Da imprescritibilidade dos crimes do Tribunal Penal Internacional – reflexos no ordenamento jurídico brasileiro

Sumário: 1. Introdução; 2. Noções introdutórias sobre a prescrição; 3. Da Imprescritibilidade; 4. Dos Crimes do Tribunal Penal Internacional; 4.1. A posição hierárquica do Tratado de Roma no ordenamento jurídico brasileiro; 5. Conclusão.

1.INTRODUÇÃO

Hodiernamente, o direito constitucional vem evoluindo de forma muita rápida, mas podemos dizer que as suas bases foram solidificadas através de um processo de lentas conquistas históricas. Nessa linha de evolução podemos constatar também passos importantes no que tange ao direito penal.

O presente trabalho foi desenvolvido com o objetivo de analisar os reflexos da prescrição no ordenamento jurídico penal moderno.  O trabalho segue com a exposição das idéias de autores que trouxeram significativas contribuições para a compreensão dos aspectos relacionados ao tema em análise.

A doutrina aponta diversas regras de hermenêutica constitucional em auxílio ao intérprete. Seja através da técnica de ponderação dos direitos no caso concreto, seja através da aplicação das diretrizes do princípio da proporcionalidade, sendo que o para a presente proposta de trabalho nos prenderemos a uma abordagem de uma interpretação sistemática da Constituição Federal para entendermos o instituto da prescrição.

Através dos procedimentos de análise da literatura selecionada, considerou-se importante expor algumas breves considerações acerca do processo histórico da prescrição, em especial a imprescritibilidade dos crimes da competência do Tribunal Penal Internacional, adentrando nas circunstâncias que o envolvem em suas várias manifestações, seja no âmbito do direito constitucional, processual penal e também no direito penal. Utilizando como principais formas para tal demonstração as pesquisas bibliográficas e documentais.

Diante desse material, buscou-se descrever o que os autores disseram e fizeram com o intuito de identificar as semelhanças e diferenças que mais sobressaíram e que pudessem vir a embasar tanto teoricamente o tema em questão.

2.NOÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE A PRESCRIÇÃO.

O verbo prescrever, no sentido comum, pode ter o significado de preceituar, fixar, limitar e determinar. Já no sentido jurídico, quer dizer ficar sem efeito um direito por ter decorrido certo prazo legal.

Adotando-se o sentido jurídico, mais especificamente no campo penal, o transcurso do tempo pode ser entendido como a conveniência política de não ser mantida a persecução criminal contra o autor de uma infração ou de não ser executada a sanção em face de lapso temporal minuciosamente determinado pela norma.

Com a prescrição o Estado limita o jus puniendi concreto e o jus punitionis a lapsos temporais, cujo decurso faz com que considere inoperante manter a situação criada pela violação da norma de proibição violada pelo sujeito. Em apertada síntese podemos afirmar que a prescrição é a perda do poder-dever de punir do Estado derivado do transcurso do tempo.

A prescrição é matéria de ordem pública devendo ser argüida de ofício a qualquer tempo ou grau de jurisdição.

Em essência, o verbete prescrição vai de encontro a idéia de se eternizar algo ou alguma coisa, ou seja, tem-se como noção básica a de limitar a resposta (direito) do Estado para aquele indivíduo que comete um delito.

Ao revés, a imprescritibilidade é maneada pela noção de indefinitividade, ou melhor, a imprescitibilidade vai ao encontro da noção de eternidade. Tomando um exemplo da mitologia grega é possível fazermos essas comparações. Retrata-se na história mitológica da Grécia que existiu um herói chamado Prometeu, este é tão famoso e importante quanto o poderoso Aquiles, Hércules dentre outros, pois foi ele quem roubou dos deuses o conhecimento para uso do fogo e o deu de presente para os homens. Contudo, Zeus ficou transtornado com o acontecimento e como medida retributiva acorrentou Prometeu nas montanhas dos Caucasos, onde todas as noites uma Águia vinha e se alimentava do seu fígado, que era regenerado durante a madrugada para servir de alimento para a grande Águia no dia seguinte.

Por isso, a essência do instituto da prescrição é de limitar a possibilidade de tornar eternamente possível a persecução penal ou uma possível sanção penal, não deixando o indivíduo em uma situação de constante insegurança perante o Estado sancionador.

Com isso, temos a convicção de poder afirmar que a prescritibilidade é a regra no ordenamento jurídico brasileiro, mas como toda regra, esta também comporta exceções.

3.DA IMPRESCRITIBILIDADE.

Nos termos da Constituição Federal, porém, não se aplica o instituto da prescrição aos crimes de racismo (art. 5º, XLII; Lei n. 7.716, de 5-1-1989, com alterações da Lei n. 9.459, de 15-5-1997) e aos referentes à ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV). De modo que o decurso do tempo não extingue a prescrição em qualquer de suas formas.

O fundamento para a imprescritibilidade de certos crimes pode ser analisado com base nas lições de Beccaria[1]. Para este autor, podem distinguir-se duas espécies de delitos. Nos grandes crimes, pela razão mesma de que são mais raros, deve diminuir-se a duração da instrução e do processo, porque a inocência do acusado é mais provável do que o crime. Deve-se, porém, prolongar o tempo da prescrição.

Por esse meio, que acelera a sentença definitiva, tira-se aos maus a esperança de uma impunidade tanto mais perigosa quanto maiores são os crimes.

Ao contrário, nos delitos menos consideráveis e mais comuns, é preciso prolongar o tempo dos processos, porque a inocência do acusado é menos provável, e diminuir o tempo fixado para a prescrição, porque a impunidade é menos perigosa.

Para Raul Eugênio Zaffaroni[2], não parece existir fundamentação suficiente para a imprescritibilidade de crimes. Segue o penalista argentino afirmando que não há na listagem penal crime que por mais grave, por mais hediondo que se apresente ao sentimento jurídico e ao consenso da comunidade, possa merecer essa pena de imprescritibilidade.

Por mais louvável que seja a crítica do mestre argentino, a verdade é que seja no âmbito do direito interno, ou no âmbito do direito internacional a imprescritibilidade é um fato nos sistemas jurídicos, que mais parece encontrar sustentáculo na retribuição do mal causado e no sentimento de vingança.

4.OS CRIMES DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL (TPI).

PART 2. JURISDICTION, ADMISSIBILITY AND APPLICABLE LAW

Article 5

Crimes within the jurisdiction of the Court

1. The jurisdiction of the Court shall be limited to the most serious crimes of concern to the

international community as a whole. The Court has jurisdiction in accordance with this Statute

with respect to the following crimes:

(a) The crime of genocide;

(b) Crimes against humanity;

(c) War crimes;

(d) The crime of aggression.

Na segunda parte do estatuto de Roma, mais especificamente no artigo 5º, estão elencados os crimes que, quanto mais graves e afetarem toda Comunidade Internacional, são da competência do TPI e nos artigos seguintes (arts. 6º, 7º e 8º) encontramos suas definições.

São eles os crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crime de agressão.

a) Crime de genocídio

Abrange atos praticados visando destruir, na totalidade ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal: a) Homicídio de membros do grupo; b) Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo; c) Sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial; d) Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo; e) Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo. Usa a mesma definição encontrada na Convenção de l948.

b) Crimes contra a humanidade

São atos cometidos no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra a população civil ou militar, havendo conhecimento desse ataque: a) Homicídio; b) Extermínio; c) Escravidão; d) Deportação ou transferência forçada de uma população; e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; f) Tortura; g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3º, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal; i) Desaparecimento forçado de pessoas; j) Crime de apartheid; k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.

Para efeitos do exposto anterior, o Tratado de Roma considera :

a) Por “ataque contra uma população civil” entende-se qualquer conduta que envolva a prática múltipla de atos referidos no parágrafo 1º contra uma população civil, de acordo com a política de um Estado ou de uma organização de praticar esses atos ou tendo em vista a prossecução dessa política;

b) O “extermínio” compreende a sujeição intencional a condições de vida, tais como a privação do acesso a alimentos ou medicamentos, com vista a causar a destruição de uma parte da população;

c) Por “escravidão” entende-se o exercício, relativamente a uma pessoa, de um poder ou de um conjunto de poderes que traduzam um direito de propriedade sobre uma pessoa, incluindo o exercício desse poder no âmbito do tráfico de pessoas, em particular mulheres e crianças;

d) Por “deportação ou transferência à força de uma população” entende-se o deslocamento forçado de pessoas, através da expulsão ou outro ato coercivo, da zona em que se encontram legalmente, sem qualquer motivo reconhecido no direito internacional;

e) Por “tortura” entende-se o ato por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são intencionalmente causados a uma pessoa que esteja sob a custódia ou o controle do acusado; este termo não compreende a dor ou os sofrimentos resultantes unicamente de sanções legais, inerentes a essas sanções ou por elas ocasionadas;

f) Por “gravidez à força” entende-se a privação ilegal de liberdade de uma mulher que foi engravidada à força, com o propósito de alterar a composição étnica de uma população ou de cometer outras violações graves do direito internacional. Esta definição não pode, de modo algum, ser interpretada como afetando as disposições de direito interno relativas à gravidez;

g) Por “perseguição” entende-se a privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito internacional, por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa;

h) Por “crime de apartheid” entende-se qualquer ato desumano análogo aos referidos no parágrafo 1º, praticado no contexto de um regime institucionalizado de opressão e domínio sistemático de um grupo racial sobre um ou outros grupos nacionais e com a intenção de manter esse regime;

i) Por “desaparecimento forçado de pessoas” entende-se a detenção, a prisão ou o seqüestro de pessoas por um Estado ou uma organização política ou com a autorização, o apoio ou a concordância destes, seguidos de recusa a reconhecer tal estado de privação de liberdade ou a prestar qualquer informação sobre a situação ou localização dessas pessoas, com o propósito de lhes negar a proteção da lei por um prolongado período de tempo.

c) Crimes de guerra

São violações graves as Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949, ou seja, atos praticados contra pessoas os bens protegidos por essa convenção. São exemplos o homicídio internacional, destruição de bens não justificada pela guerra, deportação, forçar prisioneiros a servir nas forças inimigas, etc.

d) Crime de Agressão

Não há definição de agressão no estatuto, seu exercício está condicionado à aprovação pelo TPI de uma emenda que contenha definição.

Em 7 de fevereiro de 2000 o Brasil assinou o Estatuto de Roma, mas só em 20 de junho de 2002 o ratificou. Lembre-se que a assinatura do TPI deve ser feita de forma integral, ou seja, existe cláusula expressa nesse sentido (cláusula de ratificação integral), por isso o ordenamento jurídico que vier a manifestar interesse no mencionado tratado deve assiná-lo sem ressalvas, com fundamento no princípio pacta sunt servanda. Este princípio diz que compromissos assumidos devem ser cumpridos e os Estados-partes do Estatuto de Roma assumiram o dever de cooperar no ajuizamento e investigação dos crimes, sendo assim, devem seguir todos os seus preceitos.

Ora, se tais compromissos devem ser assumidos pelo Estado concordante, que deve respeitar e cumprir o texto do tratado, o que se pode falar da possibilidade desses novos crimes serem considerados imprescritíveis para o ordenamento jurídico brasileiro. Seria tal imprescritibilidade constitucional? Para esta análise é preciso fazer uma abordagem da natureza jurídica dos tratados no ordenamento jurídico brasileiro, sendo que é mister ressaltar que para o direito internacional as normas aplicadas são as definidas em tratados internacionais pelos fundamentos que se seguem:

Por outro lado, existem razões para a não aplicação das regras de prescrição para os crimes previstos no direito internacional, independentemente da sua condição de crimes de lesa humanidade ou crimes de guerra. Entre estes argumentos é possível mencionar: (i) a condição de proibição jus cogens para alguns crimes cuja conseqüência é a obrigação dos Estados de evitar sua impunidade e de não aplicar regras de prescrição para estes casos, (ii) o dever de investigar e sancionar as violações dos direitos humanos por parte dos Estados colide com as regras de prescrição, por isso elas não podem ser antepostas com o fim de deixar de cumprirem-se suas obrigações, e (iii) as regras de prescrição são figuras da legislação interna não reconhecidas no

direito internacional e por outro lado, tampouco são direitos fundamentais no contexto peruano, pois não são considerados dentro do texto constitucional senão em nível legislativo.[3]

4.1.A posição hierárquica do Tratado de Roma no ordenamento jurídico brasileiro.

Para entender o problema de incorporação dos tratados internacionais no ordenamento jurídico interno, tomamos como orientação os ensinamentos do professor Luís Roberto Barroso, que de forma clara expõe como se encontra tal situação de tais tratados em face do posicionamento do Supremo Tribunal Federal:

“Dentro da hierarquia das normas jurídicas estabelecida pela ordem constitucional brasileira, prevalece na doutrina e na jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal o entendimento de que os tratados internacionais são normas hierarquicamente inferiores à Constituição, estando no mesmo nível das leis ordinárias. Conforme vem reiteradamente decidindo aquele tribunal, mesmo os tratados internacionais que reconhecem direitos individuais são hierarquicamente inferiores às normas constitucionais. O art. 5°, § 2°, não confere aos direitos individuais reconhecidos em tratados ou convenções internacionais supremacia sobre normas constitucionais (Pleno, ADIn 1.480-DF, Rel. Min. Celso de Mello, transcrito no HC 78.375-2, medida liminar, decisão do Min. Celso de Mello, DJ, 10 fev. 1999, p. 23, e CR 8.279-4, Rel. Min. Celso de Mello, DJ, 14 maio 1998, p. 35-6)”[4].

Perfilando o entendimento da corte constitucional os doutrinadores Luiz David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior salientam que, um tratado internacional referendado por decreto legislativo aprovado por maioria simples não pode revogar uma norma constitucional que exige maioria qualificada de 2/3 para ser modificada. Outros autores sustentam, com fundamento no art. 5°, § 2°, da Constituição, que os tratados internacionais que versam sobre direitos individuais possuem a eficácia de normas constitucionais, sobrepondo-se à legislação ordinária.

Em síntese, é possível assentar que, no conflito de fontes interna e internacional, o estágio atual do direito brasileiro, consoante a jurisprudência constitucional e parte da doutrina nacional, é no sentido de que:

A) Os tratados internacionais são incorporados ao direito interno em nível de igualdade com a legislação ordinária. Inexistindo entre o tratado e a lei relação de hierarquia, sujeitam-se eles à regra geral de que a norma posterior prevalece sobre a anterior. A derrogação do tratado pela lei não exclui eventual responsabilidade internacional do Estado, se este não se valer do meio institucional próprio de extinção de um tratado, que é a denúncia.

B) O tratado celebrado na vigência de uma Constituição e que seja com ela incompatível, do ponto de vista formal (extrínseco) ou material (intrínseco), é inválido e sujeita-se à declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum , por qualquer órgão judicial competente, sendo tal decisão passível de revisão pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de recurso extraordinário. O tratado que se encontrar em vigor quando do advento de um novo texto constitucional, seja este fruto do poder constituinte originário ou derivado, será tido como ineficaz, se for com ele incompatível.

O entendimento do STF exposto pelo doutrinador Luis Roberto Barroso[5] encontra algumas objeções, ora porque mesmo que os tratados ou convênios internacionais integrem o ordenamento jurídico brasileiro como lei ordinária, o entendimento perfilado em torno do próprio texto constitucional se dá através de uma interpretação sistemática, assegurando uma hermenêutica homogênea entre ambas legislações. Por isso, não é possível se falar em derrogação dos textos internacionais ratificados pelo Brasil.

Percebe-se, que a controvérsia sobre a hierarquia dos tratados internacionais que asseguram direitos fundamentais na legislação pátria, gira em torno da interpretação do art. 5˚, § 2˚ da Constituição Federal.  A título de fundamentar a posição contrária do STF citamos o professor José Afonso da Silva[6] entende que em razão do art. 5˚, § 2.˚ da Constituição Federal, as normas de tratados internacionais que versam sobre direitos fundamentais, incorporadas, são direitos constitucionais. Esta posição do prestigiado professor também é a posição assentada na mais abalizada doutrina. E como afirma o Ministro Eros Grau “a constituição não se interpreta em tiras ou filetes”, tendo com isso a idéia de unidade do texto constitucional.

Por isso, sugerimos a aplicação dos princípios constitucionais para realizarmos essa ampliação, mais especificamente dos seguintes princípios: (1) Princípio da unidade da constituição: a interpretação constitucional deve ser realizada de maneira a evitar contradições entre suas normas; (2) Princípio do efeito integrador: na resolução dos problemas jurídico-constitucionais, deverá ser dada maior primazia aos critérios favorecedores da integração política e social, bem como ao reforço da unidade política; (3) Princípio da máxima efetividade ou da eficiência: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe conceda; (4) Princípio da justeza ou da conformidade funcional: os órgãos encarregados da interpretação da norma constitucional não poderão chegar a uma posição que subverta, altere ou perturbe o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido pelo legislador constituinte originário; (5) Princípio da concordância prática ou da harmonização: exige-se a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação aos outros; (6) Princípio da força normativa da constituição: entre as interpretações possíveis, deve ser adotada aquela que garanta maior eficácia, aplicabilidade e permanência das normas constitucionais.

Corroborando o entendimento acima os professores Eugenio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangeli[7] lecionam na mesma linha, afirmando que com a proclamação da DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM, como um ideal comum a ser alcançado por todos, tem o objetivo de se construindo um sistema internacional de garantias de direitos fundamentais – direitos humanos – que vai configurando um LIMITE positivo nas Constituições às ideologias que regem o controle social em todas as nações. Vai criando uma baliza, um paradigma. Cada país tem um escalão de direitos humanos e outras declarações internacionais complementam a da ONU. Entre nós o marco é a CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS DO HOMEM de 1969, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica. Todos esses tratados e convenções servem de parâmetro para a interpretação das leis. Ainda, nessa mesma linha de raciocínio temos a posição da Human Rights First, que postula uma integração do direito interno com o direito internacional, vejamos:

Na análise da admissibilidade (ou de abertura da instrução) e/ou o processamento das violações dos direitos humanos, deve-se atender a interpretações que integrem o direito nacional ao direito internacional. Com isso não se pretende deixar de lado a legislação nacional, justamente o contrário, busca-se apresentar interpretações integradas que argumentem contra a impunidade destes atos.[8]

Em análise do plano internacional a Human Rigths First cita que para determinados crimes deve ser afastada a regra da legislação interna.

O direito internacional apresenta a definição de crimes capitulados no direito internacional, o princípio de irretroatividade da lei penal, o princípio nullum poena sine lege, o princípio de imprescritibilidade dos crimes de guerra e de lesa humanidade, assim como a sustentação da não aplicação das regras de prescrição da legislação interna para outros crimes tipificados no direito internacional.[9]

O alicerce para ampliar o sentido da incorporação do tratados como normas equivalentes a emendas constitucionais veio no final de 2004, quando foi publicada a reforma do judiciário que introduziu um parágrafo 3º, ao artigo 5º da Constituição Federal, que estabelece: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Tal parágrafo veio para de certa forma acabar com tal polêmica, pois agora, é possível identificar dois tipos de tratados no ordenamento jurídico brasileiro, um tratado que dispõe sobre o direito internacional e outro tratado que se refere a direitos humanos.

Os tratados que dispõe sobre direitos humanos serão equivalentes a emendas e por isso podem, em um contexto conglobado, vir a complementarem a idéia de aplicação das normas do Tribunal Penal Internacional np ordenamento jurídico brasileiro. Nesse passo os tratados e as convenções internacionais que tratam sobre direitos fundamentais têm valor hierárquico equivalente a emenda constitucional quando ratificados pelo Brasil e obedecidos as disposições do parágrafo 3º do art. 5º da CF.

A emenda de reforma do judiciário (EC número 45/04) não parou por aí, pois ainda trouxe no artigo 5º mais um novo parágrafo, que diz, “O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”. A doutrina ensina que a aplicação deste parágrafo é imediata e seguindo as lições do professor José Afonso da Silva[10] podemos considerá-la como norma constitucional de eficácia plena. Leciona o prestigiado constitucionalista: (1) Normas Constitucionais de Eficácia Plena – aquelas que, desde a entrada em vigor da CF, produzem, ou tem possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular (por exemplo: os “remédios constitucionais”); (2) Normas Constitucionais de Eficácia Contida – o legislador constituinte regulou suficientemente os interesse relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do poder público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados (por exemplo: art. 5.°, XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer); (3) Normas constitucionais de Eficácia Limitada – são aquelas que apresentam aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente sobre estes interesses, após uma normatividade ulterior que lhe desenvolva a aplicabilidade (por exemplo: CF, art. 192, § 3.°: as taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a 12% ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar). Essa última classe apresenta uma subdivisão, sejam elas: Princípio Institutivo – aquele que depende de lei posterior para dar efetividade às instituições, pessoas ou órgãos previstos na Constituição. E as de Princípio Programático – quando estabelece um compromisso do Estado, uma meta a ser atingida, um programa de ação, seja do Executivo, Legislativo ou Judiciário.

A doutrina, como analisamos anteriormente, ensina que a aplicação do parágrafo quarto do artigo 5º é imediata e de eficácia plena. Assim, com a ratificação do Estatuto de Roma de forma integral exige-se que a nossa legislação seja adequada à nova realidade. A necessidade de tipificar os crimes de competência do TPI e adaptar o processo penal para o uso da jurisdição interna, inclusive, no que tange a imprescritibilidade dos referidos crimes, ampliando dessa forma o leque de crimes imprescritíveis, que passam a ser: os crimes de racismo (art. 5º, XLII; Lei n. 7.716, de 5-1-1989, com alterações da Lei n. 9.459, de 15-5-1997), os referentes à ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV) e os crimes do Estatuto de Roma (Article 5 Crimes within the jurisdiction of the Court).

CONCLUSÃO.

Os compromissos da assinatura e ratificação do Tratado de Roma devem ser assumidos pelo Estado concordante, que devem respeitar e cumprir o texto do tratado. Assim, não há de se falar em prescritibilidade dos crimes que compõem o seu corpo textual, pois essas normas são consideradas constitucionais para o ordenamento jurídico interno e tem como fundamento uma interpretação sistemática da própria Constituição Federal.

Contudo, é mister ressaltar que grandes nomes do direito penal condenam a prática de se positivar a norma da imprescritibilidade nos ordenamentos internos e internacionais, pois parece incompatível com o direito penal moderno e com o Estado Democrático de Direito a imprescritibilidade de crimes.

Em conclusão, os tratados de direitos humanos podem ser equiparados a emendas constitucionais, desde que respeitados certos requisitos. Contudo, o Tratado de Roma tem status de norma constitucional, pois existe expressa menção no art. 7º do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) e artigo 5º, parágrafo 4º do corpo permanente da Constituição da República Federativa do Brasil.

 

Referências
ACCIOLY, Hidelbrando, Manual de Direito Internacional Público. 9 ed., São Paulo: Saraiva: 1970;
ALVES, José Augusto Lindgren. Cidadania, direitos humanos e globalização. In: PIOVESAN, Flávia (coord). Direitos humanos, globalização econômica e integração regional: desafios do Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 77-98.
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição – fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 3ª edição, Editora Saraiva: 1999.
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 1 ed., São Paulo: Edipro, 2000;
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, volume 1. 3. ed. ver. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003;
BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Editora Campus, 1992;
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12 ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2002;
CANOTILHO, J.J, Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra Editora, 1994;
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 8 ed. ver. E atual., São Paulo: Saraiva, 2005.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 10 ed. ver. E atual., São Paulo: Saraiva, 2003.
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 21 ed., São Paulo: Malheiros, 2005;
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle Judicial das omissões do Poder Público, São Paulo: Saraiva, 2004;
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 19ª ed. Atual, São Paulo: Saraiva 1995;
DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1992;
GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio Scarance e GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 4 ed., São Paulo: Malheiros, 1995;
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 12ª ed. São Paulo, Saraiva, 1998.
McConville, M. Standing accused. Oxford Univerty Press, 1994.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15 ed., São Paulo: Atlas, 2004;
MOREIRA, Rômulo de Andrade – Este Monstro Chamado RDD. http://www.juspodivm.com.br/artigos/artigos_250.html
MOREIRA, Rômulo de Andrade – O processo penal como instrumento para a democracia. http://www.juspodivm.com.br/artigos.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 2 ed.rev., atual e amp. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006;
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 6 ed. rev. atual e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo: (o princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal). São Paulo: Saraiva, 2003;
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris editora, 2004;
Steiner, SYLVIA Helena F. O perfil do juiz no tribunal penal internacional. Em Tribunal Penal Internacional. Org. por Fauzi Hassan Choukr, Kai Ambos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
SARLET, Ingo. A eficácia dos direitos fundamentais. 2 ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001;
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24 ed., São Paulo: Malheiros, 2005;
SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1992, Vol. II;
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. Ed. Saraiva. 3ª ed. 2001.
ZAFFARONI, Eugenio Raul. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte geral / Eugenio Raul Zaffaroni, José Henrique Pierangeli. 4 ed. rev. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002.
Notas:
[1]  BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 1 ed., São Paulo: Edipro, 2000.
[2] ZAFFARONI, Eugenio Raul. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte geral / Eugenio Raul Zaffaroni, José Henrique Pierangeli. 4 ed. rev. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002.
[3] http://www.humanrightsfirst.org/international_justice/icc/implementation/Peru/res-ejec-portu-030505.pdf
[4] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição – fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 3ª edição, Editora Saraiva: 1999.
[5] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição – fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 3ª edição, Editora Saraiva: 1999.
[6] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24 ed., São Paulo: Malheiros, 2005.
[7] ZAFFARONI, Eugenio Raul. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte geral / Eugenio Raul Zaffaroni, José Henrique Pierangeli. 4 ed. rev. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002.
[8] http://www.humanrightsfirst.org/international_justice/icc/implementation/Peru/res-ejec-portu-030505.pdf
[9] http://www.humanrightsfirst.org/international_justice/icc/implementation/Peru/res-ejec-portu-030505.pdf
[10] SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Marcel Figueiredo Ramos

 

AdvogadoPós Graduado em Direito do Estado pelo JusPodium. Pós-Graduando em Direito Penal e Processo Penal pela UNIFACS

 


 

logo Âmbito Jurídico