Os princípios tributários e a repartição constitucional de competências tributárias

Resumo: O escopo deste trabalho é a discussão sobre o direito constitucional tributário com enfoque no estudo jurisprudencial das limitações ao poder de tributar e, principalmente, na separação constitucional de competências tributárias que se coaduna com a preocupação do ordenamento em proteger o pacto federativo. Então, adotou-se o método dedutivo de raciocínio lógico, partindo-se do estudo dos institutos básicos do direito tributário e da relação entre direito tributário e os direitos fundamentais até a análise da constitucionalidade e/ou recepção de alguns institutos tributários. Concluiu-se que a jurisprudência e a doutrina devem realizar constante estudo dos princípios e imunidades tributárias, uma vez que, no ordenamento ainda existem resquícios de autoritarismo tributário. O próprio CTN é anterior à Constituição de 88, e prevê institutos que conflitam com a atual ordem constitucional.

Palavras-chaves: Direitos Fundamentais. Princípios Constitucionais. Pacto Federativo. Não Recepção.

Abstract: The scope of this work is the discussion of the tax constitutional right to focus on the jurisprudential study of the limitations on the power to tax and especially the constitutional separation of tax powers is in line with the concern of the order to protect the federative pact. So we adopted the deductive method of logical reasoning, starting from the study of the basic institutions of tax law and the relationship between tax law and fundamental rights to the analysis of the constitutionality and / or receipt of certain tax institutes. It was concluded that the jurisprudence and doctrine should conduct constant study of the principles and tax immunities, since, in order there are still remnants of authoritarianism tax. The CTN itself predates the Constitution of 88, and provides for institutes that conflict with the current constitutional order.

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Keywords: Fundamental Rights. Constitutional Principles. Federative Pact. No Reception.

Sumário: Introdução. 1. Uma visão Geral sobre o Direito Tributário: conceitos fundamentais e o direito constitucional tributário. 1.1.Os Tributos e os direitos fundamentais.1.2. Obrigação Tributária e os sujeitos do direito tributário. 1.3. Espécies Tributárias. 1.4. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 2. Aprofundamento e análise jurisprudencial dos Princípios Tributários. 2.1Legalidade. 2.2 Princípios da não surpresa. 2.3 Vedações ao confisco. 3. Repartição constitucional das competências tributárias e imunidade tributária recíproca. 3.1. O federalismo. 3.2. O Federalismo e a tributação. 3.3. Imunidade tributária recíproca. 4. Ofensa ao pacto federativo? Análise de Alguns Institutos. 4.1. Moratória Geral. 4.2. Isenção por meio de tratados internacionais. 4.3. Alíquotas de ISS. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

Na linha do Constitucionalismo Contemporâneo, marcado pela garantia de direitos, hoje, o Estado deve ser capaz de atuar positivamente para assegurar os direitos fundamentais sem agir de forma autoritária.

Visando esse equacionamento, a Constituição Federal de 1988 trouxe mecanismos para que o Estado cumpra o seu papel de assegurar direitos e ao mesmo tempo ordena e divide o exercício do poder, tentado impedir os abusos já demonstrados pela história brasileira.

Com esse escopo, prevê o princípio da separação de poderes no seu Art.2ª e no Título III, denominado de Organização Político- Administrativa, ordena o exercício simultâneo de poderes pelos entes federativos: União, Estados, Municípios e Distrito Federal.

Nesse sentido, para permitir que o Estado assegure os direitos, a Constituição também prevê os meios para fazê-lo ao dispor sobre as formas de arrecadação financeira pelo Estado.

Entra em cena o conceito de atividade financeira do Estado, segundo Aliomar Baleeiro, consiste em obter, gerir e despender o dinheiro indispensável às necessidades, cuja satisfação o Estado assumiu ou cometeu a outras pessoas de direito público.

Visando obter recursos no exercício da atividade financeira, uma das principais fontes de receita do Estado oriunda do Poder de Império estatal são os tributos.

Parecem contrapostos o conceito de tributo e direitos fundamentais, uma vez que a cobrança de tributos implica invasão no patrimônio e a propriedade é um direito fundamental, Art.5, XXII, da CRFB.

No entanto, tributos e direitos fundamentais devem interpretados como institutos complementares. Ambos estão inseridos no exercício de atividade financeira pelo Estado, pois para satisfazer as necessidades públicas, dentre as quais, garantir os direitos fundamentais, o Estado precisa despender recursos e para despendê-los, clarividente é necessário haver arrecadação prévia.

Por outro lado, a instituição e a cobrança dos tributos não podem ser feitas de maneira desregrada, pois do contrário haveria absolutismo e abuso de poder, que a Constituição Federal de 1988 objetivou extirpar.

Nesse sentido, a própria Constituição prevê os princípios tributários que são as balizas da limitação do Poder de Tributar. São eles: legalidade; anterioridade tributária; irretroatividade; vedação ao confisco; liberdade de tráfego, dentre outros.

Esses princípios são tão importantes que, apesar de não integrarem o rol do Art.5ª da CRFB, grande parte da doutrina e da jurisprudência têm os considerado direitos fundamentais.  Sendo cláusulas pétreas, não podem sofrer limitações por meio de emenda constitucional.

Não obstante, como corriqueiro na práxis brasileira, as leis e até mesmo a Constituição é flagrantemente desrespeitada. Não raro, criam-se tributos por meio de decreto; tributos são cobrados antes do transcurso temporal necessário para que os contribuintes possam fazer a sua programação financeira, desrespeitando o princípio da anterioridade, dentre outras ofensas.

Sendo assim, o estudo dos princípios tributários e da limitação ao Poder de Tributar é um tema atual e imprescindível para a garantia dos direitos fundamentais.

Ressalta-se, no entanto, que a análise será feita de maneira imparcial, uma vez que tender para qualquer dos extremos, pró-contribuinte ou pró-fisco, pode implicar descompasso no equilíbrio instável satisfação das necessidades públicas x garantia dos direitos fundamentais. Nesse sentido, “a virtude está no meio”, preconizou Aristóteles.

Nessa linha, o presente trabalho também terá o objetivo de analisar a repartição constitucional das competências tributárias, uma vez que também são limitações ao poder de tributar. Esse tema é imprescindível para o desenvolvimento científico da matéria que está em constante construção diante da multiplicidade de situações fáticas.

Como situado antes, o Estado Brasileiro adotou a forma de federativa, constituindo inclusive uma cláusula pétrea (Art.60, §4ª, I, da CRFB). Dessa forma, a União, os Estados, os municípios e o DF têm especificado na Constituição as suas competências administrativas e legislativas, ou seja, o constituinte teve o cuidado de regulamentar as necessidades públicas que cada ente federativo é encarregado de satisfazer.

Sendo assim, os entes precisam também de receitas próprias, por isso a própria Constituição trouxe a repartição de competências tributárias. O tema também é de extrema importância, porque no federalismo brasileiro existe certa supremacia de poder pela União. Logo, não raro, existe invasão de competências.

1. Uma Visão Geral sobre o Direito Tributário: conceitos fundamentais e o direito constitucional tributário

1.1. Os Tributos e os direitos fundamentais

Tentando explicar o papel desempenhado pelos direitos fundamentais, Jellinek leciona que o indivíduo possui quatro status em relação ao Estado, quais sejam: ativo, passivo, positivo e negativo. Dessas situações originam-se direitos ou deveres diferenciados.

 Segundo o status positivo, o cidadão pode exigir que o Estado aja em seu favor por meio das prestações positivas, como a garantia de educação, saúde e outros direitos fundamentais.

O status positivo de Jellinek, de acordo a classificação clássica de Paulo Bonavides, corresponde aos direitos de segunda geração, resultando na concepção social do Estado. Tal status surgiu após a revolução industrial, quando se percebeu as mazelas resultantes do Estado Liberal e da total inércia do Estado nas relações sociais e econômicas que ocasionaram situações de opressão aos menos favorecidos economicamente.

Então os direitos de segunda geração, no entender de Gilmar Mendes, vieram com a missão de estabelecer a liberdade real e igual para todos, mediante ação corretiva dos Poderes Públicos. São denominados de direitos sociais, porque se relacionam às reivindicações de justiça social e tem como titulares indivíduos singularizados.

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Ao longo da história, o Estado Social foi se amoldando às evoluções sociais e econômicas e hoje é bastante presente no Constitucionalismo Contemporâneo. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 é uma clara expressão disso, uma vez que traz logo no Título II um extenso rol de direitos e garantias fundamentais.

Desse rol boa parte dos direitos é de eficácia limitada, pois exige atuação positiva do Estado para concretização.

Não obstante, o Estado é uma abstração e para cumprir o seu papel precisa de recursos financeiros, por isso Gilmar Mendes defende que “não existe Estado Social sem o Estado Fiscal”.

Para o exercício da atividade financeira, a Constituição Federal atribuiu poderes ao Estado para que possa criar tributos e obrigar os particulares a se solidarizarem com o interesse público mediante a entrega compulsória de valor em dinheiro.

Nesse sentido, o tributo como a principal forma de receita pública do Estado Moderno revela-se como fundamental para manter as prestações positivas do Estado.

Visando desenvolver as teses previstas, será feito uma breve explicação sobre os principais institutos do direito tributário.

1.2. Obrigação Tributária e os sujeitos do direito tributário

Nessa esteira, importante discorrer um pouco sobre os sujeitos do Direito Tributário.

Os atores do direito tributário são os integrantes da obrigação tributária, sendo esta última o vínculo jurídico, com amparo constitucional, entre o Estado e o indivíduo que permite a cobrança dos tributos.

Obrigação, de acordo com o direito privado, trata-se de relação de caráter transitório, estabelecida entre credor e devedor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida do primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através do seu patrimônio.

 A obrigação tributária pode ser do tipo principal ou acessório, sendo determinante para diferenciar apenas o conteúdo pecuniário que é característico da obrigação principal, logo, tanto o pagamento do tributo, quanto dos respectivos juros e multa são obrigação principal, diferenciando-se dos conceitos do direito civil nos quais juros e multa são acessórios.

 Já a obrigação tributária acessória são prestações positivas ou negativas que não estão, a priori, relacionadas à obrigação de pagar. Conquanto, de acordo com o Art.113, §3ª do Código Tributário Nacional, com a inobservância da obrigação acessória, esta se converte em obrigação principal, pois haverá a cobrança de multa (obrigação de pagar).

Nesse sentido, os sujeitos do direito tributário serão os elementos subjetivos da obrigação tributária, principal ou acessória, serão os integrantes dos polos ativo e passivo da relação jurídico-tributária.

O sujeito ativo da obrigação tributária é o credor, segundo o Art.119 do CTN, pessoa jurídica de direito público que tem o poder de exigir o seu cumprimento.

Segundo Ricardo Alexandre, não é possível confundir o sujeito ativo da obrigação tributária que detém capacidade tributária ativa, uma condição delegável, com a competência tributária, que é a atribuição constitucional da competência para instituir tributo, esta é indelegável.

Segundo o Art.7ª do CTN é possível haver delegação da capacidade tributária ativa (condição de sujeito ativo da obrigação tributária) que consiste nas funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas entre pessoas jurídicas de direito público.

 Não obstante, é controversa a possibilidade de delegação da capacidade tributária ativa às pessoas jurídicas de direito privado, tendo em vista que se trata de exercício do poder de império estatal, sendo prevalente a posição que é contrária, por conta da redação do Art. 7ª do CTN que dispõe expressamente que pode haver delegação de capacidade tributária ativa de uma pessoa jurídica de direito público a outra.

Nesse sentido, as contribuições sociais corporativas, por exemplo, apesar de serem instituídas em favor das entidades sindicais não os tornam sujeitos ativos da obrigação tributária, uma vez que é a União por meio do Ministério do Trabalho e Emprego que configura como sujeito ativo dessas contribuições.

Importante destacar que o CTN no Art. 120 prevê hipótese de modificação superveniente de sujeito ativo, esta ocorre quando há a criação de novo ente federado por intermédio do desmembramento territorial do ente anteriormente existente.

Nesse caso, a nova pessoa jurídica, até o momento em que crie sua própria legislação, utilizará a legislação do desmembrado e, além disso, também se sub-rogará nos direitos tributários do mesmo.

No outro polo da obrigação tributária está o sujeito passivo da obrigação tributária, aquele que vai ser obrigado a despender o seu patrimônio em prol da coletividade. Segundo o CTN, o sujeito passivo pode ser contribuinte ou responsável.

 O contribuinte, de acordo com o Art. 121, I do CTN é aquele que tem relação pessoal e direta com o fato gerador, já o responsável (Art.121, II do CTN) é quem mesmo não sendo contribuinte, tem obrigação tributária decorrente de disposição expressa de lei.

A responsabilidade tributária pode ocorrer por substituição ou por sucessão. No primeiro caso, a lei transfere previamente o pagamento do tributo a um terceiro para facilitar a cobrança e fiscalização, pode ocorrer até mesmo antes da ocorrência do fato gerador por expressa autorização constitucional (Art.150, §7ª do CTN); já na responsabilidade por sucessão ocorre a transferência de responsabilidade por algum fato imprevisto como morte; falência, dentre outros dispostos no CTN.

Então, também é importante conceituar fato gerador que para a obrigação tributária principal, segundo o Art.114 do CTN, consiste na situação definida em lei como necessária e suficiente para a ocorrência da obrigação tributária, isso significa que o fato gerador é condição obrigatória e, uma vez ocorrendo, surgirá obrigatoriamente a obrigação tributária principal.

Já o fato gerador da obrigação acessória, é a situação definida na legislação tributária, ou seja, não precisa ser definida em lei em sentido estrito, que impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal.

Cumpre destacar que, segundo o Art.126 do CTN, a capacidade tributária passiva independe da capacidade civil das pessoas naturais, ou seja, um interditado continua integrando o polo passivo da obrigação tributária; também independe de estar a pessoa jurídica regularmente constituída.

Também importante diferenciar os conceitos de contribuinte de fato e de direito, por meio dos quais pode se extrair outros sujeitos tributários. O contribuinte de fato é aquele que mesmo sem integrar formalmente a relação jurídica tributária, como o faz o contribuinte de direito, é obrigado a efetivamente pagar o tributo, como ocorre, por exemplo, com o consumidor final que sofre o ônus do ICMS, uma vez que o valor do tributo estará embutido no preço final do produto.

1.3. Espécies tributárias

A Constituição dispõe sobre as espécies tributárias dentro da SEÇÃO I do título VI, denominada de Princípios Gerais, sendo, portanto, importante ao objeto deste trabalho discorrer um pouco sobre estes.

De início é de relevo destacar a polêmica sobre quais são os tipos de tributos, tendo em vista que o CTN no art. 5ª adotou a teoria tricotômica, segundo a qual tributos são apenas: impostos, taxas e contribuições de melhoria. Não obstante, existe forte corrente pentapartida que acrescenta ainda como espécies tributárias os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais introduzidas pela Constituição Federal.

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Ao ser questionado, o Supremo Tribunal Federal adotou a teoria pentapartida, reconhecendo a autonomia dos empréstimos compulsórios e das contribuições especiais como tributos novos e autônomos que não estão previstos no CTN, porque este é anterior a CRFB.

 Vale ressaltar que, na linha do entendimento do STF, a adoção da teoria tripartida não pode prosperar, pois do contrário haveria inúmeras inconstitucionalidades na própria constituição, como por exemplo, a cobrança de Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Como ambos incidem sobre o mesmo fato gerador, se ambos fossem impostos, como entende a teoria tripartida que não reconhece a autonomia das contribuições especiais, haveria inconsistência no sistema.

Para determinação da natureza jurídica dos tributos, o Art.4ª do CTN desconsidera a denominação e utiliza como critério tão somente o fato gerador. Nesse sentido, se o fato gerador estiver relacionado a alguma atividade estatal, o que a doutrina denomina de referibilidade, estar-se-á diante de uma taxa, independente de a lei denominá-lo de imposto, por exemplo.

 Ricardo Alexandre destaca que é importante também acrescentar ao critério do CTN o critério da base de cálculo, uma vez que, a CRFB prevê no art.145, §2ª que as taxas não podem ter base de cálculo própria dos impostos, logo seria uma forma de diferenciar estas espécies tributárias.

Pois bem, iniciando a discorrer sobre as espécies tributárias, os impostos são os tributos não vinculados, pois não se relacionam a nenhuma contraprestação estatal que incidem sobre a manifestação de riqueza do sujeito passivo.

A instituição de impostos baseia-se na ideia de solidariedade social, uma vez que quando mais bens se possuir, mais se contribuirá para o Estado angariar recursos e atingir as necessidades públicas que serão úteis a toda a comunidade, indistintamente.

É importante destacar que os impostos também são tributos de arrecadação não vinculada, uma vez que não podem ser afetados, salvo exceções constitucionais, para nenhuma atividade específica. Essa determinação tem o objetivo de garantir ao administrador margem de discricionariedade na escolha das políticas públicas. Essa exigência inclusive se trata de princípio do direito financeiro denominado de não afetação.

Cada ente federativo tem competência delimitada e facultativa para instituir por meio de lei impostos previstos na própria Constituição Federal, havendo ofensa ao princípio do pacto federativo a instituição de tributo por outro ente que não o previsto na CRFB.

As competências constitucionais são bem delimitadas e, por isso existe a exigência do art.146, III, a da CRFB de haver lei complementar nacional para definir fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes de todos os impostos da Constituição e não apenas os de competência da União.

Quanto ao caráter facultativo do exercício da competência tributária, é importante destacar o Art.153, VII da CRFB que atribui a União o poder instituir mediante lei complementar o imposto sobre grandes fortunas, não obstante, a União ainda não os institui.

Fugindo a regra da competência facultativa, a Lei de Responsabilidade Fiscal parece ter desconsiderado esse entendimento e na linha do princípio da responsabilidade fiscal, instituiu a sanção de vedação de transferências voluntárias ao ente federativo que não instituir imposto de competência prevista na Constituição, o que não afeta a União, uma vez que esta não recebe transferências voluntárias.

Além dos impostos já previstos na Constituição, a União ainda tem a denominada competência tributária residual para criar novos impostos desde que sejam não cumulativos e que não tenham fato gerador ou base de cálculo coincidente com os já discriminados na CF.

A Constituição também atribuiu a União a competência extraordinária para instituir os impostos extraordinários em caso de iminência ou de guerra externa.

Quanto aos impostos ainda é de relevo destacar o princípio da capacidade contributiva, previsto no Art.145, §1ª, diretriz ao legislador infraconstitucional concretizar a isonomia, determinando que este, sempre que possível, gradue os impostos segundo a capacidade econômica do contribuinte.

 A jurisprudência antiga entendia que a observância à capacidade contributiva se aplicaria apenas aos impostos pessoais, não obstante, recentemente, o STF admitiu a progressividade do ITCMD, um imposto real, dando sinais de que poderá haver mudança de entendimento.

Outra espécie tributária prevista na Constituição são as taxas, tributos devidos pela prestação de serviços individuais e divisíveis ou pelo exercício do poder de polícia.

Vê-se que as taxas ao contrário dos impostos, são tributos vinculados, porque dependem de uma atividade estatal. O STF entende que apesar de não haver previsão constitucional, nada impede que as taxas também levem em consideração o princípio da capacidade contributiva.

Importante destacar que, quando se tratar de serviço obrigatório, as taxas podem ser cobradas mesmo quando o contribuinte não usufrua do serviço, como, por exemplo, a coleta de lixo domiciliar.

 E o mais controverso sobre a cobrança das taxas de serviço público é a necessidade de o serviço ser individual e divisível, o que os entes políticos muitas vezes não respeitam. Esse foi o fundamento para o Supremo declarar inconstitucional a cobrança de taxa pelo serviço de iluminação pública, o que agora é vinculante por conta da edição da recente súmula vinculante 41, “o serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa”.

Importante diferenciar taxa de serviço e preço público ou tarifa, esse último é instituído para serviços facultativos e são estabelecidos pelo regime de direito privado, contratual, não se submetendo a rigidez do direito tributário. As concessionárias de serviço público, por exemplo, são remuneradas por tarifa.

Já a taxa de polícia, só pode ser instituída pelo efetivo exercício do Poder de Polícia. Não obstante, as decisões mais recentes do supremo têm presumido o exercício do Poder de Polícia quando existente órgão fiscalizador, mesmo que este não comprove haver realizado fiscalizações individualizadas nos estabelecimentos de cada contribuinte.

Já a contribuição de melhoria, é tributo que tem como fato gerador a valorização imobiliária decorrente obra realizada pelo poder público. Tem como fundamento o princípio constitucional da isonomia, pois, com a construção de obras públicas, se não houver contribuição de melhoria, alguns indivíduos se beneficiarão extraordinariamente com o gasto de recursos públicos.

Segundo a jurisprudência amparada no CTN, este tributo tem duas limitações, individual e total. A limitação individual é aquela que impõe que cada contribuinte pode pagar no máximo o valor pelo qual efetivamente se beneficiou com a valorização imobiliária e o limite total é que a soma dos tributos arrecadados não pode ultrapassar o custo total da obra.

Quanto aos empréstimos compulsórios, podem ser instituídos exclusivamente pela União por meio de lei complementar e podem ser cobrados em duas situações: para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, guerra externa ou sua iminência.

A segunda hipótese é para realização de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse social. Importante destacar que apenas no primeiro caso o imposto não precisa observar o princípio da anterioridade anual e nonagesimal.

Os recursos provenientes de empréstimos compulsórios terão arrecadação vinculada ao custeio da situação que levou a sua instituição e como nome indica, o valor arrecadado deve ser restituído aos contribuintes. Sendo assim, a lei instituidora dos empréstimos compulsórios deve fixar o prazo e as condições de resgate. Nesse sentido, o STF tem entendimento consolidado de que a restituição do valor arrecadado deve ser efetuada na mesma espécie em que recolhido (RE 175.385/CE).

Por fim, adotando-se a teoria pentapartide, comentários sobre a última espécie tributária: as contribuições especiais, também são de competência exclusiva da União e se dividem em: contribuições sociais; contribuições de intervenção no domínio econômico (CIDE); contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas (coorporativas) e contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública.

Destacando-se que os estados e municípios, como exceção à regra de que as contribuições especiais são de competência exclusiva da União, podem instituir contribuições sociais para o financiamento dos seus regimes próprios de previdência.

Importante destacar a observação de Gilmar Mendes, sobre a crescente utilização das contribuições especiais como forma de suprir as necessidades fiscais da União, uma vez que a Constituição determina que boa parte da receita dos impostos federais deva ser repartida com Estados e Municípios.

1.4. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar

Ao passo que a constituinte de 88 deu poderes aos entes para que esses instituíssem tributos, não cuidou em deixar que fosse ilimitado.

Nesse sentido, a Constituição cidadã trouxe uma gama de mecanismos para evitar que o Estado não seja excessivo e na desculpa de instituir tributos para atender as necessidades públicas acarrete violação aos direitos fundamentais, essas limitações estão dispostas no Art.150 da Constituição.

Logo no inciso I, a Constituição trouxe a exigência de lei para instituir ou aumentar tributos, é denominado princípio da legalidade.

 A legalidade é uma das principais limitações ao poder de tributar, pois como dito antes, os tributos são invasão no patrimônio dos cidadãos, e, portanto, para que não haja arbitrariedade, faz-se necessário que sejam instituídos por rito formal e por aqueles que foram legitimamente escolhidos pelo povo para comandar os interesses públicos.

Quando a Constituição fala em lei, a exigência é a instituição mediante lei ordinária, pois o procedimento de lei complementar, por ser mais solene, será obrigatório apenas quando estiver expresso no texto constitucional, assim como ocorre para a instituição de empréstimos compulsórios, por exemplo.

Na linha do princípio da legalidade, poderia ser considerado ofensivo instituir tributos por meio de medida provisória. Entretanto, não é esse o entendimento dos tribunais superiores, segundo o qual, as medidas provisórias estão no rol do Art.59 da Constituição Federal, logo, são meios aptos para a instituição de tributo, com exceção dos tributos que exigem lei complementar para a sua instituição, uma vez que a própria constituição no Art. 62, §1ª, III veda a edição das medidas provisórias que tratem de tema reservado à lei complementar.

O inciso II do Art.150 trata do princípio da isonomia tributária e no mesmo sentido da isonomia prevista no rol do art.5ª veda o tratamento desigual aos contribuintes que se encontrem em situações equivalentes.

Já o art.150, III da Constituição na linha da não-surpresa disciplinou os princípios da anterioridade anual e nonagesimal e o princípio da irretroatividade tributária. Esses são fundamentados na ideia de que o contribuinte precisa fazer o seu planejamento fiscal e para isso precisa de tempo, logo, ao instituir tributos o Estado deve fazê-lo e dá um período mínimo para que o contribuinte possa fazer o seu adequado planejamento.

De início, a Constituição previa apenas o princípio da anterioridade anual, sendo a anterioridade nonagesimal específica às contribuições sociais.

Dessa forma, não raro, os entes políticos realizavam aumentos tributários nos últimos dias do exercício financeiro e já exigiam o seu pagamento nos primeiros dias do ano seguinte, o que na prática significa desrespeito ao escopo constitucional. Então, a sociedade reclamou e o princípio da anterioridade nonagesimal passou a ser a regra para todos os tributos e não apenas às contribuições sociais.

Na sequência, o inciso IV trouxe o princípio da vedação ao confisco, no sentido de que os tributos não podem ser ilimitados, pois do contrário estarão ofendendo ao direito constitucional à propriedade. Segundo a doutrina, o confisco se mostra quando há comprometimento da dignidade da pessoa humana; à prática de atividade profissional e também quando houver comprometimento ao princípio da livre iniciativa empresarial.

Segundo o entendimento jurisprudencial, para configurar confisco, os tributos devem ter sido instituídos pelo mesmo ente tributante e cobrados no mesmo período de tempo; conforme entendimento jurisprudencial, a vedação também se aplica às multas. Não obstante, importante destacar que existe entendimento jurisprudencial que esse princípio não se aplica aos tributos com caráter extrafiscal.

O inciso V, por sua vez, estabeleceu a proibição de instituir tributos que impliquem limitações ao trafego de pessoas e bens, tem o objetivo de assegurar o direito de ir e vir sem restrições através da cobrança de tributos interestaduais ou intermunicipais, conquanto, a própria Constituição trouxe a faculdade de instituir pedágios.

Como política tributária, o inciso VI do Art.150, CRFB, prevê várias hipóteses de não incidência tributária, são proibições de instituição de tributos pelos entes federados a determinadas pessoas ou objetos, são denominadas pela doutrina de imunidades: imunidade recíproca; imunidade religiosa; imunidade aos partidos políticos; entidades sindicais dos trabalhadores e instituições de educação e assistência social sem fins lucrativos; imunidade cultural sobre livros, jornais e periódicos e a imunidades sobre fonogramas e videofonogramas. Estas imunidades serão mais bem tratadas no decorrer dos próximos capítulos.

Por fim, é importante destacar o crescente entendimento jurisprudencial de que os princípios e imunidades tributárias se tratam de verdadeiros direitos fundamentais e, portanto, não podem ser restringidos nem mesmo por emenda constitucional.

 2. APROFUNDAMENTO E ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DOS PRINCÍPIOS TRIBUTÁRIOS

2.1)  Legalidade

Consoante a melhor doutrina de José Afonso da Silva, a técnica difere princípio da legalidade e o princípio da reserva legal, uma vez que o primeiro significa a submissão e o respeito à lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador, portanto, incluindo todas as espécies legislativas do Art. 59 da CRFB.

 Já a reserva legal exige que a regulamentação de determinadas matérias deva fazer-se necessariamente por lei em sentido estrito.

Sendo assim, segundo a jurisprudência dominante, o Art.150, I da CRFB, não se refere ao princípio da reserva legal, uma vez que, a criação e a majoração de tributos podem ser feitos, via de regra, por meio de medida provisória.

Quanto à edição de medida provisória para instituir impostos, importante destacar que a eficácia da MP somente ocorrerá no ano seguinte a sua conversão em lei, diferente das demais espécies tributárias em que o marco para a anterioridade é a data da publicação da espécie normativa, conforme inteligência do Art.62, §2ª da CF.

Entretanto, interesse julgado do STF, RE 568503/RS, determinou que mesmo se tratando se contribuição social, e não imposto como determina o texto constitucional, o prazo da anterioridade seria contado apenas da lei de conversão da MP quando a majoração de alíquota tiver sido estabelecida somente pela lei de conversão.

Observa-se que pesar da Constituição Federal exigir a edição de lei apenas para criação e aumento de tributo, o Art.97 CTN traz outras hipóteses em que a observância desse princípio é obrigatória. Transcreva-se:

“Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

I – a instituição de tributos, ou a sua extinção;

II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;

IV – a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;

VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

§ 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.

§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo”.

Como se observa, os incisos I, II estão relacionados ao princípio do paralelismo das formas: criação – extinção de tributo; majoração – redução de tributo.

Observa-se que apesar da redação do dispositivo ser anterior a Lei de Responsabilidade Fiscal, está em consonância com o escopo da legislação que institui a observância ao princípio da responsabilidade fiscal.

Como requisito obrigatório à responsabilidade fiscal, o Art.11 da LRF prevê a obrigatoriedade de instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente. Nesse sentido, a exigência de lei para a extinção e diminuição das alíquotas dos tributos torna a dispensa de receita tributária mais dificultosa.

O inciso IV prevê a observância à legalidade para fixação da base de cálculo. Sobre isso, importante destacar que a mera atualização do valor monetário da base de cálculo não significa aumento do tributo, o que é diferente da modificação da base de cálculo que ultrapassa a mera atualização. A mera atualização pode ser realizada por meio de decreto, já a modificação da base de cálculo se enquadra no inciso IV e exige a edição de lei.

Nesse sentido há entendimento sumulado do STJ, súmula 160 do STJ: “é defeso ao município atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária”. Isso porque, no entender da Corte, contrariando a autonomia dos entes federativos, a atualização em índice superior seria, na verdade, aumento camuflado do tributo e, portanto, deve observar a legalidade, não podendo ser feito por simples decreto do Poder Executivo.

Quanto à base de cálculo, importante destacar o caso específico do IPTU (imposto sobre a propriedade territorial urbana), segundo Helton Kramer, diante da impossibilidade de avaliação individual de cada imóvel urbano, na maioria das situações, o valor venal é definido pela Planta Genérica de Valores, a qual determina o preço do metro quadrado por região.

Ocorre que, há julgado do STF declarando inconstitucional a avaliação individual que serve de base de cálculo para exigir o IPTU sobre os imóveis por meio de decreto, pois fere a legalidade, ainda que sejam bens que surgiram posteriormente à planta genérica. Ou seja, mesmo havendo planta genérica, é necessário que haja lei para fazer a avaliação individual, assim como discrimina o art.146, III, a, CF.

Importante destacar que, apesar de não haver exceção ao princípio da legalidade quanto à criação de tributos, para resguardar o caráter extrafiscal de determinados tributos, admite-se a majoração por meio de decreto.

 Nesse sentido, segundo a CRFB, a majoração das alíquotas do II, IE, IPI e IOF podem ser realizadas por ato do Executivo. Entretanto, ressalta-se que essa exceção é diferente da alteração da CIDE- combustível, pois de acordo com o Art.177, §4ª, I, b, o poder executivo pode reduzir ou restabelecer as alíquotas de CIDE-COMBUSTÍVEL, ou seja, não pode aumentá-las, mas apenas extinguir a diminuição anteriormente concedida.

Outra exceção é a definição das alíquotas de ICMS. Com o escopo de evitar a guerra fiscal entre os Estados, a Constituição no Art. 155, §4ª, IV prevê a definição das alíquotas por meio de deliberação entre os Estados, o que se dá por meio de convênio realizado no CONFAZ, podendo haver o aumento de alíquotas de ICMS sem ser por meio de lei.

 Por fim, a jurisprudência considera que a alteração do prazo de pagamento de tributo também não precisa observar a legalidade, podendo inclusive haver a antecipação de pagamento por meio de simples decreto.

2.2. Princípio da não surpresa

Como antes conceiturado, o princípio da não surpresa é composto pela irretroatividade; anterioridade de exercício e a noventena. Todos eles objetivam garantir que o contribuinte possa realizar o seu adequado planejamento tributário e não sofra impactos desastrosos por conta da criação ou majoração de tributos de vigência imediata.

O alcance desses princípios vem sendo acompanhado por várias ponderações jurisprudenciais, destacar-se-á algumas delas.

Anterioridade

SÚMULA VINCULANTE 50

Em 2015 o STF aprovou a Súmula Vinculante 50, segundo a qual norma legal que altera o prazo de recolhimento de obrigação tributária não se sujeita a anterioridade.

Esse entendimento é bastante criticado por parte da doutrina, pois de acordo o enunciado, o fisco pode inclusive antecipar a data de pagamento e não haverá ofensa à anterioridade, contrariando o objetivo constitucional que é permitir ao contribuinte tempo hábil para que este organize as suas finanças.

 Entretanto, diante da força vinculante do enunciado, a extinção desse entendimento só poderá ser feita por cancelamento da súmula ou reação congressual, ou seja, lei editada pelo legislativo que contrarie esse entendimento, uma vez que o Poder Legislativo na sua função típica de legislar não fica vinculado aos enunciados das súmulas vinculantes.

Como visto antes, a jurisprudência também considera que o prazo para pagamento de tributos também é exceção à legalidade. Logo, o Supremo perdeu a oportunidade de também tornar esse entendimento vinculante, pacificando o tema, pois no enunciado da súmula 50 poderia ter especificado tratar-se de exceção à legalidade e à anterioridade, diminuindo a insegurança jurídica.

REVOGAÇÃO DE BENEFÍCIO FISCAL

A consequência imediata da revogação de um benefício fiscal é o aumento do tributo, logo, o coerente seria que essa política também devesse observância ao princípio da anterioridade.

Ocorre que, havia entendimento pacífico no sentido de desnecessidade de respeito à anterioridade. O STF entendia que o benefício fiscal é vinculado à política econômica que pode ser revista pelo Estado a qualquer momento e, portanto, não deve respeito à anterioridade.

Ocorre que, em setembro de 2014, a 1ª turma do STF decidiu de modo diametralmente oposto, entendeu que o ato normativo que revoga benefício fiscal anteriormente concedido configura aumento indireto do tributo e, portanto, está sujeito ao princípio da anterioridade tributária.

O Ministro relator, Marco Aurélio, ressaltou que toda alteração do critério quantitativo do tributo que implique aumento da alíquota deve ser entendida como majoração e, portanto, a extinção de benefício teria o mesmo resultado do aumento de tributo, devendo observar a anterioridade.

Ademais, importante destacar o Art.104, III, CTN, segundo o qual, entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorra a sua publicação as leis referentes aos impostos que extinguem ou reduzem isenções. Ou seja, a própria legislação dá sinais de que a revogação das isenções deve respeito à anterioridade.

Entretanto, como não se trata de decisão do plenário, não é possível afirmar que houve superação do entendimento antigo e pacificação da jurisprudência.

 IRRETROATIVIDADE – Súmula 584 do STF

Na contramão da irretroatividade, o STF tem considerado a noção puramente formal de fato gerador, desse modo, consagrou a súmula 584: “ao Imposto de Renda calculado sobre os vencimentos do ano base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deva ser apresentada a declaração”.

Para entender a súmula, importante uma breve digressão sobre a classificação dos fatos geradores.

Os fatos geradores podem ser classificados como instantâneos ou periódicos. No primeiro caso, o fato gerador se concretiza em um único momento, evento preciso. Já nos periódicos, o fato gerador se prolonga ao longo do tempo, ex: IPTU E IR.

O fato gerador periódico ainda se subdivide em simples, quando decorre de um único evento, ex: ser dono de propriedade predial e territorial urbana; composto ou complexivo, quando decorre de diversos eventos, ex: recebimento mensal de renda. Para os fatos geradores periódicos, a lei, por ficção jurídica, estabelece o momento em que ocorre a completude e perfeição do fato gerador, o que faz com que possam ter tratados como instantâneos.

Nesse sentido, de acordo com o entendimento sumulado, uma lei editada nos últimos dias do exercício financeiro que majore as alíquotas de imposto de renda, e que, portanto, já pode ser aplicada ao próximo exercício financeiro, uma vez que, o imposto de renda não observa noventena, pode incidir sobre a aferição de renda do ano anterior, pois se considera a lei vigente do ano de declaração.

Vê-se que esta súmula constitui uma clarividente ofensa a irretroatividade. Logo, existe polêmica sobre se ainda tem validade, não obstante, o entendimento que prevalece no STF é de que a súmula ainda está em vigor.

 A justificativa apontada pela Suprema Corte é que o fato gerador do imposto de renda somente ocorre no dia 31 de dezembro de cada ano. Ocorre que, essa definição de fato gerador se trata de uma ficção jurídica, pois, na verdade, os eventos já ocorreram durante todo o exercício financeiro; a lei instituiu essa data apenas para facilitar a cobrança e determinar a lei aplicável.

Sendo assim, se a lei aplicável é a vigente no ano da declaração, estará atuando retroativamente sobre fatos geradores passados. Mas não é esse o entendimento da corte, pois considera suficiente que a lei seja anterior ao dia 31 de dezembro de cada ano para já incidir sobre os rendimentos mensais do mesmo.

Entretanto, importante destacar que o STF, recentemente reconheceu exceção à súmula 584, por meio do RE 592396/SP. Segundo o julgado noticiado no informativo 810, é inconstitucional a aplicação retroativa de lei que majora a alíquota incidente sobre o lucro proveniente de operações incentivadas ocorridas no ano anterior. Em resumo, a corte entendeu que a súmula não se aplica quando o tributo tem função extrafiscal.

IRRETROTATIVIDADE E O ART. 106 DO CTN

A constituição federal não prevê exceções ao princípio da irretroatividade. No entanto, o Art.106 do CTN traz casos em que a legislação tributária terá aplicação retroativa, porém não são exceções à irretroatividade, pois não constituem hipóteses em que seja possível cobrar tributos ou majorar alíquotas antes do início da vigência da lei.

A primeira hipótese é quando se tratar de lei expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados.

Já a segunda hipótese ocorre quando a lei deixa de tratar determinado fato como infração e como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, então será possível haver aplicação de lei nova retroativamente ao ato não definitivamente julgado, desde que o ato não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo.

 E, por fim, a terceira hipótese se dá quando a lei comine a determinado fato penalidade menos severa que a lei vigente ao tempo da prática do ato.

Importante destacar que a irretroatividade se refere apenas a leis que tratam de infrações e suas respectivas punições. Dessa forma, não haverá retroatividade da lei que disponha sobre tributos, seja para melhor ou pior. Sendo assim, a interpretação retroativa de leis não pode ser utilizada para excluir a cobrança de tributos.

Por fim, a jurisprudência do STJ define que o julgamento definitivo, para fins de aplicação da lei tributária mais favorável, como o momento após a fase de arrematação; adjudicação ou remição.

2.3. Vedação ao confisco – art.150, IV, CF

Trata-se de princípio associado ao direito fundamental à propriedade, previsto na CF que, segundo Eduardo Sabbag, é direcionado em primeiro plano ao legislador infraconstitucional e numa perspectiva ulterior ao intérprete e aplicador da lei.

 Como visto antes, os tributos têm relação direta com os direitos fundamentais, uma vez que não há como cumprir direitos prestacionais sem recursos financeiros.

Entretanto, nenhum direito é absoluto, dessa forma, o ente público não pode tributar desarrazoadamente o cidadão, sob pena de infringir o direito à propriedade. Ademais, o confisco de bens somente é possível em hipóteses excepcionais que estão expressamente dispostas na constituição e dentre as quais não se inclui a tributação.

Importante destacar que o Estatuto da Cidade, amparado pelo Art.182 da CF, prevê o aumento progressivo de IPTU como forma coercitiva ao proprietário de imóvel urbano que não esteja cumprindo a sua função social, para que assim o faça, podendo chegar até a alíquota máxima de 15%.

Nesse sentido, existe corrente da doutrina que defende ser possível haver o caráter confiscatório dos tributos que tenham função extrafiscal. Já outra parte da doutrina entende que não há confisco ao estabelecer esse percentual.

A divergência decorre da ausência de caráter objetivo para definir a partir de qual o percentual é considerado confisco. Segundo Sabbag, a doutrina tem se resumido a definir confisco como o que exceder a capacidade contributiva, o que deixa margens para amplas interpretações.

Sabbag cita Ives Granda, segundo este, a linha de atuação do princípio da vedação ao confisco se estende por dois pontos limítrofes e opostos: parte-se do nível ótimo de tributação, em que o tributo é possível e razoável, chegando-se ao extremo oposto, ponto de invasão patrimonial, quando a cobrança será excessiva. Nesse sentido, o respeito ao princípio do não confisco estaria no centro dos opostos.

A jurisprudência também tenta delimitar os contornos desse princípio, já tendo sido firmados alguns entendimentos. Segundo o entendimento prevalente, a partir de julgado do STF, o confisco deve ser aferido a partir da soma de toda a tributação devida ao mesmo ente. Logo, não seria correto aferi-lo isoladamente, apenas levando em consideração determinado tributo.

Não obstante, segundo entendimento da Corte, deve-se observar em separado a instituição pela mesma pessoa política. Sendo assim, não interessaria, por exemplo, se a soma dos tributos estaduais e municipais é confiscatória, pois o entendimento é que só haverá confisco se a soma dos tributos estaduais ou municipais, isoladamente considerados, assumir resultado exorbitante.

O entendimento firmado pela Corte, apesar de tentar salvaguardar a autonomia dos Entes federativos, não parece fazer sentido para garantia constitucional do não confisco, uma vez que o patrimônio atingido é o mesmo, independente do ente político que esteja realizando a cobrança.

Conquanto, apesar dos esforços doutrinário e jurisprudencial, vê-se que os contornos dessa cláusula aberta ainda estão bastante carentes de delimitação, o que acaba esvaziando o efeito dessa garantia constitucional. Uma vez que milita o princípio da presunção de constitucionalidade das leis, é difícil ao intérprete declarar determinado tributo contrário ao não confisco sem que haja critérios objetivos de definição.

3. A repartição constitucional das competências tributárias e Imunidade tributária recíproca

3.1. O Federalismo

O Brasil incorporou, com temperamento, a forma de Estado norte-americana denominada de Federalismo.

O Federalismo instituiu o modelo de organização dos Estados em que convivem um poder central e vários poderes autônomos distribuídos entre outros entes políticos de menor dimensão territorial, porém, não dotados de independência, o que impede que haja o direito de secessão.

Os Estados que adotaram esse modelo tem ainda como característica básica a titularidade da soberania, sendo esta o poder de autodeterminação plena, livre de interferências de poder interno ou externo, exclusiva do Estado Federado como um todo, ou seja, apenas o Poder Central detém a soberania.

Em contrapartida, os demais entes federados detém autonomia, que significa a capacidade de autodeterminação dentro do círculo de competências traçado pelo poder soberano.

Segundo Gilmar Mendes, a principal finalidade do federalismo seria a tentativa de resposta à necessidade de se ouvirem as bases de um território diferenciado quando da tomada de decisões que afetam o país como todo. Além disso, também teria a função de reduzir os poderes excessivamente aglutinadores da União.

Na criação do Estado Federal Brasileiro, houve o “temperamento” do modelo original por meio da inclusão dos municípios no grupo dos entes federativos.

Segundo o modelo brasileiro, existe um poder descentralizado de 2ª grau, uma vez que os municípios detém autonomia, porque possuem Poder Executivo e Poder Legislativo próprio e contam também o poder de auto-organização, por meio das leis orgânicas.

 Ocorre que, o Estado brasileiro foi originado de processo centrífugo. Isso significa que inicialmente havia apenas um centro de poder que foi repartido entre os entes federativos menores, então gerou um modelo de Estado federal cheio “imperfeições”, o que a doutrina denomina de federalismo assimétrico.

O federalismo assimétrico decorre da clara prevalência de poderes da União, inclusive no Poder Econômico, uma vez que, dentre outros motivos, esse ente detém a maior capacidade tributária, em detrimento dos Estados e Municípios.

Os municípios claramente estão em situação de desarmonia com o sistema, uma vez que, contrariando o modelo original, não têm representantes no Senado Federal, o que é típico de um ente federado.

Outra distorção é o fato dos municípios não terem Poder Judiciário, enfraquecendo o seu poder de auto-organização. Não obstante, apesar de imperfeito, o federalismo brasileiro foi importante para livrar o país das amarras criadas pelo autoritarismo de um Poder Central Unificado e garantir que, pelo menos em termos, a democracia pudesse existir.

 Nesse sentido, o Constituinte de 88 em vários momentos tratou com bastante cuidado o princípio do pacto federativo e a independência dos entes federativos.

O princípio está disposto logo no art.1ª, caput da Constituição de 88 ao prevê que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel da União, Estados e municípios. E mais ainda observa-se a deferência ao princípio constitucional quando o constituinte elegeu a forma federativa de Estado como cláusula pétrea.

3.2. O Federalismo e a tributação

VÍCIOS DO FEDERALISMO: BITRIBUTAÇÃO E BIS IN IDEM

Como a federação pressupõe divisão de competências legislativas e materiais, o poder de tributar está diretamente relacionado à autonomia dos entes federativos. Ora, como poderia um ente cumprir as suas competências materiais determinadas pela constituição se não obtivesse receita própria?

Visando impedir ofensas ao pacto federativo, a Constituição criou rígidos mecanismos de divisão de competências tributárias, de modo que no polo ativo da obrigação tributária não é possível haver solidariedade como é possível no polo passivo.

Ocorre que, não raro existem conflitos de competência, uma vez que determinadas situações podem ser enquadradas como fatos geradores de mais de um tributo de competência de entes federativos diversos ou mesmo de tributos de competência do mesmo ente. Essas situações dão origem a dois vícios tributários: a bitributação e o bis in idem.

Ocorre bis in idem quando o mesmo ente tributante edita diversas leis instituindo múltiplas exigências tributárias sobre o mesmo fato gerador. Essa situação, apesar de aparentemente infringir o princípio da vedação ao confisco, não é impedida constitucionalmente.

 Nesse sentido, a União, por exemplo, tributa o lucro auferido por uma empresa pelo Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas e ao mesmo tempo tributa esse fato gerador com a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL.

Já a bitributação ocorre quando entes diversos exigem do mesmo sujeito passivo tributos decorrentes do mesmo fato gerador. Trata-se de situação totalmente contrária ao ordenamento, pois a Constituição prevê um rígido sistema de repartição de competências.

Entender de modo diferente seria ofensa ao princípio do pacto federativo. Atento a isso, o constituinte de 88 no Art.146, I, CRFB, previu a edição de lei complementar para regular o conflito de competência em matéria tributária.

Não obstante, segundo leciona Ricardo Alexandre, não configura ofensa ao pacto federativo as hipóteses excepcionais de bitributação previstas constitucionalmente.

A primeira exceção decorre da competência extraordinária conferida à União de estabelecer os impostos extraordinários em caso de iminência ou de guerra externa, pois a constituição permite que estejam ou não compreendidos na competência tributária da União.

A outra exceção decorre de casos envolvendo Estados-nações diversos, o que ocorre principalmente nos tributos incidentes sobre a renda. Ricardo Alexandre cita como exemplo alguém que reside no Brasil, mas recebe rendimentos de trabalho realizado no Uruguai. Nesses casos, o autor prevê como solução a celebração de tratados internacionais.

VÍCIOS DO FEDERALISMO: Prevalência da União na arrecadação tributária

Ocorre que, como antes exposto, no federalismo brasileiro existe uma clara prevalência da União em relação aos demais entes, então para tentar “corrigir” essa falha do sistema, o constituinte de 88 criou o sistema de repartição das receitas tributárias, disposto no Art.157 e ss. da CF.

A União como maior arrecadadora tem a imposição constitucional de dividir seus impostos com os Estados e Municípios e os Estados, por sua vez, são obrigados a dividir um pouco do que arrecadam e um pouco do que recebem por transferência da União com os municípios.

Quanto aos repasses obrigatórios, importante destacar a redação do Art.160, CRFB, segundo o qual é vedado a retenção ou qualquer restrição à entrega e ao emprego de recursos dos repasses obrigatórios aos Estados, Distrito Federal e municípios, incluindo os adicionais e acréscimos relativos aos impostos. Segundo decidiu o STF, nesses adicionais se inclui a multa moratória, porém, não está incluída a multa punitiva.

3.3. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA

Outro mecanismo criado pelo constituinte para diminuir ou impedir o aumento da assimetria entre os entes federativos foi o princípio da imunidade tributária recíproca, disposto no Art.150, VI, a, CF.

Leciona Hugo de Brito Machado que a imunidade é o obstáculo criado por uma norma da Constituição que impede a incidência da lei ordinária de tributação sobre determinado fato, ou em detrimento de determinada pessoa, ou categoria de pessoas. Nessa linha, Sabbag conceitua imunidade como um tipo de incompetência tributária.

Com relação especificamente a imunidade tributária recíproca, trata-se de hipótese de não incidência tributária que inibe a existência do próprio fato gerador de impostos em relação aos entes federativos, com a nítida intenção de impedir que haja repressão e favoritismo entre os entes.

Segundo o Ministro Joaquim Barbosa, é instrumento de preservação e calibração do pacto federativo, impedindo que os impostos sejam utilizados como instrumento de pressão indireta de um ente sobre o outro.

Destaca-se que esta imunidade se refere apenas aos impostos, uma vez que, como visto antes, são os tributos que não são dotados de referibilidade, ou seja, não estão atrelados a nenhum serviço específico, como ocorre com as taxas.

 Logo, segundo a doutrina, é perfeitamente possível e pelo princípio da responsabilidade fiscal, é até mesmo obrigatório que um ente faça o lançamento de taxa, por exemplo, em relação ao outro ente.

Segundo Eduardo Sabbag, trata-se de uma imunidade subjetiva ou pessoal, outorgada em função da condição da pessoa e uma imunidade ontológica, pois decorre da força dos princípios que edificam o texto constitucional.

A imunidade recíproca quanto dos impostos foi prevista aos entes federativos sem restrições.

Já a imunidade recíproca extensiva, como classifica a doutrina, é a prevista no Art.150, §2ª às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, sendo essa restrita a renda e aos serviços vinculados a suas finalidades essenciais, por isso a doutrina também a denomina de condicionada. Ressalta-se que a condição da renda/serviço ser vinculado à atividade essencial não é exigida para os entes políticos.

O art.150, §3ª veda expressamente que haja a concessão da imunidade recíproca à exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis aos empreendimentos privados, trata-se de uma forma de garantir o princípio da livre concorrência e respeitar o Art.173, §2ª da CF.

Conquanto, flexibilizando a previsão constitucional, o STF estendeu a imunidade prevista no Art.150, VI,a, CF, às Empresas Públicas e Sociedades de Economia mista prestadoras de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado.

 Esse entendimento foi firmado no RE 407.099/RS e AC 1.550-2. Nesse sentido, o STF entendeu devida a imunidade à Sociedade de Economia mista que prestava serviço público de abastecimento de água e esgoto.

No caso da imunidade recíproca conferida às sociedades de economia mista, poder-se-ia questionar o fato haver particulares envolvidos no quadro societário que seriam beneficiados pela imunidade, contrariando o princípio da livre concorrência.

Então, com o escopo de evitar inconstitucionalidade, o STF levou em consideração a participação relativa do capital privado quando comparado com a participação do ente público detentor do controle acionário, se a participação privada for mínima, a imunidade não estaria prejudicada.

Em 2013, o STF adotou entendimento ainda mais abrangente, entendeu que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é imune em relação a todas as suas atividades, inclusive quando realiza atividades sujeitas à livre concorrência e até mesmo em atividades que não se enquadram como serviço público.

A Corte utilizou como argumentos: os Correios se sujeitam a um conjunto de restrições não aplicáveis à iniciativa privada, como licitação; obrigatoriedade de concurso e controle do TCU; prestam serviço de forma exclusiva em muitos lugares da federação que não são atrativos para a iniciativa privada, atuando na maioria das vezes de forma deficitária; a prestação do serviço postal está passando por momento de baixa, o que torna a ECT ainda mais deficitária.

Logo, no entender da Corte, a imunidade ampla conferida aos Correios, seria uma forma de compensar os serviços públicos de ampla cobertura realizados por imposição constitucional que nem sempre seriam capazes de se auto custear. Logo, haveria uma espécie de “subsídio cruzado”, pois as atividades lucrativas estariam financiando os serviços essenciais.

Importante destacar que ao contrário das Empresas Públicas e Sociedades de Economia mista, as concessionárias, mesmo quando prestam serviços públicos, não são beneficiárias da imunidade recíproca, uma vez que, são empresas privadas que desempenham atividades em busca do lucro.

Interessante julgado do STF (RE 599.176/PR) concluiu que a imunidade tributária recíproca não afasta a responsabilidade tributária por sucessão na hipótese em que o sujeito passivo era contribuinte regular do tributo devido.

Esse último entendimento foi utilizado para impedir a imunidade recíproca da União em relação às dívidas com o fisco municipal da antiga RFFSA, sociedade de economia mista federal que foi extinta, tornando-se a União sua sucessora legal.

Por fim, importante destacar que o entendimento da Suprema Corte no sentido de que a imunidade leva em consideração apenas o contribuinte de direito.

Ou seja, não tem relevância o fato de o ICMS ser pago indiretamente pelo consumidor de produto vendido por ente imune, pois o que interessa para fins de imunidade é que o ente imune seja formalmente integrante da relação jurídico-tributária. Esse entendimento restou consolidado com a edição da Súmula 591, STF: “A imunidade ou a isenção tributária do comprador não se estende ao produtor, contribuinte de IPI”.

4. OFENSA AO PACTO FEDERATIVO? ANÁLISE DE ALGUNS INSTITUTOS

Como visto antes, o pacto federativo é muito importante para a manutenção da harmonia do sistema, sendo um importante mecanismo de impedimento ao autoritarismo.  Nesse sentido, o constituinte de 88 deu importância máxima ao instituto ao elegê-lo como cláusula pétrea (Art.60, §4ª, I).

Não obstante, a edição da constituição de 88 não significou a desconsideração automática de todo o ordenamento jurídico anterior. Nesse sentido, muitas normas anteriores quando materialmente compatíveis com a nova ordem constitucional passaram pelo fenômeno constitucional denominado de recepção e continuam vigentes.

Leciona Gilmar Mendes que a recepção corresponde à revalidação das normas que não conflitam materialmente com a nova ordem constitucional, não sendo relevante eventual incompatibilidade formal.

O autor cita Kelsen, segundo o qual a recepção trata-se de um procedimento abreviado de criação do direito, no qual as leis anteriores permanecem válidas, porém com novo fundamento, de modo que apenas o conteúdo é o mesmo.

Dessa forma, entendeu o STF que as normas anteriores que fossem incompatíveis materialmente sofreriam revogação, não sendo hipótese de inconstitucionalidade superveniente como defendeu o Ministro Sepúlveda Pertence. 

O STF adotou a tese da revogação por meio da não recepção, sob o argumento de que a constitucionalidade deve ser aferida no momento da criação da norma.

Sendo assim, a Corte entendeu normas anteriores que forem compatíveis com o parâmetro constitucional da época em que foram editadas não podem ser declaradas inconstitucionais, uma vez que a inconstitucionalidade significa declaração de nulidade da norma, produzindo, via de regra, efeitos retroativos. Por conta desse posicionamento, a doutrina defende que o Brasil não aceita o fenômeno da inconstitucionalidade superveniente.

Pois bem, o Código Tributário Nacional foi editado antes da Constituição de 88, ainda em 1966 com o status de lei ordinária.

 Ocorre que, como antes exposto, para que ocorra o fenômeno da recepção apenas tem relevância a compatibilidade material. Nesse sentido, entendeu-se que o CTN seria compatível materialmente com a Constituição, então o mesmo foi recepcionado e passou a vigorar com o status de lei complementar, assim como exigiu o texto constitucional por meio do art. 146 da CRFB.

Ocorre que, a princípio, a recepção do código foi feita na sua integralidade. Entretanto, coerentemente, aos poucos a Suprema Corte foi declarando que alguns dispositivos do CTN não foram recepcionados.

Não obstante, ainda vigoram alguns institutos que parecem conflitar com o sistema constitucional, em especial ao pacto federativo, tão caso a nova ordem constitucional. Analisar-se-á a partir de então alguns destes.

4.1) MORATÓRIA GERAL

A moratória faz parte do rol do Art.151 do CTN, consiste em hipótese de suspensão do crédito tributário.

Conceitua Eduardo Sabbag que a moratória é uma dilação legal para pagamento de tributos, prevista em lei, submetendo-se, portanto, ao princípio da estrita legalidade, conforme prevê o Art.97 do CTN.

O instituto já existia antes da LC 104/2001 que instituiu o parcelamento, por isso existe doutrina que entende que a moratória seria “o parcelamento de ontem”. A semelhança ainda é maior quando se trata de moratória parcelada, em que além da dilação de prazo, existe a possibilidade de parcelamento do crédito tributário.

 Não obstante, os dois institutos continuam válidos e não se confundem. O parcelamento é política fiscal corriqueira, enquanto a moratória é medida excepcional que inclusive pode dispensar o pagamento de juros e multa, o que não ocorre, via de regra, com o parcelamento.

A moratória pode ser concedida diretamente por lei, ocorre quando é concedida em caráter geral. Dessa forma, a dilação de prazo é automática, pois decorre da lei.

E também pode ser de caráter individual, quando para obter o benefício, o sujeito passivo tenha que comprovar determinados requisitos previstos em lei. Nesse último caso, não pode haver a alegação de direito adquirido, pois se o sujeito deixar de cumprir os requisitos, o benefício será “revogado” de ofício (Art.155, caput).

 Observa-se que o legislador utilizou o termo “revogação” com falta de técnica, uma vez que o correto seria anulação, pois a revogação ocorre quando há análise de conveniência e oportunidade e não de legalidade, como ocorre no caso em comento.

Então quando há a “revogação da moratória” o crédito deve ser imediatamente cobrado acrescido de juros de mora, podendo ainda haver a imposição de penalidade, caso haja prova de simulação ou dolo do beneficiado ou de terceiro em favor daquele.

Além disso, caso haja comprovação de simulação ou dolo, haverá suspensão da prescrição no período compreendido entre a concessão da moratória e sua “revogação”.

 Entretanto, maior afronta ao ordenamento ocorre na previsão da moratória geral.

A moratória geral pode ser de dois tipos: autônoma ou heterônoma. No primeiro caso, o ente instituidor do tributo concede a moratória para o pagamento dos seus próprios tributos.

Já a moratória heterônoma, trata-se de aberração constitucional, uma vez que viola flagrantemente o princípio do pacto federativo ao admitir que a União conceda moratória geral em face de todos os tributos, incluindo os estaduais; distritais e municipais.

O dispositivo é uma herança nefasta de um período de autoritarismo e centralização de poder. Representa uma patente ofensa ao Art.151, III, CF que impede a União de conceder isenção aos tributos estaduais, distritais e municipais, o que a doutrina denomina de isenção heterônoma, dispositivo que está em total conformidade com o federalismo.

Na verdade, a moratória geral contraria todo o ordenamento constitucional, uma vez que, permite a União interferir violentamente na autonomia dos demais entes federativos.

 Ora, como o ente poderá cumprir as suas obrigações constitucionais previstas nas competências materiais da CF, se não obtiver a arrecadação tributária no momento devido? É clarividente que não é possível haver esse tipo de invasão. Nesse sentido entende Eduardo Sabbag.

Não é lógico que a constituição enalteça o princípio do federalismo tornando-o cláusula pétrea e estabeleça as competências materiais e legislativas de cada ente e ao mesmo tempo uma lei infraconstitucional admita que a União interfira unilateralmente no planejamento dos outros entes.

Os defensores do dispositivo entendem que se trata de medida excepcional o que justificaria a invasão de competência alheia; alegam também que é condicionada, pois tem como requisito a dilação de prazo para pagamento dos tributos de competência da própria União e de todos os demais entes, nesse sentido entende Hugo de Brito Machado.

 Ocorre que, a definição do que é excepcional não é exata, podendo a União utilizar o instituto como forma de centralização de poder, uma vez que muitos municípios não tem outra fonte de receita, o que é um absurdo jurídico e político.

 Sendo assim, não é possível admitir que tal previsão ainda persista no ordenamento, pois representa um perigo latente ao equilíbrio do sistema.

Infelizmente, nunca houve uma análise mais detalhada do instituto pelo STF, uma vez que o dispositivo nunca foi aplicado. Logo, cumpre a doutrina continuar defendendo a não recepção do mesmo, pois quando houver um surto de autoritarismo, o judiciário deve ter respaldo e amparo para poder reprimi-lo.

4.2. Isenção por meio de tratados internacionais

A polêmica em torno dos tratados internacionais em matéria tributária gira sobre duas questões. Primeiramente, a redação atécnica do Art.98 do CTN pode causar confusões ao intérprete e outro ponto polêmico é a possibilidade de a União celebrar tratados internacionais concedendo isenções sobre tributos dos outros entes federativos, discutir-se-á um pouco sobre isso.

O Art. 98 do CTN parece prevê total supremacia dos tratados internacionais frente à legislação pátria ao regular que aqueles revogam e modificam a legislação interna, além de gerarem a obrigação de observância pela legislação interna superveniente. Ocorre que, a doutrina e a jurisprudência já se encarregaram de realizar o devido temperamento.

Nesse sentido, o STF pacificou o entendimento de que os tratados internacionais que não versem sobre direitos humanos tem o status de lei ordinária e, portanto, caso uma lei posterior contrarie determinado tratado, equivalerá à denúncia do mesmo, o que plenamente possível.

O mesmo entendimento também se aplica aos tratados em matéria tributária. Logo, é plenamente possível que uma lei posterior que contrarie um tratado internacional tributário, na verdade esteja realizando a sua denuncia.

Ademais, os tribunais tem entendido que o termo “revogação”, disposto na redação do Art.98 do CTN, deve ser interpretado como “suspensão de eficácia” para as hipóteses específicas disciplinadas pelo tratado.

Desse modo, o tratado prevalece sobre a legislação interna de forma restrita e a justificativa não é o suposto status superior do mesmo, mas apenas a observância da técnica hermenêutica da especialidade.

 Logo, caso decida-se denunciar o tratado, a legislação interna volta a ter ampla eficácia. Se fosse o caso de revogação, não seria possível o retorno automático da legislação anterior, uma vez que o ordenamento proíbe o efeito repristinatório, salvo previsão em contrário.

Quanto ao segundo questionamento, a possibilidade de celebração de tratados dispondo sobre isenções de tributos da competência dos Estados, Distrito Federal e Municípios, existe muita polêmica, uma vez que pode ser interpretado como isenção heterônoma, o que, conforme visto, é vedado pelo Art.151, III da CRFB, além de significar ofensa ao pacto federativo.

Ocorre que, apesar de aparentemente, tratar-se de ofensa aparente, uma vez que, quando realiza tratados internacionais, a União atua como pessoa jurídica de direito público internacional.

Além disso, apesar de a Constituição prevê que cumpre o chefe do executivo federal assinar os tratados internacionais, os mesmos são ratificados pelo Congresso Nacional que contém representantes de todos os Estados. Entendimento contrário dificultaria as relações internacionais que são fundamentais em um mundo cada vez mais globalizado.

Ademais, Ricardo Alexandre ressalta que os tratados internacionais em matéria tributária normalmente trazem acordos visando evitar a bitributação internacional e estatuir regras de cooperação internacional para evitar a evasão fiscal. Logo, devem ser firmados visando o benefício de todos os entes federativos, não configurando ameaça ao pacto federativo.

Nesse sentido, o STF no julgamento do RE 229.096, firmou o entendimento de que a isenção de ICMS relativa à mercadoria importada de país signatário do GATT, quando isento o similar nacional, foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, não se aplicando a limitação prevista no artigo 151, III, da Constituição Federal, que prevê a isenção heterônoma (ARE 831170 AgR, relator(a): ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 7/4/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-075 DIVULG 22-04-2015 PUBLIC 23-04-2015).

Não obstante, importante destacar entendimento contrário do STJ no RESP 90.871/PE, quando o Tribunal entendeu que a União não poderia firmar tratados internacionais isentando o ICMS de determinados fatos geradores, se inexistente lei estadual em tal sentido.

4.3. Alíquotas de ISS

O ISS é um tributo de competência municipal que tem como fato gerador a prestação de serviços definidos em lei complementar.

Além disso, o Art.156, §6ª da CRFB também reserva à lei complementar, a fixação das alíquotas mínimas e máximas de ISSQN. Ocorre que a lei complementar que regulamenta o mesmo, LC 116/03, não dispõe sobre as alíquotas mínimas.

Dessa forma, a regulamentação é atualmente feita por meio do Art.88 da ADCT. Por meio do dispositivo, o poder constituinte derivado dispõe que enquanto não houver lei complementar regulamentando, o ISS terá alíquota mínima de 2% e, além disso, não poderá haver a concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais que resultem direta ou indiretamente na redução da alíquota mínima.

Vê-se que existe clara ofensa à autonomia do ente municipal. A doutrina que entende de modo contrário defende que o objetivo seria evitar a guerra fiscal entre os municípios. No entanto, o constituinte originário não fez tal previsão, como fez para o ICMS.

Sendo assim, apesar de não haver decisões dos tribunais superiores, entende-se que o Art.88, ADCT restringe excessivamente a autonomia municipal e como se trata se obra do Poder Constituinte derivado pode-se defender que o dispositivo tem constitucionalidade duvidosa, pelos mesmos motivos já expostos para a moratória geral.

Conclusão

Infelizmente, o contexto político e econômico do Brasil não é dos melhores: esquemas de corrupção noticiados a todo o momento, queda da bolsa de valores, desvalorização do real frente o dólar, inflação, violência urbana crescente, serviço público de saúde precário, educação insuficiente, dentre outras mazelas que vem afetando o Estado Democrático de Direito brasileiro.

Tudo isso gera muita indignação na população que não vê o retorno dos seus tributos em melhorias sociais. Tem-se a impressão de que pagar tributos é verdadeiro confisco, o que contraria a essência dos tributos que segundo o Art.9ª da Lei 4.320/1964, seria destinar-se ao custeio de atividades gerais ou específicas exercidas pelos entes federativos.

Não obstante tamanha crise, existem ferramentas jurídicas para impedir abusos e permitir a saída das crises. No entanto, depende de todos, exigir a atuação das instituições e também agir nesse sentido, respeitando as leis e a Constituição.

A Constituição da República de 1988 não é apelidada de Constituição cidadã à toa, é até excessiva, sendo taxada de analítica, porque é demasiadamente regulatória. Entretanto, de nada adianta a regulamentação perfeita sem que haja força normativa.

Felizmente, o Poder Judiciário tem trabalhado na tentativa de pôr em prática os mandamentos constitucionais, por meio, principalmente, das ações constitucionais.

No caso específico do objeto deste trabalho, a jurisprudência tem aperfeiçoado a previsão constitucional dos limites ao poder de tributar, traçando os seus contornos e, apesar de ainda haver muita desinformação, isso tem sido noticiado de maneira mais aberta.

Conquanto, os Poderes, e não apenas o Poder Judiciário, precisam de subsídios doutrinários e científicos para atuar, por isso é tão importante a pesquisa constante na ciência jurídica.

Quanto aos conflitos de competência tributária, são ameaças à instabilidade do federalismo tão caro ao Estado constitucional brasileiro que foi elevado ao mais alto patamar da legislação do ordenamento: cláusula pétrea.

 Nessa lógica, o estudo sobre do direito constitucional tributário sempre foi de alta relevância, porém, hodiernamente, torna-se não apenas relevante, mas imprescindível.

 Isso ocorre, porque, infelizmente, a história mostra que as aberrações tributárias são causa e/ou consequência de crise política, a inconfidência mineira, por exemplo, teve como estopim o aumento excessivo da carga tributária sobre o ouro.

Para evitar mais crises, o momento deve ser de utilizar os tributos como aliados, tanto para a população que é carente na garantia dos seus direitos fundamentais, quanto para o Estado que precisa superar as crises e para isso precisa de recursos.

A ciência deve contribuir para isso, logo, deve-se pesquisar e estudar a fundo a jurisprudência levando ao conhecimento de mais pessoas os seus direitos e tão importante quanto, das suas obrigações. 

Ante o exposto, o presente trabalho tem o escopo de auxiliar o esclarecimento da jurisprudência sobre a matéria tributária já explicitada, além de buscar soluções para auxiliar, quem sabe, a superação desse estado de coisas inconstitucionais que o Brasil está vivenciando.

 

Referências
ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 9.ed. São Paulo:Método, 2015.
BARROSO, Luiz Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 4ªed. São Paulo: Saraiva, 2013.
BULOS, Uadi Lammego. Curso de Direito Constitucional. 7ªed. São Paulo: Saraiva, 2012.
BRANCO, Paulo Gustavo; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 8ªed. São Paulo: Saraiva, 2013.
BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao poder de tributar. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
CASTRO, Eduardo; LUSTOSA, Helton Kramer; GOUVEA, Marcus de Freitas. Tributos em espécie. 2ª ed. Bahia: Juspodivm, 2015.
CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 30.ed. São Paulo: Malheiros, 2015.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 36. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2015.
SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
Via internet: jurisprudência comentada do site www.dizerodireito.com.br.

Informações Sobre o Autor

Ana Carolina Sousa Barbosa

Advogada regularmente inscrita na OAB-PI; especialista em Direito Tributário pela Faculdade Internacional Signorelli; servidora pública federal, Técnica do Seguro Social


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