Carta de princípios do movimento antiterror

Quanto mais interdições e
proibições houver,
mais o povo empobrece,
mais se possuirão armas cortantes
mais a desordem se alastra,
mais se multiplicam os regulamentos,
mais
florescem os ladrões e os bandidos
.
(Lao
Tse,  Tao te King).

Um grupo de
operadores do Direito, formado por advogados, defensores públicos, magistrados,
membros do Ministério Público e professores de Direito Penal, de Direito
Processual Penal, de diversas unidades federativas do País, comprometidos com a
defesa do Estado Democrático de Direito e os princípios fundamentais da
República, consagrados constitucionalmente, como o da cidadania e o da
dignidade da pessoa humana, deliberou criar o Movimento Antiterror. O objetivo desses
profissionais e estudiosos do sistema criminal, que se reúnem sob um pensamento
comum acima de interesses pessoais, materiais ou partidários, é  o de sensibilizar os poderes do Estado,  os administradores e trabalhadores da
justiça penal, os meios de comunicação, as universidades, as instituições
públicas e privadas,  e os cidadãos de
um modo geral, para a gravidade humana e social representada por determinados
projetos que tramitam no Congresso Nacional e que pretendem combater o aumento
da violência, o crime organizado e o sentimento de insegurança com o recurso a
uma legislação
de pânico
.

O volume de
adesões ao Movimento
cresce à medida
que os seus princípios fundamentais estão sendo expostos com clareza e vigor.
Além de centenas de contribuições individuais, é relevante o apoio de
instituições de respeitabilidade nacional, a saber: Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais (IBCCrim), Instituto Carioca de Criminologia (ICC), Grupo
Brasileiro da Associação Internacional de Direito Penal (AID), Instituto
Transdisciplinar de Estudos Criminais (ITEC), Instituto de Defesa do Direito de
Defesa (IDDD), Instituto de Hermenêutica Jurídica (IHJ), Instituto de Ciências
penais de Minas Gerais (ICP/MG), Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade Federal do Paraná, Curso de Especialização em Advocacia Criminal
da Universidade Candido Mendes (UCAM), Escola Superior de Direito
Constitucional de São Paulo (ESDC), Associação dos Advogados de São Paulo
(ASSP), Instituto de Criminologia e Política Criminal (ICPC) e Instituto de
Ensino Jurídico Luiz Flávio Gomes (IELF), Associação dos Defensores Públicos do
Rio de Janeiro (ADPERJ).

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As
reações iniciais dessa corrente surgiram com o Projeto de Lei nº 5.073/01 e o
seu Substitutivo que, modificando a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84),
elimina o exame criminológico para orientar o juiz quanto a benefícios no
cumprimento da pena privativa de liberdade e institui o Regime Disciplinar
Diferenciado para submeter determinados presidiários ao isolamento celular
diuturno até 720 dias (dois anos!), no interesse da segurança máxima do estabelecimento
penal e do combate às organizações criminosas. Esse Substitutivo, cuidando do
interrogatório do preso na unidade onde se encontra, tem como pretexto a
supressão de despesas e a eliminação de riscos à segurança pública com o
transporte dos réus ao fórum. Uma emenda alterou a proposta original para
introduzir o interrogatório
on line. Porém, o Movimento não é uma reação
limitada a essas propostas pontuais, embora elas, por si sós, o justificassem.
Ele surgiu e se expande em proporção geométrica, face à ausência de uma
política pública adequada ao controle da violência e da criminalidade e pelo
fenômeno da
legislação de conjuntura que procura suprir a
omissão dos governos quanto aos programas de prevenção e controle dos fatos
anti-sociais. Outras idéias e propostas visando o endurecimento da lei penal e
a mutilação de garantias processuais estão transitando num cenário de
propaganda como a que sustenta a ampliação da pena de reclusão para 40
(quarenta) anos.

Alguns
parlamentares, reagindo emocionalmente a tragédias recentes, que
lamentavelmente ceifaram a vida de juízes, estimulam e direcionam o
cenário
do medo
com a pretensão de aumentar o rol dos crimes
hediondos quando a vítima for magistrado, membro do Ministério Público ou
Delegado de Polícia. E, traindo o juramento de cumprir a Constituição,
estimulam os cidadãos a reivindicar a aplicação das penas de morte e de prisão
perpétua, provocando um debate estéril frente à natureza pétrea das cláusulas
que proíbem tais penas cruéis. Esses exemplos demonstram a equivocada tentativa
de enfrentar a violência do crime com a violência da lei e de equacionar a
segurança interna dos estabelecimentos penais com a destruição física e mental
de presidiários. Prega-se, aqui e ali, a “novidade” dos
juízes
sem rosto
, uma débil contrafação de práticas em lugares
dominados pelas turbulências revolucionárias e o triunfo da anarquia.

Montesquieu já deplorava “esse número infinito de coisas que um
legislador ordena ou proíbe, tornando os povos mais infelizes e nada mais razoáveis”.
Continua a valer em nosso tempo a lição imortal grafada em seu Espírito das
leis
(1748): “Qu’on examine la cause de tous relâchements, on verra
qu’elle vient de l’impunité des crimes et non de la moderation des peines
”.
Ao falar sobre a moderação dos castigos e dos resultados funestos que a sua
crueldade acarreta, Cesare Beccaria afirmou com a sabedoria que os séculos
consagraram,  que “o fim das penas não é
atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer um crime que já foi
cometido” (Dos delitos e das penas, 1764, § XV).  

Especificamente
a respeito do projeto do Regime Disciplinar Diferenciado Máximo, destinado aos
presos que “apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento
penal ou a sociedade”, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
(CNPCP) aprovou, no dia 12 do corrente mês e ano, uma Resolução que considera
essa medida “desnecessária para a garantia da segurança dos estabelecimentos
penitenciários nacionais e dos que ali trabalham, circulam e estão custodiados,
a teor do que já prevê a Lei nº 7.210/84”. “De fato, [prossegue o parecer
unanimemente aprovado] ao estipular que o preso que cometer infração
disciplinar poderá ser mantido em isolamento por até 30 dias, parece plenamente
assegurada a possibilidade de direção do presídio de punir o preso faltoso e,
ao mesmo tempo, assegurar o retorno à paz no interior do estabelecimento,
valendo lembrar que a aplicação de tal sanção pode ser repetida quantas vezes o
preso infringir, gravemente, a disciplina prisional”.

O
isolamento celular diuturno de longa duração é um dos instrumentos de tortura
do corpo e da alma do condenado e manifestamente antagônico ao princípio
constitucional da dignidade humana. A sua implementação, por essa idéia
antagônica ao objetivo de reinserção social, invoca as palavras inscritas no
átrio do
Inferno que a Divina Comédia de Dante Alighieri
registrou para a imortalidade: “
Deixai toda a esperança, ó vós que entrais” (Lasciate
ogne speranza, voi ch’intrate”
(Canto III).

Além do mais, a
medida de segregação extremada é praticamente inviável porque não existe na
arquitetura massificadora dos presídios um número suficiente de celas
individuais para abranger as legiões dos diferenciados. A posição do CNPCP, como
órgão oficial que tem, entre outras, a atribuição legal de “propor diretrizes
de política criminal quanto à prevenção do delito, administração da justiça
criminal e execução das penas e medidas de segurança” e de “inspecionar e
fiscalizar os estabelecimentos penais” (Lei nº 7.210/84, art. 64, I e VIII),
não foi desqualificada pelo Ministro da Justiça. Ao contrário, na solenidade de
abertura da reunião do Ministério da Justiça com todos os secretários de
Justiça do País e diretores do sistema penitenciário nacional, Márcio Thomaz Bastos
sustentou a necessidade de reconstruir as instituições de combate ao crime.
Segundo noticiou o Jornal do Brasil, na edição de 15 de maio (p. A 2), “o ministro não
poupou nem mesmo a Subcomissão de Segurança Pública do Senado, que, na noite de
terça-feira, aumentou as possibilidades e o tempo em que os detentos podem ser
mantidos isolados, ao votar projeto da Câmara dos Deputados sobre regime
disciplinar diferenciado nas prisões. O ministro criticou as chamadas
‘legislações de pânico’, como, na sua opinião, seria o projeto de lei
aprovado”.

A tendência do Congresso Nacional em editar uma legislação de pânico para enfrentar o surto da violência e a
criminalidade organizada, caracterizada pelo arbitrário aumento da pena de
prisão e o isolamento diuturno de alguns condenados perigosos durante dois anos
– além de outras propostas fundadas na aritmética
do cárcere
  – revelam a ilusão de
combater a gravidade do delito com a exasperação das penas. Nesse panorama em
que a emoção supera a razão do legislador, recrudesce o discurso político e se
aviventam os rumos na direção de um direito
penal do terror.
 Os apóstolos dessa
ideologia, que considera o delinqüente um inimigo interno e socialmente
irrecuperável, não estão vendo a multiplicação dos crimes hediondos (homicídio
qualificado, seqüestro relâmpago ou duradouro, estupro e atentado violento ao
pudor, latrocínio, roubo, tráfico de drogas, etc.) e a repetição cotidiana das
chacinas em bairros e periferias de grandes cidades, apesar da severidade da
lei penal ao tratar dos chamados crimes hediondos. Não percebem ou
fingem não perceber que o crime organizado tem seus vasos comunicantes com a
desorganização do Estado e com o processo desenfreado de corrupção dele
resultante.  Ignoram que a lei penal –
por si só – jamais irá desmantelar esse estado
paralelo
que afronta a autoridade pública e intimida a população civil
condenada a ficar no meio dos beligerantes (policiais e traficantes),
desviando-se das “balas perdidas”, essa enganosa expressão, um eufemismo do
cotidiano que mascara o anonimato e dilui a responsabilidade criminal. Suprimem
do debate lúcido e da reflexão social a verdade elementar de que a violência e
o crime devem ser enfrentados pela conjugação de esforços das instâncias
formais
(lei, Polícia, Ministério Público, Poder Judiciário, instituições,
órgãos e estabelecimentos penais) e das instâncias materiais (família,
escola, associações, universidade, etc) e para as quais devem convergir
sentimentos e valores como a ética e a educação

As linhas paralelas da violência descontrolada e do crime organizado
são frutos da omissão, incompetência e corrupção dos poderes públicos de todos
os níveis. Essa guerra civil em miniatura deflagrada nos sítios do Rio
de Janeiro traduz, com suas incontáveis vítimas, a crônica de mortes
anunciadas
, parafraseando a história antológica de Gabriel Garcia
Marques.   

No entanto, é
certo que há muitos anos os assuntos relacionados às causas próximas ou
distantes da violência e da criminalidade estão nas pautas dos eventos científicos,
das investigações de juristas, de trabalhadores sociais, das reivindicações
populares e de setores do Ministério da Justiça sem que os governos que se
alternam no poder tenham considerado as denúncias da crise do sistema e as
propostas para afastá-las.  Existe uma
insensibilidade crônica e uma incompetência profunda em áreas relacionadas à
segurança pública e à política criminal e penitenciária da União e dos Estados,
de um modo geral. Alguns exemplos desse hiato  entre a
vontade de mudança e a falta de vontade dos governos, podem ser sumariamente
referidos.       

Uma comissão de especialistas do sistema criminal brasileiro nomeada
pelo Ministro José Carlos Dias realizou, no ano de 1999, ampla e criteriosa
investigação sobre os fatores determinantes da crise dos meios e métodos de
controle da violência e da criminalidade. Um diagnóstico preliminar e as
primeiras propostas de reformulação do sistema foram apresentados pelo grupo
coordenado pelo Professor Miguel Reale Júnior, antecipando um programa que ele
pretendia implementar durante sua gestão como Ministro da Justiça.
Em uma
de suas passagens mais expressivas, o documento acentua: ”A violência, com sua correspondente carga de criminalidade, passa a
ser, então, um dado componente do cotidiano, ubíquo no dia a dia. Na sociedade
globalizada na qual os meios de comunicação possuem um imenso poder de fogo, a
percepção da violência prescinde da experiência pessoal, de sorte que se torna
mais comunicacional que experimental. A dramatização da violência adquire,
então, uma importância significativa na medida em que se torna um fator de
dimensão política. Um sentimento de total intranqüilidade é implantado no seio
da sociedade e o medo contagia a todos de forma tal que a segurança do cidadão
ocupa a centralidade do ideário popular. Os meios de comunicação social, esses
terríveis fabricantes do medo, aliados a agrupamentos políticos, difundem, em
nome da segurança coletiva, uma escalada do poder repressivo do Estado. As
subseqüentes leis de crimes hediondos foram criadas para atender aos reclamos
de segurança expressos pela opinião pública manipulada e provocaram uma
exacerbação punitiva que não produziu efeito conseqüente algum. O quadro que
segue com os gráficos em anexo deixou patente que, após a aposição da etiqueta
de hediondo em diversos crimes, verificou-se, no período de 1991 a 1998, em
relação a tais delitos, ou uma incidência sensivelmente aumentada (homicídio
doloso e tráfico ilícito de entorpecentes) ou uma significativa estabilidade.
As leis de crimes hediondos foram de total inocuidade”
.[1]

Após a colheita de dados oficiais e informações de setores
qualificados da administração pública e da promoção de entrevistas e audiências
públicas, além do exame afeto aos problemas referentes à delinqüência juvenil e
às agências do sistema penal (Polícia, estabelecimentos e instituições
penitenciárias, Ministério Público e Magistratura), a  comissão divulgou as principais propostas. Merecem destaque as
seguintes:

(1) Centros
Integrados de Cidadania (CICs).
A reocupação, pelo Estado, nas
periferias das grandes cidades, das áreas abandonadas pelo poder público e a
implementação de políticas na área social, redutoras da violência e da
criminalidade. O vazio provocado pela ausência do Estado tem aberto ensejo para
a prática de atos de violência, especialmente entre os jovens, frustrados na
falta de oportunidades no mercado de trabalho e vulneráveis a atividades
delituosas. Incumbe ao Estado prover equipamentos para tornar possível a
reestruturação de espaços públicos, sobretudo escolas, à disposição das
comunidades fora dos horários curriculares para estimular vários tipos de
aprendizado e lazer. As ações preventivas devem ser conjugadas entre a
comunidade e a polícia para se alcançar resultados positivos assim como ocorreu
no Jardim Ângela, onde a criminalidade apresentou acentuada redução após a
instalação de postos de policiamento e esporte. Outra experiência deve ser
mencionada. Ela ocorre em ponto limítrofe do município de São Paulo, no bairro
de Itaim Paulista, com o funcionamento de um Centro de Integração da Cidadania
(CIC), reunindo o Juizado Especial Cível, Ministério Público, Delegado de
Polícia, destacamento da Polícia Militar, agência do Procon e auxiliares
técnicos (assistentes sociais e psicólogos). Em face da presença desses agentes
e de benéfica atuação, os conflitos passaram a ter mediação acessível. Numa de
suas reuniões, havida com a presença do Ministro da Justiça, José Carlos Dias,
a comunidade manifestou a importância fundamental da presença das autoridades
para resolver incidentes e prevenir fatos graves contra a segurança. No ano
seguinte à instalação da CIC no aludido bairro não houve nenhum homicídio
durante os dias de Carnaval, ao contrário do ano anterior que registrou 27
crimes dessa natureza. A proposta de 
instalação de um maior número de CICs na capital de São Paulo[2],
foi vivamente apoiada em visitas da Comissão junto ao Poder Judiciário
paulista. Primeiramente na Escola Superior da Magistratura sob a direção do
Desembargador Cezar Peluso, um dos idealizadores dos Centros, e depois com o
Desembargador Márcio Bonilha, presidente do Tribunal de Justiça. Uma
experiência análoga ocorreu no Rio de Janeiro, na gestão do Professor Nilo
Batista à frente da Secretaria de Justiça e Segurança Pública, no Governo
Leonel Brizola.

(2) Plantões
sociais em Delegacias de Polícia.
A criação dessa modalidade de
plantão nas Delegacias de Polícia reunindo assistentes sociais, insere-se num
conjunto de medidas de prevenção da criminalidade mais grave e revela a atuação
moderadora do Estado em conflitos de rotina.

(3) Modelo
nacional de dados.
É absolutamente urgente a criação de um modelo
nacional de tratamento, estruturação e apresentação de dados criminais para
utilização nas áreas federal e estadual visando resultados compatíveis com um
sistema de informatização indispensável à modernidade e eficiência do sistema
criminal.

(4) Integração
das polícias Civil e Militar.
Não é mais tolerável a carência
de entrosamento dessas instituições que em inúmeras situações realizam
atividades superpostas para alcançar a mesma finalidade: prevenção e repressão
das atividades criminosas. A separação operacional enseja a duplicidade de
ações e a geração de conflitos em prejuízo da segurança coletiva e de recursos
públicos. A falta de integração e outros fatores negativos, como a má
remuneração, têm estimulado o crescimento da polícia privada sem a
correspondente qualificação de seus integrantes.

(5) Reequipamento
imediato do sistema penitenciário nacional. 
Uma política devidamente
programada deve evitar os nós de estrangulamento no sistema como ocorre
atualmente com a existência de um número avultado de estabelecimentos
prisionais fechados sem a necessária correspondência com o número de
estabelecimentos semi-abertos. Com essa distorção, não se viabiliza a
progressão de regime, impedindo-se o cumprimento da Lei de Execução Penal. Tal
situação prejudica um imenso número de condenados pobres – que constitui a
grande maioria da população carcerária – mantendo-os em regime fechado quando
já adquiriram o direito de serem transferidos para o regime semi-aberto
(colônia agrícola, industrial ou similar). Incidentes graves, rebeliões e
mortes são alguns dos fatos provocados pelas tensões que resultam dessa
anomalia. Por outro lado, em relação aos presos que têm uma defesa eficiente,
surge a possibilidade de obter a transferência para o regime aberto (diante da
ausência de vaga ou inexistência de estabelecimento penal semi-aberto),
fomentando-se assim o sentimento de desigualdade e injustiça interna
.

(6) Escolas
de preparação e integração.
É
fundamental que integrantes do sistema criminal (magistrados, membros do
Ministério Público e  Delegados de
Polícia), por meio  de suas respectivas
escolas, promovam o intercâmbio de informações e reflexões para a avaliação dos
problemas do sistema de justiça criminal, interagindo-os em suas atividades e
preparando-os para atuação criativa e crítica no contexto social e para o
atendimento da população de que são servidores.

(7) Meios de
comunicação e universidades.

necessidade de uma convocação dos meios de comunicação social e das
universidades para a discussão pública dos assuntos relacionados à justiça e à
segurança a partir da realidade dos dias presentes.

(8) Reordenação
do sistema de penas.
No contexto de uma
política criminal e penitenciária adequada é urgente a reordenação do sistema
de penas para ajustá-lo às recentes inovações legislativas e harmonizar os
princípios e regras do Código Penal com a legislação especial.

(9) Reexame
da Lei de Execução Penal
. O tempo de permanência
em cada fase do regime progressivo, a punição por faltas disciplinares, as
atividades das comissões técnicas de avaliação, remição, trabalho do preso,
etc., são aspectos merecedores de um reexame para propor modificações
necessárias.[RAD2] 

(10) Revisão
do Estatuto da Criança e do Adolescente. 
A discussão pública em torno do
rebaixamento do limite de idade da imputabilidade penal, com a forte tendência
de redução, apesar da cláusula pétrea da Constituição não permitir emenda,
exige dos profissionais e estudiosos do sistema a consideração de uma via
intermediária. Assim, é oportuno rever o aumento do tempo de internamento dos
menores em relação aos atos infracionais extremamente graves, bem como o
levantamento dos problemas determinantes da rotina de crises e rebeliões nos
estabelecimentos destinados ao internamento. Não, porém, o rebaixamento do
limite de idade para submeter os menores de 18 anos à legislação e aos
processos de adultos.[3] 

(11) A maior e melhor aplicação das penas
restritivas de direitos.
Entre
as alternativas à prisão destaca-se a pena de trabalhos gratuitos em favor da
comunidade que deve ser aplicada para um número maior de situações em face de
sua melhor resposta ao fato delituoso que a opção do sursis simples. Por
outro lado, é essencial que entre o juiz da execução e os destinatários dos
trabalhos sejam criados serviços e adotadas medidas que possam viabilizar o
objetivo de utilidade social e participação comunitária do infrator
.

(12) Criação
e ampliação dos quadros da Defensoria Pública.
A
Defensoria Pública, consagrada pela Constituição de 1988 como a instituição de
amparo dos necessitados, somente em poucas unidades federativas está
estruturada suficientemente e em outras tantas inexiste. A implementação de
seus quadros é uma das exigências fundamentais numa política de prevenção da
violência e criminalidade,  graças à
possibilidade de efetivar os direitos e as garantias dos cidadãos
.  

(13) A
assistência ao egresso.
É essencial que o egresso
e o liberado condicional possam ter asseguradas as possibilidades de participação
nos mercados de convivência saudável e de trabalho lícito na comunidade.
Somente assim é possível efetivar o primeiro artigo da Lei de Execução Penal
que declara o objetivo de reinserção social
.

(14) Incorporação ou consolidação da legislação
especial. 
Um dos graves problemas enfrentados pelos operadores
do Direito Penal em suas atividades rotineiras é a inflação legislativa. É
fundamental que o Brasil assimile a experiência da lei delegada para as
codificações de normas penais, de processo penal e de execução penal como
ocorre na experiência bem sucedida de Portugal, Itália e outros países. Outra
opção será a exigência de lei complementar para a elaboração de normas
penais e de processo penal. Tal hipótese virá eliminar, certamente, a saga das leis
de conjuntura
, caracterizadas pela iniciativa de parlamentares em propor
solução exclusivamente legal para atender fatos anti-sociais de extrema
complexidade.                    

Esse levantamento teve, entre muitos outros antecedentes, um marco
especial surgido no período de redemocratização do País, caracterizado pelo
mandato e esforços do último presidente militar. Ele envolveu pesquisadoras,
juristas e cientistas sociais também no âmbito do Ministério da Justiça a
partir de 1979, portanto, há mais de vinte anos.  Os estudos mostraram, invariavelmente, a precariedade do sistema
e a necessidade urgente de se elaborar uma política criminal e penitenciária em
harmonia com as necessidades do País e as esperanças populares.
No ato
de constituição do primeiro daqueles Grupos de Trabalho, o Ministro da Justiça,
Petrônio Portella, destacou os objetivos da investigação: a) o sistema penitenciário; b)
a violência e a criminalidade dos grandes centros populosos; c) o aprimoramento da legislação; d) a observância, na consecução de tais
propósitos, do interesse social e dos direitos que integram o patrimônio dos
direitos humanos; e) a atualização
das organizações policiais para melhor atender aos objetivos de prevenção e
repressão da violência e da criminalidade.[4]
O outro Grupo, integrado por cientistas sociais, era constituído dias após com
a finalidade de apresentar minucioso estudo interdisciplinar sobre o delito e a
violência, acompanhado de sugestões para orientar as ações governamentais. As
preocupações daquela segunda iniciativa ministerial se concentraram nos
seguintes aspectos: a) vitimidade
decorrente da violência e da criminalidade, nos centros urbanos de maior
densidade populacional;  b) a defesa dos direitos humanos do
preso diante dos abusos cometidos pelo Estado nas tarefas de correção e
repressão; c) a interação entre a
Criminologia e a administração da justiça penal, visando o controle da
delinqüência e a recuperação do infrator.[5]
Os minuciosos relatórios,  apresentados
após vários meses de  intenso labor e da
colheita de informações e sugestões de variadas fontes, foram publicados pelo
Ministério da Justiça.[6]
Seguiram-se debates na imprensa e em diversos cenários acadêmicos e
profissionais.  

Poucos anos antes, no âmbito da Câmara dos Deputados, foi instaurada
uma Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a proceder o levantamento da
situação penitenciária nacional. O relator daquela investigação, Deputado
Ibrahim Abi-Ackel, apresentou conclusões dramáticas sobre as deficiências do
sistema carcerário, verdadeiras  “sementeiras de reincidência” e as
flagrantes omissões dos poderes públicos.[7]

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Em junho de 1980 instalou-se em Brasília o Conselho Nacional de
Política Penitenciária, criado em 1975 através do Decreto nº 76.387, com o
propósito de viabilizar a reforma penitenciária que deveria ser introduzida no
País.  Com o advento da Lei nº 7.210, de
11 de julho de 1984, as atribuições daquele órgão foram ampliadas para se
atender diversos objetivos relacionados à prevenção do delito, administração da
justiça criminal e execução das penas e medidas de segurança. Surgia, então, o
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, com detalhadas e
oportunas metas em âmbito federal e estadual, como se verifica pelo art. 64 da
respectiva lei. Desde a sua criação esse órgão tem elaborado, mercê do esforço
e idealismo de seus membros – 
profissionais independentes e estudiosos do sistema criminal que prestam
serviço público relevante – uma extensa pauta de propostas e diretrizes visando
reduzir os fatores determinantes da violência e da criminalidade.    

Ao lado das atividades do CNPCP e dos conselhos estaduais, também
dedicados à investigação dos problemas do crime e da prisão e à apresentação de
caminhos de solução, o mundo científico e acadêmico tem revelado, ao longo dos
últimos trinta anos, uma notável contribuição para esse mesmo objetivo.
Congressos, seminários, conferências, aulas, palestras, painéis e outros
eventos têm tratado das questões criminais e penitenciárias com extraordinário
afinco e notável competência. 
Publicações periódicas específicas como a Revista do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e o Boletim (IBCCrim), Discursos sediciosos, do Instituto Carioca de Criminologia (ICC) e
outras, a exemplo da Revista de Estudos
Criminais
, do Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais (ITEC) e da Revista Síntese de Direito Penal e
Processual Penal
, abordam com grande intensidade os aspectos críticos do
sistema criminal brasileiro sem deixar de oferecer contribuições para a
erradicação ou atenuação dos males. O mesmo ocorre nas seções especiais de
revistas clássicas nos campos do Direito e da Justiça como a Revista Forense  e a Revista
dos Tribunais.
Mas, se existem inúmeras propostas para a erradicação da
crise; se há uma inflação legislativa nos domínios penal, processual e de
execução penal[8]; se existem
as agências de controle da criminalidade (Polícia, Ministério Público, Poder
Judiciário, instituições e estabelecimentos penais); se o Congresso Nacional
está funcionando e o Presidente da República jurou cumprir a Constituição, que
destaca a segurança entre os bens fundamentais, por que o sistema criminal
brasileiro atingiu essa crise sem precedentes em toda a história do Estado e da
Nação? 

É certo que somente duas palavras podem e devem ser utilizadas para
reverter esse malsinado quadro: vontade
política
.  

Falta a vontade política nos governos de todos os níveis para com o
problema da segurança pública e da melhor administração da justiça criminal que
são gêneros de primeira necessidade.  O preconceito, a omissão, a incompetência e a corrupção, como pontos
cardeais
para as viagens da insegurança e da anomia, destamparam a Caixa
de Pandora
do crime organizado e, cumprindo fielmente a lição da fábula,
deixaram escapar uma multidão de pragas que atingiu a sociedade inteira com os
seus terríveis males.                    

Em Manifesto divulgado nos mais variados círculos da opinião
pública, o Movimento Antiterror 
registra que em 1995 o censo penitenciário indicava existência de
148.760 presos no País, ou seja, 95,4 para cada 100 mil habitantes. Hoje,
segundo o Ministério da Justiça, há 248.685 presidiários, isto é, 146,5 presos
para cada 100 mil habitantes. É uma tendência de crescimento assustadora, mas
não menor que a do aumento da criminalidade que a prisão supostamente
diminuiria. Essa lamentável estatística revela três causas bem definidas: a)
a herança de condenações massificadoras fundadas na lei dos crimes
hediondos; b) a não utilização, em níveis mais satisfatórios, das penas
alternativas; c)  a falta do
reconhecimento de benefícios na execução da pena (progressão de regime e
livramento condicional, etc.), em relação aos condenados pobres e que não têm a
assistência da defensoria pública, instituição que a Constituição declara como
fundamental para atender aos necessitados mas que não tem os seus quadros
criados ou providos   suficientemente no
País.  Vale transcrever:

“Chega de cortinas de fumaça! Um
grande exército de jovens brasileiros está condenado ao mundo do crime, sem
perspectiva de estudo ou de trabalho. Apesar disso as grandes cidades
brasileiras não têm políticas públicas voltadas para reverter o quadro de
exclusão que as atinge. A origem e o impulso da violência brasileira estão na
marginalidade, não na frouxidão das leis penais”.

“Queremos as forças armadas nas ruas? Queremos tanques de guerra
voltados para os morros e para as periferias das grandes cidades? Queremos
guetos? Queremos uma política informal de extermínio de bandidos? Queremos mais
presos? Queremos um milhão de presos? Queremos crianças sendo tratadas como
delinqüentes e delinqüentes sendo tratados com animais? São estes os ideais
brasileiros de segurança pública?

“No combate à violência, é preciso, antes de tudo, acertar o alvo.
Mais ameaçadora do que a ação cotidiana do crime organizado é a falência do
poder público. O sistema penitenciário brasileiro é frágil, cruel e corrupto.
Nossas polícias são violentas, desarticuladas, despreparadas e também
corruptas.

“A possibilidade de um preso possuir telefone celular e liderar sua
gangue é muito mais perigosa do que a possibilidade de progressão de regime no
sistema penitenciário. O Brasil precisa de uma gestão eficiente e controlada do
sistema carcerário, não de pirotecnia legislativa, boa somente para enganar a sociedade,
útil apenas para campanhas eleitorais.

“Mais assustador do que o envolvimento crescente de jovens no tráfico
de drogas, tratados com o rigor estrábico da lei dos crimes hediondos, ainda
que pés-de-chinelo, é o livre trânsito das armas nos redutos do crime.
Isso se resolve com inteligência policial, não com cassetete em punho ou com
canhão do Exército.

“Assistimos, mais uma vez, ao espetáculo político do vendaval
repressivo –fadado ao fracasso, porém capaz de estimular mais violência e de
eliminar do horizonte conquistas civis inestimáveis. Nossa pretensão é dirigir,
de forma sistemática, um olhar crítico e rigoroso para a atuação das
autoridades brasileiras.

É possível ser duro com a criminalidade e radical na preservação de
direitos e garantias individuais”.[9]

Relativamente à situação
carcerária nacional, convém lembrar que a Constituição do Império (1824),
procurando romper com a herança de atrocidades das penas cruéis e desumanas
orientadas pela ideologia das terríveis Ordenações portuguesas, declarava
que “as cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas
para separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza de seus
crimes” (art. 179, XXI). Até hoje aquela proclamação otimista é ignorada
pelos governos que se sucedem na história republicana na quase totalidade dos
estabelecimentos penais brasileiros. Na verdade, as sucessivas crises
penitenciárias não resultam da ausência de leis, mas, sim, da desobediência
secular
do poder público em torná-las efetivas
. Apesar da Lei de
Execução Penal (1984), se preocupar com a formação de quadrilhas nos presídios
e com a segurança interna, prevendo a construção de presídios federais “em
local distante da condenação para recolher, mediante decisão judicial, os
condenados à pena superior a 15 (quinze) anos, quando a medida se justifique no
interesse da segurança pública ou do próprio condenado” (art. 86, § 1º),
somente agora –  18 anos após o início
de sua vigência – se anuncia a primeira dessas obras, no Estado do Mato Grosso
do Sul. Quanto tempo foi perdido e quantas vítimas devem ser lamentadas em face
do aparecimento e progressão dos diversos comandos que administram o
crime organizado do interior dos presídios e seqüestram o sentimento de
segurança de megalópoles?

A histórica falta de recursos humanos e materiais, a incompetência
técnico-administrativa e a sistemática indiferença dos governos para com os
sintomas da anomia e insegurança projetados pelas cotidianas rebeliões
carcerárias converteram a estrutura e a vida dos estabelecimentos penais em
“erros monumentais talhados em pedra” como já foi dito alhures.

A população brasileira não pode mais ser enganada com medidas
paliativas e mentiras legislativas que, 
além de ofenderem o espírito da Constituição,  retardem ainda mais as reformas sérias e indispensáveis.  

De tudo quanto já foi dito e o mais que será objeto de reflexões do
presente e do futuro, pode-se concluir afirmando que:

O Estado não cumpre as leis criminais que promulga;

O Estado não oferece um sistema carcerário minimamente eficiente para
manter, tratar e recuperar o preso;

O Estado não tem política criminal, educacional, de saúde pública ou
de assistência aos excluídos;

O Estado permite que os seus agentes integrem o crime organizado ou
por ele sejam corrompidos;

O Estado é negligente ao desconsiderar a realidade nacional e os dados
científicos e estatísticas das ciências penais e sociais para elaborar uma
competente Política Criminal e Penitenciária de médio e longo prazo;

O  Estado, em nenhuma de suas
instâncias (Legislativa, Executiva ou Judiciária), pode tributar ainda mais o
cidadão para confiscar-lhe, agora, não mais os valores pecuniários, porém os
mais elementares direitos para uma vida digna de ser vivida.

O Movimento Antiterror não defende a impunidade ou a lassidão
legal; não protege e nem representa uma determinada classe ou grupo social ou
econômico; não tem interesses eleitoreiros e não está ao serviço de objetivos
que comprometam o conceito das pessoas físicas e jurídicas que o representam.

O Movimento Antiterror pretende, com a sensibilidade e a
consciência de cidadãos que há muitos anos se dedicam ao estudo dos problemas
da violência e da criminalidade e também com o entusiasmo e o coração dos
estudantes que sempre advogam a causa da dignidade do ser humano, proporcionar
ao país e à nação um material de reflexão para a adoção de novos caminhos em
favor da segurança popular e da eficiência na 
administração da justiça.

E também para acreditar que ainda resta a esperança no fundo da Caixa
de Pandora.
Esperança que no dizer do Padre Antonio Vieira, “é a mais doce
companheira da alma”.        

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 20 de maio de 2003.

Notas:

[1] O relatório,
com seus quadros gráficos, análise e diagnóstico, foi publicado pela Revista Brasileira de Ciências Criminais,
nº 30 (abril-junho de 2000).  As
passagens transcritas estão  nas páginas
348/349.

[2] No tempo da
publicação do relatório havia somente dois centros. 

[3]
O novo Código Civil, ao estabelecer a incapacidade relativa dos maiores de 16
(dezesseis) e menores de 18 (dezoito) anos (art. 4º, I), reforça o entendimento
– válido para o terreno do Direito Penal – de que essa faixa etária não é
indicativa de entendimento e de autogoverno para a exata compreensão de certos
atos e a maneira de os exercer.      

[4] Portaria nº
689, de 11.7.1979.

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[5] Portaria nº
791, de 14.8.1979.

[6] Criminalidade e violência, Brasília:
Departamento de Imprensa  Nacional,  3 volumes, 1980.

[7] O denso
relatório e as apropriadas conclusões da CPI foram publicadas no Diário do Congresso Nacional, suplemento
ao nº 61, de 4.6.1976, p. 5.

[8] A
inesgotável capacidade legiferante atingiu marcas absurdas nos últimos tempos:
mais de 120 diplomas especiais (leis, decretos-leis e decretos) compõem essa
carga intolerável de normas.

[9] Textual do Manifesto.



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