INTRODUCAO
Inobstante a evidente tendência de desmaterialização dos títulos de crédito ainda se detecta, principalmente na economia dos países mercosulenhos, expressiva utilização do cheque pré-datado como meio de pagamento e instrumento creditório.
1. DA NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO DE NORMAS NO ÂMBITO DO MERCOSUL
O fenômeno da globalização da economia provoca revolução econômica mundial e incita novas realidades.
Do fim da Segunda Guerra Mundial até a queda do muro de Berlim , o mundo e o sistema internacional era definido por polaridades do Norte/Sul e do Leste/ Oeste. Vigorava portanto um sistema internacional com diversidade de valores, até na maneira como organizar a sociedade, tanto no âmbito nacional como internacional, abrangendo os aspectos econômicos.
No contexto da globalização se insurge entre os países a percepção de que se consolida maior eficiência nas negociações comerciais se houvesse aproximação setorial das economias.
A assinatura do Tratado de Assunção, em 1991, pelos governos de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, configurou o primeiro passo da América do Sul rumo ao irreversível processo mundial de globalização da Economia.
Nesse novo contexto de integração, o Mercosul se encontra desde 1995 na Segunda Fase do processo integracionista, retratado numa união aduaneira imperfeita, almejando a consolidação de um Mercado Comum, o segundo do gênero no mundo.[1]
Superada a fase de união aduaneira, pretende-se consolidar uma forma mais elevada de integração econômica: o Mercado Comum. São cinco os preceitos caracterizadores da integração econômica, que configuram a estrutura do mercado comum.
Tais preceitos, denominados de cinco liberdades traduzem-se pela livre circulação de bens, pessoas e capital; livre prestação de serviço e livre estabelecimento e liberdade de concorrência. Atente-se que, nessa fase de integração, são abolidas não-somente as restrições sobre os produtos negociados, mas também as restrições aos fatores produtivos (trabalho e capital). Juridicamente, há implicações significativas, visto que a eliminação de diferenças legislativas – e conseqüente estabelecimento de quadro jurídico único – e a adoção de um tribunal supranacional, despontam como condições essenciais para a consagração do Mercado Comum. No aspecto econômico, enseja coordenação das políticas macroeconômicas (política cambial, monetária e fiscal) e microeconômicas ou setoriais.
Infere-se neste contexto, a necessidade de uma conformidade entre as regras jurídicas básicas dos países participantes para que possam ser feitos negócios jurídicos, com segurança e equidade entre as partes.[2]
Trata-se, em última instância, de consolidar a harmonização do “direito-custo.”[3] O direito se elenca entre os itens que interferem sobremaneira no custo da atividade empresarial. As obrigações jurídicas geram efeitos que obrigam o empresário a rever seus cálculos. É de primordial importância a revisão das legislações relacionadas à atividade econômica que repercutem na formação do preço.[4]
Destarte, “(…) a harmonização jurídica é instrumento ideal para azeitar todo o processo de integração no momento mesmo em que este está ocorrendo. Essa harmonização é ainda mais necessária na área do direito comercial, porque a integração é inegavelmente concretizada pela força do elemento que se apresenta, vivo e em evolução, é o da integração econômica. A integração cultural e social, em menor medida, virá reboque do fato econômico; também por essa razão há que pugnar pela harmonização jurídica, a fim de que esse processo evolua e possa completar-se de forma civilizada, com base no respeito aos princípios básicos de nossa tradição jurídica.” (PABST, 1997, p.109).
Significa dizer, conciliar as normas vigentes[5] de modo a eliminar ou ao menos minimizar pontos conflitantes que induzem a favorecimentos localizados, distorcendo os reais padrões de competência empresarial, contribuindo assim para que os produtos mercosulenhos tornem-se efetivamente mais competitivos no cenário globalizado.
De maneira inquestionável, destaca-se o cheque como poderoso instrumento nas relações econômicas devendo se atentar na consolidação do Mercosul para harmonização de regras.atinentes ao instituto. [6]
Destarte, nos termos de análise precedente, o Brasil é o único país membro que não possui legislação específica a respeito do uso do cheque pré-datado[7]. Nestes termos, qualquer propositura de solução à problemática do cheque pré-datado deve considerar a fenomenologia da globalização.
As legislações Uruguaia e Argentina criaram um instituto chamado cheque de pagamento diferido visando substituir o uso do cheque pós-datado. Cada país tratou a temática com particularidades diferenciadas.
O Uruguai foi o precursor na regulamentação do instituto, denominado “cheque de pago diferido”, regulamentado pela Lei 14.412 de 03.08.1975. A Argentina, com o advento da Ley 24.452/95, regulamentou o instituto “cheque de pago diferido registrado”, seguida pelo Paraguai, que instituiu o cheque bancário de “pago diferido” pela lei nº 1.183/85 (código civil) modificada pela lei 805/96.
Destarte, especificamente à eliminação de diferenças legislativas atinentes ao cheque pré-datado, assente-se, por oportuno, ser imprescindível analisar as legislações existentes no Uruguai e Argentina.[8]
2. DA METODOLOGIA DE HARMONIZAÇÃO
Genericamente, existem quatro métodos para o alcance da harmonização de normas no âmbito do Mercosul configurando metodologias distintas: i) utilização das legislações existentes nos Estados-Membros como paradigma; ii) utilização das legislações existentes em outros países como paradigma; iii) harmonização através da doutrina e da jurisprudência e iv) adoção de convenção uniforme.[9]
2.1 Método um: das legislações existentes nos Estados-Membros como paradigma
O primeiro método harmonizativo consiste em utilizar a legislação de um dos países-membros como paradigma, procedendo os demais países às modificações exatas para que tenhamos harmonização.
Especificamente, sabe-se que Uruguai e Argentina já normatizaram, criando um instituto diferenciado denominado “Cheque de pago diferido” visando substituir a prática do cheque pós-datado. Dessa forma, neste método harmonizativo poder-se-ia proceder à indicação de uma destas legislações como paradigma.
Nos termos de análise precedente, insta reiterar que, inobstante Uruguai e Argentina tenham criado instituto diferenciado no intuito de substituir o cheque pós-datado, em nenhum destes países o cheque pós-datado deixou de ser utilizado, o que de certa forma nos faz assumir uma posição cética na utilização desta metodologia.
Ademais, insta relembrar que o cheque pré-datado no Brasil enseja variantes (cheque pré-datado verbal (com vinculação extra-cartular e cheque sem data) e literal (cheque pós-datado propriamente dito e cheques pré-datado com cláusula “Bom para…” expressa no título, cheque pré-datado com configuração contratual no verso do cheque). que inexistem nos demais países integrantes do Mercosul.
Na Argentina, Uruguai e Paraguai o desvirtuamento de função do cheque é detectado somente na clássica modalidade de pós-datado, verdadeiramente e juridicamente enquadrado.
As legislações existentes nos demais países mercosulenhos nos parecem ineficazes para resolver a celeuma a contento visto a complexidade da fenomenologia no Brasil . No Brasil a realidade com relação ao tema é mais complexa que nos demais países. E, se na Argentina e Uruguai, a legislação é ineficiente para erradicar apenas a forma do cheque pós-datado, evidentemente será igualmente ineficiente no Brasil, onde são arraigadas variantes diversas. Inviável portanto a aplicabilidade do método em questão que não resolveria a problemática arraigada.
2.2 Método dois: das legislações existentes em outros países
O segundo método existente para harmonizar as legislações consistiria em não utilizar como paradigma as legislações existentes no restante dos países do Mercosul, mas legislação de outros países não-membros; observar-se mundialmente qual seria a legislação mais eficaz e que se adequasse às nossas realidades e perspectivas.
Embora comprovada a anomalia do cheque pós-datado se faz presente em inúmeros países, inclusive nos mais desenvolvidos, inexiste legislação que regulamente o assunto de forma incisiva e eficaz às realidades dos países membros.
Todas as legislações analisadas em nível de países não-signatários do Mercosul normatizam o cheque como ordem de pagamento à vista. Assim, nesta temática específica, entende-se afastada a possibilidade deste método harmonizativo.
2.3. Método três: harmonização através da doutrina e da jurisprudência
O terceiro método harmonizativo independe de mudança no direito positivo, operando-se através da doutrina e jurisprudência, com o aproveitamento, na interpretação das leis de um dos países participantes, da experiência jurídica de outro país do bloco. [10]
A terceira forma analisada não nos parece adequada, principalmente no concernente à temática do pré-datado, tendo em vista a diversidade de normatização do cheque no Brasil comparativamente ao Uruguai e Argentina, que prevêm o “cheque de pago diferido” além da diversidade e complexidade da fenomenologia.,
2.4 Quarto método: Convenção Uniforme
O quarto método consistiria em instituir uma Convenção Uniforme em matéria de Cheques, sem utilizar paradigmas.
Consistiria em propositura desvinculada de legislações pré-existentes em países do Mercosul ou países outros propondo convenção uniforme que porventura venha acatar o instituto do cheque como titulo de crédito a vista ou a prazo, atendendo preferencialmente não somente aos interesses normativos do Brasil, mas sem desatender aos interesses comunitários.
Para Luiz Augusto Beck da Silva, seria possível vislumbrar uma Convenção Mercosulenha para a disciplina do Cheque, sustentando pela desnecessidade de denunciar a Convenção de Genebra por entender não mais estar em vigor face ao advento da Lei 7.357/85:[11]
“Antes, porém, o governo brasileiro, a exemplo do que já havia feito em relação à Letra de Câmbio e à Nota Promissória, também aderiu à Convenção de Genebra para adoção de uma Lei Uniforme em matéria de Cheques, assinada, desta feita, em 19.3.1931, mas promulgada, todavia, somente em 7/1/1966, via Dec. n° 57.595, com sua publicação no DOU de 17.1.1966, presentemente não mais em vigor ante o advento da Lei retro mencionada n° 7.357/85, não havendo, assim, necessidade de denunciá-la, tal como se exige quanto à Convenção em matéria de Letra de Câmbio e Nota Promissória. (…) Nesse contexto, assume relevo, não fossem suficientes os valores sociais, os interesses difusos, coletivos, públicos e superiores da integração entre os países do Mercosul, com convergência legislativa, a par do desenvolvimento da economia do cone sul, a imperiosidade da mudança ainda que fôssemos ficar adstritos ao âmbito meramente interno. Para tanto, basta que o Brasil, ao seu turno, eis que é o único dos signatários da Convenção de Genebra, dentre os países do Mercosul, denuncie-a ao Secretário Geral da Sociedade das Nações, em Genebra, conforme lhe faculta o art. 17, do protocolo firmado, porquanto já decorridos dois anos desde a sua vigência.
Manifestada tal vontade política, através dos canais competentes, constitua-se uma Comissão formada por juristas e economistas, primordialmente, ligados aos países interessados, a exemplo da Parlamentar Conjunta ou da de Comércio do Mercosul, do Conselho do Mercado Comum e/ou do Grupo Mercado Comum, a fim de que elaborem em duas versões – Português e Espanhol – uma “nova” Convenção para a disciplina da Letra de Câmbio, da Nota Promissória e do próprio Cheque, admitido o oferecimento de Reservas, caso em que o país que a apresentasse disporia a seu respeito, na forma que lhe aprouvesse, segundo seus interesses, necessidades, realidade e peculiaridades locais, presente a competência privativa da União, em termos de Brasil, para tal missão, à luz do art. 22, II, da Constituição federal, sem olvidar de que lei complementar poderá autorizar os Estados para tanto, atribuindo-lhes e/ou delegando-lhes competência nesse sentido (art. cit., parágrafo único).;
A sede para firmatura da Convenção por parte dos plenipotenciários é questão menor a ser definida, podendo ser Brasília, Porto Alegre, Buenos Aires, Montevidéu, Assunção ou mesmo Santiago, fazendo com que se engaje definitivamente ao bloco em detrimento à Alca.”[12]
3. “CHEQUE DE PAGO DIFERIDO” – “LEY” N. 14.412/75 – URUGUAI
O Uruguai, em 1975, criou o “cheque de pago diferido” na tentativa de abolir a prática da pós-data, permanecendo, portanto, com dois institutos distintos: o cheque comum (pagável à vista) e o cheque de “pago diferido” (pagável em até 180 dias).[13]
Na época, a criação do cheque de “pago diferido” produziu verdadeira comoção no mundo jurídico posto que, de acordo com o art. 1 da lei nº 6.895, de 24 de março de 1919, até então vigente, a legislação comparada e a doutrina universal unânime, o cheque era um documento à vista, sendo inconcebível que pudesse ser a prazo desde que, depois da Lei Uniforme de Genebra sobre cheques, o cheque a prazo havia desaparecido na legislação universal.[14]
O cheque de “pago diferido” configura modalidade criada pelo direito uruguaio, sem antecedentes no Direito Comparado e que teve por objetivo evitar a pós-datação dos cheques comuns.[15] Tal iniciativa veio a reconhecer, pioneiristicamente, o caráter dualístico do cheque na economia, como instrumento de pagamento à vista e título de crédito a prazo.
No instituto uruguaio, a mesma conta corrente abarca as duas espécies de cheque: cheque comum e cheques de “pago diferido”, porém em talonários distintos, de acordo com os requisitos exigidos pela lei (art. 74) e circulares do Banco Central.
O cheque de “pago diferido” está definido no art. 3º da Lei como uma ordem de pagamento que se emite contra um banco devendo o emitente (librador) ter fundos suficientes na data de apresentação estipulada no próprio documento ou autorização expressa para girar descoberto.
Aplicam-se ao cheque de “pago diferido”, a partir da data indicada como de apresentação – a ser lançada em campo específico que contém os dizeres “Páguese desde el…” – todas as disposições relativas aos cheques comuns (salvo as que se oponham nos termos do art. 71 da lei em referência).
Para Sagunto Perez Fontana (1982,p. 92-97), o cheque diferido funciona como uma letra de câmbio, que depois do prazo de apresentação se transforma em cheque comum.
“En primer lugar, veamos si puede ser considerado como una letra de cambio. De acuerdo con los requisitos que establece a ley en el art.70 para su validez, es evidente que reúne los que son esenciales tratándose de letras de cambio, es decidir, el lugar y la fecha, la cantidad a pagar, la designación de un beneficiario y de un girado y la firma del librador. Sería una letra de cambio que tiene la particularidad de ser siempre girada contra um banquero o como dice la ley, contra um banco aunque un banco no es una persona jurídica sino un establecimento comercial.
(…) Si el “cheque de pago diferido” dentro del período a que nos venimos refiriendo fuera una letra de cambio a la vista con plazo para su presentación al cobro no habría problemas, pero la exigencia de que para que un título valor sea una letra de cambio debe llevar inserta en el cuerpo del mismo la designación “letra de cambio”, impide considerarlo como una letra de cambio aunque le sean aplicables las disposiciones que rigen a este título de acuerdo con lo que estabelece el art. 126 de laley 14.701.
Por otra parte, no hay que olvidar que el “cheque de pago diferido”, a partir de la fecha en que puede presentarse al cobro al banco girado desaparece como tal convirtiéndose, por imperio de la ley, en un cheque común. (Art. 71 de la ley 14.412).
“(…) En resumen, el cheque de pago diferido sería una verdadera letra de cambio librada necesariamente contra un banquero.” (FONTANA, 1982, p.102).
O cheque de “pago diferido” não pode ser apresentado a pagamento antes da data indicada para pagamento (art. 72). Outrossim, o prazo máximo para data de apresentação é de 180 dias entre a data de emissão e a data do pagamento (art. 73).
Ademais, se porventura houver falecimento do emitente do cheque de “pago diferido” ou nos casos de incapacidade do emitente antes da data de pagamento, este documento passará a reger-se pelas disposições aplicáveis aos vales ou notas promissórias, nos termos do art. 75.
Os requisitos essenciais do cheque de “pago diferido” estão elencados no artigo 70 da lei 14.412/75:[16]
1. a denominação “Cheque de pago diferido” claramente inserta no texto do documento;
2. o número de ordem impresso no documento, no talão e no controle;
3. a indicação do local e da data de emissão;
4. a data desde a qual poderá ser apresentado para pagamento que seguirá a expressão “Páguese desde el…”;
5. o nome e o domicílio do Banco contra o qual se emite o cheque de “pago diferido”;
6. a expressão de se é a favor de determinada pessoa ou ao portador;
7. a soma determinada em dinheiro[17], expressa em números e em letras, que se ordena pagar pelo número 4 do presente artigo;
8. a assinatura do emitente.
4. CHEQUE DE “PAGO DIFERIDO REGISTRADO” (CPD) – LEI 24.452/95 MODIFICADA PELA LEI 24.760/97 – ARGENTINA
Na Argentina o cheque de “pago diferido registrado” também foi criado na tentativa de abolir a prática do cheque pós-datado e com intuito de criar sistemática mais aprimorada do intituto uruguaio.[18]
O cheque de pagamento diferido, de nomenclatura meramente parecida ao sistema uruguaio, mantém a denominação “cheque” por uma questão de oportunidade para aproveitar os costumes; intenta conduzir o instrumento dentro da economia formal, mediante a canalização dos usos e costumes e de medidas econômicas de encaixe que pode ditar o Banco Central da República Argentina.[19]
O mesmo fenômeno que vem assolando o Brasil era encontrado na Argentina. A situação gerada pela utilização indiscriminada do cheque pós-datado se encontrava em patamares insustentáveis. Estimavam-se prejuízos empresariais na ordem de 100.000.000 (cem milhões) de pesos argentinos.[20] E conforme demonstraremos em tópico específico, mesmo com o advento do CPD o cheque pós-datado ainda é utilizado na Argentina em patamares consideráveis.
Na Argentina, o cheque pós-datado, ou comumente chamado voador (volador), era considerado uma promessa de pagamento que, embora habilitasse o beneficiário a apresentá-lo antes da data estipulada no título, era respeitado e circulava normalmente, inclusive podia ser descontado nas entidades financeiras sem maiores inconvenientes. O objetivo da criação do cheque de “pago diferido registrado” foi dar força de lei ao cheque de pagamento diferido, e dessa maneira rechaçar tal prática do pós-datado.[21]
A lei argentina 24.452/95 foi a primeira a instituir o “cheque de pago diferido registrado”, que consistiria, a exemplo da legislação uruguaia, em nova espécie de cheque, com regulamentações específicas, consagrando duas modalidades de cheque em institutos distintos: i) o cheque comum, mantidas as suas características de ordem de pagamento à vista [22], ii) o “cheque de pago diferido”[23], em talonário distinto, para ser pago a dias de vista, prazos de 30 a 360 dias, respeitando-se o prazo de registro, a contar de sua apresentação a registro, em uma entidade financeira autorizada; endossável sem limites.[24],[25]
O cheque de “pago diferido registrado” – mais conhecido como cheque de pago diferido ou CPD[26] – é uma ordem de pagamento em data determinada, posterior à data verdadeira de emissão do cheque contra uma entidade autorizada, na qual o emitente deve possuir, na data da apresentação a pagamento, suficiente provisão de fundos ou autorização para girar em descoberto. [27]
Assim como ocorre com o instituto uruguaio, a mesma conta corrente abarca as duas espécies de cheque: cheque comum e cheque de “pago diferido”, porém em talonários distintos.[28]
4.1 O funcionamento da sistemática do CPD argentino
A sistemática de funcionamento do cheque de pago diferido argentino é a seguinte:[29],[30]
1. o correntista deve solicitar a um Banco onde possua conta corrente um talonário de cheques de pagamento diferido;
2. tal solicitação precisa ser aceita pelo Banco;
3. poderá ser fixada uma margem máxima e outras condições para que possam registrar-se os cheques de pagamento diferido, que não hajam sido pagos ou que não contem com provisão de fundos;
4. ao mesmo tempo determinar-se-á que se abra uma nova conta ou se use a mesma conta para atender as ordens de pagamento do cheque comum;
5. o titular da conta e do talonário de cheques de pagamento diferido, notificado das condições, poderá entregar cheques diferidos a seus credores, normalmente em operações de compra e venda, fixando prazos desde 30 a 180 dias – que são prazos usuais atualmente -, que se contarão a partir de que o cheque seja apresentado a um Banco depositário para solicitar seu registro;
6. o beneficiário do cheque de pagamento diferido poderá:
a) endossar livremente dito cheque, cujo endossatário a sua vez também poderá fazê-lo, transmitindo-se por esta via, quantas vezes se queira;
b) apresentá-lo a um Banco em forma imediata para que comece a correr o prazo, e ao mesmo tempo para se assegurar da legitimidade do efeito. Isso também poderão fazer, em qualquer momento, os endossatários referidos no item anterior; a modalidade que se adote estará vinculada à operação cuja prestação creditória se haja instrumentado no cheque;[31]
c) uma vez registrado, negocie-os em favor do Banco depositário ou do Banco sacado ou de um terceiro, sem mudar os efeitos dentro do Banco, através de ordem ao Banco depositário;
7. no vencimento, o Banco sacado, que tem registrado o efeito, paga-o por haver fundos em conta ou autorização para girar em descoberto, radicando os fundos na conta do beneficiário, no mesmo Banco ou no Banco depositário;
8. ao não ser cobrado, fica habilitada a via executiva. A mesma solução se outorga no caso de negar-se o registro do cheque por algum vício, em cujo caso caduca o prazo e se faça executável em forma imediata.
A legislação argentina é altamente complexa, abrangendo todas as possibilidades civis e no âmbito penal.
Cônsono o artigo 54 da lei argentina, o cheque de pagamento diferido é uma ordem de pagamento emitida a dias de vista, a contar desde sua apresentação para registro em uma entidade autorizada, contra a mesma ou outra na qual o emitente, na data de vencimento, deve ter fundos depositados suficientes à sua ordem em conta corrente ou autorização para girar em descoberto, dentro dos limites de registro que autorize o Banco sacado.
Sem prejuízo das responsabilidades em que incorra pelo direito comum, em nenhuma circunstância o Banco sacado é responsável se o cheque não é pago no seu vencimento. Nem o registro do cheque, nem a determinação dos limites do registro gera responsabilidade; todavia poderá o Banco sacado garantir o cheque de pagamento diferido.
O cheque de pagamento diferido é livremente transferível por endosso. A data de apresentação do cheque fixa o início do prazo de diferimento. A falta de chancela datadora ou a dificuldade de sua leitura será suprida pelo boleto de depósito, que terá as características que estabeleça a autoridade de aplicação (art. 56).
Regulamenta o art. 65: no caso de silêncio da lei, aplicar-se-ão as disposições relativas a letra de câmbio e nota promissória no que forem pertinentes.
4.2 Requisitos essenciais
O cheque de pagamento diferido deverá conter as seguintes enunciações essenciais, em formulário similar, porém distinguível do cheque comum, de acordo com o artigo 54 da lei em referência:
1. a denominação “cheque de pago diferido” claramente inserida no texto do documento;
2. o número de ordem impresso no corpo do cheque;
3. a indicação do local e data de sua criação;
4. o prazo não menor de trinta dias e não maior de trezentos e sessenta dias, que será pago com posterioridade à sua apresentação a registro a uma entidade autorizada, que seguirá a expressão impressa: “pague-se a … dias de sua apresentação a uma autoridade autorizada”;[32]
5. o nome do banco sacado e o domicílio de pagamento;
6. o nome do beneficiário ou ser emitido ao portador;
7. a soma determinada de dinheiro, expressa em números e em letras, que se ordena pagar;
8. o nome do emitente, domicílio, identificação tributária ou laboral ou de identidade, segundo o regulamento do Banco Central da República Argentina;
9. A firma do emitente, sendo que somente se poderão utilizar sistemas eletrônicos ou de reprodução quando expressamente o autorize o Banco Central da República Argentina.
4.3 Do registro
É facultativo que se leve o cheque de “pago diferido” a registro, que se condiciona à existência de margem de crédito estabelecida pelo Banco sacado, o qual definirá tal limite pela análise da situação do cliente e sua perspectiva de pagamento.[33]
Embora o registro perante uma Instituição bancária não garanta o pagamento, é um excelente meio de segurança jurídica, pois tenciona impedir a prática de cheques pré-datados, que desnaturalizam o cheque comum, e coíbe-se de certa forma as ações de má-fé, permitindo a canalização tanto do crédito comercial, como do bancário. Ademais, há possibilidade de execução imediata ante a negativa de registro pelo Banco sacado.[34]
A despeito do registro, asseveram Efrain Hugo e Soledad Richard:
“El cheque de pago diferido indica la fecha en que deberá ser pagado, no necesita ser registrado previamente a su presentación al cobro y sus movimientos se registran en la misma cuenta corriente bancaria del cliente.”(RICHARD & RICHARD, 1997, p.6).[35]
“No obstante lo indicado, es aconsejable presentar el cheque de pago diferido para su registración. Es que en tal caso se produce una suerte de auditoria jurídica y correción de errores materiales que impiden que luego el cheque pueda ser rechazado por otra causa que no sea la inexistenia de fondos. Se excluye así la común posibilidad de cheque devuelto por denuncia de extravío, firmas divergentes, etc. propias del llamado “cheque postdatado “que deja de ser cheque a partir del 14 de enero de 1998. Otras ventajas de la registración son la posibilidad del pago aunque la cuenta fuere cerrada por orden del B.C.R.A., la ejecución anticipada en caso de rechazo de registración por alguna causal y, fundamentalmente, la posibilidad de elegir la jurisdicción donde se puede ejecutar el cheque: la del Banco girado o la del Banco donde se presentó a registrar que – normalmente- será el Banco del tenedor.”(RICHARD & RICHARD, 1997, p.7).[36]
Para os casos em que os cheques apresentados ao registro tiverem defeitos formais, o Banco Central da República Argentina poderá estabelecer um sistema de retenção preventiva para que o Banco sacado, antes de rejeitá-lo, comunique-se com o emitente para que corrija os vícios. O Banco sacado, neste caso, não poderá demorar no registro do cheque mais de 7 dias úteis bancários (vide arts. 54 a 58).
A rejeição do registro[37] produzirá os efeitos do protesto. Com ele ficará expedida a ação executiva, que o possuidor poderá iniciar de imediato contra o emitente, endossantes e avalistas. Tal rejeição ao registro será informada pelo Banco sacado ao Banco Central da República Argentina (B.C.R.A) e o emitente será sancionado com a multa prevista no art. 62, mencionado adiante.
O B.C.R.A. poderá autorizar ou estabelecer sistema de registro e pagamento mediante comunicação ou exposição eletrônica que substituam a remissão do título, estabelecendo as condições de adesão e precaução de segurança e funcionamento (vide art. 58).
4.4 Da multa
Em caso de devolução do cheque por falta de provisão de fundos ou autorização para girar em descoberto ou por defeitos formais, o sacado comunicará o Banco Central da República Argentina ao emitente e ao possuidor com indicação de data e número da comunicação, tudo conforme indique a regulamentação.[38]
O emitente de um cheque devolvido por falta de fundos ou sem autorização para girar em descoberto será sancionado, automaticamente, com uma multa equivalente a 4% do valor do cheque, com um mínimo de cem pesos e um máximo de 50.000 pesos. O sacado está obrigado a debitar o montante da multa da conta do emitente. No caso de não ser satisfeita dentro dos trinta dias da devolução, ocasionará o encerramento da conta corrente e inabilitação.[39]
4.5 Lei 24.760/97
Desde a promulgação da lei 24.452 o mecanismo instituído para o cheque “de pago diferido” vem recebendo críticas. A sistemática é demasiadamente complicada, a utilização do instituto está fadada ao insucesso, enquanto que a problemática do cheque pós-datado permanece em dados preocupantes.
Tal insucesso se deve em função, principalmente, das seguintes razões: a complexidade do mecanismo, e por não ser a utilização do cheque de pago “diferido” obrigatória, o emitente por vezes opta por continuar com o famoso cheque pós-datado, amplamente aceito na comunidade comercial, que não exige nenhum esforço administrativo adicional.[40]
Cumpre ainda fazer referência que, numa outra tentativa de coibir o uso do cheque pós-datado nas relações de compra e venda, algumas modificações foram introduzidas na Lei 24.452/95 com o advento da lei 24.760/97[41], que também vem a criar a Fatura de crédito (instrumento similar à nossa duplicata, todavia aperfeiçoado em alguns pontos, encontra normatização no título X do Código Comercial e é regida pelas disposições da lei 24.760; criada também, dentre outros objetivos, para promover acesso ao crédito às PyME), cuja utilização vem sendo incentivada na Argentina. Destarte, mesmo com as mudanças introduzidas pela Lei 24.760/97, existe ainda uma complexidade operativa exarcebada na utilização do cheque de “pago diferido”.
Ademais, não há na lei norma que obrigue o correntista a abandonar o uso do cheque comum; conseqüentemente, ainda insiste o correntista argentino na utilização do cheque comum na forma pós-datado.
Uma das modificações introduzidas por esta lei afetam o cheque pós-datado:
“En este estado llegamos a la actual ley 24760 que introduce una sustancial modificación en el artículo 23, que queda redactado de la siguiente manera: “El cheque común es siempre pagadero a la vista. Toda mención contraria se tendrá por no escrita. No se considera cheque a la fórmula emitida con fecha posterior al día de su presentación al cobro o depósito.”(QUADRI, 1997, p.4).[42]
Conforme se constata, por força da lei 24.760/97, a partir de 13 de janeiro tenta a Argentina rechaçar o cheque pós-datado, não mais considerados cheques mas simples fórmula, sendo inclusive vedada a circulação dos cheques comuns pós-datados, que estariam proibidos de serem descontados nos Bancos. Ademais, de acordo com a modificação da lei todo cheque pós-datado apresentado antecipadamente a pagamento e que seja devolvido perderá sua força executiva e será inoponível a terceiros para o caso de Falências (quiebra), Concordata (concurso) ou falecimento.
Vedado o pós-datado, deverá o correntista emitir o cheque de “pago diferido”. Todavia, se o correntista insistir na emissão de cheques comuns pós-datados, aplicar-se-á a previsão legal, considerando o cheque simples fórmula.
E nesse contexto, cumpre transcrição referente ao imperativo legal narrada por Vedrovnik (1997, p.4):
“a) El banco no recibirá la fórmula así concebida. Ni siquiera la rechazará. No es cheque y mal puede rechazar un instrumento que no habilita la prestación del servicio de caja. Tan es esto así, que si por error el Banco llegara a pagar una fórmula posdatada, estaría efectuando un pago indebido, debiendo responder por ello. Más aun: la Comunicación A 2514 del Banco Central de la República Argentina, que reglamenta el funcionamiento de la cuenta corriente bancaria, conforme lo dispuesto en el artículo 66 Ley de cheques, dispuso en su punto 1.3.3., que “las entidades (giradas o depositarias) no podrán recibir cheques de pago diferido presenteados para su acreditación en cuenta o pago en ventanilla antes de su vencimiento”. Y en el punto 1.3.8.1.11.4 (refiere a supuestos en donde no corresponde el rechazo de cheques) señala “los cheques de pago diferido sean presenteados al cobro antes de la fecha de su vencimiento, en cuyo caso deberá estarse a lo previsto en el punto 1.3.3. segundo párrafo.”
b) El tenedor de la fórmula posdatada, que la presente al Banco, no obtendrá del girado el rechazo con las constancias previstas en el art. 38 ley de cheques; y por lo tanto, no tendrá en su poder un título ejecutivo, que habilite a accionar cambiariamente contra ellos obrigados.
c) Tampoco podrá el tenedor de la fórmula realizar la acción prevista en el art.302 del Código Penal: No hay posibilidad de delito, pues no hay cheque rechazado.
d) El librador, de algún modo, resultará beneficiado. En efecto, por esta “fórmula posdatada” no pagada, no abonará multa, ni por defectos formales ni por falta de fondos acreditados en cuenta (arts. 2 y 62 de la ley de cheques).
e) Además, no se computará dicha fórmula a los efectos del cierre de la cuenta corriente, y posterior inabilitación del titular de la misma: pues, repitámoslo, no existe rechazo por insuficiente provisión de fondos disponibles en cuenta, ni por defectos formales.
f) Pro último, no estará el librador expuesto a acción ejecutiva ni a acción penal.”[43]
4.6 CHEQUE BANCÁRIO DE “PAGO DIFERIDO” – LEI Nº 1.183/85 (CÓDIGO CIVIL) MODIFICADA PELA LEI 805/96[44] – PARAGUAI
A legislação paraguaia não difere muito das legislações argentina e uruguaia, consagrando duas modalidades de cheque em institutos distintos: o cheque bancário à vista e o cheque bancário de “pago diferido”.
De acordo com o Código Civil vigente, o Paraguai também normatizou, criando instituto diferenciado denominado cheque bancário de pago diferido.
Cônsono o artigo 1.696 do Código Civil, o cheque bancario é uma ordem de pagamento pura e simples, que se emite à vista ou de “pago diferido” contra um Banco, no qual o sacador deve ter fundos suficientes depositados em conta corrente bancária ou autorização expressa ou tácita para girar em descoberto.
Preleciona o artigo 1696 do Código Civil, in verbis:
“Art. 1696. El cheque bancario deberá contener:
a) el número de orden impreso en el talón y en el cheque bancario, y el número de cuenta;
b) la fecha y lugar de emisión;
c) la orden pura y simple de pagar una suma determinada de dinero;
d) el nombre y domicilio del banco contra el cual se gira el cheque bancario;
e) la indicación del lugar de pago; y,
f) nombre y apellido o razón social, domicilio y la firma del librador.”
O cheque bancário de “pago diferido” deverá conter, ademais das enunciações exigidas pelo artigo 1.696 supra, a denominação cheque bancário de “pago diferido” claramente impressa no título. (art.1.752), bem como a data de pagamento do mesmo, que não poderá ser superior a cento e oitenta dias da data de emissão.
A título de prazo de apresentação, o cheque bancário à vista deve ser apresentado a pagamento dentro do prazo de trinta dias de sua emissão. O cheque bancário de pago diferido deve ser apresentado dentro do prazo de trinta dias seguintes à data lançada para pagamento.
Não temos dados referentes à problemática do cheque pós-datado no país e nem sobre a eficácia da lei. Obviamente, que se conclui que, se houve necessidade de normatização, é porque existia a problemática.
Por derradeiro, há que se fazer menção expressa ao art. 1725 do Código Civil, que normatiza a respeito dos cheques pós-datados:
“Art. 1.725 – El cheque bancario es pagadero a la vista a partir de la fecha escrita en el mismo, que puede ser la del momento de emisión o una posterior. A los efectos del pago, los cheques con fecha futura se tendrán por no presentados.
En caso de muerte, convocación de acreedores o quiebra del librador de cheque con fecha adelantada o post-datado, se considerará que el cheque fue librado el dia anterior al acaecimiento de dichos hechos.”
cheques. Disponível em<http://www.ajuris.org.br/doutrina/dout37.htm> Acesso em 11 de setembro de 2002
Informações Sobre o Autor
Eliane M. Octaviano Martins
Autora do Curso de Direito Marítimo, vol I e II (Editora Manole). Mestre pela UNESP e Doutora pela USP. Professora do Curso de Mestrado em Direito e Coordenadora do curso de pós graduação em Direito Marítimo e Portuário da Universidade Catolica de Santos – UNISANTOS