Competência tributária, arrecadação efetiva e o Fundo de Participação dos Municípios

Resumo: O artigo analisa o sistema de repartições de receitas por meio do Fundo de Participação dos Municípios.


Palavras-chave: Direito Constitucional. Direito Tributário. Fundo de Participação de Municípios


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Abstract: The article analyzes the distribution system of resources by the Cities Participation Funds.


Keywords: Constitucional Law. Tax Law. Cities Participation Funds.


Sumário: 1. Introdução; 2. Princípio Federativo; 3. Formas de Repartição de Receitas; 4. Conceitos de Fundos de Participação; 5. Formação do Fundo de Participação dos Municípios; 6. Competência Tributária e Partilha da Arrecadação; 7. Conceito de Receita tributária para Repartição; 8. Sistema de Repartição de Receitas na Modalidade Indireta; 9. Conclusão; Referências.


1 – INTRODUÇÃO


A Constituição da República Federativa do Brasil traz, em seu Título VI (Da Tributação e do Orçamento), Capítulo I (Do Sistema Tributário Nacional), Seção VI (Da Repartição das Receitas Tributárias), matéria de grande importância para o Federalismo Fiscal, tanto no âmbito acadêmico, quanto no prático.


É o Fundo de Participação dos Municípios, que, por serem matéria ainda pouco estudada, tem levado aos Tribunais pátrios diversas querelas entre os Municípios e a União.


Proliferam nas Varas de Fazenda Pública e em nossos Tribunais milhares de demandas em que diversos Municípios pleiteiam que os 23,5% referentes ao Fundo de Participação dos Municípios deva ser calculado e repassado a eles tendo como base de cálculo o valor arrecadado bruto com os Impostos sobre a renda e sobre Produtos Industrializados, sem a dedução de valores como as restituições de Imposto de Renda, os incentivos fiscais e as deduções ou exclusões determinadas constitucionalmente.


Já a União tem encampado a sua defesa com o fundamento de que o valor a ser repassado deve ter como base de cálculo aquilo que foi efetivamente arrecadado, ou seja, após a subtração dos valores descritos, de maneira meramente exemplificativa, acima e a adição de valores como os juros de mora, por exemplo.


E é exatamente a respeito desses conflitos, qual seja, o que deve ser entendido como arrecadação para a constituição do Fundo de Participação dos Municípios, que este trabalho pretende abordar.


Mas antes de se discutir tal aspecto, deve-se esclarecer algumas questões prévias importantes para o completo entendimento do assunto.


2 – PRINCÍPIO FEDERATIVO


O ideal federalista sempre existiu entre nós, desde a Independência do Brasil. Durante o Período Imperial diversas manifestações políticas a favor da descentralização do Poder, aonde convivessem mais de um governo compartilhando o poder político sobre o mesmo território, eclodiram.


Todavia, apenas em 15 de Novembro de 1889, por meio do Decreto nº 01, que se proclamou entre nós uma República Federativa, com a transformação das antigas províncias em Estados Federados. Logo após, a Federação foi consagrada como Princípio Fundamental na Carta Magna de 1891. E assim continuou a ser, por todas as Constituições até a atual.


O Princípio Federativo define a forma de Estado. É a união indissolúvel de organizações políticas autônomas, instituída por uma Constituição Rígida, com o fim de criar um novo Estado. Com esse escopo, sem a perda de suas personalidades jurídicas, tais organizações políticas cedem algumas de suas prerrogativas, em benefício do Estado Federal. A mais importante delas é a sua soberania. O Estado Federal é soberano para o Direito Internacional, ao passo que os Estados Federados são membros autônomos para o Direito Interno.


Faz-se necessário, para definir o conceito de Federação, explicitar a noção de descentralização política. Michel Temer diz que:


“Descentralizar implica a retirada de competências de um centro para transferi-las a outro, passando elas a ser próprias do novo centro. Se a referencia é a descentralização política, os novos centros terão capacidade política”.[1]


Por isso mesmo, podemos dizer que, no Estado Federal, há um Governo Central e vários governos locais, todos exercendo, com igualdade e com fundamento retirado diretamente da Constituição, o poder político.


Dessa forma, as entidades da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) desfrutam de autonomia deferida diretamente pela Constituição, correspondente a um quadro interno de competências, rigidamente demarcadas pela Carta Magna.


A Federação Brasileira surgiu sob inspiração da Federação Norte Americana, porém a nossa se formou de modo oposto aquela, uma vez que se deu por formação centrífuga ou por desagregação, pois existiu uma força que descentralizou o poder e o dividiu entre as novas Unidades Federativas, convertendo o Estado Único em Federal.


Certamente, por essa razão a Federação Brasileira foi, por muito tempo, sem equilíbrio e com enorme concentração de poder no ente central (União).


Somente com o advento da Constituição Cidadã de 1988, o Brasil assumiu o verdadeiro status de Federação, pois esta adotou uma equilibrada partilha do poder político entre as unidades federadas, através de uma distribuição de competências equilibrada. Importante destacar que a Constituição de 1988 adotou, sem precedentes históricos, uma Federação Tricotômica, com a inclusão dos Municípios na organização federal, ao lado da União e dos Estados.


3 – FORMAS DE REPARTIÇÃO DE RECEITAS


Exatamente para fortalecer e efetivar o Princípio Federativo, a Constituição da República, em sua Seção VI do Capítulo I, sob a denominação de “Repartição de Receitas Tributárias”, estabeleceu 03 (três) modalidades diferentes de participação dos Estados, Distrito Federal e Municípios na Receita Tributária da União, uma vez que a Carta Magna destinou a essa maior competência tributária e, por via de conseqüência, maior arrecadação.


São elas:


a) Participação direta no produto da arrecadação de imposto de competência impositiva da União: artigos 157, I e 158, I da CF.


As parcelas de Imposto de Renda retido na fonte incorporam-se, desde logo, às respectivas receitas correntes;


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b) Participação no produto de imposto de receita partilhada: artigos 157, II, 158, II, III e IV e 159, III da CF.


O imposto, ao ser criado, já pertence a mais de uma pessoa política, nos exatos limites constitucionais fixados. Nunca pertencem integralmente ao titular da competência impositiva, que institui, fiscaliza e arrecada o imposto, devendo devolver o quantum às entidades participantes, porque a elas pertence por expressa determinação constitucional.


A titularidade da receita não pertence exclusivamente à entidade política tributante;


c) Participação em fundos:


É a percepção, pelas entidades políticas beneficiadas, de determinadas importâncias dos fundos formados por 47% (quarenta e sete por cento) dos produtos da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados, conforme artigo 159 da Constituição Federal, in verbis:


“Art. 159. A União entregará:


I – do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados quarenta e oito por cento na seguinte forma:


a) vinte e um inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal;


b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Municípios;


c) três por cento, para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à Região, na forma que a lei estabelecer;


d) um por cento ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano; “


Ao creditar aos demais entes, a União compensa os valores já repassados, retidos na fonte (artigos 157, I e 158, I da CF).


As 03 (três) modalidades são distintas e inconfundíveis. Nas duas primeiras, as receitas pertencem às entidades contempladas. A Constituição utiliza a expressão “pertencem aos”.


Na terceira modalidade, participação por fundos, a entidade beneficiada tem uma expectativa de receber o quantum que lhe cabe, segundo os critérios aí estabelecidos. Tanto que o termo utilizado pela Constituição é “a União entregará”.


4 – CONCEITOS DE FUNDOS DE PARTICIPAÇÃO


Os Fundos de Participação foram conceituados por alguns dos maiores juristas do Direito brasileiro e os ensinamentos destes colabora, em muito, com a melhor compreensão do instituto.


Ensina Aliomar Baleeiro:


“No Sistema Tributário Brasileiro, introduziu-se a participação de uma pessoa de Direito Público Interno no produto da arrecadação de imposto de competência de outra. Esta decreta e arrecada um imposto de distribui tantos por cento da receita respectiva entre as várias pessoas de Direito Público que a compõe”.[2]


Roque Antonio Carrazza, em seu Curso de Direito Constitucional Tributário também conceitua tais fundos, veja-se:


“Em rigor, o que a Constituição da República Federativa do Brasil faz é estipular que, na hipótese de ser criado o tributo, pela pessoa política competente, o produto de sua arrecadação será total ou parcialmente destinado a outra pessoa política. Evidentemente, se não houver o nascimento da Relação Jurídica tributária (‘prius’), não poderá surgir a relação jurídica financeira (‘posterius’)”.[3]


Por fim, importante transcrever o conceito elaborado pelo Professor José Cretella Júnior, in verbis:


“É a reserva, em dinheiro, ou o patrimônio público, constituído de dinheiro, bens ou ações, afetado pelo Estado a determinado fim.


É o patrimônio público, sem personalidade jurídica, mas com competência postulacional, afetada a um fim público”.[4]


Esse posicionamento do Professor José Cretella Júnior, de que o Fundo de Participação dos Municípios seria um patrimônio público afetado, é isolado na Doutrina pátria.


O que tem prevalecido entre os doutrinadores tributários é o entendimento de que tais Fundos são, pura e simplesmente, uma forma de repartição das receitas tributárias, conforme já explicitado em capítulo anterior.


5 – FORMAÇÃO DO FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS


Por força do art. 159, inciso I, alínea “b” da Constituição, os Municípios devem receber vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento do produto da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados.


Além disso, a Constituição em seu art. 159, I, alínea “d” determinou que, do produto da arrecadação dos impostos supra citados, fosse destinado “um por cento ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano”.


Nesse passo, observe-se que os tributos que compõem a formação dos fundos de participação dos Estados e dos Municípios são exações cuja competência para a instituição e arrecadação pertencem à União, conforme dispõe expressamente a Constituição Federal, nos incisos III e IV do art. 153[5].


Aqui se faz necessária uma explanação acerca de institutos e princípios de Direito sobre os quais a Constituição Federal resta baseada.


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6 – COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E PARTILHA DA ARRECADAÇÃO.


Seguindo a doutrina de Luciano Amaro, “(…) no que respeita às receitas (ou, mais genericamente, aos ingressos) de natureza tributária, optou a Constituição por um sistema misto composto por dois mecanismos o de competência constitucional e de partilha do produto da arrecadação (…)” (AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro – 8. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, pág. 93, 94).


Quanto ao primeiro elemento, a competência constitucional “é o poder de criar tributos repartido entre os vários entes políticos, de modo que cada um tem competência para impor prestações tributárias, dentro da esfera que lhes é assinalada pela Constituição” (AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro – 8. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, pág. 94, 95).


Tem-se assim a Competência Tributária – ou seja, a aptidão para criar tributos – da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Todos têm, dentro de certos limites, o poder de criar determinados tributos e definir seu alcance, obedecidos os critérios de partilha de competência estabelecidos pela Constituição. A competência engloba, portanto, um amplo poder político no que respeita a decisões sobre a própria criação do tributo e sobre a amplitude da incidência.


Quanto ao segundo mecanismo, partilha do produto da arrecadação, assevera Luciano Amaro que:


“O produto da arrecadação de determinados tributos, instituídos por certo ente político, não é por este totalmente apropriado, mas partilhado com outros entes políticos. Desse modo, as decisões sobre o nível de incidência e arrecadação dependem do ente político titular da competência, mas a arrecadação resultante das leis que ele editar não lhe pertence integralmente, pois é partilhado”[6].


Afigura-se claro que a competência tributária e a definição do modo de incidência do tributo é resultado da decisão política tomada pelo titular dessa competência. Em outras palavras, cabe ao titular da competência as decisões sobre a forma de instituição, arrecadação e incidência do tributo sob seu comando, devendo observar, contudo, que este pode não lhe pertencer na totalidade. Nos dizeres de Roque Antonio Carrazza: “em suma, criar tributos é legislar; arrecadá-los, administrar” (CARRAZZA, ROQUE ANTONIO, Curso de Direito Constitucional Tributário, 26ª Edição, São Paulo, Editores Malheiros, 2010, p. 514).


O autor paulista vai mais além:


“O que queremos significar é que quem pode tributar pode, do mesmo modo, aumentar tributo, minorá-lo, parcelar o seu pagamento, isentá-lo, no todo ou em parte, remi-lo, anistiar as infrações fiscais ou até não tributar, observadas sempre, é claro, as diretrizes constitucionais. Tudo vai depender de uma decisão política, a ser tomada pelo própria entidade tributante[7]”.


Nessa toada, não se perca de vista que o Sistema Tributário Nacional é um Sistema Rígido, haja vista que as competências tributárias são expressamente delineadas na Constituição, não alteráveis por normas infraconstitucionais (Sistema Flexível), tampouco por decisões judiciais, visto que assim resta estabelecido:


“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:


Art.155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:


Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:”


Ademais, temos de observar alguns dos atributos da competência tributária, que podem delinear bem os traços definidores do presente instituto jurídico, vejamos:


6.1 –  Privatividade


Para Roque Antônio Carrazza, quando examina a expressão privatividade, o termo quer dizer o seguinte: “as competências impositivas impedem a invasão de um ente federativo sobre o outro. A privatividade é a exteriorização do federalismo fiscal, sob o aspecto da autonomia financeira. A privatividade é a consecução do sistema rígido” (CARRAZZA, ROQUE ANTONIO, Curso de Direito Constitucional Tributário, 26ª Edição, São Paulo, Editores Malheiros, 2010, p. 528).


Pode-se afirmar, assim, que no Direito pátrio, cada ente federativo detêm exclusividade no que tange à criação de tributos, eles têm “faixas tributárias privativas[8]”, nas palavras de Carrazza.


Assim, o espírito da privatividade é impedir a invasão de competência impositiva; impedir a flexibilização do sistema rígido e garantir a autonomia financeira, que não podem ser afastadas por meio de decisão judicial.


6.2 –  Indelegabilidade


A indelegabilidade é fruto da privatividade, é um viés da privatividade. A indelegabilidade sustenta a rigidez do sistema tributário. A competência tributária é indelegável, enquanto a capacidade tributária é delegável (art. 7º do CTN)[9].


A figura da indelegabilidade resguarda, portanto, o federalismo fiscal. A inércia de um ente não pode levar à hiperfunção de outro. Essa cláusula é inegociável porque é causa da indelegabilidade e porque afeta o pacto federativo com sua flexibilização, o que afronta cláusula pétrea.


Logo, competência tributária é poder constitucional para instituir tributo, arrecadar e fazer incidir.


Portanto, percebe-se que o pedido dos diversos Municípios que demandam contra a União, para que a base de cálculo do Fundo de Participação dos Municípios seja o produto da arrecadação total do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados, pretendem, de fato, alterar esse poder garantido pela Constituição Federal por meio de decisão judicial.


6.3 – Facultatividade


Entende-se por facultatividade o fato do ente federativo competente ter autonomia para dizer se irá ou não instituir o tributo, bem como o montante de sua incidência, não podendo ser impelido à edição da exação, conforme se extrai dos ensinamento do Professor Roque Antônio Carrazza.


Não se diga, por conseguinte, que o presente atributo restaria afastado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101 de 04 de Maio de 2.000), tendo em vista o disposto em seu art. 11[10], que prevê a necessária instituição e arrecadação de todos os tributos da competência constitucional disposta a cada ente, haja vista que este deve ser lido em conjunto com o art. 14[11] da mesma, que prevê formas de compensação quando, e.g., benefícios fiscais forem concedidos.


Logo, o art. 11 não impede a faculdade de tributar; o art. 11 apenas condiciona a faculdade de não tributar aos requisitos elencados no art. 14. O fato é que o atributo da facultatividade não foi alijado, foi mitigado.


Ademais, em caso de violação ao dispositivo legal, observe-se que a União não se submete à penalidade do parágrafo único do art. 11[12], porque a transferência voluntária não inclui a União, mas o ente federativo que não observar a sistemática da LRF, que não terá direito ao repasse voluntário.


Diante do exposto, resta claro que a União tem competência constitucional (PODER) para instituir os tributos que irão compor o montante disposto para formar o Fundo de Participação dos Municípios, dos Estados e do percentual para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.


Na linha acima, a competência engloba, portanto, um amplo poder político no que respeita a decisões sobre a própria criação do tributo e sobre a amplitude da incidência. Inconcebível, assim, a restrição desse poder por meio de decisão judicial, como pretendem os Municípios que querelam contra a União.


Por conseguinte, relembrando as lições dispostas por Luciano Amaro, citadas acima, embora o produto da arrecadação de determinados tributos, instituídos por certo ente político não seja por este totalmente apropriado, mas partilhado com outros entes políticos, as decisões sobre o nível de incidência e arrecadação dependem do ente político titular da competência.


Destarte, só após a arrecadação é que o montante passará a observar as disposições das leis para a definição de sua partilha.


Acerca do tema, vale a pena transcrever ementa de julgado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, com referências a decisões do Excelso Supremo Tribunal Federal, onde podemos vislumbrar a aplicação das razões expostas, in verbis:


“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. FUNDO DE MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL E DE VALORIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO. CRITÉRIOS ADOTADOS PELO ESTADO PARA DESCONTOS EM CONTAS DOS MUNICÍPIOS, PARA COMPOR O FUNDEF. CRITÉRIO MÍNIMO, EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 14/96 E LEI Nº 9.424/96.


1. Mandado de Segurança versando sobre eventual ilegalidade do desconto, no montante de 15%, previsto no art. 158, parágrafo único, I, da Constituição Federal, sobre as cotas de ICMS e IPI, para composição do FUNDEF (art. 60 do ADCT, com redação dada pela EC nº 14), na medida em tal desconto deverá limitar-se a regra contida no art. 158, parágrafo único, II, da Lei Maior.


2. Com efeito, a promulgação da EC 14/96 alterou a redação do artigo 60 do ADCT, estabelecendo que nos 10 (dez) primeiros anos da promulgação da referida Emenda, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão não menos de 60% (sessenta por cento) dos recursos descritos na Constituição Federal, em seu artigo 212, caput, à manutenção e ao desenvolvimento do ensino fundamental, assegurando-se a universalização da educação no país bem como a remuneração condigna do magistério.


3. O Fundo de que trata o art.  60, §1 °, do ADCT/CF/88 restou implantado com a edição da Lei 9424 de 24.12.1996, verbis:


“Art. 1º É instituído, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, o qual terá natureza contábil e será implantado, automaticamente, a partir de 1º de janeiro de 1998.


§ 1º O Fundo referido neste artigo será composto por 15% (quinze por cento) dos recursos:(…)


II – do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal – FPE e dos Municípios – FPM, previstos no art. 159, inciso I, alíneas a e b, da Constituição Federal, e no Sistema Tributário Nacional de que trata a Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966; e


III – da parcela do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI devida aos Estados e ao Distrito Federal, na forma do art. 159, inciso II, da Constituição Federal e da Lei Complementar nº 61, de 26 de dezembro de 1989.(…).”


4. Deveras, a legislação supracitada prevê o percentual de 15% (quinze por cento) que o Estado deve reter da receita dele próprio prevista no inciso II do art. 155 da CF/88 e também da receita dos Municípios, previstas nos arts. 158, IV e 159, II da CF/88, destinando tais recursos ao referido fundo.


5. Ademais, Sobreleva notar, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade do art. 5º da EC 14/96 e da Lei n° 9.424/96, consoante se infere dos julgados litteris:


´AÇÃO CAUTELAR – LIMINAR – FUNDEF – REPASSE – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 14/96.


Havendo decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 14, de 12 de dezembro de 1996, impõe-se a suspensão de liminar deferida com base em premissa contrária a esse entendimento. Precedente: Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.749-5/DF: Liminar indeferida, por insuficiência de relevo jurídico da assertiva de que, ao redistribuir receitas e encargos referentes ao ensino, estaria a promulgação da Emenda Constitucional nº 14-96 (nova redação do art. 60 do ADCT) a contrariar a autonomia municipal e, conseqüentemente, a forma federativa de Estado (art. 60, I, da Constituição).” (PET 2316 Agr/SP, Relator Ministro Marco Aurélio, publicado no DJ de 11.04.2003)


“CONSTITUCIONAL. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 14/96 E LEI Nº 9.424/96.


FUNDO DE MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL E DE VALORIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO. ATRIBUIÇÃO DE NOVA FUNÇÃO À UNIÃO – REDISTRIBUTIVA E SUPLETIVA DA GARANTIA DE EQUALIZAÇÃO DE OPORTUNIDADES EDUCACIONAIS. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO FEDERATIVO. NÃO FERIMENTO À AUTONOMIA ESTADUAL. ‘CAUSA PETENDI’ ABERTA, QUE PERMITE EXAMINAR A QUESTÃO POR FUNDAMENTO DIVERSO DAQUELE ALEGADO PELO REQUERENTE. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONAL” (ADI 1749/DF, Relator Ministro Octávio Galotti, DJ de 15.04.2005)´


6. Dessarte, as disposições legais atinentes à matéria e o reconhecimento da constitucionalidade do art. 5º da EC 14/96 e da Lei  n° 9.424/96 (ADI 1449/5/DF) revelam a insubsistência da alegação do Município sobre eventual inconstitucionalidade do desconto de 15% (quinze por cento) da parcela prevista no art. 158, parágrafo único, inciso I, da Constituição Federal, para repasse ao FUNDEF” (inicial, letra “c”).


7. Consectariamente, torna-se obrigatório ao Estado de Minas Gerais a observância da Lei nº 9424/96 e os mandamentos do artigo 60 do ADCT da Constituição Federal na forma de cálculo de suas contribuições.


8.. Recurso ordinário desprovido.


(RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2003/0187168-9. Ministro LUIZ FUX. T1 – PRIMEIRA TURMA. DJ 27/03/2006 p. 153). (grifos aditados)


Por todas essas razões, só após a arrecadação é que o montante passará a observar as disposições das leis para a definição de sua partilha, após a efetiva definição da receita. Este é o ponto que se passa a abordar.


7 – CONCEITO DE RECEITA TRIBUTÁRIA PARA REPARTIÇÃO.


A matéria em debate, por produzir conseqüências tanto no orçamento da União, como no cálculo do repasse dos valores do Fundo de Participação dos Municípios devidos a todos os Municípios, impõe uma solução única, a ser adotada uniformemente para todos os entes federativos.


O art. 159, I, “b” da CF/88 estabelece que 22,5% do produto da arrecadação do Imposto de Renda – IR e do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI serão entregues pela União ao Fundo de Participação dos Municípios, excluindo-se da parcela de arrecadação o valor do IR pertencente aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (§ 1º).


Assim, como o FPM constitui um mecanismo de repartição de receitas tributárias, sua finalidade é a transferência de recursos que, conforme a competência tributária, pertencem à União e foram efetivamente arrecadados.


Como posto acima, no que tange à partilha do produto da arrecadação, assevera Luciano Amaro que:


“o produto da arrecadação de determinados tributos, instituídos por certo ente político, não é por este totalmente apropriado, mas partilhado com outros entes políticos. Desse modo, as decisões sobre o nível de incidência e arrecadação dependem do ente político titular da competência; mas a arrecadação resultante das leis que ele editar não lhe pertence integralmente, pois é partilhado[13]”.


Deste modo, a transferência constitucional de receitas tributárias aos Municípios composta de 22,5% da arrecadação do IR e do IPI é feita com base no real produto da arrecadação.


Ora, as restituições de IR, os incentivos fiscais e as deduções ou exclusões determinadas constitucionalmente, a exemplo da prevista no § 1º do art. 159 da CF/88, não compõem a base de cálculo do Funde de Participação dos Municípios porque tais valores não chegaram a ingressar no patrimônio da União, eles não são considerados receita, não sendo, portanto, classificada como valor arrecadado.


O quantum destinado à repartição no Fundo de Participação dos Municípios, proveniente do IPI e do IR, deve resultar da aplicação do percentual de 22,5% sobre o produto da arrecadação, ai incluídos a correção monetária, os juros e as multas, abatidas: as restituições; os incentivos fiscais; as parcelas de que tratam os arts. 157, I e 158, I da CF/88 – e até 1999, art. 72, I e II do ADCT.


Nesse sentido temos os seguintes precedentes:


“CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS – FPM. PORTARIAS DA STN E BGU. PARCELAMENTOS DO IRPJ E DO PIS. REPASSE A DESTEMPO. CORREÇÃO E JUROS DE MORA. EXCLUSÃO DE VALORES DO PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO NACIONAL (PIN) E DO PROGRAMA DE REDISTRIBUIÇÃO DE TERRAS E ESTÍMULO À AGROINDÚSTRIA DO NORTE E NORDESTE (PROTERRA) NA BASE DE CÁLCULO DO FPM.


1. A divergência entre os valores divulgados nas Portarias mensais da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e no Balanço Geral da União (BGU), pertinentes à arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados, não implica, por si só, a ocorrência de repasse a menor das quotas do Fundo de Participação dos Municípios – FPM, posto que tais instrumentos levam em conta períodos de arrecadação e métodos de contabilização distintos. As portarias da STN reportam-se ao período compreendido entre 21 de dezembro e 20 de dezembro do ano seguinte, e seus valores são apurados sobre o regime de caixa. Já o BGU se refere ao período entre 1º de janeiro e 31 de dezembro do mesmo exercício, e se utiliza do regime de competência.


2. A aplicação da correção monetária sobre os valores do FPM repassados de forma extemporânea pela UNIÃO encontra guarida no entendimento segundo o qual já se encontra pacificada a utilização da taxa Selic como índice de correção monetária e de juros de mora, a partir da Lei nº 9.250/95, tanto nas operações ativas quanto passivas do fisco.


3. Correta a dedução, para efeito de formação da base de cálculo do FPM, dos valores destinados pelas empresas, na Declaração do Imposto de Renda Pessoa Jurídica, com Incentivos Fiscais PIN (Programa de Integração Nacional) e PROTERRA (Programa de Redistribuição de Terras e Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste), eis que se trata de recursos não apropriados pela União, representativos de renúncia de receita. Precedente: TRF 1. Sétima Turma. AC nº 2001.34.00.027586-5/DF. Rel. Des. Federal ANTÔNIO EZEQUIEL DA SILVA. Julg. em 15/03/2005. Publ. DJ 19/05/2006, p. 89.


4. Apelações e remessa oficial improvidas” (grifo aditado). (TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – QUINTA REGIÃO. Classe: APELREEX – Apelação / Reexame Necessário – 4380. Processo: 200783020016032 UF: PE  Órgão Julgador: Quarta Turma. Data da decisão: 24/03/2009  Documento: TRF500184244 Fonte DJ – Data::17/04/2009 – Página::471 – Nº::73 . Relator(a) Desembargadora Federal Margarida Cantarelli Decisão UNÂNIME)


“TRIBUTÁRIO. FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS. REPARTIÇÃO DE RECEITAS. INCIDÊNCIA SOBRE A RECEITA BRUTA SEM DEDUÇÕES. ART. 159 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.


1. É infundada a pretensão dos Municípios autores a que se proceda a repartição de recursos do Fundo de Participação dos Municípios, com base na receita bruta da arrecadação das parcelas que integram a base de cálculo,sem deduções como incentivos fiscais, restituições e parcelas destinadas ao PIN, PROTERRA e FSE/FEF.


2. Na dicção do art. 159 da Constituição Federal, a transferência constitucional de receitas tributárias aos Municípios é feita com base no produto da arrecadação, e não na receita bruta, justamente porque a finalidade do FPM é transferir, àqueles entes estatais, valores que, originariamente, pelas regras de competência tributária, pertenceriam à União. Com efeito, não basta o mero trânsito contábil de determinada receita pelo patrimônio da União para que a mesma integre a base de cálculo do FPM.


3. Apelação dos autores improvida.” (grifo aditado) (TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – QUARTA REGIÃO Classe: AC – APELAÇÃO CÍVEL Processo: 200072070033517 UF: SC Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA Data da decisão: 18/06/2008 Documento: TRF400168507 Relator Desembargador Federal ÁLVARO EDUARDO JUNQUEIRA.)


“TRIBUTÁRIO. FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS. REPARTIÇÃO DE RECEITAS. INCIDÊNCIA SOBRE A RECEITA BRUTA SEM DEDUÇÕES. ART. 159 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.


1. É infundada a pretensão dos Municípios autores a que se proceda a repartição de recursos do Fundo de Participação dos Municípios, com base na receita bruta da arrecadação das parcelas que integram a base de cálculo, sem deduções como incentivos fiscais, restituições e parcelas destinadas ao PIN, PROTERRA e FSE/FEF.


2. Na dicção do art. 159 da Constituição Federal, a transferência constitucional de receitas tributárias aos Municípios é feita com base no produto da arrecadação, e não na receita bruta, justamente porque a finalidade do FPM é transferir, àqueles entes estatais, valores que, originariamente, pelas regras de competência tributária, pertenceriam à União. Com efeito, não basta o mero trânsito contábil de determinada receita pelo patrimônio da União para que a mesma integre a base de cálculo do FPM.


3. Apelação dos autores improvida e a remessa oficial”. (grifo aditado) ( TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – QUARTA REGIÃO. Classe: APELREEX – APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO.Processo: 00072030019108 UF: SC Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA Data da decisão: 21/01/2009 Documento: TRF400175596 Relator Desembargador Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS)


Dessa forma, só pode ser objeto de repartição a verba tributária efetivamente arrecada, não sendo nela incluída a decorrente de incentivos fiscais, pois não se leva em consideração a expectativa da arrecadação, mas sim o que efetivamente ingressa nos cofres da União.


É com base na receita efetiva de tributos, aí abatidos ou não considerados os valores decorrentes de incentivos fiscais, que se realiza a partilha, como se percebe no tópico seguinte.


8 – SISTEMA DE REPARTIÇÃO DE RECEITAS NA MODALIDADE INDIRETA


A doutrina cuidou de classificar a partilha de recursos arrecadados de duas formas, a que se caracteriza pela participação direta e indireta.


Considera-se a participação direta quando a relação entre os entes federativos se dá sem intermediários, enquanto considera indireta aquela participação intermediada por um fundo, cuja característica é a inexistência de relação direta entre os entes federativos, como explica o Professor Sacha Calmon Navarro Coelho:


“Existem duas formas de participação de uma pessoa política no produto da arrecadação de outra: a direta e a indireta. A forma direta impõe uma relação simples. Exemplo: os municípios fazem jus a 25% (vinte e cinco por cento) do ICMS do estado arrecadado em seus territórios. A forma indireta põe uma relação complexa: são formados fundos aos quais afluem parcelas de receitas de dados impostos. Depois, são rateados entre os partícipes beneficiários segundo critérios legais preestabelecidos[14].


A partilha de receitas de Imposto sobre a Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados realizada pela União não se enquadra na participação direta, pois não há essa relação de propriedade sobre a arrecadação como, e.g., a existente entre Municípios e Estados no caso do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS.


A parcela da arrecadação do IR e IPI apurada pela União é destinada a um fundo, caracterizando assim a participação de receitas indireta, na qual não há proprietários dos recursos depositados. Tanto que o termo utilizado pela Constituição é “a União entregará”.


Assim, a União, na partilha de arrecadação do IR e IPI na modalidade de participação indireta, abre mão de parte da sua arrecadação e destina isso para o fundo de participação. Logo, parte dos valores arrecadados relativos aos Impostos de Renda e sobre Produtos industrializados serão entregues para a formação de um fundo que será distribuído entre Estados e Municípios, na forma estabelecida no multirreferido art. 159, I, da Constituição Federal de 1988:


“Art. 159. A União entregará:


I – do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados quarenta e oito por cento na seguinte forma:


a) vinte e um inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal;


b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Municípios;”


Portanto, a condição para que haja transferência de receitas é a efetiva arrecadação de IR e IPI, cuja administração tributária é exercida e controlada pela Receita Federal do Brasil, ou seja, é a receita definitiva de dinheiro[15] por força da imposição dos referidos tributos que gera o cálculo e os valores depositados no Fundo de Participação.


Mas, para garantir o equilíbrio financeiro entre os Municípios na percepção do Fundo de Participação dos Municípios, o constituinte exigiu a elaboração de lei complementar específica, na qual foram estabelecidos critérios a serem utilizados pelo Tribunal de Contas da União, a fim de que ele estabelecesse o percentual de cada um, tudo de acordo com o art. 161 da Constituição Federal de 1988:


“Art. 161. Cabe à lei complementar:


I – definir valor adicionado para fins do disposto no art. 158, parágrafo único, I;


II – estabelecer normas sobre a entrega dos recursos de que trata o art. 159, especialmente sobre os critérios de rateio dos fundos previstos em seu inciso I, objetivando promover o equilíbrio sócio-econômico entre Estados e entre Municípios;


III – dispor sobre o acompanhamento, pelos beneficiários, do cálculo das quotas e da liberação das participações previstas nos arts. 157, 158 e 159.


Parágrafo único. O Tribunal de Contas da União efetuará o cálculo das quotas referentes aos fundos de participação a que alude o inciso II”.


Ressalte-se, é inserido nesse arcabouço constitucional que a Lei Complementar nº 62 de 1.989 previu a base sobre a qual as transferências se realizariam. Veja-se o Parágrafo Único do art. 1º da LC 62/89:


“Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, integrarão a base de cálculo das transferências, além do montante dos impostos nele referidos, inclusive os extintos por compensação ou dação, os respectivos adicionais, juros e multa moratória, cobrados administrativa ou judicialmente, com a correspondente atualização monetária paga.”


Assim, de forma imprescindível, o valor a ser transferido toma por base informações da Receita Federal do Brasil, atendidos os prazos estabelecidos no art. 4° da Lei Complementar n° 62, de 28 de dezembro de 1989, a seguir, transcrito:


“Art. 4° A União observará, a partir de março de 1990, os seguintes prazos máximos na entrega, através de créditos em contas individuais dos Estados e Municípios, dos recursos do Fundo de Participação:


I – recursos arrecadados do primeiro ao décimo dia de cada mês: até o vigésimo dia;


II – recursos arrecadados de décimo primeiro ao vigésimo dia de cada mês: até o trigésimo dia;


III – recursos arrecadados do vigésimo primeiro dia ao final de cada mês: até o décimo dia do mês subseqüente.”


9 – CONCLUSÃO


Os Municípios tem buscado, com o provimento jurisdicional, subverter o próprio Sistema Tributário Nacional, uma vez que tem o intuito de modificar as competências tributárias expressamente delineadas pela Constituição da República Federativa do Brasil.


Tal pleito não se coaduna com o Sistema Rígido adotado por nossa Constituição, em que o detentor da competência tributária, no caso a União, tem o poder de instituir o tributo, aumentá-lo, minorá-lo, parcelar o seu pagamento, realizar anistias das infrações fiscais, não tributar, entre outros atos. A decisão política é do ente federativo tributante, detentor da competência tributária outorgada a ele pela Carta Magna.


Não há que se falar em modificar tal Sistema nem mesmo por intermédio de normas infraconstitucionais, e muito menos por meio de decisões judiciais.


O que será repassado ao fundo de Participação dos Municípios, assim como para os demais fundos, é aquilo que for efetivamente arrecadado com os Imposto sobre a Renda e sobre Produtos Industrializados, aí já abatidos ou não considerados valores decorrentes de incentivos fiscais, deduções ou exclusões determinadas constitucionalmente, por exemplo, e adicionadas cifras como os juros de mora.


 


Referências

TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, São Paulo, Malheiros Editores, 2007.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da., Curso de Direito Constitucional, Salvador, Editora Juspodivm, 2008.

MENDES, Gilmar Ferreira, Curso de Direito Constitucional, 4ª Edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2009.

HARADA, Kiyoshi, Direito Financeiro e Tributário, 19ª Edição, São Paulo, Editora Atlas, 2010.

BALEEIRO, Aliomar, Direito Tributário Brasileiro, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2008.

CARRAZZA, Roque Antônio, Curso de Direito Constitucional Tributário, 26ª Edição, São Paulo, Editores Malheiros, 2010.

CRETELLA JR., José, Comentários à Constituição Brasileira, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2002.

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, 8ª Edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2002.

COELHO, Sacha Calmon Navarro, Curso de Direito Tributário, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2004.

OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2006.

PAULSEN, Leandro, Direito Tributário, 10ª Edição, Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2008.

 

Notas:

[1]TEMER, MICHEL. Elementos de Direito Constitucional, São Paulo, Malheiros Editores, 2007, pp. 57-58

[2] BALEEIRO, ALIOMAR, Direito Tributário Brasileiro, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2008, p. 69

[3] CARRAZZA, ROQUE ANTONIO, Curso de Direito Constitucional Tributário, 26ª Edição, São Paulo, Editores Malheiros, 2010, p. 401

[4] CRETELLA JR., JOSE, Comentários à Constituição Brasileira, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2002, p. 3718

[5]“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:(…)

III – renda e proventos de qualquer natureza;

IV – produtos industrializados;”

[6] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro – 8. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, pág. 96

[7] CARRAZZA, ROQUE ANTONIO, Curso de Direito Constitucional Tributário, 26ª Edição, São Paulo, Editores Malheiros, 2010, p. 515

[8] CARRAZZA, ROQUE ANTONIO, Curso de Direito Constitucional Tributário, 26ª Edição, São Paulo, Editores Malheiros, 2010, p. 528

[9] Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição.

[10] Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação.

[11] Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

[12] Parágrafo único. É vedada a realização de transferências voluntárias para o ente que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos.

[13] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro – 8. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, pág. 96

[14] COELHO, Sacha Calmon Navarro, Curso de Direito Tributário, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2004, p. 435

[15] OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2006, pág. 97


Informações Sobre o Autor

Gabriel Matos Bahia

Procurador da Fazenda Nacional. Graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Especialista em Direito Público pela Universidade Gama Filho.


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Competência tributária, arrecadação efetiva e o fundo de participação dos municípios

Resumo: O artigo analisa o sistema de repartições de receitas por meio do Fundo de Participação dos Municípios.


Palavras-chave: Direito Constitucional. Direito Tributário. Fundo de Participação de Municípios


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Abstract: The article analyzes the distribution system of resources by the Cities Participation Funds.


Keywords: Constitucional Law. Tax Law. Cities Participation Funds.


Sumário: 1. Introdução; 2. Princípio Federativo; 3. Formas de Repartição de Receitas; 4. Conceitos de Fundos de Participação; 5. Formação do Fundo de Participação dos Municípios; 6. Competência Tributária e Partilha da Arrecadação; 7. Conceito de Receita tributária para Repartição; 8. Sistema de Repartição de Receitas na Modalidade Indireta; 9. Conclusão; Referências.


1. INTRODUÇÃO


A Constituição da República Federativa do Brasil traz, em seu Título VI (Da Tributação e do Orçamento), Capítulo I (Do Sistema Tributário Nacional), Seção VI (Da Repartição das Receitas Tributárias), matéria de grande importância para o Federalismo Fiscal, tanto no âmbito acadêmico, quanto no prático.


É o Fundo de Participação dos Municípios, que, por serem matéria ainda pouco estudada, tem levado aos Tribunais pátrios diversas querelas entre os Municípios e a União.


Proliferam nas Varas de Fazenda Pública e em nossos Tribunais milhares de demandas em que diversos Municípios pleiteiam que os 23,5% referentes ao Fundo de Participação dos Municípios deva ser calculado e repassado a eles tendo como base de cálculo o valor arrecadado bruto com os Impostos sobre a renda e sobre Produtos Industrializados, sem a dedução de valores como as restituições de Imposto de Renda, os incentivos fiscais e as deduções ou exclusões determinadas constitucionalmente.


Já a União tem encampado a sua defesa com o fundamento de que o valor a ser repassado deve ter como base de cálculo aquilo que foi efetivamente arrecadado, ou seja, após a subtração dos valores descritos, de maneira meramente exemplificativa, acima e a adição de valores como os juros de mora, por exemplo.


E é exatamente a respeito desses conflitos, qual seja, o que deve ser entendido como arrecadação para a constituição do Fundo de Participação dos Municípios, que este trabalho pretende abordar.


Mas antes de se discutir tal aspecto, deve-se esclarecer algumas questões prévias importantes para o completo entendimento do assunto.


2. PRINCÍPIO FEDERATIVO


O ideal federalista sempre existiu entre nós, desde a Independência do Brasil. Durante o Período Imperial diversas manifestações políticas a favor da descentralização do Poder, aonde convivessem mais de um governo compartilhando o poder político sobre o mesmo território, eclodiram.


Todavia, apenas em 15 de Novembro de 1889, por meio do Decreto nº 01, que se proclamou entre nós uma República Federativa, com a transformação das antigas províncias em Estados Federados. Logo após, a Federação foi consagrada como Princípio Fundamental na Carta Magna de 1891. E assim continuou a ser, por todas as Constituições até a atual.


O Princípio Federativo define a forma de Estado. É a união indissolúvel de organizações políticas autônomas, instituída por uma Constituição Rígida, com o fim de criar um novo Estado. Com esse escopo, sem a perda de suas personalidades jurídicas, tais organizações políticas cedem algumas de suas prerrogativas, em benefício do Estado Federal. A mais importante delas é a sua soberania. O Estado Federal é soberano para o Direito Internacional, ao passo que os Estados Federados são membros autônomos para o Direito Interno.


Faz-se necessário, para definir o conceito de Federação, explicitar a noção de descentralização política. Michel Temer diz que:


“Descentralizar implica a retirada de competências de um centro para transferi-las a outro, passando elas a ser próprias do novo centro. Se a referencia é a descentralização política, os novos centros terão capacidade política”.[1]


Por isso mesmo, podemos dizer que, no Estado Federal, há um Governo Central e vários governos locais, todos exercendo, com igualdade e com fundamento retirado diretamente da Constituição, o poder político.


Dessa forma, as entidades da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) desfrutam de autonomia deferida diretamente pela Constituição, correspondente a um quadro interno de competências, rigidamente demarcadas pela Carta Magna.


A Federação Brasileira surgiu sob inspiração da Federação Norte Americana, porém a nossa se formou de modo oposto aquela, uma vez que se deu por formação centrífuga ou por desagregação, pois existiu uma força que descentralizou o poder e o dividiu entre as novas Unidades Federativas, convertendo o Estado Único em Federal.


Certamente, por essa razão a Federação Brasileira foi, por muito tempo, sem equilíbrio e com enorme concentração de poder no ente central (União).


Somente com o advento da Constituição Cidadã de 1988, o Brasil assumiu o verdadeiro status de Federação, pois esta adotou uma equilibrada partilha do poder político entre as unidades federadas, através de uma distribuição de competências equilibrada. Importante destacar que a Constituição de 1988 adotou, sem precedentes históricos, uma Federação Tricotômica, com a inclusão dos Municípios na organização federal, ao lado da União e dos Estados.


3. FORMAS DE REPARTIÇÃO DE RECEITAS


Exatamente para fortalecer e efetivar o Princípio Federativo, a Constituição da República, em sua Seção VI do Capítulo I, sob a denominação de “Repartição de Receitas Tributárias”, estabeleceu 03 (três) modalidades diferentes de participação dos Estados, Distrito Federal e Municípios na Receita Tributária da União, uma vez que a Carta Magna destinou a essa maior competência tributária e, por via de conseqüência, maior arrecadação.


São elas:


a) Participação direta no produto da arrecadação de imposto de competência impositiva da União: artigos 157, I e 158, I da CF.


As parcelas de Imposto de Renda retido na fonte incorporam-se, desde logo, às respectivas receitas correntes;


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b) Participação no produto de imposto de receita partilhada: artigos 157, II, 158, II, III e IV e 159, III da CF.


O imposto, ao ser criado, já pertence a mais de uma pessoa política, nos exatos limites constitucionais fixados. Nunca pertencem integralmente ao titular da competência impositiva, que institui, fiscaliza e arrecada o imposto, devendo devolver o quantum às entidades participantes, porque a elas pertence por expressa determinação constitucional.


A titularidade da receita não pertence exclusivamente à entidade política tributante;


c) Participação em fundos:


É a percepção, pelas entidades políticas beneficiadas, de determinadas importâncias dos fundos formados por 47% (quarenta e sete por cento) dos produtos da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados, conforme artigo 159 da Constituição Federal, in verbis:


“Art. 159. A União entregará:


I – do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados quarenta e oito por cento na seguinte forma:


a) vinte e um inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal;


b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Municípios;


c) três por cento, para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à Região, na forma que a lei estabelecer;


d) um por cento ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano;”


Ao creditar aos demais entes, a União compensa os valores já repassados, retidos na fonte (artigos 157, I e 158, I da CF).


As 03 (três) modalidades são distintas e inconfundíveis. Nas duas primeiras, as receitas pertencem às entidades contempladas. A Constituição utiliza a expressão “pertencem aos”.


Na terceira modalidade, participação por fundos, a entidade beneficiada tem uma expectativa de receber o quantum que lhe cabe, segundo os critérios aí estabelecidos. Tanto que o termo utilizado pela Constituição é “a União entregará”.


4 – CONCEITOS DE FUNDOS DE PARTICIPAÇÃO


Os Fundos de Participação foram conceituados por alguns dos maiores juristas do Direito brasileiro e os ensinamentos destes colabora, em muito, com a melhor compreensão do instituto.


Ensina Aliomar Baleeiro:


“No Sistema Tributário Brasileiro, introduziu-se a participação de uma pessoa de Direito Público Interno no produto da arrecadação de imposto de competência de outra. Esta decreta e arrecada um imposto de distribui tantos por cento da receita respectiva entre as várias pessoas de Direito Público que a compõe”.[2]


Roque Antonio Carrazza, em seu Curso de Direito Constitucional Tributário também conceitua tais fundos, veja-se:


“Em rigor, o que a Constituição da República Federativa do Brasil faz é estipular que, na hipótese de ser criado o tributo, pela pessoa política competente, o produto de sua arrecadação será total ou parcialmente destinado a outra pessoa política. Evidentemente, se não houver o nascimento da Relação Jurídica tributária (‘prius’), não poderá surgir a relação jurídica financeira (‘posterius’)”.[3]


Por fim, importante transcrever o conceito elaborado pelo Professor José Cretella Júnior, in verbis:


“É a reserva, em dinheiro, ou o patrimônio público, constituído de dinheiro, bens ou ações, afetado pelo Estado a determinado fim.


É o patrimônio público, sem personalidade jurídica, mas com competência postulacional, afetada a um fim público”.[4]


Esse posicionamento do Professor José Cretella Júnior, de que o Fundo de Participação dos Municípios seria um patrimônio público afetado, é isolado na Doutrina pátria.


O que tem prevalecido entre os doutrinadores tributários é o entendimento de que tais Fundos são, pura e simplesmente, uma forma de repartição das receitas tributárias, conforme já explicitado em capítulo anterior.


5. FORMAÇÃO DO FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS


Por força do art. 159, inciso I, alínea “b” da Constituição, os Municípios devem receber vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento do produto da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados.


Além disso, a Constituição em seu art. 159, I, alínea “d” determinou que, do produto da arrecadação dos impostos supra citados, fosse destinado “um por cento ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano”.


Nesse passo, observe-se que os tributos que compõem a formação dos fundos de participação dos Estados e dos Municípios são exações cuja competência para a instituição e arrecadação pertencem à União, conforme dispõe expressamente a Constituição Federal, nos incisos III e IV do art. 153[5].


Aqui se faz necessária uma explanação acerca de institutos e princípios de Direito sobre os quais a Constituição Federal resta baseada.


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6. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E PARTILHA DA ARRECADAÇÃO.


Seguindo a doutrina de Luciano Amaro, “(…) no que respeita às receitas (ou, mais genericamente, aos ingressos) de natureza tributária, optou a Constituição por um sistema misto composto por dois mecanismos o de competência constitucional e de partilha do produto da arrecadação (…)” (AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro – 8. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, pág. 93, 94).


Quanto ao primeiro elemento, a competência constitucional “é o poder de criar tributos repartido entre os vários entes políticos, de modo que cada um tem competência para impor prestações tributárias, dentro da esfera que lhes é assinalada pela Constituição” (AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro – 8. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, pág. 94, 95).


Tem-se assim a Competência Tributária – ou seja, a aptidão para criar tributos – da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Todos têm, dentro de certos limites, o poder de criar determinados tributos e definir seu alcance, obedecidos os critérios de partilha de competência estabelecidos pela Constituição. A competência engloba, portanto, um amplo poder político no que respeita a decisões sobre a própria criação do tributo e sobre a amplitude da incidência.


Quanto ao segundo mecanismo, partilha do produto da arrecadação, assevera Luciano Amaro que:


“O produto da arrecadação de determinados tributos, instituídos por certo ente político, não é por este totalmente apropriado, mas partilhado com outros entes políticos. Desse modo, as decisões sobre o nível de incidência e arrecadação dependem do ente político titular da competência, mas a arrecadação resultante das leis que ele editar não lhe pertence integralmente, pois é partilhado”[6].


Afigura-se claro que a competência tributária e a definição do modo de incidência do tributo é resultado da decisão política tomada pelo titular dessa competência. Em outras palavras, cabe ao titular da competência as decisões sobre a forma de instituição, arrecadação e incidência do tributo sob seu comando, devendo observar, contudo, que este pode não lhe pertencer na totalidade. Nos dizeres de Roque Antonio Carrazza: “em suma, criar tributos é legislar; arrecadá-los, administrar” (CARRAZZA, ROQUE ANTONIO, Curso de Direito Constitucional Tributário, 26ª Edição, São Paulo, Editores Malheiros, 2010, p. 514).


O autor paulista vai mais além:


“O que queremos significar é que quem pode tributar pode, do mesmo modo, aumentar tributo, minorá-lo, parcelar o seu pagamento, isentá-lo, no todo ou em parte, remi-lo, anistiar as infrações fiscais ou até não tributar, observadas sempre, é claro, as diretrizes constitucionais. Tudo vai depender de uma decisão política, a ser tomada pelo própria entidade tributante[7]”.


Nessa toada, não se perca de vista que o Sistema Tributário Nacional é um Sistema Rígido, haja vista que as competências tributárias são expressamente delineadas na Constituição, não alteráveis por normas infraconstitucionais (Sistema Flexível), tampouco por decisões judiciais, visto que assim resta estabelecido:


“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:


Art.155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:


Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:”


Ademais, temos de observar alguns dos atributos da competência tributária, que podem delinear bem os traços definidores do presente instituto jurídico, vejamos:


6.1.  Privatividade


Para Roque Antônio Carrazza, quando examina a expressão privatividade, o termo quer dizer o seguinte: “as competências impositivas impedem a invasão de um ente federativo sobre o outro. A privatividade é a exteriorização do federalismo fiscal, sob o aspecto da autonomia financeira. A privatividade é a consecução do sistema rígido” (CARRAZZA, ROQUE ANTONIO, Curso de Direito Constitucional Tributário, 26ª Edição, São Paulo, Editores Malheiros, 2010, p. 528).


Pode-se afirmar, assim, que no Direito pátrio, cada ente federativo detêm exclusividade no que tange à criação de tributos, eles têm “faixas tributárias privativas[8]”, nas palavras de Carrazza.


Assim, o espírito da privatividade é impedir a invasão de competência impositiva; impedir a flexibilização do sistema rígido e garantir a autonomia financeira, que não podem ser afastadas por meio de decisão judicial.


6.2.  Indelegabilidade


A indelegabilidade é fruto da privatividade, é um viés da privatividade. A indelegabilidade sustenta a rigidez do sistema tributário. A competência tributária é indelegável, enquanto a capacidade tributária é delegável (art. 7º do CTN)[9].


A figura da indelegabilidade resguarda, portanto, o federalismo fiscal. A inércia de um ente não pode levar à hiperfunção de outro. Essa cláusula é inegociável porque é causa da indelegabilidade e porque afeta o pacto federativo com sua flexibilização, o que afronta cláusula pétrea.


Logo, competência tributária é poder constitucional para instituir tributo, arrecadar e fazer incidir.


Portanto, percebe-se que o pedido dos diversos Municípios que demandam contra a União, para que a base de cálculo do Fundo de Participação dos Municípios seja o produto da arrecadação total do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados, pretendem, de fato, alterar esse poder garantido pela Constituição Federal por meio de decisão judicial.


6.3. Facultatividade


Entende-se por facultatividade o fato do ente federativo competente ter autonomia para dizer se irá ou não instituir o tributo, bem como o montante de sua incidência, não podendo ser impelido à edição da exação, conforme se extrai dos ensinamento do Professor Roque Antônio Carrazza.


Não se diga, por conseguinte, que o presente atributo restaria afastado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101 de 04 de Maio de 2.000), tendo em vista o disposto em seu art. 11[10], que prevê a necessária instituição e arrecadação de todos os tributos da competência constitucional disposta a cada ente, haja vista que este deve ser lido em conjunto com o art. 14[11] da mesma, que prevê formas de compensação quando, e.g., benefícios fiscais forem concedidos.


Logo, o art. 11 não impede a faculdade de tributar; o art. 11 apenas condiciona a faculdade de não tributar aos requisitos elencados no art. 14. O fato é que o atributo da facultatividade não foi alijado, foi mitigado.


Ademais, em caso de violação ao dispositivo legal, observe-se que a União não se submete à penalidade do parágrafo único do art. 11[12], porque a transferência voluntária não inclui a União, mas o ente federativo que não observar a sistemática da LRF, que não terá direito ao repasse voluntário.


Diante do exposto, resta claro que a União tem competência constitucional (PODER) para instituir os tributos que irão compor o montante disposto para formar o Fundo de Participação dos Municípios, dos Estados e do percentual para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.


Na linha acima, a competência engloba, portanto, um amplo poder político no que respeita a decisões sobre a própria criação do tributo e sobre a amplitude da incidência. Inconcebível, assim, a restrição desse poder por meio de decisão judicial, como pretendem os Municípios que querelam contra a União.


Por conseguinte, relembrando as lições dispostas por Luciano Amaro, citadas acima, embora o produto da arrecadação de determinados tributos, instituídos por certo ente político não seja por este totalmente apropriado, mas partilhado com outros entes políticos, as decisões sobre o nível de incidência e arrecadação dependem do ente político titular da competência.


Destarte, só após a arrecadação é que o montante passará a observar as disposições das leis para a definição de sua partilha.


Acerca do tema, vale a pena transcrever ementa de julgado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, com referências a decisões do Excelso Supremo Tribunal Federal, onde podemos vislumbrar a aplicação das razões expostas, in verbis:


“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. FUNDO DE MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL E DE VALORIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO. CRITÉRIOS ADOTADOS PELO ESTADO PARA DESCONTOS EM CONTAS DOS MUNICÍPIOS, PARA COMPOR O FUNDEF. CRITÉRIO MÍNIMO, EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 14/96 E LEI Nº 9.424/96.


1. Mandado de Segurança versando sobre eventual ilegalidade do desconto, no montante de 15%, previsto no art. 158, parágrafo único, I, da Constituição Federal, sobre as cotas de ICMS e IPI, para composição do FUNDEF (art. 60 do ADCT, com redação dada pela EC nº 14), na medida em tal desconto deverá limitar-se a regra contida no art. 158, parágrafo único, II, da Lei Maior.


2. Com efeito, a promulgação da EC 14/96 alterou a redação do artigo 60 do ADCT, estabelecendo que nos 10 (dez) primeiros anos da promulgação da referida Emenda, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão não menos de 60% (sessenta por cento) dos recursos descritos na Constituição Federal, em seu artigo 212, caput, à manutenção e ao desenvolvimento do ensino fundamental, assegurando-se a universalização da educação no país bem como a remuneração condigna do magistério.


3. O Fundo de que trata o art.  60, §1 °, do ADCT/CF/88 restou implantado com a edição da Lei 9424 de 24.12.1996, verbis:


“Art. 1º É instituído, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, o qual terá natureza contábil e será implantado, automaticamente, a partir de 1º de janeiro de 1998.


§ 1º O Fundo referido neste artigo será composto por 15% (quinze por cento) dos recursos: (…)


II – do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal – FPE e dos Municípios – FPM, previstos no art. 159, inciso I, alíneas a e b, da Constituição Federal, e no Sistema Tributário Nacional de que trata a Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966; e


III – da parcela do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI devida aos Estados e ao Distrito Federal, na forma do art. 159, inciso II, da Constituição Federal e da Lei Complementar nº 61, de 26 de dezembro de 1989. (…).”


4. Deveras, a legislação supracitada prevê o percentual de 15% (quinze por cento) que o Estado deve reter da receita dele próprio prevista no inciso II do art. 155 da CF/88 e também da receita dos Municípios, previstas nos arts. 158, IV e 159, II da CF/88, destinando tais recursos ao referido fundo.


5. Ademais, Sobreleva notar, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade do art. 5º da EC 14/96 e da Lei n° 9.424/96, consoante se infere dos julgados litteris:


´AÇÃO CAUTELAR – LIMINAR – FUNDEF – REPASSE – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 14/96.


Havendo decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 14, de 12 de dezembro de 1996, impõe-se a suspensão de liminar deferida com base em premissa contrária a esse entendimento. Precedente: Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.749-5/DF: Liminar indeferida, por insuficiência de relevo jurídico da assertiva de que, ao redistribuir receitas e encargos referentes ao ensino, estaria a promulgação da Emenda Constitucional nº 14-96 (nova redação do art. 60 do ADCT) a contrariar a autonomia municipal e, conseqüentemente, a forma federativa de Estado (art. 60, I, da Constituição).” (PET 2316 Agr/SP, Relator Ministro Marco Aurélio, publicado no DJ de 11.04.2003)


“CONSTITUCIONAL. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 14/96 E LEI Nº 9.424/96.


FUNDO DE MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL E DE VALORIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO. ATRIBUIÇÃO DE NOVA FUNÇÃO À UNIÃO – REDISTRIBUTIVA E SUPLETIVA DA GARANTIA DE EQUALIZAÇÃO DE OPORTUNIDADES EDUCACIONAIS. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO FEDERATIVO. NÃO FERIMENTO À AUTONOMIA ESTADUAL. ‘CAUSA PETENDI’ ABERTA, QUE PERMITE EXAMINAR A QUESTÃO POR FUNDAMENTO DIVERSO DAQUELE ALEGADO PELO REQUERENTE. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONAL” (ADI 1749/DF, Relator Ministro Octávio Galotti, DJ de 15.04.2005)´


6. Dessarte, as disposições legais atinentes à matéria e o reconhecimento da constitucionalidade do art. 5º da EC 14/96 e da Lei  n° 9.424/96 (ADI 1449/5/DF) revelam a insubsistência da alegação do Município sobre eventual inconstitucionalidade do desconto de 15% (quinze por cento) da parcela prevista no art. 158, parágrafo único, inciso I, da Constituição Federal, para repasse ao FUNDEF” (inicial, letra “c”).


7. Consectariamente, torna-se obrigatório ao Estado de Minas Gerais a observância da Lei nº 9424/96 e os mandamentos do artigo 60 do ADCT da Constituição Federal na forma de cálculo de suas contribuições.


8.. Recurso ordinário desprovido.”


(RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2003/0187168-9. Ministro LUIZ FUX. T1 – PRIMEIRA TURMA. DJ 27/03/2006 p. 153). (grifos aditados)


Por todas essas razões, só após a arrecadação é que o montante passará a observar as disposições das leis para a definição de sua partilha, após a efetiva definição da receita. Este é o ponto que se passa a abordar.


7. CONCEITO DE RECEITA TRIBUTÁRIA PARA REPARTIÇÃO.


A matéria em debate, por produzir conseqüências tanto no orçamento da União, como no cálculo do repasse dos valores do Fundo de Participação dos Municípios devidos a todos os Municípios, impõe uma solução única, a ser adotada uniformemente para todos os entes federativos.


O art. 159, I, “b” da CF/88 estabelece que 22,5% do produto da arrecadação do Imposto de Renda – IR e do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI serão entregues pela União ao Fundo de Participação dos Municípios, excluindo-se da parcela de arrecadação o valor do IR pertencente aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (§ 1º).


Assim, como o FPM constitui um mecanismo de repartição de receitas tributárias, sua finalidade é a transferência de recursos que, conforme a competência tributária, pertencem à União e foram efetivamente arrecadados.


Como posto acima, no que tange à partilha do produto da arrecadação, assevera Luciano Amaro que:


“o produto da arrecadação de determinados tributos, instituídos por certo ente político, não é por este totalmente apropriado, mas partilhado com outros entes políticos. Desse modo, as decisões sobre o nível de incidência e arrecadação dependem do ente político titular da competência; mas a arrecadação resultante das leis que ele editar não lhe pertence integralmente, pois é partilhado[13]”.


Deste modo, a transferência constitucional de receitas tributárias aos Municípios composta de 22,5% da arrecadação do IR e do IPI é feita com base no real produto da arrecadação.


Ora, as restituições de IR, os incentivos fiscais e as deduções ou exclusões determinadas constitucionalmente, a exemplo da prevista no § 1º do art. 159 da CF/88, não compõem a base de cálculo do Funde de Participação dos Municípios porque tais valores não chegaram a ingressar no patrimônio da União, eles não são considerados receita, não sendo, portanto, classificada como valor arrecadado.


O quantum destinado à repartição no Fundo de Participação dos Municípios, proveniente do IPI e do IR, deve resultar da aplicação do percentual de 22,5% sobre o produto da arrecadação, ai incluídos a correção monetária, os juros e as multas, abatidas: as restituições; os incentivos fiscais; as parcelas de que tratam os arts. 157, I e 158, I da CF/88 – e até 1999, art. 72, I e II do ADCT.


Nesse sentido temos os seguintes precedentes:


“CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS – FPM. PORTARIAS DA STN E BGU. PARCELAMENTOS DO IRPJ E DO PIS. REPASSE A DESTEMPO. CORREÇÃO E JUROS DE MORA. EXCLUSÃO DE VALORES DO PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO NACIONAL (PIN) E DO PROGRAMA DE REDISTRIBUIÇÃO DE TERRAS E ESTÍMULO À AGROINDÚSTRIA DO NORTE E NORDESTE (PROTERRA) NA BASE DE CÁLCULO DO FPM.


1. A divergência entre os valores divulgados nas Portarias mensais da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e no Balanço Geral da União (BGU), pertinentes à arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados, não implica, por si só, a ocorrência de repasse a menor das quotas do Fundo de Participação dos Municípios – FPM, posto que tais instrumentos levam em conta períodos de arrecadação e métodos de contabilização distintos. As portarias da STN reportam-se ao período compreendido entre 21 de dezembro e 20 de dezembro do ano seguinte, e seus valores são apurados sobre o regime de caixa. Já o BGU se refere ao período entre 1º de janeiro e 31 de dezembro do mesmo exercício, e se utiliza do regime de competência.


2. A aplicação da correção monetária sobre os valores do FPM repassados de forma extemporânea pela UNIÃO encontra guarida no entendimento segundo o qual já se encontra pacificada a utilização da taxa Selic como índice de correção monetária e de juros de mora, a partir da Lei nº 9.250/95, tanto nas operações ativas quanto passivas do fisco.


3. Correta a dedução, para efeito de formação da base de cálculo do FPM, dos valores destinados pelas empresas, na Declaração do Imposto de Renda Pessoa Jurídica, com Incentivos Fiscais PIN (Programa de Integração Nacional) e PROTERRA (Programa de Redistribuição de Terras e Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste), eis que se trata de recursos não apropriados pela União, representativos de renúncia de receita. Precedente: TRF 1. Sétima Turma. AC nº 2001.34.00.027586-5/DF. Rel. Des. Federal ANTÔNIO EZEQUIEL DA SILVA. Julg. em 15/03/2005. Publ. DJ 19/05/2006, p. 89.


4. Apelações e remessa oficial improvidas (grifo aditado).


(TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – QUINTA REGIÃO. Classe: APELREEX – Apelação / Reexame Necessário – 4380. Processo: 200783020016032 UF: PE


Órgão Julgador: Quarta Turma. Data da decisão: 24/03/2009


Documento: TRF500184244 Fonte DJ – Data::17/04/2009 – Página::471 – Nº::73 . Relator(a) Desembargadora Federal Margarida Cantarelli Decisão UNÂNIME)


TRIBUTÁRIO. FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS. REPARTIÇÃO DE RECEITAS. INCIDÊNCIA SOBRE A RECEITA BRUTA SEM DEDUÇÕES. ART. 159 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.


1. É infundada a pretensão dos Municípios autores a que se proceda a repartição de recursos do Fundo de Participação dos Municípios, com base na receita bruta da arrecadação das parcelas que integram a base de cálculo,sem deduções como incentivos fiscais, restituições e parcelas destinadas ao PIN, PROTERRA e FSE/FEF.


2. Na dicção do art. 159 da Constituição Federal, a transferência constitucional de receitas tributárias aos Municípios é feita com base no produto da arrecadação, e não na receita bruta, justamente porque a finalidade do FPM é transferir, àqueles entes estatais, valores que, originariamente, pelas regras de competência tributária, pertenceriam à União. Com efeito, não basta o mero trânsito contábil de determinada receita pelo patrimônio da União para que a mesma integre a base de cálculo do FPM.


3. Apelação dos autores improvida. (grifo aditado)


(TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – QUARTA REGIÃO Classe: AC – APELAÇÃO CÍVEL Processo: 200072070033517 UF: SC Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA Data da decisão: 18/06/2008 Documento: TRF400168507


Relator Desembargador Federal ÁLVARO EDUARDO JUNQUEIRA.)


TRIBUTÁRIO. FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS. REPARTIÇÃO DE RECEITAS. INCIDÊNCIA SOBRE A RECEITA BRUTA SEM DEDUÇÕES. ART. 159 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.


1. É infundada a pretensão dos Municípios autores a que se proceda a repartição de recursos do Fundo de Participação dos Municípios, com base na receita bruta da arrecadação das parcelas que integram a base de cálculo, sem deduções como incentivos fiscais, restituições e parcelas destinadas ao PIN, PROTERRA e FSE/FEF.


2. Na dicção do art. 159 da Constituição Federal, a transferência constitucional de receitas tributárias aos Municípios é feita com base no produto da arrecadação, e não na receita bruta, justamente porque a finalidade do FPM é transferir, àqueles entes estatais, valores que, originariamente, pelas regras de competência tributária, pertenceriam à União. Com efeito, não basta o mero trânsito contábil de determinada receita pelo patrimônio da União para que a mesma integre a base de cálculo do FPM.


3. Apelação dos autores improvida e a remessa oficial”. (grifo aditado)


( TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – QUARTA REGIÃO. Classe: APELREEX – APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO.Processo: 00072030019108 UF: SC Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA Data da decisão: 21/01/2009 Documento: TRF400175596


Relator Desembargador Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS)


Dessa forma, só pode ser objeto de repartição a verba tributária efetivamente arrecada, não sendo nela incluída a decorrente de incentivos fiscais, pois não se leva em consideração a expectativa da arrecadação, mas sim o que efetivamente ingressa nos cofres da União.


É com base na receita efetiva de tributos, aí abatidos ou não considerados os valores decorrentes de incentivos fiscais, que se realiza a partilha, como se percebe no tópico seguinte.


8. SISTEMA DE REPARTIÇÃO DE RECEITAS NA MODALIDADE INDIRETA


A doutrina cuidou de classificar a partilha de recursos arrecadados de duas formas, a que se caracteriza pela participação direta e indireta.


Considera-se a participação direta quando a relação entre os entes federativos se dá sem intermediários, enquanto considera indireta aquela participação intermediada por um fundo, cuja característica é a inexistência de relação direta entre os entes federativos, como explica o Professor Sacha Calmon Navarro Coelho:


“Existem duas formas de participação de uma pessoa política no produto da arrecadação de outra: a direta e a indireta. A forma direta impõe uma relação simples. Exemplo: os municípios fazem jus a 25% (vinte e cinco por cento) do ICMS do estado arrecadado em seus territórios. A forma indireta põe uma relação complexa: são formados fundos aos quais afluem parcelas de receitas de dados impostos. Depois, são rateados entre os partícipes beneficiários segundo critérios legais preestabelecidos[14].


A partilha de receitas de Imposto sobre a Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados realizada pela União não se enquadra na participação direta, pois não há essa relação de propriedade sobre a arrecadação como, e.g., a existente entre Municípios e Estados no caso do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS.


A parcela da arrecadação do IR e IPI apurada pela União é destinada a um fundo, caracterizando assim a participação de receitas indireta, na qual não há proprietários dos recursos depositados. Tanto que o termo utilizado pela Constituição é “a União entregará”.


Assim, a União, na partilha de arrecadação do IR e IPI na modalidade de participação indireta, abre mão de parte da sua arrecadação e destina isso para o fundo de participação. Logo, parte dos valores arrecadados relativos aos Impostos de Renda e sobre Produtos industrializados serão entregues para a formação de um fundo que será distribuído entre Estados e Municípios, na forma estabelecida no multirreferido art. 159, I, da Constituição Federal de 1988:


“Art. 159. A União entregará:


I – do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados quarenta e oito por cento na seguinte forma:


a) vinte e um inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal;


b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Municípios;”


Portanto, a condição para que haja transferência de receitas é a efetiva arrecadação de IR e IPI, cuja administração tributária é exercida e controlada pela Receita Federal do Brasil, ou seja, é a receita definitiva de dinheiro[15] por força da imposição dos referidos tributos que gera o cálculo e os valores depositados no Fundo de Participação.


Mas, para garantir o equilíbrio financeiro entre os Municípios na percepção do Fundo de Participação dos Municípios, o constituinte exigiu a elaboração de lei complementar específica, na qual foram estabelecidos critérios a serem utilizados pelo Tribunal de Contas da União, a fim de que ele estabelecesse o percentual de cada um, tudo de acordo com o art. 161 da Constituição Federal de 1988:


“Art. 161. Cabe à lei complementar:


I – definir valor adicionado para fins do disposto no art. 158, parágrafo único, I;


II – estabelecer normas sobre a entrega dos recursos de que trata o art. 159, especialmente sobre os critérios de rateio dos fundos previstos em seu inciso I, objetivando promover o equilíbrio sócio-econômico entre Estados e entre Municípios;


III – dispor sobre o acompanhamento, pelos beneficiários, do cálculo das quotas e da liberação das participações previstas nos arts. 157, 158 e 159.


Parágrafo único. O Tribunal de Contas da União efetuará o cálculo das quotas referentes aos fundos de participação a que alude o inciso II.”


Ressalte-se, é inserido nesse arcabouço constitucional que a Lei Complementar nº 62 de 1.989 previu a base sobre a qual as transferências se realizariam. Veja-se o Parágrafo Único do art. 1º da LC 62/89:


“Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, integrarão a base de cálculo das transferências, além do montante dos impostos nele referidos, inclusive os extintos por compensação ou dação, os respectivos adicionais, juros e multa moratória, cobrados administrativa ou judicialmente, com a correspondente atualização monetária paga.”


Assim, de forma imprescindível, o valor a ser transferido toma por base informações da Receita Federal do Brasil, atendidos os prazos estabelecidos no art. 4° da Lei Complementar n° 62, de 28 de dezembro de 1989, a seguir, transcrito:


“Art. 4° A União observará, a partir de março de 1990, os seguintes prazos máximos na entrega, através de créditos em contas individuais dos Estados e Municípios, dos recursos do Fundo de Participação:


I – recursos arrecadados do primeiro ao décimo dia de cada mês: até o vigésimo dia;


II – recursos arrecadados de décimo primeiro ao vigésimo dia de cada mês: até o trigésimo dia;


III – recursos arrecadados do vigésimo primeiro dia ao final de cada mês: até o décimo dia do mês subseqüente.”


9. CONCLUSÃO


Os Municípios tem buscado, com o provimento jurisdicional, subverter o próprio Sistema Tributário Nacional, uma vez que tem o intuito de modificar as competências tributárias expressamente delineadas pela Constituição da República Federativa do Brasil.


Tal pleito não se coaduna com o Sistema Rígido adotado por nossa Constituição, em que o detentor da competência tributária, no caso a União, tem o poder de instituir o tributo, aumentá-lo, minorá-lo, parcelar o seu pagamento, realizar anistias das infrações fiscais, não tributar, entre outros atos. A decisão política é do ente federativo tributante, detentor da competência tributária outorgada a ele pela Carta Magna.


Não há que se falar em modificar tal Sistema nem mesmo por intermédio de normas infraconstitucionais, e muito menos por meio de decisões judiciais.


O que será repassado ao fundo de Participação dos Municípios, assim como para os demais fundos, é aquilo que for efetivamente arrecadado com os Imposto sobre a Renda e sobre Produtos Industrializados, aí já abatidos ou não considerados valores decorrentes de incentivos fiscais, deduções ou exclusões determinadas constitucionalmente, por exemplo, e adicionadas cifras como os juros de mora.


 


Referências:

TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, São Paulo, Malheiros Editores, 2007.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da., Curso de Direito Constitucional, Salvador, Editora Juspodivm, 2008.

MENDES, Gilmar Ferreira, Curso de Direito Constitucional, 4ª Edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2009.

HARADA, Kiyoshi, Direito Financeiro e Tributário, 19ª Edição, São Paulo, Editora Atlas, 2010.

BALEEIRO, Aliomar, Direito Tributário Brasileiro, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2008.

CARRAZZA, Roque Antônio, Curso de Direito Constitucional Tributário, 26ª Edição, São Paulo, Editores Malheiros, 2010.

CRETELLA JR., José, Comentários à Constituição Brasileira, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2002.

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, 8ª Edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2002.

COELHO, Sacha Calmon Navarro, Curso de Direito Tributário, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2004.

OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2006.

PAULSEN, Leandro, Direito Tributário, 10ª Edição, Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2008.

 

Notas:

[1]TEMER, MICHEL. Elementos de Direito Constitucional, São Paulo, Malheiros Editores, 2007, pp. 57-58

[2] BALEEIRO, ALIOMAR, Direito Tributário Brasileiro, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2008, p. 69

[3] CARRAZZA, ROQUE ANTONIO, Curso de Direito Constitucional Tributário, 26ª Edição, São Paulo, Editores Malheiros, 2010, p. 401

[4] CRETELLA JR., JOSE, Comentários à Constituição Brasileira, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2002, p. 3718

[5]Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

(…)

III – renda e proventos de qualquer natureza;

IV – produtos industrializados;

[6] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro – 8. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, pág. 96

[7] CARRAZZA, ROQUE ANTONIO, Curso de Direito Constitucional Tributário, 26ª Edição, São Paulo, Editores Malheiros, 2010, p. 515

[8] CARRAZZA, ROQUE ANTONIO, Curso de Direito Constitucional Tributário, 26ª Edição, São Paulo, Editores Malheiros, 2010, p. 528

[9] Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição.

[10] Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação.

[11] Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

[12] Parágrafo único. É vedada a realização de transferências voluntárias para o ente que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos.

[13] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro – 8. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002, pág. 96

[14] COELHO, Sacha Calmon Navarro, Curso de Direito Tributário, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2004, p. 435

[15] OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2006, pág. 97


Informações Sobre o Autor

Gabriel Matos Bahia

Procurador da Fazenda Nacional. Graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Especialista em Direito Público pela Universidade Gama Filho.


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