Distinção de imunidade, isenção e não-incidência

Resumo: O estudo visa esclarecer dúvidas sobre a diferença conceitual dos institutos da imunidade tributária, isenção e não-incidência.


DISTINÇÃO DE IMUNIDADE, ISENÇÃO E NÃO-INCIDÊNCIA


O Texto Constitucional de 1988 não faz menção expressa a imunidade tributária. O Legislador Constituinte preferiu utilizar outras terminologias para indicar a existência do instituto, ainda que em vários trechos da Constituição de 1988 sejam mencionadas as seguintes terminologias: isenção, não-incidência, não incide, entre outras, para referir-se à imunidade.


A imunidade tributária possui seu espaço normativo demarcado em Sede Constitucional; isto é dizer que a imunidade tributária tem sua origem e eficácia assegurada pelo Texto Constitucional[1], o que não poderia ser diferente, já que são conseqüências expressas dos direitos fundamentais, como bem salienta Paulo de Barros Carvalho:


“O universo do direito positivo brasileiro abriga muitas interdições explícitas que, num instante considerado, podem ter o condão de inibir a atividade legislativa ordinária, escala hierárquica em que nascem as regras tributárias em sentido estrito. Tão-somente aquelas que irromperem do próprio texto da Lei Fundamental, entretanto, guardarão a fisionomia jurídica de normas de imunidade. O quadro das proposições normativas de nível constitucional é seu precípuo campo de eleição.”[2]


Assim, quando o Legislador Constituinte se utilizou de palavras e expressões com intuito de informar que determinada situação provocará o efeito social de  não-tributação, estará invocando o instituto da imunidade tributária.


O efeito social de não-tributação significa que nas situações apontadas pelo conseqüente normativo do instituto da imunidade não incidirá, somente, a obrigação de recolhimento do tributo. Nesta seara é importante destacar que a relação jurídico-tributária surge através da subsunção do fato à norma, ou melhor, de determinado enquadramento de conduta à norma jurídica tributária, o que, infalivelmente, provocará o nascimento da obrigação tributária, que por sua vez poderá ser dividida em obrigação principal e deveres instrumentais.[3]


Pois bem, a obrigação principal implica na entrega de certa quantia em dinheiro aos cofres públicos a título de tributo, enquanto os deveres instrumentais têm relação com a(s) obrigação(ões) de  fazer ou não do sujeito passivo[4], sendo, assim, obrigações destituídas de cunho patrimonial, isto é, a imunidade poderá provocar somente incidência normativa em relação aos deveres instrumentais.


Após essas considerações, a imunidade tributária não gera a incompetência do Ente Federativo, como já discorrido anteriormente, mas se conjuga com o Poder de Tributar para a formação da competência tributária, já que todos os fatos prescritos na Constituição de 1988 poderão provocar[5] o nascimento das respectivas obrigações tributárias (relação jurídico-tributária), mas, estando o fato protegido pelo conseqüente normativo da imunidade, inibirá o nascimento da obrigação tributária principal, entretanto autorizará o nascimento dos deveres instrumentais.


Para melhor alinhar, se um templo religioso detém os efeitos jurídicos da imunidade, ou seja, está imune, logo não efetuará pagamento do imposto de renda de proventos de qualquer natureza, mas não estará livre da imposição tributária de efetuar, de acordo com a legislação federal, declaração informativa sobre a sua renda.  Assim, a imunidade é uma parcela da competência tributária, e produz efeitos jurídicos tributários, já que autoriza o Ente Federativo a impor obrigações tributárias desprovidas de cunho patrimonial, nos termos da lei.


Aprofundados o conceito e efeitos jurídicos e sociais da imunidade tributária, faz-se mister distingui-la da denominada isenção, iniciando com sua conceituação. Assim como a imunidade tributária, o conceito de isenção tributária não encontra consenso entre a doutrina pátria[6]. E para efeitos deste trabalho, foi adotado o conceito dado por Paulo de Barros Carvalho:


“Guardando a sua autonomia normativa, a regra de isenção investe contra um ou mais dos critérios da norma-padrão de incidência, mutilando-os, parcialmente. É óbvio que não pode haver supressão total do critério, porquanto equivaleria a destruir a regra-matriz, inutilizando-a como norma válida no sistema. O que o preceito de isenção faz é subtrair parcela do campo de abrangência do critério do antecedente ou do conseqüente. (…) Mas não o exclui totalmente, subtraindo, apenas, no domínio dos possíveis sujeitos passivos, o subdomínio dos servidores diplomáticos de governos estrangeiros, e mesmo assim quanto aos rendimentos do trabalho assalariado. Houve uma diminuição do universo dos sujeitos passivos, que ficou desfalcado de uma pequena subclasse. (…) o encontro de duas normas jurídicas, sendo uma a regra-matriz de incidência tributária e outra a regra de isenção, com seu caráter supressor da área de abrangência de qualquer dos critérios da hipótese ou da conseqüência da primeira (regra-matriz).”[7]    


Assim, a norma isentiva ataca um dos critérios formadores da regra padrão de incidência, logo, a isenção é criada ou formada pela legislação infraconstitucional que atua diretamente no exercício da competência tributária, já que esta somente poderá ser concedida por quem possui competência. Logo, tem-se que a isenção somente poderá ser cogitada quando o Ente Federativo detém competência tributária, o que transmite que a isenção não poderá gera a incompetência, mas sim o real e pleno exercício da competência tributária, posto, que, como dito, só isenta, quem pode tributar.


A isenção é somente verificada no exercício da competência tributária, e inibe que a tributação recaia sobre os fatos escolhidos pelo detentor da competência impositiva. Neste diapasão, estando o fato abraçado pela norma isentiva, nascerá, assim como na imunidade, a relação jurídico-tributária, mas não provocará o nascimento da obrigação tributária principal e autorizará – se a lei assim prescrever – o dever de cumprir obrigações desprovidas de cunho patrimonial.


Traçando um paralelo, a imunidade é referendada em Sede Constitucional, e a isenção através de normas infraconstitucionais, o que implica dizer que a imunidade não poderá ser modificada, pois trata-se de cláusula pétrea, enquanto a isenção poderá ser modificada ou revogada por outra norma infraconstitucional.[8] Deste modo, pode-se entender as diferenças entre a imunidade e a isenção tributária da seguinte forma:


“1) a imunidade é, por natureza, norma constitucional, enquanto a isenção é normal legal, com ou sem suporte expresso em preceito constitucional; 2) a norma imunizante situa-se no plano da definição da competência tributária, alocando-se a isenção, por seu turno, no plano do exercício da competência tributária; 3) ainda que a isenção tenha suporte em preceito constitucional específico, a norma constitucional que a contém possui eficácia limitada, enquanto a imunidade abriga-se em norma constitucional de eficácia plena ou contida; e 4) a eliminação da norma imunizatória somente pode ser efetuada mediante o exercício do Poder Constituinte Originário, porquanto as imunidades são cláusulas pétreas, desde que não seja o caso da imunidade ontológica; uma vez eliminada a isenção, por lei, restabelece-se a eficácia da lei instituidora do tributo, observados os princípios pertinentes”.[9]


Quanto à não-incidência, tem-se que é o não enquadramento normativo a uma conduta[10], isto é, quando a conduta fática não encontra respaldo ou identificação com nenhuma hipótese normativa, não provocará o nascimento de relação jurídico-tributária. Assim, na “não-incidência, o fato não pode ser contemplado legalmente como gerador de determinado tributo, como é o caso de lavagem de roupas que não constitui fato gerador do IPI”.[11]


Por fim, há necessidade de destacar que a imunidade compõe competência tributária e provoca incidência normativa, já que cria relação jurídico-tributária (deveres instrumentais) e na isenção há o exercício da competência, e cria, assim como a imunidade, relação jurídico-tributária, já a não-incidência não provoca efeitos jurídicos, obrigações e deveres, pois não há enquadramento da conduta à norma padrão de incidência tributária[12].


CONCLUSÃO


A imunidade é a regra que compõe a competência tributária, cujo critério espacial se encontra demarcado no âmbito constitucional, caracterizando-se, também, como cláusula pétrea, já que é uma garantia assecuratória de direitos fundamentais (direitos individuais), e a norma isentiva, por sua vez, encontra-se no território infraconstitucional e é exercitada pelo Poder de Tributar (elaboração de norma tributária). Já a não-incidência implica na não-tributação por ausência de conteúdo legal, ou seja, não há enquadramento da conduta à nenhuma norma tributária.


 


Bibliografia

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 2 ed. São Paulo: Noeses, 2008.

COSTA, Regina Helena. Imunidade tributária: teoria e análise da Jurisprudência do STF. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2006.

MELO. José Eduardo Soares. Imunidade das contribuições sociais à seguridade social. In: Imunidade tributária. Coord: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; CARVALHO, Cristiano. São Paulo: MP, 2005

 

Notas:

[1]Quanto às expressões utilizadas pelo Legislador Constituinte Originário, Regina Helena Costa adverte que “em outras ocasiões, apesar de a Lei Maior empregar o vocábulo ‘isenção’, é de imunidade que se está tratando, uma vez que se reporta a situação perfeitamente caracterizada (…) no próprio constitucional”. COSTA, Regina Helena. Imunidade tributária: teoria e análise da Jurisprudência do STF. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 107 – grifo do original.

[2] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 2 ed. São Paulo: Noeses, 2008, p. 307.

[3] Também denominado como obrigação acessória.

[4] CTN: “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

Art. 122. Sujeito passivo da obrigação acessória é a pessoa obrigada às prestações que constituam o seu objeto.”

[5] Se ocorrer a imposição tributária, isto é, criação do tributo através de lei.

[6] Não serão abrangidos todos os conceitos do instituto, para evitar desvirtuação do objeto de estudo.

[7] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 18 ed. rev. ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 504-5.

[8] Quanto à revogação da norma isentiva, Regina Helena Costa argumenta que a revogação do instituto restaura “a eficácia da lei instituidora do tributo (…) temporariamente afastado pela lei isentiva, observados os princípios constitucionais pertinentes”. COSTA, Regina Helena. Imunidade tributária: teoria e análise da Jurisprudência do STF. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 109.

[9] COSTA, Regina Helena. Imunidade tributária: teoria e análise da Jurisprudência do STF. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 109 – grifo do original.

[10] Nesse pensar: “a ‘não-incidência’ corresponde “a inocorrência do impacto norma jurídica sobre determinado fato, vale dizer, a indiferença de determinada conduta realizada, diante da norma jurídica”. COSTA, Regina Helena. Imunidade tributária: teoria e análise da Jurisprudência do STF. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 39.

[11] MELO. José Eduardo Soares de. Imunidade das contribuições sociais à seguridade social.  In: Imunidade tributária. Coord: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; CARVALHO, Cristiano. São Paulo: MP, 2005, p. 192 – grifo do original.

[12] No mesmo sentido: MELO. José Eduardo Soares. Imunidade das contribuições sociais à seguridade social.  In: Imunidade tributária. Coord: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; CARVALHO, Cristiano. São Paulo: MP, 2005, p 192.


Informações Sobre o Autor

Nilson Nunes da Silva Junior

Mestre em Direito pela UNIFIEO; Especialista em Direito Tributário pelo IBET/SP; Professor de Direito de Direito de Administrativo e Tributário da Anhembi Morumbi; Advogado em São Paulo.


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