Da legitimidade do assistente de acusação

“O assistente de acusação não pode requerê-la, pois seu interesse se resume à formação do título executivo judicial, com vistas à futura reparação do dano cível”. FERNANDO CAPEZ 1

O aluno, exatamente porque conhecedor do grau de conhecimento do mestre, busca sorver cada palavra, cada vírgula da fala do seu doutrinador.

Precisamente por atribuir a importância devida a palavra do professor é que o aluno termina por refletir o seu dizer em grau de dissecação.

E penso que a melhor homenagem que o aluno pode lhe prestar evidencia-se pelo refletir acerca da lição. E tal se dá, não pela mera repetição acrítica do que ouviu (ou leu), mas por buscar o significado efetivo acerca do que lhe foi ensinado.

A escolha da referência doutrinária acima exposta não é gratuita. Escolhí a dicção do Professor FERNANDO CAPEZ, não só pela envergadura doutrinária que ostenta, mas também, porque sua assertiva expressa, em brilhante síntese, o entendimento majoritário, senão unânime, da doutrina.

Duas possíveis ordens de interesses são ventiladas como capazes de legitimar a intervenção do assistente da acusação no processo penal.

A primeira delas é de que o ofendido não atua na ação penal defendendo direito seu, mas auxiliando a acusação. Noticia FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO2, ser este o entendimento de FREDERICO MARQUES3 e ESPÍNOLA FILHO4.

O próprio FERNANDO TOURINHO5, discorda desta vertente para concluir que o que legitima a intervenção do assistente de acusação no processo penal é o seu interesse na reparação do dano emergente da prática do delito.

Fundamenta seu entendimento a partir da interpretação do quanto disposto no art. 91, I do Código Penal, do art. 63 do Código de Processo Penal e do art. 1525 do Código Civil, hoje correspondente ao art.935 do CC/2002.

Este o mesmo entendimento esposado pelo Professor FERNANDO CAPEZ6:

“Ao habilitar-se como assistente, o ofendido não o faz com o fim de auxiliar a acusação, mas de defender um seu interesse na reparação do dano causado pelo ilícito (ex delicto). Para tanto, a vítima assiste ao Ministério Público no Processo Penal, mas apenas enquanto meio útil de lograr a satisfação do seu interesse civil, haja vista que, segundo o Código Penal, art. 91I, constitui efeito genérico da condenação penal tornar certa a obrigação de indenizar o dano, fazendo coisa julgada no cível (CC/1916, art. 1525-CC/2002, art. 935; CPP, art. 63)”.

Esta segunda linha de entendimento, preconizada pelos Professores FERNANDO CAPEZ e FERNANDO TOURINHO, parece corresponder à tendência majoritária do que vem sendo adotado pela doutrina e pelos tribunais.

Contudo, cumpre anotar que a seguir-se pela outra vertente que entende como fundamento à legitimidade à intervenção do assistente no processo penal a sua mera condição de auxiliar da acusação, onde curaria, ao lado do Ministério Público, da própria aplicação do reproche penal, em nada se prejudica a conclusão aqui defendida no que toca à legitimidade do assistente para formular o requerimento da preventiva.

Esta corrente de entendimento concebe, por seus próprios fundamentos, uma atuação mais ampla do assistente.

Aparentemente, o óbice ao requerimento do assistente pela preventiva surgiria para os que sustentam a corrente que só tem por legitimada a intervenção do assistente caso haja, o delito, dado causa a um dano ressarcível.

Procurarei demonstrar que tal só se dá, apenas, aparentemente. Em realidade a própria razão apontada como fundamentadora da intervenção assistencial, também legitima o assistente a pleitear pela imposição da custódia preventiva.

Se diz-se que o assistente tem sua intervenção fundamentada (e bitolada) pelo interesse em preservar o seu direito ao ressarcimento do dano emergente do delito, quer-se dizer que ele tem interesse em obter, no processo penal, uma sentença condenatória apta a produzir um título executivo capaz de realizar, na seara cível, o seu direito àquele ressarcimento.

O art. 91, do Código Penal atribui à sentença condenatória penal a virtude de tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime.

Este artigo, conjugado com as disposições constantes dos artigos 63 do Código de Processo Penal e do art. 935 do CC/2002, equivalem a dizer que uma vez obtida, em caráter definitivo, a condenação penal, o ofendido não precisa – está dispensado de propor – demanda de conhecimento condenatória cível. Apenas resta-lhe proceder à liquidação e posterior execução do título.

Em sendo desta forma fica claro que para que se viabilize este itinerário ao ofendido, faz-se condição essencial a obtenção da sentença condenatória penal.

Destarte soa evidente que sem uma instrução criminal livre de interferências inadimitidas pela lei e capazes de comprometer à formação do convencimento judicial, o ofendido jamais poderá valer-se do título executivo de origem penal que deixou de existir por ter a sua formação comprometida por uma instrução deficiente ou ameaçada.

Assim sendo, como sustentar inexistir uma relação de suposto a pressuposto entre a formação do título executivo (a condenação criminal) e a existência de uma instrução criminal livre de ameaças?

Se testemunhas estão sendo ameaçadas, se o estado das coisas está sendo modificado, se existir peita a peritos e testemunhas, como dizer que o direito à formação do título executivo não está ameaçado?

É comum dizer que quem oferece os fins não pode negar os meios.

Como se continuar afirmando que o assistente de acusação não pode requerer pela prisão preventiva quando a conveniência da instrução criminal estiver sendo ameaçada?

Será que isto não tem qualquer relação com o seu interesse em obter a condenação criminal capaz de viabilizar o exercício do seu direito à indenização?

Vejo-me seduzido a concluir que, da mesma forma que a realização da indenização do dano ressarcível emergente do delito depende da obtenção do título executivo criminal (vale dizer, da condenação na esfera criminal) com efeitos no cível; esta mesma condenação, reclama, por pressuposto, uma instrução criminal livre de ameaças e capaz de conduzir o julgador a um convencimento livremente formado.

É sabido que em mais de uma hipótese a lei indica como necessária a prisão preventiva do imputado. Nas outras hipóteses, que não essa da “conveniência da instrução criminal”, também não vislumbro possibilidade de requerimento por parte do assistente da acusação pelo simples fato de não guardarem qualquer relação com a obtenção do título executivo penal.

Mas parece inegável que no caso de “conveniência da instrução criminal” tal legitimidade emerge exatamente por conta do interesse apontado como fundamentador da sua intervenção no processo penal, ou seja, o seu interesse na obtenção do título executivo de origem penal.

Em sendo assim, onde diz a doutrina, aqui materializada na síntese do Professor FERNANDO CAPEZ7:

“O assistente de acusação não pode requerê-la, pois seu interesse se resume à formação do título executivo judicial, com vista à futura reparação do dano cível”.

Sugiro:

Exatamente por seu interesse consistir na formação do título executivo judicial, com vistas à futura reparação do dano cível, o assistente de acusação pode requerer a prisão preventiva para resguardar a conveniência da instrução criminal.

A questão, pois, segue aqui posta, em sede de reflexão por parte do aluno-leitor a partir da lição do professor-doutrinador.

Esta, por ora, a modesta contribuição oferecida.

 

Notas
1.  CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, Ed. Saraiva, 10ª edição, pg. 232.
2.  TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal, Ed. Saraiva, 2001, pg. 252.
3.  MARQUES, Jose Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, Ed. Forense, 1961, V.2 pg. 249.
4.  SPINOLA FILHO, Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, Ed. Borsoi, 1954, V.3, pg. 269.
5.  TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal, Ed. Saraiva, 2001, pg. 253.
6.  CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, Ed. Saraiva, 10ª edição, pg. 169.
7.  CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, Ed. Saraiva, 10ª edição, pg. 232.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Rogerio Theofilo Fernandez

 

Graduado pela UCSal em 1998, pós-graduado lato sensu pela Fundação Escola Superior do Ministério Público da Bahia em 2000, aprovado no concurso para Procurador do Estado da Bahia em 2003, e, especializando em Direito Penal e Processual pela UNIFACS.

 


 

logo Âmbito Jurídico