Desconsideração da personalidade jurídica no Direito Tributário.

 

1 Considerações iniciais sobre a desconsideração da
personalidade jurídica

É cediço que o ordenamento jurídico
pátrio confere à pessoa jurídica personalidade distinta das dos seus
integrantes, permitindo que aquele sujeito de direito atue autonomamente no âmbito
das relações jurídicas e econômicas, o que estimula a iniciativa privada e
contribui para o desenvolvimento econômico e social de toda a sociedade.

Ocorre que tem se verificado, com
considerável freqüência, a utilização da pessoa jurídica para fins diversos
daqueles vislumbrados pelo sistema jurídico quando da sua instituição. Os
indivíduos vêm utilizando a autonomia patrimonial atribuída a esse ente
coletivo para praticar fraudes e abusos de direito, em detrimento de direitos
de terceiros.

Em reação a esse desvirtuamento da
função da pessoa jurídica, surgiu, na jurisprudência estrangeira,
principalmente norte-americana e inglesa, a disregrad doctrine ou disregard
of legal enity
, visando impedir a fraude ou abuso através da utilização da
personalidade jurídica. Essa doutrina teve plena aceitação nos demais
ordenamentos jurídicos, difundindo-se para diversos países, inclusive para o
Brasil.

Assim, a disregrad doctrine corresponde
ao remédio jurídico criado com o fito de impedir e reprimir a prática de fraude
ou abuso de direito através da manipulação indevida da personalidade jurídica
autônoma da sociedade, pelos seus sócios ou administradores. Trata-se,
portanto, de um mecanismo que permite responsabilizar os sujeitos que compõem a
pessoa jurídica, sem, contudo, prejudicá-la, mas sim a aperfeiçoando, na medida
em que inibe a sua utilização de forma contrária aos fins previstos pelo
sistema jurídico quando da criação desse instituto.

Nesse sentido, uma vez constatado o
mau uso da personalidade jurídica, autoriza-se o juiz a desconsiderar, diante
do caso concreto, a separação patrimonial existente entre a pessoa jurídica e
seus membros, a fim de estender a esses a responsabilidade pelo adimplemento
das obrigações formalmente imputadas ao ente coletivo.

É possível afirmar, dessa forma, que
a disregrad doctrine corresponde à ineficácia relativa e temporária do
ato constitutivo da sociedade, ou seja, esse não produzirá efeitos apenas em
face do caso concreto em que se verificou o desvio de função, a fim de atingir
os sócios e responsabilizá-los pela fraude ou abuso cometido. Sendo assim, a
pessoa jurídica, por força do principio da continuidade, permanece eficaz,
podendo continuar a exercer normalmente as suas atividades.

No Brasil, essa teoria foi
denominada de desconsideração da personalidade jurídica ou teoria da superação
da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, tendo sido introduzida pelo
doutrinador Rubens Requião e posteriormente absorvida pela jurisprudência e
contemplada na legislação pátria.

A primeira manifestação legislativa
nacional a respeito do tema ocorreu com a promulgação do Código de Defesa do
Consumidor (Lei nº. 8.078/90). Posteriormente, a desconsideração também foi
consagrada na Lei nº. 8.884/94, que dispõe sobre a preservação e a repressão às
infrações contra a ordem econômica, e na Lei nº. 9.605/98, que disciplina a
responsabilidade por lesões ao meio ambiente.

Além disso, a entrada em vigor do
novo Código Civil (Lei nº. 10.406/2002) consolidou, em seu artigo 50, a desconsideração da personalidade
jurídica como medida excepcional a ser aplicada não só na área cível, mas em
todas as relações jurídicas privadas.

No âmbito do direito tributário, a
aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica é objeto de
controvérsias e abordagens distintas na doutrina. Sendo assim, revela-se
importante o estudo aprofundado desse tema, no intuito de apresentar os
posicionamentos doutrinários existentes e contrapor seus argumentos, a fim de
chegar a uma conclusão que esteja em consonância com as regras e os princípios
adotados pelo sistema jurídico brasileiro. Nesse sentido, o presente trabalho
pretende abordar, ainda, como a jurisprudência pátria tem se posicionado a
respeito do tema.

2 A
desconsideração no direito tributário

2.1
Noções introdutórias sobre direito tributário

Antes de adentrarmos no tema propriamente
dito deste estudo, faz-se necessário delinear o conteúdo e o sentido de alguns
institutos do direito tributário indispensáveis para a sua perfeita
compreensão.

Destaca-se a relevância de conhecer
os seguintes institutos jurídicos tributários: obrigação tributária,
contribuinte e responsabilidade tributária.

A obrigação tributária pode ser
definida como a relação jurídica obrigacional entre um ente político ou outra
pessoa jurídica de direito público a quem tenha sido delegada capacidade tributária
ativa, na qualidade de credor, e um particular, pessoa física ou jurídica, ou
até mesmo uma pessoa jurídica de direito público, na qualidade de devedor, que
tem por fundamento o exercício do jus
imperius
do Poder Público.

Existem dois tipos de obrigação
tributária: a obrigação principal, que tem objeto o pagamento de tributo ou
penalidade pecuniária prevista em lei; e a obrigação acessória, que tem por
objeto prestações, negativas ou positivas, distintas do objeto da obrigação
principal.

O sujeito passivo da obrigação
tributária pode ser o contribuinte, que é a pessoa que possui relação direta e
pessoal com a situação definida em lei como fato gerador, ou o responsável
tributário, que é a pessoa que, embora vinculada à situação configuradora do
fato gerador, não tem relação direta e pessoal com esta.

Assim, pode-se afirmar que a
responsabilidade tributária verifica-se quando a lei, visando dar maior
eficácia e segurança à satisfação do crédito tributário, define como obrigado
pelo pagamento do tributo pessoa diversa daquela que possui a relação direta e
pessoal com a situação prevista como ato gerador, mas que está vinculada a tal
situação.

Existem dois tipos de
responsabilidade tributária, quais sejam, a responsabilidade por substituição e
a responsabilidade por transferência.

Na responsabilidade por
substituição, a qualidade de sujeito passivo recai em pessoa diferente daquela
que possui relação pessoal e direta com o fato gerador, desde a sua ocorrência,
ou seja, desde a concretização no mundo fático da hipótese de incidência, a
obrigação de pagar o tributo não é do contribuinte. A responsabilidade por
substituição se divide em dois casos: a substituição tributária regressiva ou
para trás, quando a responsabilidade pelo cumprimento da obrigação tributária é
posterior a efetiva ocorrência do fato gerador e a substituição tributária
progressiva ou para frente, quando a responsabilidade surge antes da ocorrência
do fato gerador.

Já na responsabilidade por
transferência, a obrigação tributária surge para o contribuinte do tributo,
mas, por circunstâncias posteriores definidas expressamente na lei, a sujeição
passiva é transferida para um terceiro, que se torna responsável pelo
cumprimento da obrigação.

O Código Tributário Nacional divide
a responsabilidade tributária em três grupos, quais sejam: responsabilidade por
sucessão, responsabilidade de terceiros e responsabilidade por infração.

A responsabilidade por sucessão
encontra-se prevista nos artigos 130
a 133 do Código Tributário, abaixo transcritos. Os
referidos dispositivos apresentam hipóteses de responsabilidade pessoal, ou
seja, em que o responsável responde com todo o seu patrimônio pela obrigação
tributária. A única exceção está no parágrafo único do artigo 130 que, ao
dispor sobre a responsabilidade do adquirente de imóveis por arrematação em
hasta pública, estabelece ser esta real. 

“Art. 130.
Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a
propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os
relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a
contribuições de melhoria, subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes,
salvo quando conste do título a prova de sua quitação.

Parágrafo
único. No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o
respectivo preço.

Art. 131.
São pessoalmente responsáveis:

I – o adquirente ou remitente, pelos tributos relativos aos bens
adquiridos ou remidos; (Vide Decreto Lei nº. 28, de 1966)

II – o
sucessor a qualquer título e o cônjuge meeiro, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da partilha ou
adjudicação, limitada esta responsabilidade ao montante do quinhão do legado ou
da meação;

III – o
espólio, pelos tributos devidos pelo de
cujus
até a data da abertura da sucessão.

Art. 132. A pessoa jurídica de
direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra
ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do ato pelas
pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas.

Parágrafo
único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas
jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja
continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou
outra razão social, ou sob firma individual.

Art. 133. A
pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por
qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou
profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão
social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao
fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:

I –
integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou
atividade;

II –
subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar
dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou
em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.

§ 1o O disposto no caput deste
artigo não se aplica na hipótese de alienação judicial: (Parágrafo incluído
pela LC nº. 118, de 2005)

I – em
processo de falência; (Inciso incluído pela LC nº. 118, de 2005).

II – de
filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial.
(Inciso incluído pela LC nº. 118, de 2005)

§ 2o
Não se aplica o disposto no § 1o deste artigo quando o
adquirente for: (Parágrafo incluído pela LC nº. 118, de 2005)

I – sócio
da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo
devedor falido ou em recuperação judicial; (Inciso incluído pela LC nº. 118, de
2005)

II –
parente, em linha reta ou colateral até o 4o (quarto) grau,
consangüíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer
de seus sócios; ou (Inciso incluído pela LC nº. 118, de 2005)

III –
identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial com o
objetivo de fraudar a sucessão tributária. (Inciso incluído pela LC nº. 118, de
2005)

§ 3o
Em processo da falência, o produto da alienação judicial de empresa, filial ou
unidade produtiva isolada permanecerá em conta de depósito à disposição do
juízo de falência pelo prazo de 01 (um) ano, contado da data de alienação,
somente podendo ser utilizado para o pagamento de créditos extraconcursais ou
de créditos que preferem ao tributário”. (Parágrafo incluído pela LC nº. 118,
de 2005)

Nos artigos 134 e
135 do Código Tributário, temos a responsabilidade de terceiros. No artigo 134, in verbis, a despeito de o diploma
tributário estabelecer que se trata de responsabilidade solidária, não é o que
se verifica, haja vista que o referido dispositivo apresenta um beneficio de
ordem, o que é incompatível com o conceito de responsabilidade solidária. Logo,
pode-se afirmar que, em verdade, temos aqui uma hipótese de responsabilidade
subsidiária.  Vejamos.

“Art. 134.
Nos casos de impossibilidade de exigência
do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte
, respondem
solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que
forem responsáveis:

I – os
pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;

II – os
tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;

III – os
administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;

IV – o
inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;

V – o
síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo
concordatário;

VI – os
tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos
sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;

VII – os
sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.

Parágrafo
único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de
caráter moratório”. (destacamos)

Registre-se que, enquanto no artigo
134 temos a responsabilidade decorrente da prática de ato ou omissão lícita
pelos terceiros, o artigo 135 estabelece a responsabilidade por atos ilícitos
desses.

“Art. 135.
São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações
tributárias resultantes de atos
praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou
estatutos
:

I – as
pessoas referidas no artigo anterior;

II – os
mandatários, prepostos e empregados;

III – os diretores,
gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado”.
(destacamos)

Por fim, os artigos 136 a 138 estabelecem a
responsabilidade por infrações. Nesse ponto, convém esclarecer que tais
infrações não necessariamente constituem crime ou contravenção penal.

“Art. 136.
Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da
legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da
efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.

Art. 137. A responsabilidade é
pessoal ao agente:

I – quanto
às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando
praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou
emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito;

II –
quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja
elementar;

III –
quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico:

a) das
pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem respondem;

b) dos
mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou
empregadores;

c) dos
diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado,
contra estas.

Art. 138. A
responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada,
se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do
depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o
montante do tributo dependa de apuração.

Parágrafo único. Não se
considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer
procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a
infração”.

Pela análise dos dispositivos legais supracitados,
pode-se constatar que a responsabilidade por sucessão e a responsabilidade de
terceiros prevista no artigo 134 do Código Tributário Nacional são formas de
responsabilidade tributária por transferência. Já a responsabilidade de
terceiros prevista no seu artigo 135 e a responsabilidade por infrações são
formas de responsabilidade tributária por substituição.

É importante ressaltar que a responsabilidade
tributária deve estar expressamente prevista em lei, e que não pode ser
alterada pela simples vontade das partes, conforme dispõe o artigo 123 do CTN.

2.2 Aplicabilidade da teoria da desconsideração no
âmbito tributário

É cediço que a
desconsideração da personalidade jurídica é uma medida excepcional que permite
tornar ineficaz temporariamente a autonomia patrimonial da pessoa jurídica,
para atingir os patrimônios particulares dos seus sócios, a fim de que esses respondam
pelas obrigações sociais. Tal instituto viabiliza, assim, a repressão de
condutas fraudulentas e abusivas praticadas pelos sócios ou administradores da
pessoa jurídica.

No campo
tributário, são freqüentes e variados os artifícios ou expedientes lícitos e
ilícitos utilizados pelos contribuintes no intuito de fugir do ônus financeiro
representado pela carga fiscal. Um dos artifícios mais utilizados consiste no
abuso da separação patrimonial existente entre a pessoa jurídica e as pessoas
físicas a ela vinculadas, pelos seus sócios e administradores.

Diante desse
contexto, a aplicação do instituto da desconsideração da pessoa jurídica
revela-se um meio eficaz para o combate desses abusos de direito.

Ocorre que, no
âmbito do direito tributário, a aplicação desse instituto é objeto de
controvérsias e abordagens distintas na doutrina e na jurisprudência. Sendo
assim, é importante identificar e analisar os diversos posicionamentos
doutrinários existentes, a fim de definir qual o que melhor se adequa ao
ordenamento jurídico pátrio.

Preliminarmente, é necessário
esclarecer que a doutrina diverge acerca da necessidade ou não de dispositivo
legal específico que autorize a aplicação da desconsideração nas relações
jurídicas tributárias. A esse respeito, é possível encontrar duas correntes
doutrinárias.

A primeira corrente defende a
necessidade de previsão expressa da desconsideração da personalidade jurídica
em regra jurídica permissiva para a sua efetivação no âmbito do direito
tributário, sob a justificativa de que esse ramo do direito é regido pelo
princípio da legalidade (art. 37, caput, da
CF/88), o qual impõe que a conduta da Administração Pública esteja sempre em
consonância com o disposto em
lei. Sendo assim, a Administração não é livre em sua atuação,
devendo pautar seu comportamento no que for definido em lei.

Esta corrente fundamenta-se, ainda,
no princípio da legalidade tributária, segundo o qual compete somente à lei a
determinação do sujeito passivo da obrigação tributária, nos termos do artigo
97, inciso III, do Código Tributário Nacional.

Levando em consideração esses fundamentos,
pode-se identificar uma divisão entre os defensores dessa primeira corrente.
Alguns sustentam não ser indispensável a existência de uma norma jurídica
específica, sendo suficiente uma regra jurídica de cunho geral prevendo a desconsideração
no ordenamento jurídico pátrio, para possibilitar a sua aplicação no direito
tributário.  Nesse sentido, leciona
Heleno Taveira Tôrres:

“A desconsideração
da personalidade jurídica, para os fins de aplicação da legislação tributária,
poderá ser praticada tanto quando se esteja em presença de leis especiais
quanto na hipótese de aplicação de uma regra geral que a autorize, à luz de
determinados pressupostos”. [1]

Outros propugnam ser inviável a
aplicação desse instituto no direito tributário, sob a justificativa de que a
tipicidade característica desse ramo do direito exclui a incidência da
desconsideração, por inexistir expressa previsão normativa tributária sobre o
instituto, ou sob o argumento de que a aplicação da desconsideração demandaria
disciplina por lei complementar, em consonância com o art. 146, III, da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Nesse diapasão, defende
Luciano Amaro:

“Resta examinar a desconsideração da pessoa jurídica (propriamente
dita), que seria feita pelo juiz, para responsabilizar outra pessoa (o sócio),
sem apoio em prévia descrição legal de hipótese de responsabilização do
terceiro, à qual a situação concreta pudesse corresponder. Nessa formulação
teórica da doutrina da desconsideração, não vemos possibilidade de sua
aplicação em nosso direito tributário. Nas diversas situações em que o
legislador quer levar a responsabilidade tributária além dos limites da pessoa
jurídica, ele descreve as demais pessoas vinculadas ao cumprimento da obrigação
tributária. Trata-se, ademais, de preceito do próprio Código Tributário
Nacional, que, na definição do responsável tributário, exige norma expressa de
lei (arts. 121, parágrafo único, II, e 128), o que, aliás, representa
decorrência do princípio da legalidade. Sem expressa disposição de lei, que
eleja terceiro como responsável em dadas hipóteses descritas pelo legislador,
não é lícito ao aplicador da lei ignorar (ou desconsiderar) o sujeito passivo
legalmente definido e imputar a responsabilidade tributária à terceiro.” [2]

De igual modo, registra Edmar
Oliveira Andrade Filho:

“Um limite
material intransponível é o princípio da legalidade. Portanto, a regra não
pode, sem recepção por intermédio de outra, ser aplicada no campo do direito
tributário. Nessa seara, as relações envolvem o emprego de poder heterônomo no
que difere da natureza paritária das relações privadas. Não fosse por esta
razão seria pelo fato de que, em face do art. 146 da Constituição Federal, esta
matéria só poderia ser veiculada por Lei Complementar.” [3]

Por outro lado, a segunda corrente
sustenta a desnecessidade de dispositivo legal específico, haja vista a
consagração e a plena aplicabilidade do instituto da desconsideração em
qualquer relação jurídica pela jurisprudência. Vejamos.

“No âmbito
do direito tributário, sempre houve casos em que a desconsideração da
personalidade jurídica foi adotada como meio de coibir a evasão fiscal, agora,
portanto, ganhando o reforço da nova norma escrita. […] No passado, vários
casos tributários levados ao julgamento dos tribunais foram decididos através
da desconsideração de personalidades jurídicas, mesmo sem lei expressa, ao
passo que o novo art. 50, acima referido, iguais soluções poderão ser
proferidas com fundamento mais sólido. […] Portanto, este aspecto terá que
ser devidamente levado em conta quando da aplicação da desconsideração da
personalidade jurídica no campo do direito tributário, pois a responsabilização
pessoal é exatamente o objetivo da norma no campo das relações jurídicas
privadas, esgotando-se aí a sua finalidade, ao passo que no âmbito dos tributos
não se procura apenas responsáveis, mas principalmente definir a situação
efetivamente existente e constitutiva da obrigação tributária, a qual se
disfarça através do indevido uso da pessoa jurídica.” [4]

É possível perceber, dessa forma,
que não existe consenso doutrinário a respeito da aplicabilidade da
desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do direito tributário.

Ressalte-se, contudo, que os órgãos
judiciários brasileiro aplicam o instituto sem problemas, sob a justificativa
de que qualquer mecanismo eficaz para imprimir maior celeridade e eficiência à
satisfação do credito tributário, tendo em vista a relevância desse para a
consecução das atividades estatais, deve, e não só pode, ser utilizado.

Feitas essas considerações,
verificaremos os diversos fundamentos apresentados pela doutrina para a
aplicação do instituto jurídico da desconsideração no direito tributário.

Há alguns autores que defendem sua
aplicação com fundamento nos artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional,
outros defendem que a possibilidade de aplicação do instituto decorre do artigo
116 desse mesmo diploma legal, enquanto outros entendem aplicável a regra geral
contida no artigo 50 do Código Civil.

Para os defensores da tese de que a
aplicabilidade da desconsideração da personalidade jurídica no direito
tributário funda-se nos artigos 134, VII, e 135, III, do Código Tributário
Nacional, esses dispositivos legais contemplam a desconsideração, ao prever a
responsabilidade tributária dos diretores, gerentes e representantes legais da
pessoa jurídica, nos casos de infração à lei, excesso de poderes e fraude. É o que
professora Rezende Condorcet:

“Aliás, se entendermos, como demonstra a maioria dos relatórios
nacionais (do XLIII Congresso da Internacional
Fiscal
Association), que a
responsabilidade fiscal dos administradores é um aspecto da aplicação do
conceito de ‘desconsideração’, teremos no art. 135 do Código Tributário
Nacional (CTN) regra expressa nesse sentido.” [5]

No mesmo sentido, manifesta-se
Gilberto Gomes Bruschi, ao examinar o artigo 135 do Código Tributário:

“Ao se
analisar tal artigo do CTN, nota-se que há responsabilidade solidária entre a
pessoa jurídica e as demais pessoas enumeradas nos seus incisos, a partir do
momento em que ocorre abuso de poder ou ainda infração de lei, fazendo com que
seja permitido avançar na esfera patrimonial particular dos sócios,
caracterizando em uma derivação da desconsideração da personalidade jurídica no
âmbito tributário, pois esses são os mesmos requisitos para sua aplicação de
acordo com a legislação não tributaria, […]”[6]

Primeiro, é importante esclarecer
que a responsabilidade prevista no artigo 134, VII, do CTN decorre da prática
de ato lícito, razão pela qual não se coaduna com o instituto da
desconsideração, que, conforme já analisado, pressupõe a existência de abuso de
direito ou fraude através da manipulação da pessoa jurídica.

Já no que se refere à
responsabilidade tributária dos diretores, gerentes ou representantes da pessoa
jurídica prevista no artigo 135 do Código Tributário Nacional, esta não se
confunde com a desconsideração da pessoa jurídica, haja vista que o referido
dispositivo refere-se apenas à imputação de responsabilidade pessoal e direta a
pessoas determinadas pelos créditos tributários decorrentes de atos ilícitos
praticados por essas.

Nesses casos, a responsabilidade é
atribuída exclusivamente a esses sujeitos, sendo desnecessária a suspensão
temporária da eficácia dos atos constitutivos da pessoa jurídica, para
desconsiderando a separação patrimonial existente entre essa e seus sócios ou
administradores, responsabilizar esses, de forma ilimitada, pelas obrigações
tributárias da pessoa jurídica.

Assim leciona Luciano Amaro:

“O Código
Tributário Nacional (CTN) prevê, no art. 135, situações em que, por abuso do
representante legal da pessoa jurídica, ele é pessoalmente responsabilizado por
obrigações tributárias que, formalmente, seriam da empresa. Exemplos de
responsabilidade subsidiária são dados pelos arts. 133, II, e 134.

[…]

Portanto, quando a lei
cuida de responsabilidade solidária, ou subsidiaria, ou pessoal dos sócios, por
obrigações da pessoa jurídica, ou quando ela proíbe que certas operações,
vedadas aos sócios, sejam praticadas pela pessoa jurídica, não é preciso
desconsiderar a empresa, para imputar as obrigações aos sócios, pois, mesmo
considerada a pessoa jurídica, a implicação ou responsabilidade do sócio já
decorre de preceito legal.” [7]

No mesmo diapasão, professora Heleno
Taveira Tôrres:

“Como
visto, o art. 135 não resguarda qualquer equivalência com controle sobre
simulação, interposição fictícia de pessoas ou de fraude à lei, que podem se
alegadas a qualquer tempo (art. 149, VII, do CTN), como justificativa para o
auto de infração ou lançamento sobre os sócios de pessoas simuladas ou sujeitos
interponentes, quando provada a simulação ou a fraude. Nestes termos, o art. 135,
do CTN, ao não se prestar como mecanismo de superação do modelo de separação
patrimonial adotado pela legislação mercantil, não pode ser alegado para tais fins.”
[8] 

Ademais, as hipóteses do artigo 135,
III, do Código Tributário restringem-se a responsabilidade por obrigações
tributárias que resultem de ato praticado pelos dirigentes ou representantes
legais das empresas quando atuam com excesso de poderes ou quando suas
deliberações não estão em consonância com o objeto do contrato ou do estatuto
social em prejuízo dos credores. Já a desconsideração da personalidade jurídica
poderá ter um alcance mais amplo, pois abrange todas as relações jurídicas em
que tenha havido fraude ou abuso de direito através da manipulação indevida da
pessoa jurídica.

É bom ressaltar, ainda, que o artigo
135 do Código Tributário Nacional contempla hipóteses de responsabilidade por
substituição, que, conforme já explicado, verifica-se quando, no momento da
ocorrência da situação prevista em lei como fato gerador da obrigação tributária,
o obrigado pelo pagamento é terceira pessoa diversa daquela que tem relação
direta e pessoal com o fato gerador. Assim, desde a concretização fática da
situação definida em lei como fato gerador, o sujeito passivo é o dirigente ou
representante legal da pessoa jurídica, e não essa.

Logo, não se deve confundir os tipos
de responsabilidade tributária previstos nos artigos 134 e 135 do Código
Tributário com a desconsideração da personalidade jurídica, já que seus
pressupostos são distintos. Frise-se que, para que a desconsideração seja
aplicada deverá haver abuso da personalidade jurídica, o que não se exige em se
tratando da responsabilidade dos sócios contemplada nos mencionados
dispositivos legais, que não está necessariamente baseada fundamento. 

Não há duvidas, portanto, que os
artigos 134, VII, e 135, III, do CTN não representam o instituto da
desconsideração da pessoa jurídica, contemplando tão-somente hipóteses de
responsabilidade tributária pessoal e direta por expressa disposição legal.

Arnold Wald e Luiza Rangel de Moraes
defendem que a efetivação da desconsideração da personalidade jurídica, a fim
de viabilizar a satisfação do crédito tributário, fundamenta-se na norma
contida no parágrafo único do dispositivo 116 do Código Tributário Nacional[9]. Nas palavras dos mencionados autores:

“No âmbito
do Direito Tributário, tem destaque a Lei Complementar nº. 104/2007, que
inseriu, no parágrafo único ao artigo 116 do Código Tributário Nacional, regra
antielisão, autorizando a autoridade tributária a desconsiderar a forma e a
estrutura do negócio jurídico, para alcançar a obrigação tributária geradora do
tributo e o sujeito passivo tributário. No bojo de tal dispositivo, está
abrangida a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica.” [10]

Os citados autores
afirmam que a regra antielisiva contida no dispositivo legal em destaque é
demasiadamente ampla, autorizando a autoridade administrativa a desconsiderar a
personalidade jurídica de uma sociedade, independentemente de decisão judicial,
sendo suficiente a existência prévia de processo administrativo.

Lecionam, ainda,
que, para fins de desconsideração da personalidade jurídica, o parágrafo único
do artigo 116 do Código Tributário Nacional deve ser aplicado com observância
das condições impostas no artigo 50 do Código Civil, a saber, abuso da
personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela
confusão patrimonial.

Contudo, essa tese
não deve ser adotada. Primeiramente, cumpre esclarecer que o parágrafo único do
artigo 116 do CTN não contempla uma regra antielisiva, mas sim uma regra
antielusiva, já que, como é sabido, a elisão fiscal corresponde ao
comportamento do sujeito passivo da obrigação tributaria de tentar praticar o
ato ou negócio jurídico de modo a enquadrá-lo em um hipótese de imunidade,
isenção ou incidência tributária menos gravosa, é o que se chama planejamento
tributário; por outro lado, a elusão fiscal corresponde a prática de negócios
jurídicos simulados para dissimular a ocorrência do fato gerador da obrigação
tributária, furtando-se do seu cumprimento.

Além disso, convém
salientar que o parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário tão-somente
estabelece a possibilidade de não serem consideradas as formas como os sujeitos
passivos da relação tributária realizaram seus atos e negócios jurídicos,
viabilizando o arbitramento do montante do crédito tributário pela autoridade
administrativa. Percebe-se, portanto, que não se refere à superação do
princípio de separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócios ou
administradores, para atribuição de responsabilidade tributária a estes.

Cumpre registrar
ainda que autores, como Leandro Paulsen, defendem que a desconsideração da
pessoa jurídica deve ser aplicada no direito tributário com base no artigo 50
do Código Civil Brasileiro, que estabelece uma regra geral de conduta,
rechaçando a aplicação do artigo 135, III, do Código Tributário Nacional.
Convém transcrever as palavras do retrocitado autor:

“A dissolução irregular tem sido considerada como causa para o
redirecionamento porque se presume, em tal caso, a confusão de patrimônios, com
locupletamento dos sócios. Não seria o caso, contudo, de invocação do art. 135,
III, do CTN, porquanto o crédito tributário não decorre da dissolução
irregular. Mais pertinente é o art. 50 do Código Civil de 2002: ‘Em caso de
abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou
pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do
Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de
certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens
particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica’.” [11]

Da mesma forma, Ricardo Mariz de
Oliveira:

“No
passado, vários casos tributários levados ao julgamento dos tribunais foram
decididos através da desconsideração de personalidades jurídicas, mesmo sem lei
expressa, ao passo que o novo art. 50, acima referido, iguais soluções poderão
ser proferidas com fundamento mais sólido.” [12]

Não há dúvidas de que a promulgação
da Lei nº. 10.416, de 10 de janeiro de 2002, denominada de Código Civil
Brasileiro, consagrando expressamente a instituto da desconsideração da
personalidade jurídica e estabelecendo diretrizes para a sua aplicação, ensejou
diversas indagações, principalmente no sentido de identificar suas possíveis
repercussões no campo tributário.

Como já demonstrado, parte da
doutrina tem se mostrado favorável a aplicação do artigo 50 do Código Civil no
âmbito tributário, notadamente pela ausência de norma específica desse ramo do
direito prevendo a forma e os limites da aplicação da desconsideração nas
relações jurídicas tributárias.

De fato, a aplicação do dispositivo
legal em tela proporcionaria maior segurança jurídica aos sujeitos passivos da
obrigação tributaria e a própria Administração Pública Tributária, haja vista
que a desconsideração não seria efetivada segundo o mero arbítrio do
administrador ou do juiz, mas sim com base em critérios legais previamente
definidos. Com isso, restringir-se-ia a possibilidade de contestação do
procedimento utilizado para a aplicação do instituto, atribuindo-se maior
celeridade e eficácia à satisfação do crédito tributário. 

Registre-se, ainda, que correntes
doutrinárias minoritárias sustentam que a autoridade administrativa fiscal
estaria autorizada pelo artigo 142 do Código Tributário Nacional a identificar
o sujeito que realmente praticou o fato gerador, podendo, para alcançar esse
fim, ignorar a personalidade jurídica autônoma da pessoa jurídica. Outros
autores fundamentam essa possibilidade no artigo 149, inciso VII, do mesmo
diploma, que estabelece poder ser o lançamento efetuado e revisto de ofício
quando comprovada a existência de simulação.

Ocorre que tais dispositivos legais
são genéricos, não apresentando detalhes suficientes para que se possa afirmar
ser o caso de desconsideração.

Ante o exposto, há de se reconhecer
a importância de ter um dispositivo legal específico no âmbito do direito
tributário que contemple a desconsideração da personalidade jurídica,
consagrando regras que orientem a aplicação desse instituto em consonância com
os interesses tutelados e as peculiaridades desse ramo do direito,
principalmente em face do artigo 146, inciso III, da Constituição Federal.

De qualquer forma, não se deve
olvidar a excepcionalidade da medida da desconsideração da personalidade
jurídica, que somente deverá ser aplicada quando devidamente constatadas as
circunstâncias que a autoriza, a fim de que não seja banalizado o instituto e
de que seja assegurado o principio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica,
que constitui a base da organização e do desenvolvimento da atividade econômica
no país.

Expostas as posições doutrinárias a
respeito do objeto deste trabalho, convém analisar como a jurisprudência pátria
vem interpretando a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no
âmbito tributário.

É possível encontrar, na
jurisprudência brasileira, decisões no sentido da necessidade de expressa
previsão legal especifica da desconsideração para a sua aplicação nas relações
jurídicas tributárias. Vejamos.

“Execução de sentença
proferida em ação de cobrança de comissão entre duas empresas. Decisão que
defere penhora sobre bens do sócio, com base no artigo 28 do Código do
Consumidor. Inaplicabilidade, por não se estar tratando de relação de consumo,
pressuposto indeclinável para a incidência da aludida norma. A desconsideração da pessoa jurídica só é
aplicável nos casos expressos em lei
, como verbi gratia, no Código
Tributário Nacional, artigo 135; Lei de Falências, artigo 6º; Lei das S. A . e
das sociedades por quotas. Mister para sua incidência que haja previsão legal,
sob pena de desnaturar-se o princípio de que a pessoa jurídica não se confunde
com a pessoa física dos seus sócios. Provimento do recurso”. [13] (destacamos)

Todavia,
assim como na doutrina, verifica-se a existência de controvérsia sobre a função
dos artigos 134, VII, e 135, III, do
Código Tributário Nacional, ou seja, se representam ou não o instituto da
desconsideração da pessoa jurídica, conforme ementas abaixo transcritas:

 APELAÇÃO
CÍVEL. TRIBUTÁRIO. AÇÃO CAUTELAR FISCAL. RESPONSABILIZAÇÃO PESSOAL DO
ADMINISTRADOR E DOS SÓCIOS PELO PAGAMENTO DOS TRIBUTOS. DESCABIMENTO.
INOCORRÊNCIA DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA E DE CONFUSÃO PATRIMONIAL.
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS LEGAIS. Os
princípios da separação patrimonial e da limitação da responsabilidade dos
sócios não são absolutos. O pressuposto da aplicação da teoria da desconsideração
da personalidade jurídica é a utilização fraudulenta ou abusiva da autonomia
patrimonial; o mero inadimplemento não é suporte fático do artigo 135, III do
CTN. Não há falar em confusão patrimonial quando inexistente prova de que o
administrador ou os sócios tenham desfalcado o patrimônio da pessoa jurídica em
benefício próprio ou da família. In casu, se confusão patrimonial houve foi às
avessas e em prol da empresa. O simples ingresso formal em determinada
sociedade, sem o exercício de função gerencial nem participação na regência das
atividades empresariais, não é bastante para imputar responsabilidade
tributária. Segundo Apelo provido, por maioria, prejudicado o apelo do Estado. [14] 

AGRAVO DE
INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. SUBSTITUIÇÃO DE PENHORA. RESPONSABILIDADE
SOLIDÁRIA DOS SÓCIOS DA DEVEDORA. A responsabilidade solidária dos
sócios-gerentes, na hipótese de extinção irregular da sociedade, com dissipação
do patrimônio social, decorre de norma legal, a teor do inciso II do artigo 135
do Código Tributário Nacional pela aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica. Agravo provido. [15]

Outras
decisões, porém, enquadram o artigo 135, III, como hipótese de responsabilidade
tributária por substituição, e não como desconsideração da personalidade
jurídica. Posição essa que nos parece mais adequada.

EMENTA:
PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DE SOCIEDADE
POR COTAS. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA, POR SUBSTITUIÇÃO. CTN. ART. 135, III E
DECRETO 3.708/19, ART. 10. CITAÇÃO. PENHORA DE BENS DO SÓCIO. EXERCÍCIO DO
DIREITO DE DEFESA AMPLO, VIA EMBARGOS À EXECUÇÃO. NULIDADE PROCESSUAL
INEXISTENTE.

I –
Dissolvida irregularmente sociedade por cotas de RESPONSABILIDADE limitada e
não dispondo a pessoa jurídica executada de bens suficientes para garantir a
execução, podem ser penhorados bens pessoais dos sócios, estejam ou não seus
nomes incluídos na exordial executória. Trata-se do instituto da
RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA, por substituição (CTN, art. 135, III e Decreto nº.
3.708/19).

II – De
outra parte, exercício o direito de defesa pela embargante, na sua plenitude,
afasta-se a decretação de nulidade processual, por falta ou defeito formal de
citação. O comparecimento espontâneo do réu supre eventual vício de citação (CPC,
art. 214, parágrafo 1º e 598; LEF, art. 1º.). O princípio da instrumentalidade
defende o conteúdo à forma.

III –
Precedentes do Colendo STJ e desta Corte de Justiça Regional.

IV –
Apelação parcialmente provida. Sentença anulada, para que outra seja proferida,
com o exame do mérito da lide. Remessa oficial, tida por interposta,
prejudicada[16]

 EMENTA: PROCESSO CIVIL E RESPONSABILIDADE
TRIBUTÁRIA DO SÓCIO-GERENTE (ART. 135, CTN). DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO LEGAL:
NÃO APRESENTAÇÃO DOS RECIBOS DE PAGAMENTO DE ABONO DE NATAL E ABONO SALARIAL DE
AGOSTO/90. FALÊNCIA DA EMPRESA. RESPONSABILIDADE PESSOAL E SOLIDÁRIA DO
SÓCIO-GERENTE. LEGITIMAÇÃO AD CAUSAM PASSIVA. CONFIGURAÇÃO. PRECEDENTES DA
CORTE (AC 96.01.49173-2/PI E AC 93.01.35326-1/MG) E DO STJ (RESp 7387/91, PR).

1. O
descumprimento de obrigação legal relativa a fatos geradores contemporâneos à
gerência do SÓCIO, torna-o legitimado passivamente para a execução, ante a
configuração de sua RESPONSABILIDADE pessoal e solidária, decorrente da
infração à lei (art. 135, CTN).

2. Título
executivo, não impugnado, usufrui da presunção de certeza e liquidez, somente
passível de afastamento mediante prova robusta, em sentido contrário, a cargo
da parte executada.

3.
Configuração da legitimidade passiva ad causam do sócio-gerente.

Impossibilidade
de cobrança da massa falida de multa com efeito de pena administrativa (Súmula
192 e 565 do STF).

4. Apelo
improvido. Sentença mantida. [17] 

Contudo, o Superior Tribunal de
Justiça, consoante ementas in verbis, esposou
entendimento em sentido contrário, entendendo que o artigo 135, III, do CTN
consagra o instituto da desconsideração.

PROCESSUAL
CIVIL E TRIBUTÁRIO – INOCORRÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO – VÍNCULO
FAMILIAR – DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA.

1. As
hipóteses de configuração de litisconsórcio necessário estão no artigo 47 do
CPC, o qual exige imposição de lei, ou a existência de vínculo natural, pela
natureza da relação jurídica.

2. A base fática da demanda
descarta a existência de liame entre os litisconsortes, de relevância para o
desfecho da causa, sendo certo que o fato de pertencerem os litisconsortes a
uma só família não os coloca na mesma relação jurídica discutida nos autos.

3.
Examinada a lei aplicável à espécie, o
CTN, o primeiro diploma do direito pátrio a consagrar a teoria da
desconsideração da pessoa jurídica, não se encontra, nas hipóteses do artigo
134 do CTN,
determinação legislativa justificadora do litisconsórcio.

4. Recurso
especial provido. [18] (destacamos)

TRIBUTÁRIO
– CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DEVIDA PELO TOMADOR DE SERVIÇO – ART. 22, IV DA
LEI 8.212/91 – VIOLAÇÃO DO ART. 135 DO CTN: INOCORRÊNCIA.

1. O
legislador, ao exigir do tomador do serviço contribuição previdenciária de 15%
(quinze por cento) sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de
serviços que lhe são prestados por cooperados por intermédio de cooperativa de
trabalho, nos termos do art. 22, IV da Lei 8.212/91 (com a redação dada pela
Lei 9.876/99), em nenhum momento valeu-se da regra contida no art. 135 do CTN, que diz respeito à desconsideração da
personalidade da pessoa jurídica
para que seus representantes respondam
pessoalmente pelo crédito tributário nas hipóteses que menciona.

2. A referência a
“cooperados” contida no art. 22, IV da Lei 8.212/91 diz respeito
tão-somente ao fato de que, embora firmado o contrato com a cooperativa de
trabalho, o serviço, efetivamente, é prestado pela pessoa física do cooperado.

3.
Inexistência de ofensa ao art. 135 do CTN.

4. Recurso especial
improvido. [19] (destacamos)

A despeito do entendimento esposado
pelo Superior Tribunal de Justiça, convém frisar que esse não é o verdadeiro
sentido do instituto da desconsideração da pessoa jurídica, consoante já
explicado. Dessa forma, impõe-se que, não obstante a imprecisão técnica de
alguns órgãos judiciários, o interprete atenha-se à função da desconsideração,
não a confundindo com outros institutos jurídicos.

Convém registrar que o Superior
Tribunal de Justiça, ao estabelecer os critérios de aplicação do artigo em
espeque, afirmou que o mero inadimplemento da obrigação tributária, desprovida
de abuso de poder ou de fraude não enseja, por si só, a efetivação do instituto
da desconsideração da personalidade jurídica.

TRIBUTÁRIO.
EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DE SÓCIO-GERENTE. LIMITES. ART. 135, III, DO
CTN. UNIFORMIZAÇÃO DA MATÉRIA PELA 1ª SEÇÃO DESTA CORTE. PRECEDENTES.

1. Os bens
do sócio de uma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário,
por dívidas fiscais assumidas pela sociedade. A responsabilidade tributária imposta por sócio-gerente, administrador,
diretor ou equivalente só se caracteriza quando há dissolução irregular da
sociedade ou se comprova infração à lei praticada pelo dirigente,
e não
apenas quando ele simplesmente exercia a gerência da empresa á época dos fatos
geradores.

2. Em
qualquer espécie de sociedade comercial, é o patrimônio social que responde
sempre e integralmente pelas dívidas sociais. Os diretores não respondem
pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem
para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de
mandato e pelos atos praticados com violação do estatuto ou lei (art. 158, I e
II, da Lei nº. 6.404/76).

3. De
acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios (diretores,
gerentes ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por
substituição, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias
resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com
infração de lei, contrato social ou estatutos (art. 135, III, do CTN).

4. O simples inadimplemento não caracteriza
infração legal.
Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de
poderes, ou infração de contrato social ou estatutos, não há falar-se em
responsabilidade tributária do ex-sócio a esse título ou a título de infração
legal. Inexistência de responsabilidade tributária do ex-sócio. Precedentes
desta Corte Superior.

5. Matéria
que teve sua uniformização efetuada pela egrégia 1ª Seção desta Corte nos EResp
nº. 260107/RS, unânime, DJ de 19/04/2004.

6. Agravo conhecido para
dar provimento ao recurso especial (art. 544, § 3º, do CPC). [20] (destacamos)

Esse posicionamento corrobora o
entendimento já esposado no sentido de que, para a aplicação da
desconsideração, é necessário que haja abuso da personalidade jurídica autônoma
do ente coletivo, não a justificando a simples ausência ou insuficiência de
patrimônio da pessoa jurídica.

É importante
salientar, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça também já se pronunciou no
sentido de ser plenamente aplicável a desconsideração da pessoa jurídica no
âmbito administrativo, dispensando, portanto, a intervenção judicial, desde que
respeitados os princípios do devido processo legal e do contraditório. Senão
vejamos.

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.
LICITAÇÃO. SANÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR. EXTENSÃO DE EFEITOS À SOCIEDADE
COM O MESMO OBJETO SOCIAL, MESMOS SÓCIOS E MESMO ENDEREÇO. FRAUDE À LEI E ABUSO
DE FORMA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA ESFERA ADMINISTRATIVA.
POSSIBILIDADE.

PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA E DA INDISPONIBILIDADE DOS
INTERESSES PÚBLICOS.

– A constituição de nova sociedade, com o mesmo objeto social, com os
mesmos sócios e com o mesmo endereço, em substituição a outra declarada
inidônea para licitar com a Administração Pública Estadual, com o objetivo de
burlar à aplicação da sanção administrativa, constitui abuso de forma e fraude
à Lei de Licitações Lei n.º 8.666/93, de modo a possibilitar a aplicação da
teoria da desconsideração da personalidade jurídica para estenderem-se os
efeitos da sanção administrativa à nova sociedade constituída.

A Administração Pública pode, em observância ao princípio da moralidade
administrativa e da indisponibilidade dos interesses públicos tutelados,
desconsiderar a personalidade jurídica de sociedade constituída com abuso de
forma e fraude à lei, desde que facultado ao administrado o contraditório e a
ampla defesa em processo administrativo regular.

– Recurso a que se nega provimento. [21](destacamos)

APELAÇÃO
CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO E FISCAL. CONDICIONAMENTO DE INSCRIÇÃO
NO CGC/TE E DE LIBERAÇÃO DE AIDOF AO PRÉVIO PAGAMENTO OU PRESTAÇÃO DE GARANTIA.
ILEGALIDADE. Inviável condicionar, o Estado, a inscrição de empresa no CGC/TE
ao prévio pagamento de débito tributário, medida que ofende o livre exercício
de atividade produtiva (arts. 5º, XIII, e 170, caput, da CF/88). A lei
ordinária pode estabelecer outras garantias do crédito tributário, além
daquelas enumeradas no CTN (art. 183). E a garantia pode ser tanto para débitos
passados quanto para débitos futuros. O que não pode a Fazenda fazer é
condicionar o fornecimento de autorização de impressão (AIDOF) à prestação da
garantia ou ao pagamento de tributo ou penalidade, muito menos quando o débito
é de outra pessoa jurídica, configurando
a situação a desconsideração administrativa da personalidade jurídica sem o
contraditório e a ampla defesa
. A negativa da inscrição, ao que tudo
indica, está sendo para coagir ao pagamento de tributo. Todavia, a Fazenda
dispõe dos meios legalmente previstos para cobrança, onde há o respeito à ampla
defesa e ao contraditório. A Fazenda Pública dispõe de meios próprios e
privilegiados para a cobrança dos seus créditos tributários. Súmulas nºs 70,
323 e 547 do STF. APELO DESPROVIDO. [22] (destacamos)

 Assim, conclui-se que, desde que observados os
princípios do contraditório e da ampla defesa aplicáveis ao processo
administrativo fiscal por força do artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, poderá a autoridade fiscal, quando da
constituição do crédito tributário, nos termos do artigo 142 do CTN, aplicar o
instituto da desconsideração, na hipótese de verificar a existência de abuso da
personalidade jurídica.

Registre-se que a doutrina resiste a essa forma de
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, defendendo a
necessidade de pronunciamento judicial para que esta possa ser efetivada no
caso concreto. Nesse sentido, leciona José Eduardo Soares de Melo:

“Mesmo que se entenda que
o CTN não oferecera tratamento específico à mencionada desconsideração, e que
seria possível a sua integração à sistemática tributária, o agente fazendária –
ao apurar desvio de finalidade (desvirtuamento dos objetivos societários), ou
confusão patrimonial (utilização distinta do patrimônio dos sócios e da
Sociedade) -, somente poderia imputar a responsabilidade aos bens particulares,
após decisão judicial específica.” [23]

De fato, para os defensores da aplicação da desconsideração
no âmbito do direito tributário de acordo com os critérios e as condições
estabelecidas no artigo 50 do Código Civil Brasileiro, a intervenção judicial
revela-se indispensável, uma vez que expressamente exigida pela lei.

Todavia, analisando a situação sob o prisma da
necessidade de adequar esse instituto às peculiaridades do direito tributário,
pode-se afirmar que a sua aplicação por meio de processo administrativo
regularmente instaurado coaduna-se com os princípios de celeridade e de economia,
que regem a satisfação do crédito tributário. Não se deve olvidar, contudo, que
em hipótese alguma poderá ser prejudicado o contraditório e a ampla
defesa. 

3
Conclusão

A desconsideração da personalidade
jurídica é atualmente um instrumento extremamente importante para combater as
condutas fraudulentas e abusivas que têm se tornado cada vez mais freqüentes no
contexto nacional, notadamente no âmbito das relações jurídicas tributárias.

Contudo, não se pode perder de vista
a excepcionalidade que envolve a sua aplicação, visto que somente se legitima
quando devidamente comprovadas as circunstâncias autorizadoras previstas na
legislação material.

Esta cautela se justifica em virtude
da relevância do instituto da pessoa jurídica para o direito e para o progresso
econômico, social e cultural de toda a sociedade. Não há duvidas que a
separação patrimonial estabelecida entre a pessoa jurídica e seus membros
constitui um dos incentivos mais importantes, senão o mais importante, para a
iniciativa privada e conseqüentemente para a produção de mais riquezas,
requisito indispensável para o desenvolvimento do país.

Não se deve admitir que a separação
patrimonial decorrente da personificação societária sirva de manto protetor
para a prática de atos destoantes daqueles para os quais ela foi concebida pelo
ordenamento jurídico. Por outro lado, também não se deve permitir a aplicação
desenfreada e abusiva da desconsideração, desvinculada dos seus fundamentos, o
que provocaria o desvirtuamento da desconsideração e do próprio instituto da
pessoa jurídica.

Ao contrário do que vem se
constatando na prática forense, a ausência de patrimônio da sociedade, por si
só, não é motivo suficiente para ensejar a aplicação da superação da autonomia
patrimonial da pessoa jurídica e a conseqüente responsabilização dos seus
sócios ou administradores pelas obrigações sociais.

Não se deve olvidar que a atividade
econômica como qualquer outra atividade está sujeita aos imprevistos do mercado
financeiro, de modo que o sucesso de um empreendimento, principalmente no
contexto sócio-econômico brasileiro, não é uma regra absoluta. Logo, a
inadimplência da sociedade somente pode constituir causa de desconsideração da
personalidade jurídica do ente coletivo quando decorrente da utilização abusiva
ou fraudulenta da pessoa jurídica.

Pode-se verificar ainda que muitas
vezes, na doutrina e na jurisprudência, a desconsideração é confundida com
outros institutos jurídicos que definem a responsabilidade direta do sócio por
obrigações da sociedade. Nestes, a personalidade jurídica distinta da sociedade
não constitui óbice para que seja fixada a responsabilidade dos sócios, em
razão do que não é necessária a sua desconsideração. Esse equívoco também pode
ser verificado em algumas legislações, a exemplo da Lei n° 8.078/90 (Código de
Defesa do Consumidor), da Lei n° 8.884/94 (Lei sobre a preservação e repressão
às infrações contra a ordem econômica), dentre outras.

Conforme foi analisado no curso
deste trabalho, a doutrina nacional não é unânime a respeito da aplicabilidade
do instituto da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do direito
tributário. Alguns autores sustentam a impossibilidade de sua aplicação em face
do princípio da tipicidade que rege o direito tributário, outros afirmam que a
existência de regra genérica consagrando o instituto permite sua aplicação
também às relações jurídicas tributárias.

Contudo, os doutrinadores que
defendem a aplicabilidade da desconsideração não estão em consenso quanto ao
fundamento legal em que esta se sustenta. Dentre os fundamentos apresentados,
sobressaem-se os artigos 134 e 135, III, do Código Tributário Nacional; o
artigo 116, parágrafo único, do mesmo diploma; e o artigo 50 do Código Civil
Brasileiro.

Ressalte-se que, ao contrário do que
sustentam alguns autores, a responsabilidade tributária dos sócios prevista no
artigo 134 do Código Tributário Nacional, e a responsabilidade dos dirigentes,
gerentes ou representantes legais da pessoa jurídica prevista no artigo 135,
III, do mesmo diploma legal não correspondem à aplicação da desconsideração da
personalidade jurídica.

Isso porque nos referidos
dispositivos tributários há a imputação direta de responsabilidade por certos
atos aos sócios ou administradores da pessoa jurídica, sem que seja necessário
desconsiderar a personalidade jurídica autônoma do ente coletivo para promover
essa responsabilização. Ademais, essa responsabilidade, diferentemente da
desconsideração da personalidade jurídica, não exige necessariamente a prática
de fraude ou abuso de direito através da manipulação indevida da autonomia
patrimonial da pessoa jurídica.

Todavia, é importante registrar que
o Superior Tribunal de Justiça e parte considerável dos outros tribunais têm se
manifestado, equivocadamente, no sentido de que o artigo 135, III, do Código
Tributário Nacional corresponde à consagração do instituto da desconsideração
nesse ramo do direito.

Não obstante a imprecisão técnica de
alguns órgãos judiciários, impõe-se que o interprete atenha-se a função da
desconsideração da personalidade jurídica, não a confundindo com outros
institutos jurídicos.

Diante desse contexto, pode-se
verificar que os fundamentos legais apresentados pela doutrina não atendem
satisfatoriamente às peculiaridades do direito tributário. Em razão disso,
constata-se a relevância de que seja elaborada e promulgada uma lei que
acrescente no Código Tributário Nacional um dispositivo específico que
contemple a desconsideração da personalidade jurídica, estabelecendo todas as
regras e diretrizes necessárias para a sua correta aplicação, de modo a
dissipar todas as controvérsias a respeito do tema.

Com a previsão normativa específica,
seriam sanados os erros técnicos hoje verificados na aplicação da
desconsideração às relações jurídicas tributárias pelos órgãos judiciários.
Dessa forma, seriam assegurados os princípios da legalidade, da tipicidade e da
segurança jurídica.

 

 Bibliografia:

 1.
TÔRRES, Heleno Taveira. Direito
Tributário e Direito Privado.
São Paulo: Editora RT, 2003, p. 470.

2.
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro.
10. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 236.

3.
FILHO, Edmar Oliveira Andrade. Desconsideração
da Personalidade Jurídica no Novo Código Civil
. São Paulo: MP Editora,
2005, p. 77.

4.
OLIVEIRA,
Ricardo Mariz de. Reflexos do Novo Código Civil no Direito Tributário. In:
Eduardo de Carvalho Borges (coord.), Impacto
Tributário do Novo Código Civil
. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p.
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5.
REZENDE, Condorcet. Aspectos da desconsideração da personalidade societária em
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n. 178, p. 130. Fundação Getúlio Vargas.

6.
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7.
AMARO, Luciano. Desconsideração da pessoa jurídica no Código de Defesa do
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Associação dos Juizes do Rio Grande do Sul
, Porto Alegre, vol. 20, n.58,
Julho/1993, p. 74.

8.
TÔRRES, Heleno Taveira. Regime
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CTN. In: TÔRRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (coord.). Desconsideração da personalidade em
Matéria Tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 65.

9. Art.
116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador
e existentes os seus efeitos:

I –
tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as
circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente
lhe são próprios;

II –
tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente
constituída, nos termos de direito aplicável.

Parágrafo
único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios
jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato
gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação
tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
(Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)

10.
WALD, Arnold & MORAES, Luiza Rangel de. Da Desconsideração da Personalidade
Jurídica e seus Efeitos Tributários In: TÔRRES,
Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (coord.), Desconsideração da personalidade em
Matéria Tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 233.

11.
PAULSEN, Lenadro. Contribuições: custeio
da seguridade social. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 60.

12.
OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Reflexos do Novo Código Civil no Direito
Tributário. In: Eduardo de Carvalho Borges (coord.), Impacto Tributário do Novo Código Civil. São Paulo: Quartier Latin,
2004, p. 194-196.

13.
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Agravo de Instrumento n˚.
1999.002.14630. Desemb. Célia Meliga Pessoa. – Sétima Câmara Cível. Julgamento:
21/03/2000.

14.
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70018994319,
Vigésima Primeira Câmara Cível, Relator: Genaro José Baroni Borges, Julgado em
23/05/2007.

15.
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento Nº 598538957,
Segunda Câmara Cível. Relator: João Armando Bezerra Campos, Julgado em
17/03/1999.

16.
Tribunal Regional Federal da Primeira Região. Classe: Apelação Cível nº. 01091511. Processo nº.
1995.01.09151-1/DF. Órgão Julgador: Terceira turma. Data da Decisão:
23/11/2000. Fonte DJ data: 31/01/2001, página 50. Relator: Desembargador
Federal Eustáquio Silveira.

17.
Tribunal Regional Federal da Primeira Região. Classe: Apelação Cível nº.
01119299. Processo nº. 1996.01.11929-9/GO. Órgão Julgador: Terceira turma. Data
da Decisão: 28/09/2000. Fonte DJ data: 19/12/2000, página 30. Relator:
Desembargador Federal Candido Ribeiro.

18.
Superior Tribunal de Justiça. Resp. 436012.
Rel. Ministra Eliana Calmon. Órgão Julgador: Segunda turma. Data da
decisão: 17.06.2004. Publicado no DJ do dia 27.09.2004, p. 304.

19.
Superior Tribunal de Justiça. Resp 787.457/PR. Rel. Ministra Eliana Calmon.
Órgão Julgador: Segunda Turma. Data da decisão: 14.08.2007. Publicado no DJ
23.08.2007, p. 247.

20.
Superior Tribunal de Justiça. Agravo De Instrumento nº 930334 – AL
(2007/0170112-0) Relator: Min. José Delgado. Agravante: Marcos Roberto Tenório.
Agravado: Fazenda Nacional DJ 09.10.2007.. 

21.
Superior Tribunal de Justiça. RMS 15.166/BA. Rel. Ministro Castro Meira. Órgão
Julgador: Segunda Turma. Data da decisão: 07.08.2003. Publicado no DJ do dia
08.09.2003, p. 262.

22.
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70014624134, Segunda
Câmara Cível, Relator: Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, Julgado em
29/11/2006.

23.
MELO, José Eduardo Soares de. A Desconsideração da Personalidade Jurídica no
Código Civil e Reflexo no Direito Tributário. In: GRUPENMACHER, Betina Treiger
(coord.), Direito Tributário e o Novo
Código Civil
. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 166.


Informações Sobre o Autor

Edna Ribeiro Santiago

Advogado em Salvador/BA


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