Da interceptação telefônica: questões especiais da Lei 9.296/96

Resumo: Este artigo trata da interceptação telefônica estudada de forma detalhada, diferenciando-a da escuta telefônica e das gravações clandestinas, atendo-se em especial à Lei 9.296/96 que veio para regulamentar o artigo 5°, inciso XII, parte final, da Constituição Federal, norma constitucional de eficácia limitada que autoriza, excepcionalmente, a violação do sigilo das comunicações telefônicas, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer. Contudo essa lei que surgiu somente em 1996, para regulamentar a interceptação telefônica em vez de aclarar a situação ensejou inúmeras dúvidas, as quais são objeto de conflito na doutrina e na jurisprudência ainda nos dias atuais, e serão tratadas no presente artigo.

Palavras-chave: interceptação telefônica, Lei 9.296/96, Princípio da Proporcionalidade.

Sumário: 1. Da interceptação telefônica. 1.1 Da interceptação telefônica antes da Constituição de 1988. 1.2 Da interceptação telefônica após a Constituição de 1988. 1.3 Conceito de Interceptação. 1.4 Diferenciações entre interceptações telefônicas, escutas telefônicas e gravações clandestinas. 2. Questões especiais da Lei 9.296/96. 2.1 Comunicações telefônicas de qualquer natureza. 2.2 Requisitos para interceptação telefônica. 2.3 Delimitação da situação objeto da investigação e do sujeito passivo da interceptação. 2.4 O encontro fortuito de provas e a interceptação telefônica (serendipidade). 2.5 Prova emprestada. 2.6 Do procedimento. 2.7 Do crime de Interceptação. Conclusão. Referências Bibliográficas

Introdução

Na primeira parte da pesquisa a interceptação telefônica é objeto de estudo para se verificar em que situações ela era permitida antes da promulgação da Constituição Federal de 1988 e após a Carta Magna, seu conceito e as discussões sobre as inconstitucionalidades e as diferenças entre interceptação telefônica, escuta telefônica e gravações clandestinas.

A parte principal do presente estudo é tratada no segundo tópico onde apresentamos uma breve análise da Lei n⁰ 9.296/96, e várias questões especiais como: a polêmica envolvendo o artigo 1º da Lei que permite a interceptação telefônica de qualquer natureza, os requisitos para interceptação telefônica, a delimitação da situação objeto da investigação e do sujeito passivo da interceptação, o encontro fortuito de provas na interceptação telefônica, à discussão envolvendo a prova emprestada e a interceptação telefônica, o procedimento adotado pela Lei em comento e o crime de interceptação que sem dúvida alguma esta entre os dispositivos mais importantes da referida Lei.

Na conclusão é apresentado o entendimento a que foi possível chegar ao longo do presente trabalho, bem como as dúvidas que ainda existem, e a necessidade de continuidade de pesquisas para que a doutrina e jurisprudência possam chegar a um consenso para preencher as lacunas que ainda persistem mesmo com a promulgação da Lei n⁰ 9.296/96.

1. DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA

Como se sabe toda pessoa tem o direito à intimidade, garantido na Constituição Federal, como podemos observar no artigo 5º, X, onde diz que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Esse direito é a garantia de que a pessoa terá respeitado a sua privacidade, direito de estar só quando preferir e não ser importunado em seu momento de descanso ou na intimidade do seu lar com sua família, ou seja, ela tem garantido pela Constituição o direito à inviolabilidade da sua intimidade.

A interceptação telefônica é um meio de intromissão na intimidade da pessoa, pois, por meio dela o interceptador devassará a vida privada do indivíduo. Ela é meio empregada para tentar provar em juízo, fatos ocorridos a fim de que possam ser usados em benefício da parte.

Em primeiro lugar há que se atentar ao sentido da palavra interceptação, Capez (2012, p. 378) ensina: “Interceptar é intrometer e interromper, significando, portanto, a conduta de um terceiro, estranho à conversa, que capta o diálogo dos interlocutores”.

Dos ensinamentos do mestre Capez, entende-se que ao interceptar, intrometer, o sujeito da ação provoca a violação da intimidade de outra pessoa, o que é proibido pela norma constitucional.

Sempre houve, tanto na doutrina como na jurisprudência, grande discussão sobre a validade da interceptação telefônica, mesmo aquela autorizada pelo poder judiciário, devido à falta de uma legislação específica que regulasse tal matéria. Daí a importância de se fazer uma análise do tema em outros períodos, para saber o posicionamento dos doutrinadores, anteriormente, e depois da Constituição de 1988.

1.1 Da interceptação telefônica antes da Constituição de 1988

Antes da Constituição Federal de 1988 era expressamente proibido qualquer tipo de intromissão na vida privada das pessoas, sendo assegurada à inviolabilidade da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas. (art. 153, da Emenda Constitucional nº 1, de 1969).

A interceptação telefônica era regulada pelo Código de Telecomunicações, que, nos termos do artigo 57, II, estabelecia não constituir violação de telecomunicações “o conhecimento dado ao juiz competente, mediante requisição ou intimação deste”. 

O Código de Processo Penal também abria algumas exceções que permitia a violação do sigilo da correspondência e das comunicações, como dispunha os artigos 232, 233, parágrafo único, 234 e principalmente 240, todos do Código de Processo Penal.

Por essa razão havia uma grande discussão na doutrina e jurisprudência sobre a constitucionalidade desses dispositivos que permitiam a interceptação telefônica.

Grinover; Fernandes; Gomes Filho (2001, p. 178) comentam:

“Em rumoroso caso judicial, ocorrido em São Paulo, foi discutida pelo tribunal de Justiça a conduta de juiz que, a pedido da autoridade policial, havia autorizado interceptação telefônica, com fundamento no código de Telecomunicações. Após parecer de Damásio de Jesus, favorável a ordem judiciária, a representação foi arquivada, considerando-se lícita à ordem de interceptação (Repres. 006.336/87 TJSP). Ademais, em decisão do STF, que determinou o desentranhamento dos autos, do resultado de interceptação telefônica por ilicitamente realizada, o Min. Aldir Passarinho fez alusão aos mencionados dispositivos do Código de Telecomunicações como possivelmente adequados para legitimar as escutas em caso de crimes particularmente graves, como os de extorsão mediante sequestro” (RTJ 122/47).

Como se pode observar apesar de a Constituição vigente à época assegurar a inviolabilidade da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas, a jurisprudência, em muitos casos, julgava procedente o pedido de interceptação telefônica.

Daí o entendimento de que havia naquela época grandes divergências sobre a aceitação ou não da interceptação telefônica, gerando muita insegurança.

1.2 Da interceptação telefônica após a Constituição de 1988

A Constituição Federal de 1988 ao dispor no seu artigo 5º, inciso XII que: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”, abriu uma exceção para que possa ser feita a interceptação telefônica nos casos previstos na lei.

Começou então uma nova discussão sobre o tema e uma parte da doutrina e jurisprudência entendia que poderia ser usado o já conhecido Código de Telecomunicações, o que já era prática comum. Para outra corrente havia a necessidade de que fosse editada uma lei específica, pois entendiam que referida norma não havia sido recepcionada pela nova Constituição Federal.

Grinover; Scarance; Gomes Filho (2001, p. 147) manifestaram-se sobre a necessidade de uma lei específica:

“Assim, não se pode dizer que o Código de Telecomunicações supra a exigência constitucional. Enquanto não for promulgada a lei disciplinadora das hipóteses e formas das interceptações e escutas telefônicas, não há base legal para a autorização judicial. E as operações técnicas porventura efetuadas serão ilícitas, subsumindo-se à espécie do inciso LVI do art. 5º, da Constituição”.

Fica claro que havia então a necessidade de se editar uma lei específica que viesse a regulamentar a parte final do inciso XII, do artigo 5º, da Constituição, para por fim a discussão sobre a aceitação ou não da interceptação telefônica.

1.3 Conceito de Interceptação

Sob o ponto de vista da Lei n⁰ 9.296/1996, por interceptação das comunicações telefônicas entende-se a captação, realizada por terceiro, de conversa telefônica alheia, sem o conhecimento dos interlocutores ou com o conhecimento e assentimento de apenas um deles, com objetivo de colher informações. Assim, a violação da conversa via telefone pressupõe a existência de, no mínimo, três sujeitos, duas pessoas em processo de interação e o terceiro que obtém acesso ao conteúdo da conversa.

Segundo Avolio (2010, p. 118) o que se mostra essencial para a noção de interceptação é o fato de a operação telefônica ter sido efetuada por uma pessoa estranha à conversa, e que esse terceiro estivesse investido do intuito de tomar conhecimento de circunstâncias, que, de outra forma, lhe permaneceriam desconhecidas.

1.4 Diferenciações entre interceptações telefônicas, escutas telefônicas e gravações clandestinas.

Há que se atentar para as diferenciações existentes entre as interceptações telefônicas, escutas telefônicas e as gravações clandestinas, pois são de grande importância para a determinação da aplicação da Lei 9.296/96.

Ensinam Grinover; Fernandes; Gomes Filho (2001, p. 174):

“Entende-se por interceptação a captação da conversa por um terceiro, sem o conhecimento dos interlocutores ou com o conhecimento de só um deles. Se o meio utilizado for o grampeamento do telefone, tem-se a interceptação telefônica; em se tratando de captação de conversa por um gravador colocado por terceiro, tem-se a interceptação entre presentes, também chamada de interceptação ambiental. Mas se um dos interlocutores grava a sua própria conversa telefônica ou não, com o outro, sem o conhecimento deste, fala-se apenas em gravação clandestina”.

A interceptação telefônica é a captação de informações feita por uma terceira pessoa por meio de rede telefônica, onde existem três protagonistas: dois interlocutores e o interceptador, que capta a conversa sem consentimento deles. Ela é conhecida também como “grampeamento” sendo tal procedimento, específico desta Lei.

Na escuta telefônica também existem três personagens: dois interlocutores e um interceptador, só que um daqueles tem conhecimento do fato. Precisamente, é a captação de conversa telefônica feita por três pessoas, mas com o consentimento de um dos partícipes da conversa. Esta também gera muitas discussões nos nossos Tribunais, ocasionando diversos acórdãos sobre a matéria em vários sentidos.

Na gravação clandestina, também chamada de gravação telefônica, existem somente dois comunicadores, sendo que um deles grava a sua própria conversa, porém, sem o conhecimento do outro. Ou seja, a pessoa pode gravar a sua própria conversa, mas a lei veda sua divulgação sem justa causa, e caso isso ocorra levará à ilicitude. Entretanto, sendo justa a causa o juiz examinará a relevância do interesse público diante do direito à intimidade, utilizando-se, é claro, do princípio da proporcionalidade ou razoabilidade.

Segundo Rabonese (apud SILVA, 2002, p. 49):

“A gravação clandestina consiste no ato de registro de conversação própria por um de seus interlocutores e sub-repticiamente feita por intermédio de aparelho eletrônico ou telefônico (gravação clandestina propriamente dita) ou no ambiente da conversação (gravações ambientais).

Já a interceptação é sempre caracterizada pela intervenção de um terceiro na conversação mantida entre duas pessoas: se a interceptação foi realizada em conversação telefônica, e um dos interlocutores tiver conhecimento, caracteriza-se a escuta telefônica; se não houver conhecimento por parte dos interlocutores, evidencia-se a interceptação stricto sensu; se a interceptação for feita entre presentes com conhecimento de um dos interlocutores caracteriza-se a escuta ambiental, ao passo que se for do conhecimento, será considerado como interceptação ambiental”.

A diferenciação da interceptação telefônica e da gravação clandestina é de extrema importância, pois o que a Constituição e a Lei Ordinária punem é a interceptação telefônica, mas não faz referência a gravação clandestina.

Interessante observar julgado mencionado em Silva (2002, p. 50):

Prova – gravação de comunicação – deferimento – interpretação do art. 5º, inciso XII da Constituição da Republica – Recurso provido nesse sentido. É admissível aceitar como prova a gravação feita através de fita magnética da conversação mantida com terceiro, quando não haja interceptação, cumprindo ao juiz apreciar o valor do documento, se necessário através de perícia aferitória de sua autenticidade. 

O Superior Tribunal de Justiça, em recurso ordinário de habeas corpus, também concluiu que gravação clandestina é diferente da interceptação telefônica e que ela não é ilícita (RHC 7216/SP Relator Ministro Edson Vidigal, v.u. 28/04/1998).

Diante de tanta controvérsia é necessário sem dúvida explicitar e firmar alguns conceitos:

a) interceptação telefônica (ou interceptação em sentido estrito): é a captação da conversa telefônica realizada por terceiro sem o conhecimento dos comunicadores;

b) escuta telefônica: é a captação da conversa telefônica realizada por terceiro com o conhecimento e assentimento de um dos comunicadores e desconhecimento do outro;

c) gravação telefônica ou gravação clandestina: é a captação da conversa telefônica realizada por um dos comunicadores, sem o conhecimento do outro. Inexiste a figura do terceiro interceptador, trata-se de uma autogravação;

d) interceptação ambiental: é a captação da conversa ambiente realizada por terceiro sem o conhecimento dos interlocutores. Inexiste comunicação telefônica e também ocorre com violação do direito à intimidade;

e) escuta ambiental: é a captação de uma comunicação, no ambiente dela, realizada por terceiro com o conhecimento e assentimento de apenas um dos interlocutores. Não há comunicação telefônica;

f) gravação ambiental: é captação da conversa ambiente realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro. Inexiste a figura do terceiro interceptador. Não há comunicação telefônica.

Parte da doutrina considera que o at. 1⁰ da Lei n⁰ 9.296/96 abrange tanto a interceptação telefônica quanto a escuta telefônica, isso pelo fato de ambas consistirem em processos de captação da comunicação alheia. Não estão abrangidas por referido regime jurídico consequentemente, a gravação telefônica, a interceptação ambiental, a escuta ambiental e a gravação ambiental.

Assiste razão a essa corrente vez que o art. 5⁰ da Constituição Federal em sua parte final refere-se à interceptação feita por terceiro, sem conhecimento dos dois interlocutores ou com conhecimento de um deles. Não fica incluída a gravação de conserva por terceiro ou por um dos interlocutores, à qual se aplica a regra genérica de proteção à intimidade e à vida privada do art. 5⁰, inc. X, da CF.

Compartilham desse mesmo entendimento também o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça ao afirmarem que em decorrência do conceito de interceptação das comunicações telefônicas o regime da Lei n⁰ 9.296/96 abarca apenas a interceptação telefônica em sentido estrito e a escuta telefônica, pois somente nas duas há comunicação telefônica e terceiro interceptador.

 – QUESTÕES ESPECIAIS DA LEI 9.296/96

Após longos anos de acirradas discussões doutrinárias e jurisprudenciais foi publicada a Lei 9.296/96, que veio para regulamentar as interceptações telefônicas, de telemática e informática, e para suprir a lacuna deixada pelo legislador de 1988, no inciso XII, do artigo 5º, da Constituição Federal.

Para muitos doutrinadores a Lei 9.296/96 não foi suficiente para acabar com as discussões a respeito do tema, uma vez que apresenta falhas em seu texto.

Silva (2002, p. 56) ensina:

“O legislador poderia ter esmiuçado melhor o assunto. Mas, como invariavelmente acontece, acabou optando por deixar para a jurisprudência e doutrina a interpretação da lei.

Assim, como exemplo, em vez de dizer em que situações caberia a interceptação, optou por elencar um rol de casos onde ela não é possível, o que atrapalha sobremaneira o intérprete e dá a entender que a interceptação é regra, o que não é verdade. Além disso, não regulou a escuta e a gravação telefônica. Outro tema controvertido é sobre a constitucionalidade ou não do art. 1º da mencionada lei”.

2.1 Comunicações telefônicas de qualquer natureza

Há que se atentar para a abrangência da referida lei para entendermos até que ponto ela deve ser aplicada, daí a importância de uma minuciosa observação no seu texto legal.

“Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.

Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.”

O artigo 1º permite a interceptação telefônica de qualquer natureza, mas o que se deve por isso entender?

Num passado recente, quando se falava em comunicações telefônicas, pensava-se exclusivamente em conversa telefônica.

Atualmente com o desenvolvimento galopante da informática a expressão comunicação telefônica não se restringe mais as comunicações por telefone, devendo abranger também a transmissão, emissão, receptação e decodificação de sinais linguísticos, caracteres escritos, imagens, sons, símbolos de qualquer natureza por meio de telefonia, estática ou móvel (celular). Nas comunicações tele- fônicas incluem-se as transmissões de informações e dados constantes de computadores e telemáticos, desde que feitas por meio de cabos telefônicos (e-mail, por exemplo).

No mesmo sentido assinala Luiz Flávio Gomes e Raúl Cervini (1997, p. 112):

(…) “comunicações telefônicas ‘de qualquer natureza’, destarte, significa qualquer tipo de comunicação telefônica permitida na atualidade em razão do desenvolvimento tecnológico. Pouco importa se isso se concretiza por meio de fio, radioeletricidade (como é o caso do celular), meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético. Com uso ou não da informática. É a hipótese do ‘fax’, por exemplo, em que se pode ou não utilizar o computador. Para efeito de interpretação da lei, o que interessa é a constatação do envolvimento da telefonia, com os recursos técnicos comunicativos que atualmente ela permite. Ora esses recursos técnicos são combinados com o computador (comunicação modem by modem, por exemplo, via internet ou via direta), ora não são. Tanto faz. De se observar que a interceptação do ‘fluxo de comunicações em sistema de informática’ está expressamente prevista no parágrafo único do art. 1º”.

Com relação ao parágrafo único do artigo 1º, há grande polêmica sobre a sua constitucionalidade, pois o texto constitucional no seu artigo 5º, XII, na parte final dispõe “salvo no último caso” que diz respeito às comunicações telefônicas e não as comunicações de sistemas de informática e telemática.

Por telemática podemos entender a ciência que estuda a comunicação associada à informática, nesse sentido Luiz Flávio Gomes e Raúl Cervini, (op. cit., p. 165): “é a ciência que cuida da comunicação (transmissão, manipulação) de dados, sinais, imagens, escritos e informações por meio do uso combinado da informática (do computador) com as várias formas de telecomunicação. Sucintamente, telemática é telecomunicação (qualquer uma das suas variadas formas) mais informática”.

Capez (2012, p. 376) ensina:

“Assim, a Lei n. 9.296/96 estabeleceu os requisitos para a autorização da quebra do sigilo no seu art. 2º, mas estendeu essa possibilidade também à hipótese das transmissões de dados (art. 1º, parágrafo único), tornando-a de duvidosa constitucionalidade, já que a norma do art. 5º, XII, da CF só permitiu a violação do sigilo no caso das comunicações telefônicas (convém lembrar que o mencionado dispositivo apenas admitiu a violação do sigilo “no último caso…”, que é justamente o caso das comunicações telefônicas)”.

Nesse sentido Grinover (2001) compartilha o entendimento de Greco Filho (1998) que entende que quando se admite a interceptação de comunicações pelo sistema de informática e telemática, estaria violando o sigilo dos dados que é proibido pela Constituição Federal.

O grande fluxo de informações via computador, por meio da internet e outros meios de comunicações, usados atualmente devido à facilidade que a informática veio trazer a vida das pessoas, que podem se relacionar pelo seu micro, bem como fazer compras, inscrições, cadastros, abrir contas bancárias, veio acirrar a discussão sobre a validade da interceptação feita por meio da informática.

Há uma corrente doutrinária que diverge de Greco Filho, e afirma a total constitucionalidade do parágrafo único do citado artigo e entende que a Lei das Interceptações Telefônicas abrangeria também as comunicações telemáticas, uma vez que os direitos assegurados não são absolutos quando em confronto com o interesse público, que é considerado de maior relevância.

Muitos doutrinadores acreditam que com a evolução dos métodos utilizados pelos criminosos, que cada vez mais estão se aperfeiçoando para prática de crimes ligados a informática, há que se fazer uma interpretação extensiva da lei para alcançar esses marginais da era moderna que tem como seu aliado o computador, que com um simples toque ao mouse efetuam ilicitamente a transferência de milhões de dólares de contas particulares para as suas, aplicando golpes gigantescos nas pessoas.

Assim, comenta Silva (2002, p. 70):

“Entretanto somos obrigados a discordar dos renomados mestres. A criminalidade está a reclamar um combate eficaz através de meios modernos. Sendo vedado à polícia e justiça o acesso a banco de dados e interceptação em sistema de telemática, como quer parte da doutrina e jurisprudência, o Brasil está fadado a ser controlado pelo crime organizado, que hoje opera em praticamente todos os países, utilizando-se de avançados sistemas de comunicação via modem. Dificilmente obter-se a provas substanciais para o desbaratamento de organizações criminosas sem o acesso a esses sistemas de comunicação e dados”.

Alexandre Moraes (2003) também entende que é perfeitamente possível a interceptação em outras espécies de inviolabilidade, dada à relatividade da norma constitucional, uma vez que nenhuma liberdade é absoluta, sendo possível, respeitados certos parâmetros, a interceptação das correspondências, das comunicações e de dados, sempre que forem usadas para acobertar a prática de ilícitos penais.

Interessante lição nesse sentido é adotada por Damásio de Jesus:

 “Inclino-me pela constitucionalidade do referido parágrafo único. A Carta Magna, quando excepciona o princípio do sigilo na hipótese de ‘comunicações telefônicas’, não cometeria o descuido de permitir a interceptação somente no caso de conversação verbal por esse meio, isto é, quando usados dois aparelhos telefônicos, proibindo-a, quando pretendida com finalidade de investigação criminal e prova em processo penal, nas hipóteses mais modernas. A exceção, quando menciona ‘comunicações telefônicas’, estende-se a qualquer forma de comunicação que empregue a via telefônica como meio, ainda que haja transferência de ‘dados’. É o caso do uso do modem. Se assim não fosse, bastaria, para burlar a permissão constitucional, ‘digitar’ e não ‘falar’. (…) A circunstância de a CF expressamente só abrir exceção no caso da comunicação telefônica não significa que o legislador ordinário não possa permitir a interceptação na hipótese de transmissão de dados. Não há garantias constitucionais absolutas” (RT, 735:458).

Deverá haver um entendimento para que se busque uma solução para o problema, pois sabemos que as normas constitucionais devem ser observadas, no entanto não devemos permitir que a impunidade venha a prosperar, porque é notório que vários crimes são praticados por meio da informática, como, por exemplo, a pedofilia em que são vitimadas muitas crianças.

2.2 Requisitos para interceptação telefônica

De acordo com o art. 5º, XII, da Constituição Federal: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. Por força da Carta Magna são requisitos mínimos: (a) exigência de ordem judicial devidamente fundamentada; (b) nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer; c) que a interceptação seja realizada para fins de investigação criminal (medida cautelar) ou instrução processual penal (medida cautelar incidental).

Revelando péssima técnica legislativa a Lei 9.296/96 ao invés de prever os casos em que é permitida a interceptação optou por prever quando ela não será admitida, pois assim dispõe a lei:

“Art. 2º Não será admitida à interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

I – não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração pena;

II – a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

III – o fato investigado constituir infração penal, punida no máximo, com pena de detenção.

Parágrafo único. Em qualquer hipótese dever ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada. “

Com a leitura do artigo mencionado podemos observar que mais uma vez o legislador deixou dúvida no texto da lei, pois não fica claro quando a interceptação pode ser realizada, e sim as hipóteses em que não será admitida. Em decorrência desse artigo Gomes Filho (1996, p. 14) e Avolio (2010, p. 226-227) lastimam, respectivamente, que:

“O artigo 2º da Lei n. 9.296 optou por duplamente lamentável redação negativa, enumerando os casos em que não será admitida a interceptação, em vez de indicar taxativamente os casos em que será ela possível. Lamentável porque a redação negativa sempre dificulta a intelecção da vontade da lei e mais lamentável ainda porque pode dar a entender que a interceptação seja a regra, ao passo que, na verdade, a regra é o sigilo e aquela, exceção”.

Neste contexto, Capez (2009, p. 321) destaca os principais requisitos legais para o deferimento da interceptação telefônica são: a) Ordem do juiz competente para o julgamento da ação principal; b) Indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal; c) Que a infração penal seja crime punido com reclusão; d) Que não exista outro meio de se produzir a prova; e) Que tenha por finalidade instruir investigação policial ou processo criminal.

Vejamos, então separadamente, cada um desses requisitos:

a) Ordem do juiz competente para o julgamento da ação principal

Segundo Capez (2012, p. 384):

(…) “trata-se de requisito constante do art. 1º da Lei. Somente o juiz competente para o julgamento da ação principal poderá determinar a quebra do sigilo telefônico, jamais o Promotor de Justiça ou o Delegado de Polícia poderão fazê-lo. Obviamente que se trata de juiz que exerça jurisdição penal, seja esta eleitoral, militar ou comum, já que a interceptação será realizada para prova em investigação criminal e em instrução processual penal. Assim, o juiz que determinar a quebra do sigilo será o competente para a ação principal. Na hipótese em que dois ou mais juízes forem igualmente competentes, aplicar-se-á a regra de prevenção prevista no art. 83 do CPP”.

b) Indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal

A lei exige que haja indícios razoáveis de autoria ou participação do investigado no crime, ou seja, é o “fumus boni iuris", a fumaça do bom direito, pois não pode ser invadida a privacidade das pessoas sem que exista uma real necessidade consubstanciada na existência concreta de um fato que vai além de mera suspeita. O professor Avolio (2010, p. 227) relata que:

“A existência de indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal (inc. I) constitui requisito geral das medidas cautelares, o fumus boni iuris, referindo-se a autoria ao agente e a infração penal à sua materialidade. Nem precisaria ser enunciado como pré-requisito das interceptações telefônicas, pois seria difícil imaginar que um juiz deferisse provimento dessa natureza sem respaldo num princípio de prova. Assim, não poderia ser deferida a interceptação para iniciar uma investigação”…

Segundo Antonio Scarance Fernandes (2000, p. 92): “Para que o juiz possa avaliar a presença no caso concreto destas duas exigências, haverá necessidade de investigação iniciada ou processo instaurado (art. 3º, I), ficando, em princípio, excluída a possibilidade de interceptação para iniciar a investigação”.

c) Que a infração penal seja crime punido com reclusão

A lei obriga também que os crimes a serem investigados por meio da interceptação sejam aqueles apenados com a reclusão, ou seja, somente nos crimes mais graves é que poderá ser deferido pelo juízo competente, o instituto da interceptação. Contudo, ensina Capez (2012, p. 386):

(…) “conforme a doutrina, tal critério trouxe duas impropriedades: a) deixou de lado crimes apenados com detenção, como a ameaça, comumente praticado via telefone, ou mesmo contravenções, como o jogo do bicho; b) ao elencar genericamente todas as infrações penais apenadas com reclusão como objeto da interceptação, alargou sobremaneira o rol dos delitos passíveis de serem investigados por quebra do sigilo telefônico, crimes estes, muitas vezes, destituídos de maior gravidade, o que torna discutível, no caso concreto, o sacrifício de um direito fundamental como o sigilo das comunicações telefônicas”.

Nestes casos defende ainda o mesmo autor, a necessidade de incidência da proporcionalidade dos bens jurídicos envolvidos, afastando o sacrifício do sigilo telefônico em prol de um bem de menor valor.

Alguns autores, dentre eles Antonio Magalhães Gomes Filho, opinam pela inconstitucionalidade do inciso III, do artigo 2º, quando se estende a todo e qualquer crime apenado com a reclusão. Acham que o juiz deverá analisar com cautela o caso concreto para deferir a autorização para efetivação da interceptação telefônica.

Grinover; Fernandes; Gomes Filho (2001, p. 185) dizem:

“O judiciário poderá considerar inconstitucional a ordem de interceptação em crimes de gravidade menor, no caso concreto, pelo controle difuso. E o STF poderá, em ação direta, julgar o dispositivo inconstitucional no que tange a sua aplicabilidade com relação a qualquer crime apenado com reclusão, oferecendo a lei interpretação integrativa, nos moldes do que é usual nas Cortes Constitucionais de outros países. Já há precedentes nesse sentido na nossa Corte Suprema, que tem utilizado o termo interceptação conforme (ver, por exemplo, decisão sobre a forma de atualização monetária dos precatórios, contestada em ação direta pelo governo de São Paulo, em que o STF em dezembro de 1996, assentou que a inconstitucionalidade dos incisos 1, 6 e 10 do art. 337 do Regimento interno do TJSP se submete a limites)”.

Para os professores Mendes, Coelho; Branco (2007, p. 612): “Deve o juiz estar atento às circunstâncias específicas de cada caso, para, procedendo ao exame de proporcionalidade, justificar a admissibilidade ou não de interceptação telefônica”.

d) Que não exista outro meio de se produzir a prova

Também devem ser utilizados todos os meios possíveis permitidos em lei, para que o crime seja apurado e que o pedido de interceptação seja feito somente em último caso, assim esse requisito deixa claro que a interceptação telefônica só pode ser admitida quando inexistentes, à época da autorização, outros meios idôneos disponíveis para a investigação da infração e respectiva autoria (periculum in mora – indispensabilidade do meio de prova).

Portanto fica claro que tanto a Autoridade Policial quanto o representante do Ministério Público deverá esgotar todos os outros meios de prova a exemplo a prova testemunhal ou pericial, pois a quebra do sigilo telefônico, por constituir medida excepcional, somente deverá ser utilizada quando a prova não puder ser obtida por outros meios. Por se tratar de medida que restringe um direito fundamental do cidadão, qual seja o seu direito à intimidade e liberdade de comunicação, caberá ao juiz, no caso concreto, avaliar se há alternativas menos invasivas e menos lesivas ao indivíduo.

Opinam ainda alguns autores que quando o juiz autorizar a interceptação, sendo possível a obtenção de prova por outros meios legais, esta será considerada ilícita para fins processuais.

e) Que tenha por finalidade instruir investigação policial ou processo criminal.

Segundo Capez (2012, p. 386):

(…) “trata-se de requisito constante da Carta Magna e que foi reproduzido pela Lei n. 9.296/96 em seu art. 1º. Assim, não se admite a quebra do sigilo para instruir processo cível, por exemplo, ação de separação por adultério, em que é comum a ação de detetives particulares “grampeando” o telefone do cônjuge suspeito, já que a autorização só é possível em questão criminal. Da mesma forma, incabível a interceptação em sede de inquérito civil ou ação civil pública”.

Sendo assim, a interceptação telefônica só é possível no âmbito penal, conforme previsão do art. 1º da Lei n⁰ 9.296/96, nos casos de investigação criminal e instrução processual.

2.3 Delimitação da situação objeto da investigação e do sujeito passivo da interceptação

De acordo com parágrafo único do artigo 2º da lei em exame, será sempre obrigatória a descrição com clareza da situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.  A perfeita individualização do sujeito passivo é exigida em razão da impossibilidade de interceptação genérica, afinal estamos diante de uma medida cautelar excepcional e invasora de privacidade alheia.

A indicação do sujeito passivo esta atrelada a existência de indícios de autoria ou participação e cabe ao juiz, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada, indicar o nome ou apelido do investigado. Logicamente, não contando os órgãos da persecução penal com a identificação/qualificação dos investigados, nada impede que seja determinada a interceptação telefônica, hipótese que como dito anteriormente, caberá ao juiz apontar as razões fáticas que o levou a impossibilidade de fazer menção à qualificação dos investigados.

Há a necessidade também da descrição clara da situação do objeto da investigação criminal, com a delimitação fática (objetiva) do fato que se quer comprovar, pois além de exercer importante papel de garantia, no sentido de se coibir interceptações para apurar fatos indeterminados, essa delimitação da situação objeto da investigação também é de vital importância no tocante à descoberta de elementos probatórios relacionados a outros delitos (encontro fortuito).

A posição do Supremo Tribunal Federal é no sentido de entender pela possibilidade de utilização das provas provenientes do encontro fortuito, desde que os delitos a que se referem os fatos fossem punidos com reclusão, já que a garantia constitucional da privacidade já teria sido mitigada, não havendo por isso impedimento a utilização. Vê-se, portanto, que há divergência sobre a admissibilidade da prova fortuita no processo penal, quando proveniente de interceptação telefônica autorizada judicialmente, prevalecendo o entendimento de que seriam tais provas válidas se guardada conexão entre o fato investigado e a prova do descoberto. 

2.4 O encontro fortuito de provas e a interceptação telefônica (serendipidade)

Tema que provoca certa controvérsia na doutrina e na jurisprudência diz respeito ao encontro fortuito de provas e a interceptação telefônica. Discute-se sobre a validade de uma prova descoberta por acaso, a partir de uma interceptação telefônica, quando se buscava, na realidade a prova de fato diverso.

Dentre os requisitos da decisão judicial que autoriza a violação da comunicação telefônica, dois deles são de fundamental relevância, ambos previstos no artigo 2º, parágrafo único, da Lei 9.296/96, quais sejam: a individualização do crime ou dos crimes objeto da medida cautelar, bem como a pessoa ou as pessoas que estão sendo investigadas, isso porque inicialmente, aguarda-se uma relação adequada entre o que se procura e o que efetivamente foi encontrado. No entanto, eventualmente, há discordância entre ambos, fato que deve ser imediatamente comunicado ao magistrado que proferiu a ordem judicial, a fim de que se delibere a respeito.

 Em outras palavras, supondo-se que uma interceptação telefônica tenha sido autorizada para apurar crime punido com reclusão, por exemplo, tráfico de drogas praticado por determinado indivíduo, a questão é saber se seria possível a utilização de elementos probatórios colhidos casualmente ao longo da diligência em relação a outras infrações penais, por exemplo, homicídio, e/ou em relação a outras pessoas.

Segundo Gomes (2010, p. 470):

(…) “sendo o fato objeto do encontro fortuito conexo com o fato que se busca investigar ou se o agente encontrado tem relação de continência com esse fato, na forma do artigo 76 do Código de Processo Penal, são as provas assim obtidas válidas. De outro lado, inexistindo essa relação, o que se encontrou não poderá valer como prova, mas como notitia criminis”

Por razões técnicas, no transcorrer da execução da interceptação telefônica não é possível distinguir o que é ou não objeto da investigação, o que resulta no encontro fortuito.

Terá validade a prova de novo crime descoberto por meio da captação telefônica, desde que haja conexão ou continência (Código de Processo Penal, arts. 76 e 77 – encontro fortuito de primeiro grau) com o fato autorizador da interceptação. Caso contrário (inexistente conexão ou continência – encontro fortuito de segundo grau), só poderá ser utilizado como notitia criminis, o que ensejará o início de nova investigação, até mesmo nova interceptação independente, não havendo que se falar em "ilegalidade por derivação", porque a notícia foi colhida no bojo de uma interceptação legalmente realizada.

A jurisprudência, porém, vai um pouco mais além do entendimento doutrinário, entendendo que, se no curso de uma interceptação que apura infração punida com pena de reclusão descobre-se um deleito punido com detenção ou praticado por outra pessoa, a transcrição final da captação pode ser usada não só como notitia criminis, mas também como legítimo meio probatório para fundamentar um decreto condenatório.

Nessa mesma linha, o STF já entendeu que é possível a interceptação ser utilizada como prova em crime punido com detenção, basta que este seja conexo com o crime de reclusão para o qual foi autorizada a interceptação, desde que esta tenha ocorrido de forma fundamentada, legal e legítima. Do contrário, levaria ao absurdo de concluir pela impossibilidade de captação para investigar crimes apenados com reclusão quando forem conexos com crimes punidos com detenção.

Além disso, em alguns julgados do STJ, se quer tem sido imposta como obrigatória a existência de conexão ou continência entre as infrações penais quando se tratar de encontro fortuito de informações sobre delitos futuros, valendo a interceptação telefônica devidamente autorizada como notitia criminis. Neste caso, não se deve exigir conexão entre o fato investigado e aquele descoberto, por três razões: 1º) a própria Lei não exige conexão ou continência entre tais crimes ou criminosos; 2º) a interceptação foi realizada de forma legal e com ordem judicial, apesar de ter descoberto crime ou criminoso não indicado no pedido, a prova se consolidou de forma lícita; 3º) o Estado não pode se manter inerte diante da notícia de um crime.

2.5 Prova emprestada

Segundo Capez (2012, p. 388) prova emprestada: “É aquela produzida em determinado processo e a ele destinada, depois transportada, por translado, certidão ou qualquer outro meio autenticatório, para produzir efeito como prova em outro processo”.

Embora seja trazida ao segundo processo pela forma documentada, a prova emprestada tem o mesmo valor da prova originalmente produzida, ou seja, apesar de sempre ter a forma documental, o valor probante da prova emprestada é o da sua essência, e esta será sempre a originária, consoante foi produzida no processo primitivo.

De acordo com a doutrina majoritária a utilização da prova emprestada não pode gerar efeito contra quem não tenha figurado como uma das partes no processo originário, observando-se, assim, os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Como já visto, a regra geral é de que a interceptação só é permitida para fins de investigação criminal ou instrução penal. Nesse sentido, respeitável doutrina inclina-se pela inadmissibilidade do uso da interceptação de comunicações telefônicas fora das hipóteses constitucionalmente permitidas, e já elencadas acima (investigação criminal e instrução processual penal). Ao se permitir a utilização da interceptação telefônica por meio de prova emprestada em processos de natureza diversa, estar-se-á diante de uma violação indireta à Lei Maior, na medida em que se permitiria por via obliqua o que o texto constitucional proíbe pela via direta.

Contrariamente, para os defensores desta admissibilidade, não há que se proibir este empréstimo de prova quando a interceptação telefônica tiver sido realizada de acordo com os ditames estatuídos pela Lei n⁰ 9.296/96, caso em que a mesma terá sido licitamente produzida. Sendo assim, ao romper-se o sigilo das comunicações telefônicas mediante a interceptação, não haveria razões para obstar o empréstimo do conteúdo obtido através desta, já que a intimidade fora licitamente violada.

Nesse sentido o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já pacificaram entendimento de que a interceptação telefônica, devidamente autorizada, realizada durante a investigação criminal ou instrução processual penal pode, desde que respeitado o contraditório e a ampla defesa em ambas as esferas, ser utilizada como prova emprestada. Por exemplo, em processo administrativo disciplinar para a demissão de servidor público, inclusive contra servidores que não figuraram no processo penal onde a prova foi produzida (STF, Pet 3683 QO/MG, Relator Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 13/08/2008, DJe-035 19-02-2009).

2.6 Do procedimento

Como dispõe o art. 3º da Lei 9.296/96, a interceptação poderá ser determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, no decorrer do inquérito policial ou durante o processo, ou ainda, por representação da Autoridade Policial, na fase inquisitiva.

Convém, antes de qualquer coisa, assinalar que o procedimento da interceptação telefônica é de natureza cautelar, cuja medida poderá ser preparatória, se realizada antes da propositura da ação penal, ou incidental, quando realizada durante a instrução processual penal.

Como se percebe da simples leitura do artigo 3º, o único legitimado para determinar a interceptação telefônica é o juiz competente para a ação penal e por conta do legislador ter se utilizado da expressão “… poderá ser determinada pelo juiz…”. A doutrina diverge se o juiz pode ou deve determinar a interceptação.

Alguns doutrinadores como Parizatto (1996, p. 37), entendem que se trata de uma faculdade judicial, e mesmo se preenchidos os requisitos legais, não há obrigatoriedade em deferir a solicitação de captação telefônica, que ficará a critério do magistrado competente. Em sentido contrário, vários doutrinadores como Gomes (2010, p. 478) defendem que, se for constatada a subsunção da situação fática aos pressupostos legais, a autoridade judiciária estará obrigada a acolher a postulação de violação da comunicação telefônica.

A expressão poderá tem o sentido de que incumbe ao magistrado proceder à constatação fática e jurídica do que se lhe pede.

Ainda de acordo com o disposto no art. 3º da Lei, são legitimados para requerer a interceptação telefônica: a) a autoridade policial, por meio de representação, apenas na fase da investigação criminal. Apesar de a lei não se referir expressamente á necessidade de prévia manifestação do Ministério Público, entendemos ser recomendável; b) o representante do Ministério Público, tanto na fase investigatória como na fase judicial. Em que pese existir controvérsia se o Ministério Público pode ou não presidir investigação, o Superior Tribunal de Justiça entende que esta instituição pode pedir a interceptação telefônica em investigação que ela está presidindo.

Por analogia, na ação penal de iniciativa privada, deve-se conferir ao querelante legitimidade para requerer a interceptação, uma vez equiparado à figura do promotor de justiça, por ser autor/titular na ação penal privada e ter o ônus de provar a acusação. Nos crimes de ação penal pública, a lei não confere legitimidade a vítima para requerer interceptação telefônica, apesar disso, queremos crer que a vítima pode sugerir á autoridade policial ou ao órgão do Ministério Público que requeiram a diligência.

 Como se percebe da leitura do referido dispositivo, a lei nada menciona acerca da possibilidade de a defesa requerer a interceptação.  A despeito do silêncio da lei, há doutrinadores que entendem ser possível tanto ao acusado quanto seu advogado, em face do princípio da proporcionalidade, requerer diretamente ao juiz a realização da interceptação. Em oposição há corrente que entende não ser possível ao acusado e seu defensor requerer diretamente ao juiz a realização da interceptação, o que não significa dizer, no entanto, que os mesmos não possam instar a autoridade policial ou o órgão ministerial para que exerçam sua legitimidade.

Outra grande polêmica suscitada pelo referido dispositivo é o fato da legislação permitir ao juiz que decrete de “ofício” interceptação telefônica nas fases de investigação criminal e de instrução processual penal. Na visão de grande parte da doutrina o caput do artigo 3º da Lei n⁰ 9.296/96 é inconstitucional, pois cria a figura do juiz inquisidor, violando o sistema acusatório do processo, o princípio da imparcialidade do juiz, da inércia de jurisdição e o devido processo legal, tornando-o conflitante com nosso sistema processual penal que é acusatório, onde existe uma nítida divisão entre o órgão acusador e o julgador. No mesmo sentido, Gomes (2010, p. 484):

(…) “seja porque viola o processo acusatório, que tem incontestável assento constitucional, seja porque retira do juiz a necessária imparcialidade que, para além de representar uma importante garantia, é nota essencial da jurisdição, no nosso entender, é absolutamente inconstitucional a determinação da interpretação telefônica pelo juiz de ofício na fase pré-processual”.

Com entendimento contrário, Avolio (2010, p. 238) afirma que:

“Poderia fazê-lo durante a fase do inquérito policial? Penso que sim, pois não vislumbro aí a figura do juiz inquisidor, o processo cautelar pode ser utilizado sempre que necessário, e não ficaria o juiz impassível diante de eventual inércia do Ministério Público ou da autoridade policial. O que o juiz não pode, por força do princípio da inércia da jurisdição, é iniciar a investigação ou a ação penal. Mas tendo-se deflagrado o inquérito, se pode ele o mais (decretar a prisão provisória), também poderia determinar diligência probatória, de cunho cautelar”.

Entretanto, uma vez no curso da ação penal, a maioria dos doutrinadores entende pela inexistência de inconstitucionalidade, pois a autoridade judiciária estaria utilizando-se do poder geral de cautela em busca da verdade real e nos moldes do sistema do livre convencimento. Afinal, vislumbrando a necessidade da decretação da medida, não se pode privar o magistrado de importante instrumento para assegurar o melhor acertamento dos fatos delituosos submetidos a julgamento.

Acerca do assunto, importa registrar a ação direta de inconstitucionalidade n⁰ 3.450, ajuizada pela procuradoria-geral da república em face do artigo 3º da Lei n⁰ 9.296/96, a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do referido dispositivo, excluindo-se a interpretação que permite ao juiz, durante a fase pré-processual penal, determinar de ofício a violação das comunicações telefônicas.  

Conforme esclarece o artigo 4° da Lei n⁰ 9.296/96, o pedido de interceptação de comunicação telefônica conterá a demonstração de que a sua realização é necessária à apuração do crime e a indicação dos meios a serem empregados para a concretização da violação. Excepcionalmente, o juiz poderá admitir que o pedido seja formulado verbalmente, desde que estejam presentes os pressupostos que autorizem a interceptação, caso em que a concessão será condicionada à sua redução a termo. O juiz, no prazo máximo de vinte e quatro horas, decidirá sobre o pedido.

Essa hipótese de autorização para que o pedido seja formulado verbalmente é muito remota e restrita a casos excepcionais, mas desperta a preocupação dos doutrinadores, uma vez que estaria prejudicado ao juiz examinar a presença dos requisitos essenciais que deverão estar presentes para a admissibilidade da medida. A urgência, porém, pode justificar a previsão legal nesses casos excepcionais, mas requer ao magistrado um exame detalhado do caso.

A necessidade de demonstração de que a interceptação telefônica é necessária, esta atrelada ao periculum in mora disposto no inciso II, do artigo 2º da Lei em estudo, e é mais uma garantia de que somente nos casos especiais será concedida a utilização da medida. Isso equivale dizer que nada será feito a bel prazer de qualquer dos órgãos envolvidos no processo.

Cabe, ainda, ao requerente apresentar os meios que serão empregados para concretizar a captação telefônica, ou seja, que tipo de aparelho ou tecnologia será utilizado; como funcionam; se será necessária ou não a intervenção das concessionárias de serviços públicos, entre outros. Claro que o objetivo da Lei com esse dispositivo é que, entre outras coisas, seja afastada a utilização de meios ilícitos ou proibidos.

 Quanto ao prazo máximo de vinte e quatro horas, para a Vice Procuradora Geral da República e para o Advogado Geral da União, nas manifestações prolatadas na Ação Direita de Inconstitucionalidade n⁰ 4.113, a extrapolação do prazo trata-se de mera irregularidade, por se tratar de prazo impróprio, cujo descumprimento não enseja consequência alguma para o processo, de modo que, especialmente em face de casos de maior complexidade, não há impedimento algum a que o juiz o extrapole.

Diz ainda o artigo 5º da Lei n⁰ 9.296/96, que a decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovado a indispensabilidade do meio de prova.

A mera repetição dos termos legais da letra da lei e a motivação genérica, desacompanhadas da indicação de motivos concretos, não são consideradas fundamentação de decisão judicial que permite a interceptação telefônica. Entretanto, o STJ já entendeu suficientemente motivada a ordem judicial que faz referência expressa aos fundamentos utilizados pela autoridade policial ou pelo Ministério Público

Ademais, a Lei n⁰ 9.296/96 indica o prazo máximo de 15 (quinze) dias para a conclusão da diligência. Tal limite é necessário por se tratar de uma medida que restringe um direito fundamental. O juiz, ao analisar o pedido de violação ao sigilo telefônico, deve fixar o tempo que reputar adequado para alcançar o objeto da medida cautelar, sempre respeitando o limite legal. O prazo se inicia do primeiro dia em que ocorrer a captação da comunicação.

O prazo para que a autoridade policial termine a diligência, portanto é de quinze dias. Havendo a necessidade de prorrogação do prazo, no caso de não obtenção da prova necessária para a instrução do processo, poderá o juiz, a pedido da autoridade, com a concordância do Ministério Público, prorrogá-lo por mais quinze dias, podendo este se necessário ainda ser renovado, pois, a depender da extensão, intensidade e complexidade das condutas delitivas investigadas, e desde que demonstrada a razoabilidade da medida, o prazo para a renovação da interceptação pode ser prorrogado indefinidamente enquanto persistir a necessidade da captação das comunicações telefônicas.

Tem sido essa a posição majoritária no STF e STJ que já se manifestaram indicando que a prorrogação pode ocorrer quantas vezes for necessária, desde que fundamentada (permanência dos pressupostos legais) a necessidade de cada renovação.  

Além disso, o pedido de dilação deve ser elaborado e deferido antes do limite máximo fixado na captação anterior, evitando-se uma solução de continuidade, pois caso ocorra este período desautorizado o mesmo será nulo, por violação ao preceito do art. 5⁰, inc. XII, da Constituição Federal.

Nos termos do artigo 6°, caput, da Lei n⁰ 9.296/96, deferido o pedido, independentemente de quem o tenha elaborado, será incumbência da autoridade policial conduzir o procedimento de interceptação telefônica, dando ciência ao Ministério Público, que, querendo, acompanhará os trabalhos ficando inteirado dos acontecimentos ocorridos por meio das informações prestadas pela autoridade policial cumprindo assim o dispositivo previsto na lei. O Superior Tribunal de Justiça já admitiu que a interceptação fosse conduzida pela Polícia Rodoviária Federal, com base nas funções de auxiliar na repressão e investigação de crimes dispostas no artigo 1º, inciso X, do Decreto 1.655/95 (HC 46.630/RJ, STJ), por órgãos compostos por policiais militares e civis e por órgão que não integra a polícia (HC 131836/RJ, STJ).

Mencionado dispositivo ressalta ainda que caso haja possibilidade técnica de gravar a conversa telefônica captada, deve-se, obrigatoriamente, fazê-la, com vistas à maior aferição da veracidade da prova, sua idoneidade técnica e autenticidade da voz, para oportuna valoração do juiz. A gravação atesta a existência da fonte de prova, ou seja, da comunicação via telefone. Em seguida deve será realizada a transcrição, pois esta fixa a prova em juízo (meio de prova).

Caso ocorra a inviabilidade de realizar a gravação das conversas, esta será trazida aos autos por meio de prova testemunhal, através da oitiva dos responsáveis por executar a interceptação telefônica.

Os Tribunais Superiores já decidiram que a degravação poderá ser parcial. Basta que sejam transcritos os trechos necessários ao oferecimento da denúncia ou queixa, desde que assegurados às partes acesso irrestrito a todo conteúdo gravado, inclusive o que não foi transcrito, obtendo cópias integrais da mídia que contém as gravações.

De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, não há necessidade de submissão da prova a qualquer perícia, bem como de que a transcrição seja realizada por peritos oficiais, cuidando-se de tarefa que não exige conhecimentos técnicos especializados, pode ser realizada pelos próprios policiais que atuaram na investigação.

Cumprida a diligência, o responsável pela execução da interceptação encaminhará o resultado ao Poder Judiciário acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas, a duração da captação, o telefone interceptado, pessoas envolvidas, etc. (art. 6⁰, § 2⁰, Lei n⁰ 9.2296/96), mesmo quando a interceptação não tenha tido êxito.

Recebidos esses elementos, o magistrado determinará sua autuação em apartado ficando apensado aos autos do inquérito policial ou do processo penal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas (artigo 8º, da Lei n⁰ 9.296/96). A autuação em apartado está em consonância com a privacidade e com o segredo de justiça previsto no artigo 1º da Lei n⁰ 9.296/96. A ausência de auto apartado, respeitado o sigilo, segundo o STJ, enseja nulidade relativa.

Durante a colheita da prova o segredo há de ser absoluto frente ao investigado e eventual defensor. Uma vez obtida a prova, urge o levantamento do sigilo interno, em respeito à ampla defesa constitucional e ao contraditório.

Apesar do dissenso doutrinário quanto ao momento em que o auto apartado da interceptação telefônica, realizada durante a investigação criminal, deve ser encaminhado ao juiz competente. Segundo artigo 8º, parágrafo único, da Lei n⁰ 9.296/96, a apensação somente poderá ser realizada imediatamente antes do relatório da autoridade, quando se tratar de inquérito policial, ou na conclusão do processo ao juiz para o despacho decorrente do disposto nos artigos 407, 502 ou 538 do CPP.

É importante advertir que uma coisa é apensar os autos separados, outra bem diferente é o acesso do conteúdo da captação telefônica pelos interessados. Concluída a diligência, deve prevalecer a publicidade interna restrita, ou seja, o acesso do investigado/réu e do defensor ao conteúdo da prova a fim de permitir o contraditório diferido, mesmo sem o apensamento.

As decisões do STF e a súmula vinculante n⁰ 14 permitem que a defesa tenha acesso a todas as provas já documentadas em procedimento investigatório, incluindo-se a interceptação telefônica.

O artigo 7º permite à Autoridade Policial requisitar serviços e técnicos especializados a concessionária de serviços públicos, sob pena de crime de desobediência. A requisitada não pode eximir-se do cumprimento. De outro lado, deve prestá-los de maneira gratuita. Quanto a esse artigo há entendimento de que as operações técnicas deveriam ser somente feitas por serviços públicos de telefonia, o que garantiria uma maior segurança no procedimento da interceptação, pois essas empresas gozam de maior credibilidade junto aos órgãos e dificilmente ocorreria violação dos segredos apurados com a interceptação.

Mediante requerimento do Ministério Público ou da parte interessada, jamais de ofício, seja durante o inquérito policial, seja durante a instrução ou mesmo após esta, o juiz deverá inutilizar, imediata e obrigatoriamente, a gravação, o auto circunstanciado, as transcrições, eventuais testemunhos que não tenham relevância para a obtenção da prova desejada, com isso o artigo 9º da Lei n⁰ 9.296/96 objetiva tutelar o direito a intimidade.

O conteúdo da fita que não for de interesse para o processo será destruído por determinação da decisão judicial. Essa destruição poderá ocorrer durante a fase do inquérito policial ou no final da instrução processual, mediante requerimento do Ministério Público ou da parte interessada. Vale ressaltar que todos esses procedimentos deverão ser de conhecimento do representante do Ministério Público, que deverá assistir o incidente de inutilização, sendo essa prerrogativa facultada ao acusado ou seu representante legal.

Essa faculdade (presença do acusado ou de seu representante legal no incidente de inutilização) é outro ponto controverso da Lei (parágrafo único, art. 9º), gerando intensa discussão sobre sua constitucionalidade devido o principio da ampla defesa e direito de defesa técnica, ambas asseguradas na Constituição Federal.

2.7 Do crime de Interceptação"

Sem dúvida entre os mais importantes dispositivos da Lei de Interceptações Telefônicas esta o artigo 10, que criou um novo tipo penal em nosso ordenamento jurídico. Diz o referido artigo:

“Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo de justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.

Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.”

Antes da elaboração da referida Lei, o crime de interceptação telefônica era previsto no artigo 56, do Código Brasileiro de Telecomunicações, que foi derrogado tacitamente.

Atualmente será aplicada a Lei das Interceptações para punir aqueles que praticarem condutas que se enquadrem no artigo 10 da lei em comento, cuja objetividade jurídica é proteger a liberdade de comunicação.

Por se tratar de neocriminalização (novatio legis incriminadora), o artigo em estudo somente se aplica aos fatos ocorridos a partir de 25 de julho de 1996 (publicação e vigência da lei).

Há no tipo penal criado duas condutas distintas: a de interceptar a comunicação telefônica, de informática ou de telemática, e a divulgação de seu conteúdo.

No primeiro caso temos a realização de interceptação que consiste na captação, realizada por terceiro, da comunicação telefônica, de informática ou telemática (objeto material), sem o conhecimento dos interlocutores e sem a devida autorização judicial (requisito normativo). Então exige-se que a interceptação seja realizada: a) sem autorização judicial: consistente na realização de interceptação sem a obtenção de autorização judicial mediante procedimento previsto em lei; b) ou com objetivos não autorizados em lei. Para a configuração do crime não há necessidade da revelação do teor da conversa, o qual, se ocorrer, será mero exaurimento. A interceptação pode ser realizada de qualquer modo (delito de forma livre).

Trata-se de crime comum. Qualquer pessoa pode praticá-lo, não se exigindo nenhuma qualidade especial. Os sujeitos passivos são as pessoas cuja conversa está sendo captada pelo interceptador (comunicadores). Exige-se que pelo menos um dos comunicadores desconheça a interceptação, pois o consentimento deles exclui o crime ante a disponibilidade do bem jurídico. A tentativa é admissível quando o indivíduo é flagrado instalando os equipamentos necessários para a interceptação.

O segundo crime previsto na lei é “quebrar segredo de justiça” que é a quebra do segredo relativo ao conteúdo da interceptação, ou seja, revelar a outrem o conteúdo do procedimento. Trata-se de crime próprio, é evidente que esse tipo de crime somente pode ser praticado por pessoas que tenham conhecimento da interceptação, ou seja, juiz, promotor, delegado de polícia, serventuários da justiça, agentes policiais, peritos, empregados de concessionarias, advogado, etc. Sujeito passivo consoante Luiz Flávio Gomes (1997 p. 246): “caso se concretize durante o procedimento inicial ou durante as diligências da interceptação, sujeito passivo é o Estado (que vê frustrada a possibilidade de se conseguir uma prova). Caso ocorra a quebra das gravações ou das transcrições, sujeitos passivos são todos os comunicadores”.

A tentativa neste caso (quebrar segredo de justiça) é possível, por exemplo, se o agente (juiz, promotor de justiça, perito, escrivão, etc.) envia uma carta aos comunicadores avisando-os da existência de grampo telefônico, mas a carta é apreendida por terceiros.

De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, a competência para julgar esses crimes, em regra, é da Justiça Estadual, exceto se afetar diretamente bens ou interesses da União, quando a competência será da Justiça Federal.

A ação penal é pública incondicionada, pois inexiste lei expressa em sentido contrário, nos termos do artigo 100 do Código Penal.

Fica claro no texto da lei que todo tipo de interceptação telefônica depende de autorização judiciária e aquele que pratica a conduta de interceptar comunicação telefônica, de informática ou telemática, ou ainda quebrar segredo de justiça, sem autorização judicial será responsabilizado e sofrerá a sanção penal prevista.

CONCLUSÃO

A Constituição Federal de 1988 ao dispor no seu artigo 5º, inciso XII que: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”, abriu uma exceção para que possa ser feita a interceptação telefônica nos casos previstos na lei. Situação essa que ocasionou intensa polêmica, gerando a necessidade da elaboração de lei regulamentar. Então foi publicada a Lei n⁰ 9.296/96, que disciplinou a interceptação telefônica.

Com a promulgação da Lei das Interceptações Telefônicas, acreditava-se que o problema seria solucionado, mas como foi observado ao longo da pesquisa, a lei não foi suficiente para dirimir todas as dúvidas.

O legislador deixou lacunas, pois poderia ter sido mais objetivo quanto aos casos em que será autorizada a interceptação, mas preferiu indicar quando ela não será admitida.

Ficou também a dúvida quanto à possibilidade de interceptação de dados e de telemática. Alguns doutrinadores entendem ser inconstitucional o parágrafo único do artigo 1º da lei, porque a Constituição Federal só permitiu a interceptação telefônica, e a lei menciona o fluxo em sistemas de informática e telemática. Para outros é cabível a interceptação de informática e telemática e justificam dizendo que com o avanço tecnológico, os criminosos estão cada vez mais ousados usando a informática para praticarem crimes, e o poder público deve estar preparado para combater em pé de igualdade o crime organizado.

O entendimento exposto neste trabalho compartilha da opinião daqueles que admitem a interceptação desse tipo de comunicação, porque em um mundo tão informatizado, onde as pessoas utilizam seus computadores para as mais variadas tarefas, muitos são os que se aproveitam da celeridade e comodidade que esse meio proporciona, para praticar um leque variado de crimes, sendo que o julgador não poderá ficar preso a uma visão restrita da lei, e os indivíduos não poderão invocar o direito à proteção da sua intimidade para acobertar práticas criminosas que causarão um dano imenso à sociedade.

Com relação às gravações clandestinas a doutrina e jurisprudência são pacíficas no sentido de que a lei da interceptação não alcança tal instituto, porém elas são aceitas em especial pela jurisprudência, desde que, seja justa a causa o juiz examinará a relevância do interesse público diante do direito à intimidade, utilizando-se, é claro, do princípio da proporcionalidade ou razoabilidade. Contudo, em nosso entendimento, elas devem se circunscrever, dentro do possível, aos limites estabelecidos pela Lei n⁰ 9.296/96, em atenção à tutela da intimidade (art.5º, X, CF), sob pena de deixar ao abandono essa preciosa garantia, a qual tem ampla irradiação quando se trata da atuação da pessoa enquanto indivíduo na esfera privada de sua vida e também junto à coletividade.

De todo o exposto é possível concluir que as discussões em torno da admissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos são várias e crescentes, merecendo por isso atenção. Contudo defendo que as provas ilícitas, em princípio, devem ser inadmissíveis no processo, devido a sua vedação pela nossa Lei Maior. Entretanto acredito que da análise do caso concreto e observando-se o princípio da proporcionalidade, o julgador poderá aceitá-la excepcionalmente para alcançar um maior grau na aplicação da justiça, sempre que o interesse da sociedade se sobrepor ao interesse do particular.
 

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Informações Sobre o Autor

Gilcinéia Zorzan

Funcionária Pública Pertencente a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Bacharel em Direito pela Faculdades Integradas Toledo Araçatuba/SP Ano 2003;Especialista em: Ciências Criminais pela Universidade da Amazônica em convênio com o Instituto UVB em 2007;Direito Processual: grandes transformações pela Universidade do Sul de Santa Catarina em 2008;Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp em 2012.


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