Da legalidade do decreto prisional por dívida de alimentos. Possibilidade de prisão quando devedor de menos de três parcelas

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Resumo: Este trabalho não se tem a intenção de dizer sobre esgotamento do assunto, mas, partimos do princípio que a dúvida ou a incerteza da possibilidade de prisão por falta de pagamento de alimentos (antes de completada as três parcelas) encontra a resposta na dicção clara do § 7 do art. 528 do CPC. A luz da nova redação dada pelo Código de Processo Civil (Lei nº. 13.105/2015), busca-se provocar a discussão sobre a possibilidade de decretação da prisão do devedor de alimentos com menos de três parcelas, como anteriormente se tinha a falsa convicção que somente assim era permitido. Assim, não esgotamos o assunto, somente abrimos um caminho para um “novo” (?) debate sobre o tema. Confrontando a nova norma legal com a realidade do necessitado de alimentos e com a forma que hoje vivemos.

Palavras chave – Prisão de devedor de alimentos, Execução de alimentos, Falta de pagamento de pensão alimentícia, Legalidade da prisão.

Sumário: Introdução. 1. Distinção da prisão civil por dívida de alimentos e a prisão criminal por abandono material. 2. Possibilidade do decreto prisional com menos de três parcelas em atraso. 3. Execução de alimentos de título extrajudicial – Conclusão – Referências.

Introdução

Nesta apresentação trazemos a discussão a possibilidade de ser decretada a prisão do devedor de alimentos quando ainda exista somente uma prestação em atraso. Quem disse que precisa esperar três parcelas para executar o devedor?.

 Essa é uma das máxima que se criou sem qualquer fundamento; afinal, alguém conseguiria sobreviver por três meses sem alimentos?.

Feitas essas perguntas, busquei trazer luz a discussão e pontuar amparado em nossa Legislação para demonstrar que é perfeitamente legal e recomendável que se decrete a prisão com a primeira parcela inadimplida, visando resguardar o direto a vida e sobrevivência do incapaz e para dar melhores (menores valores financeiros) condições ao devedor em saldar sua dívida.

1. Distinção da prisão civil por dívida de alimentos e a prisão criminal por abandono material

 Há grande celeuma quando falamos da prisão do devedor de alimentos. Com as mais estapafúrdias desculpas para a não decretação (lotação nas delegacias, falta de cela diferenciada, não criminalização e rotulação do devedor, entre outras).

 Mesmo com todo o rol de justificativas para não se decretar e deixar isso para após as três parcelas, desconsiderando-se por completo o necessitado que pleiteia os alimentos, nosso atual CPC prevê expressamente essa possibilidade; há que se fazer uma leitura conjunta dessa previsão (do CPC) e a previsão da criminalização da conduta quando se prolonga no tempo (nessa situação sim, entendo razoável após um tempo mínimo), conforme a previsto no CPB.

 Apesar da clara distinção de que a prisão civil do devedor de alimentos não tem relação com a prisão de responsabilidade penal; pois que a prisão civil se relaciona a prisão por existência de uma dívida civil. Devemos esclarece que a prisão do devedor de alimentos é a única hipótese de prisão civil permitida em nosso ordenamento; de certo que a prisão criminal do devedor de alimentos só poderá ocorrer quando demonstrado a prática de crime, no caso em comento, o previsto no art. 244 CPB.

2. Possibilidade do decreto prisional com menos de três parcelas em atraso – previsão no CPC.

 O entendimento jurisprudencial dominante é no sentido de que a prisão civil pode ser decretada antes da execução de bens, relativamente até os três últimos meses, ou seja, não é a partir do terceiro mês de inadimplência é sim até três meses para trás; daí a conclusão que a contar de um mês de inadimplência poderá a/o guardiã(o) do necessitado propor o respectivo pedido de cumprimento, com a possibilidade de prisão desde logo. (Inteligência do § 7º do art. 528 do CPC).

 Da mesma forma as parcelas que se forem vencendo no decorrer do processo podem e devem ser incluídas, conforme entendimento já pacificado quando ainda em vigor o antigo Código de Processo Civil, de forma que quanto a esse tópico não carece de maiores discussões.

Nesse sentido;

“ALIMENTOS. EXECUÇÃO. PRISÃO CIVIL.
Correto se afigura o decreto de prisão com relação às prestações que se venceram no curso do processo, quando a dívida alimentar existe, é líquida, certa e exigível, não tendo o devedor justificado a impossibilidade de adimplir. Ilegalidade inexistente.
Recurso desprovido.” (5 fls.)
(Agravo de Instrumento nº 70000778001, 7ª Câmara Cível do TJRS, Novo Hamburgo, Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. j. 29.03.2000).

 A polêmica dúvida que havia sobre a possibilidade de decretação de prisão em “execução de alimentos” somente após três meses de atraso já encontra-se superada, pois que mesmo fazendo-se uma analise a luz da razoabilidade e lógica, encontramos a resposta; será que um necessitado (presumidamente legal) de alimentos terá que esperar os três meses?; E, nesse período como ele irá sobreviver?. Vejam, estamos tratando de uma situação hipotética de uma pessoa completamente incapaz; será que sentirá necessidades nesse período? As suas necessidades básicas de alimentação (no mínimo) irão aguardar o decurso desse prazo?

 Destas perguntas podemos extrair a certeza óbvia que a resposta é Não e Sim.

 Não se pode esperar.

 Sim deve-se utilizar o instrumento processual para alcançar a justiça e, como consequência disto, compelir o devedor através de ordem de prisão para que cumpra imediatamente sua obrigação, pela clara conclusão que o fome Não espera e a pessoa, em situação de necessidade presumida, sofrerá danos irreparáveis.

 Para maior clareza vejamos redação do artigo 528 § 7º; nesse, encontramos a elucidação da hipotética dúvida suscitada;

“art.528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.

§ 7o O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.”

 Desta forma vemos com clareza e podemos afirmar com certeza ser cabível o decreto de prisão civil em razão do inadimplemento das parcelas alimentares vencidas até três meses antes do ajuizamento da execução/cumprimento sentença, além das que vencerem no curso do processo. Vejam que a legislação autoriza é que seja decretada a prisão referente as parcelas até os três últimos meses e não somente com três meses de atraso. Ou seja, sendo a dívida de um, dois ou três meses da data do ajuizamento, poderá ser decretada a prisão do devedor de alimentos.

Diferentemente do antigo CPC que no § 1º do art. 733, não trazia claramente o limite temporal que se podia cobrar, cumulativamente com a possibilidade da decretação de prisão, deixava a critério do julgador essa interpretação, coisa que hoje encontra-se superada pela própria dicção do § 7º do art.528 do CPC.

Na forma antiga do CPC, de 1973:

“art. 733. Na execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.

§ 1o Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.”

Na forma prevista no atual CPC de 2015:

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“art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.

§ 7o O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.”

 No § 7º do art. 528 do CPC, onde se extrai “o débito alimentar que autoriza a prisão civil é o que compreende até as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução (…)”, essa afirmativa legal evidência que a execução/cumprimento de sentença da dívida poderá se dar com apenas uma só parcela vencida, diferente do exposto no antigo CPC que nada pronunciava a esse respeito.

 As demais parcelas em atraso, anteriores a propositura da Ação de Execução ou no caso agora “Cumprimento de Sentença”, caso existam, é que devem ser pleiteadas em ação para penhora de bens, onde não cabem a decretação de prisão.

 Vemos com nitidez que a lei não inibe a possibilidade de decreto prisional para o devedor de alimentos de um único mês, ao contrário vejo que a redação que consta no § 7º do art. 528 do CPC é no sentido de incentivar que isso ocorra e por consequência diminua o “tempo de esperar” (desesperador em muitos casos) o recebimento dos alimentos por quem tanto deles necessitam.

 A urgência da medida se justifica e aproxima a decisão da real necessidade daquele que busca socorro no judiciário, ficando caracterizado pelo caráter alimentar do pedido e da decisão judicial.

 A medida coercitiva do decreto prisional, de certa forma não só beneficia o credor, mas vem também em auxilio do devedor pois que, isso relativamente ajudaria o executado que teria um valor muito menor a pagar do que se o credor aguardasse o acúmulo de mais de três meses, que poderia tornar mais pesado o encargo e de difícil satisfação.

 Há que se falar aqui sobre a possibilidade, de eventual, alegação, descabida ao meu ver, (em sede de execução de falta de pagamento de alimentos), de outros meios menos gravosos ao executado. Não está contemplado sobre essa ótica, até porque não se vislumbra a hipótese dessa alegação defensiva, no permissivo previsto como causa impeditiva do decreto prisional, para tal somente é possível, em linha de primeira defesa: o pagamento; a prova de que o fez ou a justificativa da impossibilidade de efetuá-lo (parte final do caput do art. 528 CPC).

 Além do mais, caberia ao próprio executado indicar outro meio mais eficaz e menos gravoso para sí (§ único do art. 805 CPC), o que significaria uma inversão de ônus da prova sem amparo legal na situação posta.

 A urgência da decisão, no caso, satisfativa, porá fim, em data certa, ao trâmite processual que ao determinar prazo certo (três dias) para o cumprimento da ordem de pagamento de alimentos, afastando a possibilidade de postergação e o risco de perda do caráter alimentar.

 Outro aspecto que veio em boa hora e em conjunto com a legalidade e possibilidade de decretação de prisão do devedor de alimentos, são as demais medidas coercitivas que visam forçar ao cumprimento do dever de alimentar, estão essas medidas elencadas nos demais artigos do CPC, dentre os quais podemos rapidamente citar o lançamento do nome do cadastro de inadimplentes SPC/SERASA, Cartório de Protestos, certidão para averbação em bens móveis e imóveis, bloqueio de CNH, Passaporte, entre outras.

 O uso da medida de prisão, apesar de ser medida extrema, ao caso justificasse pela urgência latente e a necessidade de ser satisfeita naquele mesmo instante, diferente de qualquer outra que das mais simples as mais complexas estarão sujeitas a ação (praticada pelo Judiciário) e após isso ter que ser precedida de pedido para a “liberação”, se for o caso, de quem defenda os interesses da pessoa necessitada.

 Em muitos casos, a única maneira de forçar o devedor a cumprir com a obrigação alimentar é com o decreto prisional pois que a função dessa prisão não é punir pelo não pagamento é, antes, para comprimi-lo a pagar ao credor. (CAHALI, 2002).

 Comungo com o defendido pelo Prof. CAHALI, de que em muito dos casos somente com o decreto prisional é que se tem efetividade, as demais medidas esbarram em trâmites legais que lhe conferem morosidade.

3.  A execução de alimentos de título extrajudicial

 Outra posição que está pacificada é a da possibilidade de prisão pela execução de título alimentar oriundo de acordo extrajudicial. Não que em boa hora, mas, a discussão que havia sobre essa possibilidade era verdadeiro retrocesso pois que, com a criação de Lei que autoriza inúmeros procedimentos extrajudicialmente, visando desafogar o Judiciário e dar uma resposta rápida aos que buscam de forma amigável e com o auxílio obrigatório de profissional (advogado), nada mais coerente que referida “Ata Notarial” tenha plena eficácia e possa ser levada a execução sem maiores complicações e sem a necessidade de validação pelo Judiciário.

 O reconhecimento dessa possibilidade vem de encontro com a urgência de tomar medidas rápidas e eficazes, infelizmente ainda é comum o devedor postergar o pagamento de alimentos com manobras “legais” que dificultam o recebimento pelo credor (na maioria das vezes é seu próprio filho ou filha).

 Importante destacar que nestes casos aplicam-se as mesmas regras destinadas a uma condenação de alimento por decisão judicial, de forma célere e coesa.

 É esse entendimento que se depreende da observância dos artigos 911 e ss do CPC;

“art. 911. Na execução fundada em título executivo extrajudicial que contenha obrigação alimentar, o juiz mandará citar o executado para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento das parcelas anteriores ao início da execução e das que se vencerem no seu curso, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de fazê-lo.

Parágrafo único. Aplicam-se, no que couber, os §§ 2o a 7o do art. 528.

art. 912. Quando o executado for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa, bem como empregado sujeito à legislação do trabalho, o exequente poderá requerer o desconto em folha de pagamento de pessoal da importância da prestação alimentícia.

§ 1o Ao despachar a inicial, o juiz oficiará à autoridade, à empresa ou ao empregador, determinando, sob pena de crime de desobediência, o desconto a partir da primeira remuneração posterior do executado, a contar do protocolo do ofício.

§ 2o O ofício conterá os nomes e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do exequente e do executado, a importância a ser descontada mensalmente, a conta na qual deve ser feito o depósito e, se for o caso, o tempo de sua duração.”

 Não restam dúvidas da importância que o legislador dedicou ao tema, reforçando a posição de que é perfeitamente possível, legal e preferencial que a prisão do devedor de alimentos seja decretada antes de ultrapassados as três parcelas. Contrariando o que por tanto tempo ocupou o imaginário de leigos e de alguns juristas.

 Não é de hoje que se tem buscado outras formas mais eficazes de coerção para o adimplemento do dever alimentar, no entanto, esse posicionamento defendido ainda não foi devidamente e exaustivamente explorado.

 Apesar de termos um sistema prisional superlotado, não pode ser essa a desculpa pelo não decreto prisional do devedor de alimentos que deixe um necessitado a sua própria sorte. Com a ampliação das legais possibilidades de decretação de prisão aos devedores de alimentos, logo de início em um processo de execução ou cumprimento de sentença, certamente haverá um maior interesse deste devedor em regularizar essa situação.

 Acredito que muito em breve teremos julgados que pacificarão o entendimento que trouxe à essa discussão.

Conclusão

 Assim, concluímos ser perfeitamente legal e possível o decreto prisional do devedor de alimentos quando acionado por uma única parcela em atraso. Pelo exposto não restam dúvidas de onde o amparo legal está e que de diversas outras formas já se tentava a elucidação e efetividade da medida que, agora, em bom tempo e claro português estabeleceu a previsibilidade.

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Ademais, também demonstramos que a possibilidade de decretação de prisão com uma única parcela em atraso irá “auxiliar” o devedor que terá um valor menor a recolher, não onerando-o pesadamente e evitando o arrastamento, em muitas situações, por anos sem uma solução prática e efetiva.

 

Referências:
CÓDIGO de Processo Civil: Lei nº 5.869/1973. Diário Oficial da União. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869impressao.htm;
CÓDIGO Civil: Lei nº 10.406/2002. Diário Oficial da União. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm;
CÓDIGO de Processo Civil: Lei nº 13.105/2015. Diário Oficial da União. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm;
CONSTITUIÇÃO da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm;
CAHALI, Yussef Said, Dos Alimentos – 2ª. ed. rev. e ampl., 2º.t. – São Paulo: Ed. RT, 1994;
CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 4ª ed. São Paulo, Ed. RT, 2002.
DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro: direito de família – 15ª. ed. rev. – v.5. – São Paulo: Saraiva, 2000;
MADALENO, Rolf, A Desconsideração Judicial da Pessoa Jurídica e da Interposta Pessoa Física no Direito de Família e no Direito das Sucessões – Rio de Janeiro: Forense, 2009;
MONTEIRO, Washington de Barros, Curso de direito civil: direito de família – 32ª. ed. rev. – v.2. – São Paulo: Saraiva, 1995;
SHIKICIMA, Nelson Sussumu, Lições de Direito de Família: acrescido de jurisprudência nos principais assuntos – 2ª. ed.rev. e atual. – São Paulo: Alameda, 2009.


Informações Sobre o Autor

Geraldo Evangelista Lopes

Advogado do Conselho de Prerrogativas da 1ª Região da OAB/SP, Especialista em Direito Cível e Processo Civil – Faculdade Legale/SP, Mestrando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa


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