fato. Para
superar essa aporia, Eurico Santi
radicalizou aquilo que a teoria carvalhiana havia
deixado sem resposta. Asseriu ele: “Fica assim
demonstrada, nessa teoria, que o direito não só cria suas próprias realidades
nos enunciados enunciados de uma lei, como
constitui a própria realidade de sua criação na enunciação enunciada. Ou
seja, o próprio fato do poder constituinte originário torna-se fato jurídico,
não porque juridicizado por uma regra a priori,
como a norma hipotética fundamental de Hans Kelsen,
mas porque entra para o direito pelo próprio documento que produz: os produtos
juridicizam o processo
“31. Eurico Marcos Diniz de Santi,
desse modo, descarta a existência da norma fundamental de Kelsen,
como fundamento de validade do sistema jurídico, e em seu lugar põe um texto
(veiculo introdutor de normas jurídicas, suporte físico), que se tornaria
jurídico por si mesmo, através da enunciação enunciada das marcas do processo
que ficam no produto. É dizer, o produto (Constituição) faria jurídico o
processo (poder constituinte originário); o puramente fáctico
(evento) constituiria a normatividade32. Esse
entendimento é levado às últimas conseqüências, como se pode ver na seguinte
afirmação: “(…) o direito não só cria suas próprias realidades nos enunciados
enunciados
de uma lei, como recria e constitui a
própria realidade de sua criação na enunciação enunciada. Ou seja, o
próprio ato de aplicação da Constituição, que cria lei, torna-se fato jurídico,
não porque juridicizado pela regra de competência,
mas porque entra para o direito pelo próprio documento que produz: os produtos juridicizam o processo. Ou seja, o fato da criação da
lei entra no
corpus da lei: a lei é lei porque diz que é lei“33.

Mas, é conveniente dizer, Eurico de Santi
não leva suas afirmações às últimas conseqüências, como seria próprio. E não o
faz pela impossibilidade lógica de fazê-lo. Se a lei é lei porque diz que é
lei, o lançamento é lançamento porque diz que é lançamento, então o ato de
aplicação estaria aplicando o quê? Nada, seria a única resposta adequada, vez
que a norma não seria a priori à aplicação. Na verdade, o lançamento é
ato administrativo porque a norma do art.142 do CTN assim o prescreve, especificando
a autoridade competente para emiti-lo, seus pressupostos e sua forma, além dos
seus efeitos. É absurda a afirmação de Eurico Santi
segundo a qual “(…) a identificação da forma, do momento,
do local e da autoridade é suficiente para atribuir força
jurídica ao documento. Essa identificação estabelece a priori a validade
do texto jurídico, ressalvando-se que eventuais desvios de conteúdo podem ser
absorvidos por formas de correção previstas pelo sistema, como o mandado de
segurança, a ação direta de incosntitucionalidade, e
o amplo controle exercido pelo Poder Judiciário”34. Ora, a identificação do documento apenas é
juridicamente possível porque há uma norma a priori que prescreve a sua
forma, o momento, o local e a autoridade competente para emiti-lo, ou do
contrário não haveria critérios pelos quais pudessem ser apontados desvios de
conteúdo. Se “o lançamento é lançamento porque diz que é lançamento”,
é evidente que o seu conteúdo não poderia ser sindicado pelo Judiciário,
através do manejo de alguma ação, a não ser que admitíssemos – como seria
conseqüente – a existência de critérios para o exercício desse controle do ato
de aplicação, que lhe fosse exterior e anterior. E isso fica ainda mais
patente, quando Eurico Santi conceitua o signo /validade/.
Diz ele: “(…) validade será entendida doravante como a pertinência
de um documento normativo ao direito positivo, em função dos critérios
instituídos por sua fonte de produção, identificáveis na enunciação enunciada
do próprio documento normativo”35. Se há
relação de pertinência do documento ao direito positivo, é porque o direito
positivo é prius, de maneira que a enunciação
enunciada haveria de guardar correspondência com a norma, que seria fundamento
de validade do ato de aplicação (o lançamento, v.g.).

A solução ofertada por Eurico Marcos Diniz de Santi
para a aporia da teoria carvalhiana
é, sem dúvida, a mais rica tentativa de justificar a juridicidade do ato de
enunciação (relato, ato de aplicação, documento, suporte físico, veículo
introdutor de normas) sem fazer remissão à incidência da norma geral e
abstrata. Debalde. Submetida a uma severa análise crítica, resta evidenciada a
inconsistência lógica dessa teoria, que se estriba em postulados arbitrários.
Afinal, se a lei é lei porque diz que é lei, há exclusão de qualquer indagação
mais séria sobre a validade dessa afirmação, dada a sua tautologia e ausência de
fundamentação. Mas de onde a lei retiraria a sua juridicidade? Dela própria,
seria a resposta. Mas por quê? Porque sim. Mas onde estaria dito isto? Nela
mesma. A lei, desse modo, como todo e qualquer ato de aplicação, teria o seu
fundamento de validade nela mesma, tornando o ordenamento jurídico um conjunto
amorfo de normas individuais auto-fundamentadas.
Cada ato de enunciação (relato) valeria por si mesmo, não havendo meios
objetivos (ou ao menos intersubjetivos) de controle da sua juridicidade. Essa a
razão pela qual não podemos endossar a teoria glosada.

4. Fato e evento em Habermas:
sobre o plano da ação comunicativa e o plano do discurso.

Um empresário entra em uma livraria, escolhe um exemplar qualquer de
um livro e se dirige à balconista. Apresenta o volume que escolheu e lhe dá um
cartão de plástico. Ela, automaticamente, passa o cartão de plástico em uma
máquina, que emite um cupom. O empresário apõe a sua
assinatura no papel apresentado, pega o exemplar do livro escolhido e segue o
seu caminho. Essa é uma situação comum na vida moderna, impensável anos atrás.
Aquele evento cotidiano, corriqueiro, é prenhe de significado, seja econômico,
seja sociológico, seja psicológico, seja jurídico. A sua apreciação pode ser
feita sob os mais facetados ângulos, e ainda assim não ser esgotado como objeto
do conhecimento. Se o observo sob a visada jurídica, posso simplesmente afirmar
que significado algum possui, negando-lhe juridicidade. Tratar-se-ia de um mero
evento social, sem a dignidade necessária para se tornar relevante para o
direito. Esse evento apenas teria importância para o
ordenamento jurídico se houvesse o descumprimento de alguma norma (por exemplo,
o valor do livro era inferior ao valor do cupom, e apenas posteriormente o
empresário se deu conta) e, não chegando os interessados a algum acordo, fosse
o caso levado ao Poder Judiciário, que o relataria em linguagem competente,
constituindo aquele evento do descumprimento da norma em fato jurídico, através
da emissão de um enunciado protocolar e denotativo (sentença), subministrado pelas
provas produzidas na instrução processual. Essa seria a visão sustentada
pela teoria carvalhiana.

Qual o efeito mágico provocado pelo cartão de plástico, pelo qual o
exemplar do livro passou para a posse do empresário? Como e em que circunstâncias posso denominar alguém de empresário? O livro
adquirido passou a ser possuído ou passou a ser propriedade do comprador? As
manifestações de vontades convergentes entre duas pessoas vinculam os seus
emissores? Enfim, há alguma significação jurídica atribuível àquele evento,
inclusive com a finalidade de prevenir a ocorrência de conflito de interesses?

Convencionamos chamar o cartão de plástico de cartão de crédito,
substituindo assim o uso de papel, a que o ordenamento jurídico denomina
dinheiro ou moeda. Quando, no mundo da vida, alguém entrega uma importância em
dinheiro e adquire um produto, por certo não reflete sobre o significado dos
seus gestos: “celebrei um negócio de compra e venda”, “esse
papel pode ser trocado por esse livro porque há normas que outorgam a ele uma
referência econômica”; “tenho o direito subjetivo sobre esse objeto,
que agora está incorporado ao meu patrimônio”, etc. Ninguém, na mundanidade da vida, tematiza
essas questões, porque o significado desses gestos é vivido dentro de uma
dimensão simbólica intersubjetiva, social. A experiência atemática e pré-reflexiva
do simbolismo jurídico ocorre no plano da ação comunicativa. Todos os dias aplicamos normas jurídicas, exercitamos
direitos e nos submetemos a deveres sem que discutamos, ao menos mais
profundamente, sobre o significado jurídico de cada uma dessas vivências,
nada obstante não nos passe desapercebido que existe um plexo de normas
jurídicas que regem as nossas vidas, como quando paramos em um sinal de
trânsito, ou usamos o cinto de segurança em nosso automóvel, ou vamos escolher
um candidato através do exercício do voto. A ação comunicativa, portanto, se
realiza no mundo da vida36.

Entretanto, por vezes bastas surgem conflitos de interesses,
questionamentos sobre a ocorrência de alguma situação que beneficiaria alguém,
ou mesmo sobre o sentido de uma norma jurídica aplicável a uma dada ocorrência
não controvertida pelos interessados. Nesse caso, já não mais estaríamos diante
de uma experiência atemática, porém diante de pontos de vistas problematizados
e contraditórios. Aqui, estaríamos no plano do discurso. Podemos dizer
que passamos do plano da ação comunicativa para o plano do discurso quando as
afirmações ingenuamente entabuladas (ou seja, atematizadas)
quedam postas em questão, ou seja, quando a pretensão de validade implicitamente
contida em uma afirmação se torna explícita e passa a ser objeto de confirmação
ou negação.

Consoante expõe Habermas, “Bajo la
rúbrica «acción» introduzco el ámbito de comunicación en el que
tácitamente reconecemos e presuponemos las pretenciones de validez implicadas en las emisiones o
manifestaciones (y, por tanto, también en las afirmaciones), para intercambiar
informaciones (es decir, experiencias relativas a la acción). Bajo la rúbrica «discurso» introduzco
la forma de comunicación caracterizada por la argumentación, en la que
se tornan tema la pretensiones de validez que se han vulto
problemáticas y se examina se son legítimas o no. Para inciar
un discurso tenemos en cierto modo que salir de los contextos de acción y
experiencia; en los discursos non intercambiamos informaciones, sino
argumentos que sirven para razonar (o rechazar) pretensiones de validez problematizadas
“37. E,
explicitando ainda mais sua teoria, afirma ele:
“(…) en los plexos de acción comunicativa seria redundancia uma explicitación de la
pretensión de validez entablada com las afirmaciones;
pero, tal explicitación es ineludible en los
discursos, pues éstos tematizan el derecho que asiste
a tales pretensiones de validez”38.

Mas o que seria /ação/ para Habermas?
Distingue ele entre comportamento (behavior) e
ação (action). Comportamento seria um
movimento produzido por organismo que reproduz a sua vida adaptando-se ao seu
entorno. Pois bem, intencional é um comportamento que vem dirigido por
normas ou se orienta por regras. “Las reglas y normas no son algo que
acaezca, sino que rigen en virtud de un significado intersubjetivamente
reconocido. Las normas tienen un contenido semántico, justamente un sentido que
simpre un sujeto capaz de entenderlo las sigue, se há convertido en razón o motivo de un comportamiento; y es
entonces cuando hablamos de una acción. Al sentido de la regla responde la
intención de un agente que pueda orientar su comportamiento por ella. Sólo a
este comportamiento orientado por reglas lo llamamos acción
; sólo de las
acciones decimos que son intencionales”39.

Quando aquele empresário, do exemplo acima hipotisado,
pega um livro na prateleira de uma livraria e dá à balconista o seu cartão de
crédito, não está realizando um comportamento regular ou mecânico, mas sim um comportamento
orientado por normas
(ação). Enquanto um comportamento
pode ser observado (o homem entrega a uma mulher sentada atrás de um
balcão um pedaço de plástico e leva consigo um livro), as ações apenas
podem ser entendidas, isto é, hão de ser analisadas determinadas notas desse
comportamento com referência a regras subjacentes, as quais também devem ter previamente
o seu sentido entendido (o empresário realiza o pagamento do negócio jurídico
celebrado com a livraria, da qual a balconista é empregada, através do uso de um
cartão de crédito, e leva consigo o livro comprado, que passou a integrar o seu
patrimônio). Aqui, no plano da ação comunicativa, o sujeito capaz de
ação pode em muitos casos não ser capaz de explicar as normas pelas quais
orienta o seu comportamento. Todavia, na medida em que domina as normas e pode
segui-las, tem um saber implícito delas. Em virtude desse
know how pode,
em princípio, decidir se uma determinada ação comportamental pode ser entendida
através de uma regra conhecida, é dizer, se pode entender-se como ação40.

Com essas observações abaetadas na retentiva, podemos com Habermas
entender a ação comunicativa como uma interação simbolicamente mediada. Se orienta por normas obrigatórias que definem expectativas
recíprocas de comportamento e que têm que ser entendidas e compreendidas ao
menos por dois sujeitos agentes. Seu conteúdo semântico se objetiva em
expressões simbólicas e só é acessível à comunicação por meio da linguagem
ordinária 41. Nesse passo, temos que deixar assentado ponto de subido
relevo para nossas reflexões: para que possamos entender uma ação, é necessário
confrontamos o comportamento intencional com as normas, as quais logicamente
lhe antecedem. Como diz Lourival Vilanova 42,
lapidarmente, ao tratar da aprioridade das normas:
“A norma não se pospõe, indutivamente, prepõe-se, antepõe-se aos
fatos”. Desse modo, os atos de fala regulativos
apenas possuem pretensão de validade se houver uma norma que antecede já sempre
estes atos. No dizer de Habermas:
“Al dar a alguien una orden, o bien estoy expresando una necesidad subjetiva
y una relación contigente de poder, y en tales casos
estoy expresando una intención; o bien estoy expresando una relación legítima
de dependencia, y en tal caso me estoy apoyando en una norma, cuya validez
non es generada por mi acto de habla
(como sucede en los actos de habla constatativos o representativos), sino que ya viene presupuesta
en mi acto de habla“43.

Voltemos ao exemplo da mulher que pára o seu carro diante de um
semáforo vermelho. Sua ação é um comportamento orientado pelas normas de
trânsito, que são uma objetivação conceptual que qualifica o fáctico, em sua dimensão simbólica e intersubejtiva
44. Se ela ultrapassa o sinal de trânsito e colide
com outro veículo, pode travar-se uma discussão sobre se o sinal estava
vermelho ou não, bem como a situação em que o acidente se deu, de modo a se ter
um consenso sobre a quem assiste razão e a quem cabe o dever de ressarcir os
prejuízos. Ora, nesse ponto deixamos o plano da ação comunicativa e passamos ao
plano do discurso, quando então a pretensão de validade das afirmações feitas
pelos agentes passa a ser problematizada, uma vez que cada qual emite
proposições contraditórias sobre um mesmo estado de coisas.

Chegamos agora ao conceito de fato para Habermas.
Ensina ele: “Que un
semáforo esté en amarillo es(…), en el contexto del
tráfico automovilístico (…), una informatión (la comunicación
de una experiencia referida a la acción); se puede también decir que
éstos son hechos, pero lo decimos, es decir, emplezamos
a hablar de hechos, cuando tras un accidente automovilístico hay que aclarar el
estado de cosas consistente en si aquel semáforo en un determinado
momento estaba en amarillo (…). En el contexto de la acción la
afirmación tiene el papel de una información acerca de una experiencia com objetos, en el discurso cumple la función de un
enunciado com pretensión de validez problematizada”45. Desse modo, os fatos para Habermas apenas advêm à linguagem no âmbito da comunicação
que é o discurso, é dizer, quando, e apenas quando, resta problematizada
a pretensão de validade que os enunciados levam consigo anexa. No contexto da ação
comunicativa
nos informamos ou nos transmitimos informações sobre objetos
da experiência (eventos, para a teoria carvalhiana). Certamente que o conteúdo das informações se apoiam
em fatos, mas apenas quando a informação se põe em dúvida e se passa a discutir
sobre o seu conteúdo desde o ponto de vista de que algo seja o caso, embora
possa não sê-lo, deve-se falar de fatos, que ao menos alguém afirma e que
ao menos alguém o põe em dúvida46.

Diante da resumida exposição do pensamento habermasiano,
sobre o objeto de nossas reflexões, podemos observar que a distinção entre fato
e evento levada a cabo pela teoria carvalhiana não absorve a distinção entre contexto da ação
comunicativa e contexto do discurso, se divorciando por completo da teoria da
verdade consensual, própria à teoria do agir comunicativo. Enquanto Paulo de
Barros Carvalho formaliza o discurso jurídico, limitando a facticidade
do direito àquilo que é relatado em linguagem competente, Habermas
deita olhos sobre o mundo da vida e sobre a ação comunicativa, em que o
simbólico da norma desempenha papel fundamental para a estruturação dialógica
do tecido social. O plano do discurso, ademais, em seu sentido forte, há de ser
motivado, ainda que contrafacticamente, pela
disponibilidade cooperativa a entender-se, para além da coação própria da ação
comunicativa 47. Os argumentos, no plano do discurso, devem ser
expostos dentro de um espírito de sinceridade e cooperação, e não com a
finalidade de vencer por vencer, atarvés de um formalismo
legitimado pelo procedimento (Luhmann).

Apenas através de uma violência simbólica – insistamos mais uma vez –
poderíamos aplicar a distinção entre fato e objetos da experiência, própria ao
giro lingüístico (do qual Habermas é apenas um dos
seus expoentes), para servir de joeira entre o jurídico e o não jurídico. No
contexto do pensamento de Habermas, essa é uma
questão sem sentido. Mais ainda por ser ele um crítico ácido do pensamento
estruturalista de Luhmann e da teoria do sistema autopoiético, os quais renegam a importância do mundo da
vida para a compreensão do fenômeno jurídico, nada obstante estejam eles à base
da teoria carvalhiana 48.

Para uma utilização conseqüente, no contexto da dogmática jurídica, da
distinção entre plano da ação comunicativa e plano do
discurso, poderíamos fazer uso do conceito carneluttiano
de lide, como conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida49. Para Carnelutti,
interesse não significa um juízo, mas uma posição favorável do homem à
satisfação de uma necessidade. Como as necessidades humanas são infinitas e os
bens que a satisfazem, escassos, há necessidade de se impor
meios que induzam o homem a se abster do uso da violência. Os homens,
reunidos em sociedade, estabelecem regras conforme as quais os conflitos de
interesse venham a ser resolvidos, distribuindo os bens da vida. Todavia, as
regras não são suficientes. Em caso de conflito, mesmo os homens reconhecendo a
regra, podem sentir-se impulsionados, pelos seus interesses, a descumpri-la.
Razão pela qual, nessas hipóteses, se faz necessário a expedição de um mandato,
que nada mais é do que a imposição da regra por meio da força. Desse modo, o
mandato encontra na norma o seu prius lógico.
Os conflitos de interesse são compostos por meio de relações jurídicas, que
subordinam um a outro interesse, de forma consensual. Por vezes bastas, porém,
o titular de um interesse em conflito opõe resistência ao interesse de outrem.
Quando isso acontece, o conflito de interesses se converte em litígio. O meio
próprio para se compor a lide, com a subordinação autoritativa de um interesse a outro, é o processo.

A regulação que o direito faz da vida em sociedade possibilita a
co-presença dos seres humanos, através da autonomização
do simbolismo jurídico no mundo da vida. Os conflitos de interesses são
compostos na mundanidade através da vivência
intencional das normas jurídicas, que pelo diálogo possibilitam a cooperação
consensual dos actantes. Logo, essa experiência do
jurídico é pré-reflexiva e atematizada, nada obstante
subordinadas a normas: estamos no plano da ação comunicativa. Quando, porém, o conflito
não se resolve pelo diálogo, sendo as razões de cada actante
contraditórias, entramos no plano do discurso, com a finalidade de compor
aquele conflito de interesse qualificado com uma pretensão resistida, através
do exercício cooperativo da argumentação fundamentada. Como se pode ver, essa tematização do conflito de interesse, com a
finalidade de alcançar o consenso (composição da lide), é o que proporcionaria
a edição de uma norma individual e concreta, constituindo aquela realidade
conflituosa (evento) em
fato. Enquanto para Carnelutti só
há jurisdição onde houver lide; para a teoria carvalhiana,
só haveria juridicidade onde houvesse a emissão protocolar de um enunciado
denotativo. Em Paulo de Barros de Carvalho, de conseguinte, o direito, para factualizar-se, necessitaria sempre de uma formalização procedimental,
que culminasse com um ato de autoridade. Vale dizer, a teoria carvalhiana é, nesse passo, mais reducionista do que a
teoria carneluttiana 50.

Podemos deixar assentado – ao largo e por sobre tais teorias reducionistas
do fenômeno jurídico -, que a incidência da norma jurídica, bem assim a
sua aplicação consensual (atematizada), ocorre
no plano da ação comunicativa; a aplicação problemática da norma, no
plano do discurso. Tantos os particulares, como o Poder Público, aplicam as normas
jurídicas consensualmente; apenas o Poder Público as aplica autoritativamente,
como função específica sua (quer através da função administrativa, quer da jurisdicional).
Mas todo ato de aplicação pressupõe a norma, dialogicamente vivida em sua
dimensão simbólica, no plano do pensamento. Por essa razão, os eventos se juridicizam sempre no contexto da ação comunicativa,
adjetivados de fatos jurídicos pela incidência da norma.

Essa a razão pela qual não abonamos a distinção, para a dogmática
jurídica, entre fato e evento. Melhor, segundo pensamos,
continuarmos a falar em fatos e fatos jurídicos: aqueles como fatos do mundo (hipotisados ou já concretizados na mundanidade
da vida), e esses como fatos que ingressaram no mundo jurídico pela incidência
de uma norma, no plano do pensamento.

5. Conclusão.

No presente texto, buscamos mais uma vez fazer uma reflexão sobre os
postulados da teoria carvalhiana, tematizados
sob o pano de fundo da teoria ponteana. Era o nosso desejo
fazer uma exposição da teoria do fato jurídico, segundo concebida pelo gênio de
Pontes de Miranda, mas tantas foram as questões aqui
enfrentadas, que não nos foi possível ingressar em outros aspectos que
mereceriam nossa atenção. Nada obstante isso, julgamos que a análise crítica
que fizemos da obra de Paulo de Barros Carvalho e de seus discípulos, se outro
não tiver, tem o valor de estabelecer um diálogo científico franco e sereno
sobre uma teoria que vem sendo ensinada em nossas principais faculdades de
direito, tanto nos cursos de graduação como de pós-graduação. Estabelecendo um
claro contraponto, julgamos servir à ciência e ao direito, ao tempo em que
resgatamos o pensamento de Pontes de Miranda e preservamos o conceito de incidência
da norma jurídica
, desfigurado pela teoria carvalhiana
e tomado como sinônimo de aplicação.

No próximo artigo 51, encerraremos
nossa análise crítica da teoria de Paulo de Barros Carvalho observando
importantes questões sobre o lançamento tributário – já
agitadas superficialmente aqui – e os seus efeitos jurídicos. É certo
que não trataremos, nessa trilogia, sobre o relativismo hermenêutico
à base da teoria carvalhiana, nem tampouco sobre a
sentida ausência de preocupações axiológicas, reveladora de um sinete autoritário
(não é à toa que os cidadãos ou contribuintes são
sempre chamados de súditos, a revelar menos uma relação jurídica tributária e
mais uma relação de sujeição à força de normas criadas no ato de interpretação
da autoridade fazendária).

De toda sorte, enfatizamos aqui a impropriedade da distinção entre
fato e evento, bem como a sua insuficiência. Para facilitar a exposição,
mostramos a ausência, dentro do sistema de referência da teoria glosada, de um
ato intercalar entre o fato e o evento: o relato (ou ato de enunciação). Ao
chamarmos a atenção para isso, buscamos mostrar que esse ato que enuncia o
evento, constituindo-o em fato, não possuía, ele mesmo, juridicidade. Para
superar essa fragilidade da teoria de Paulo de Barros Carvalho, mostramos a
solução apontada por seus discípulos, fazendo uma maior análise da distinção
feita por Eurico Marcos Diniz de Santi entre enunciação
enunciada
e enunciado enunciado, que
apenas radicaliza os problemas teóricos antes já fustigados. Por fim, buscamos
demonstrar que a distinção entre fato e evento não repousa propriamente na obra
de Habermas, vez que não pode ser feita sem partir de
uma distinção anterior, entre plano da ação comunicativa e
plano do discurso. Com essas reflexões, buscamos, sempre que possível,
sublinhar a dimensão simbólica e intersubjetiva da norma jurídica, a sua aprioridade em relação aos fatos por ela regrados e a juridicização do fáctico através
da sua incidência incondicional e infalível, no plano do pensamento.

 

Notas:

1 A análise da teoria proposta por Paulo de Barros Carvalho foi iniciada através do artigo “Incidência e aplicação da norma jurídica: uma crítica ao realismo lingüístico de Paulo de Barros Carvalho”, publicado na Revista Trimestral de Direito Civil, vol.05, jan./mar. de 2001, pp.03-22. Crítica, nessa trilogia de estudos, é o exame de um princípio ou de um fato, a fim de produzir sobre ele um juízo de apreciação, vale dizer, a não-aceitação de uma asserção sem se interrogar primeiro sobre o seu valor (Cf. LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p.221).

2 Anoto aqui que a distinção entre ciência do espírito e ciências da natureza já não é pacífica, sendo refutada sobretudo a partir do giro lingüístico de Hans-Georg Gadamer. Susan J. Hekman (Hermenêutica e sociologia do conhecimento. Trad. Luís Manuel Bernardo. Lisboa: Edições 70, 1990. p.144), ao analisar o propósito da da obra gadameriana Verdade e Método, termina por afirmar que a sua preocupação central é de se indagar como é possível a compreensão, tendo como resposta que “(…) toda compreensão é hermenêutica e, portanto, que uma análise da natureza da compreensão coincide com uma análise da ‘hermenêutica universal'”. Desse modo, tanto a natureza como o produto da cultura humana são conhecidos através da lingüisticidade da compreensão, ou seja, do agir hermenêutico.

3 Sobre o conceito de /mundo da vida/, vide GADAME, Hans-Georg. Verdade e método. Petrópolis: Vozes, p.375 et seq.

4 “Edmund Husserl sobre mundo de la vida, filosofía y ciencia”. Texto e contexto. Barcelona: Ariel, 1996. p.61-62.

5 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário – fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998. p.85 et seq.

6 Introdução ao estudo do direito – técnica, decisão, dominação. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2001. p.274.

7 Idem, ibidem, p.89.

8 Idem, ibidem, p.105.

9 Idem, ibidem, p.95.

10 Fundamentos da norma tributária. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 56.

11 Fato jurídico tributário. São Paulo: Max Limonad, 2001. p.20.

12 Idem, ibidem, p.93.

13 Idem, ibidem, p.105.

14 Idem, ibidem, p.174.

15 Idem, ibidem, p.224.

16 Idem, ibidem, p.225.

17 Idem, ibidem, p.105-06.

18 “(…) O enunciado reporta-se ao passado, descreve o evento e, ao fazê-lo, constitui o fato jurídico. Daí poder-se afirmar que o enunciado descritivo do direito positivo declara o evento e constitui o fato, que, uma vez relatado em linguagem jurídica, será sempre fato jurídico” (LINS E SILVA, Joana. Fundamentos da norma jurídica tributária. São Paulo: Max Limonad. 2001. p.59).

19 Idem, ibidem, p.207.

20 Idem, ibidem, p.208 (grifos nossos).

21 Idem, ibidem, p.176.

22 Idem, ibidem, com grifos nossos.

23 Cf. Idem, ibidem, p.178.

24 “De enunciados fácticos não se inferem enunciados deônticos correspondentes. Muito menos enunciados deônticos cuja extensão vá além das premissas fácticas” (VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989. p.44, passim).

25 Nesse sentido, vide VILANOVA, Lourival (Causalidade e relação no direito. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989. p.86-87): “Da norma geral não se passa imediatamente para a relação ou situação jurídica sem interposição de um fato (fato natural ou conduta). Se o fato não ocorreu, a norma geral (ou individual) permanece em seu status proposicional, lógico, sintático, sem os correspondentes semântcos ou fácticos: o direito-norma não se realiza, não é realidade sociocultural”.

26 Decadência e prescrição no direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 2000. p.61 et seq.

27 Idem, ibidem, p.62.

28 Idem, ibidem, p.63-4.

29 Idem, ibidem, p.60.

30 Idem, ibidem, p.64. Os grifos são nossos, exclusive o da expressão enunciação enunciada, que é original.

31 Idem, ibidem, p.65. A frase final foi gizada por mim.

32 Contra, VILANOVA. Lourival (“Teoria jurídica da revolução: anotações à margem de Kelsen”. Revista de Direito Público. São Paulo: RT, s/d, nº 70, p. 38), para quem: “Sem o pressuposto da norma fundamental, o fato da revolução não pode ser produtor de normas: importaria em tirar a normatividade da pura facticidade”.

33 SANTI. Eurico Marcos Diniz de. Op. cit., p.76. Grifei.

34 Idem, ibidem, p.69.

35 Idem, ibidem, p.69-70.

36 Cf. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. (Trad. Flábio Beno Siebeneichler). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p.35. Diz ele: “Enquanto a linguagem é utilizada apenas como medium para a transmissão de informações e redundâncias, a coordenação da ação passa através da influenciação recíproca de atores que agem uns sobre os outros de modo funcional. Tão logo, porém, as forças ilocucionárias das ações de fala assumem um papel coordenador na ação, a própria linguagem passa a ser explorada como fonte primária da interação social. É nisso que consiste o «agir comunicativo». Neste caso, os atores, na qualidade de falantes e ouvintes, tentam negociar interpretações comuns da situação e harmonizar entre si os seus respectivos planos através de processos de entendimento, portanto pelo caminho de uma busca incondicionada de fins ilocucionários. Quando os participantes suspendem o enfoque objetivador de um observador ou de um agente interessado imediatamente no próprio sucesso e passam a adotar o enfoque performativo de falante que deseja entender-se com uma segunda pessoa sobre algo no mundo, as energias de ligação da linguagem podem visar um efeito coordenador na ação, pois da resposta afirmativa do destinatário a uma oferta séria resultam obrigações que se tornam relevantes para as conseqüências da interação”.

37 “Teorías de la verdad”. Teoría de la acción comunicativa: complementos e estudios previos. Madri: Catedra. 1994. p. 116. Os grifos são nossos.

38 Idem, ibidem, p.116-117.

39 Idem. “Lecciones sobre una fundamentación de la sociologia en términos de teoría del lenguaje”. Teoría de la acción comunicativa: complementos e estudios previos. Madri: Catedra. 1994. p.21.

40 Idem, ibidem, p.23-24.

41 Idem, ibidem, p.27.

42 Causalidade e relação no direito. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989. p.46.

43 HABERMAS. Jürgen. “Teorías de la verdad”. Teoría de la acción comunicativa: complementos e estudios previos. Madri: Catedra. 1994. p. 129.

44 COSTA. Adriano Soares da. “Incidência e aplicação da norma jurídica: uma crítica ao realismo lingüístico de Paulo de Barros Carvalho”. Revista trimestral de direito civil (vol.05 – jan./mar.). Rio de Janeiro: Padma, 2001. p.15.

45 HABERMAS. Jürgen. “Teorías de la verdad”. Teoría de la acción comunicativa: complementos e estudios previos. Madri: Catedra. 1994. p. 119. Os grifos são nossos.

46 Idem, ibidem, p.118.

47 Idem, ibidem, p.116.

48 Sobre o tema: HABERMAS. Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p.467 et seq. PASQUALINI. Alexandre. Hermenêutica e sistema jurídico: uma introdução à interpretação sistemática do direito. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 1999. p.63-63, passim.Para uma exposição didática e resumida da teoria de Habermas, vide ALEXY, Robert. Teoria de la argumentación juridica: la teoria del discurso racional como teoria de la fundamentación juridica. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1989. p.110 et seq.

49 CARNELUTTI. Francesco. Sistema de direito processual civil. Campinas: Classic Book, 2000. v.I, p.69.

50 A comparação entre a concepção carneluttiana e a teoria carvalhiana tem por escopo chamar a atenção para as conseqüências processuais da adoção de um conceito angusto de fato jurídico, como o proposto pelo eminente professor paulista. Se em Carnelutti já se reduz a jurisdição à justa composição da lide (visão essa não mais endossada pela moderna processualística), nada obstante partindo-se de uma aprioridade da norma, em Paulo de Barros Carvalhos se reduz o fenômeno jurídico à aplicação autoritativa do direito (realismo jurídico), através de um ato de autoridade que constitui a norma pela interpretação, e constitui o fato pela enunciação protocolar. Tanto a norma, quanto o fato, seriam construções do aplicador competente do direito (sempre a autoridade estatal), que seria o senhor da incidência, o dono da única verdade possível: a da força e da autoridade autoritária de quem pode mais (Cf. IVO, Gabriel. “A incidência da norma jurídica. O cerco da linguagem”. Revista de direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2001. n° 79. p.193, que afirma: “(…) A aplicação devolve ao intérprete a competência para construir o sentido da incidência. É incorreto, data venia, afirmar-se que a «incidência não erra, quem erra é o aplicador» do Direito. O aplicador do Direito não erra; nunca. Ele prescreve.”). Aqui, caímos no mais absoluto relativismo kelseniano, em que a legitimação dos enunciados protocolares se dá sempre pela força de quem pode impor o seu ponto de vista ao ponto de vista alheio, já que a própria norma não seria a priori à aplicação, mas produto dela. Ora, em verdade requer um Estado Democrático de Direito muito mais do que um direito de autoridade: requer sobretudo um direito socialmente controlável. Como nos diz Alexandre Pasqualini: “(…) Se tudo se mostra hermeneuticamente possível, então, a fortiori, raciocinar ou dialogar se tornou uma bizarra aventura, onde as palavras vagueiam no eterno labirinto das leituras erráticas. Não havendo nem o reflexo temporalizado do fio de Ariadne, o intérprete se moveria de um sem-sentido para outro, como se fora a mosca winttgensteiniana condenada, no medium da linguagem, a jamais descobrir a saída da garrafa sem quebrá-la. As pessoas falam ou escrevem, porém o sentido do que escrevem ou falam dependeria tão-somente do arbítrio voluntarista dos leitores. Mas quando tudo significa tudo, nada significa nada” (Hermenêutica e sistema jurídico: uma introdução à interpretação sistemática do direito. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 1999. p.40).

51 Obrigação e crédito tributário: crítica terceira ao realismo lingüístico de Paulo de Barros Carvalho, inédito.

 

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Adriano Soares da Costa

 

Advogado. Ex-Juiz de Direito. Professor convidado do Curso de Pós-Graduação em Direito Tributário da FAL – Faculdade de Alagoas. Professor do Centro Universitário de Ciências Jurídicas (CCJUR/Cesmac).

 


 

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