Do excesso de regulação e da inconstitucionalidade material e formal da evasão de balança no transporte rodoviário de cargas

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Resumo: O artigo demonstra a problemática causada pelo excesso de normas. Busca provar a inconstitucionalidade formal bem como a ofensa a outros princípios constitucionais e o conflito de normas existente entre o artigo 36, inciso I, da Resolução 4799/2015 e o artigo 209 do Código de Transito Brasileiro.

Abstract: The article demonstrates the problems caused by excessive rules. Seeks to prove the formal unconstitutionality and offense to other constitutional principles and the conflict of rules between Article 36 item I of Resolution 4799/2015 and Article 209 of the Code of Transito Brazilian.

Sumário: Introdução. Conceito de confisco e breve noção histórica. Do não confisco como comando constitucional. Da natureza jurídica da infração de trânsito. Da infração de evasão de balança da expropriação e confisco e do conflito de normas. Conflito aparente de normas e a pirâmide Hans Kelsen. Especialidade. Cronologia. Hierarquia. Da inconstitucionalidade formal do artigo 36 I da resolução 4799/2015. Conclusão.

Introdução.

Todo poder emana do povo e é para o povo. No entanto, parece-nos que tais postulados da república não têm a devida observação por parte dos agentes do Estado, ora com leis inconstitucionais, ilegais e esdrúxulas, ora com seu exercício discricionário.

Frederic Bastiat, o filósofo francês, ensina-nos, em seu livro A lei (2016:24), que os direitos humanos se traduzem apenas, e tão somente, em três valores, ou seja: vida, liberdade e propriedade privada. Tudo que a isso ultrapassar ferirá tais direitos. Vejamos:

“Vida, faculdades, produção (em outras palavras, individualidade, liberdade, propriedade) – eis o homem. Esses três dons de Deus, a despeito da astucia dos demagogos, são anteriores e superiores a toda legislação humana.”

Parece-nos que tem razão. Basta analisarmos a intromissão estatal nas relações pessoais, contratuais, entre outras. Isso implica a imensa quantidade de entulho legislativo, traduzido em leis que o país elabora. Leis de diversas naturezas e de diferentes calibres com importância relativa. Para tudo, confeccionamos uma lei, como se a natureza humana não soubesse os limites do racional e do razoável, os quais emanam do intelecto humano.

O direito privado, o contrato entre as partes, sempre foi e sempre será a melhor forma de progresso e de resolução de conflitos. A própria arbitragem, que tem caráter de regulação privada, orienta-nos para este caminho.

Em suma, o excesso de Estado, vai à contramão do progresso de um povo, afetando a produção, o desenvolvimento, o progresso, consequentemente, causando enorme custo ao empresariado, ao autônomo, ao país, pois reduz o PIB da nação. É uma das facetas tiranas do custo Brasil: o excesso de regulação. Nessa seara, o transporte rodoviário de cargas, eixo principal da força de desenvolvimento deste país, sofre, e muito, com o excesso de regulação e de abuso de pessoas que se intitulam “autoridades” no setor.

A legislação de trânsito, Código de Trânsito Brasileiro (CTB), é um exemplo, com uma quantidade imensa de resoluções do Conselho Nacional de Transito (CONTRAN), Departamento Nacional de Transito (DENATRAN), Agencia Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), Lei do motorista, Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), convenções coletivas, acordos coletivos, normativas do Instituto de Pesos e Medidas (IPEM), Instituto Nacional de Metrologia (INMETRO), Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), normas ambientais federais, estaduais e municipais, normas regulamentadoras (NRs), leis tributárias, leis sociais do aprendiz e das cotas, entre outras, muitas outras. Fora todo esse emaranhado legislativo, as empresas convivem com a expropriação estatal, diariamente. O Estado expropria bens das empresas brasileiras diariamente e de diversas formas. Leis expropriadoras de caráter administrativo, concernentes a multas, de caráter ambiental, a custos das licenças ambientais, de caráter tributário, à imensa quantidade de tributos, de caráter trabalhista, tais como a Consolidação das leis do Trabalho (CLT) e a justiça do trabalho, que tem assumido caráter de balcão de negócios.

Conceito de confisco e breve noção histórica.

 Confisco, segundo definição do dicionário, é a tomada de propriedade de uma dada pessoa ou organização, sem compensação, por parte do governo ou outra autoridade pública, sem que haja lugar ao pagamento de qualquer compensação.

Confisco é basicamente o que Frederic Bastiat (2016:52) denomina de espoliação. Contudo, a espoliação reveste-se de “caráter legal”. É o roubo legalizado, segundo Bastiat:

“Ora, a espoliação legal pode ser cometida de infinitos modos. Assim, há um numero de planos para organizá-la: tarifas, proteções, subsídios, incentivos, taxações progressivas, educação publica, direito a emprego, direito a ferramentas de trabalho, salário mínimo, crédito fácil e assim por diante. A totalidade desses planos, naquilo que tem em comum, a espoliação legal, recebe o nome de socialismo.”

Esta prática foi largamente usada até a Revolução Francesa. Entretanto, já em 1215, com a magna carta inglesa, conhecida como Carta do Rei João sem Terra, a sociedade inglesa já não mais compactuaria com essa pratica:

Não lançaremos taxas ou tributos sem o consentimento do conselho geral do reino (commue concilium regni), a não ser para resgate da nossa pessoa, para armar cavaleiro nosso filho mais velho e para celebrar, mas uma única vez, o casamento da nossa filha mais velha; e esses tributos não excederão limites razoáveis.

E ainda nos dias atuais estamos convivendo com estas práticas lesivas às propriedades do homem – desdobramento da dignidade humana, conforme ficará demonstrado neste estudo.

Do Não Confisco como comando constitucional.

O legislador constitucional brasileiro, com vistas a “proteger” o cidadão e a propriedade privada, contra a espoliação excessiva, assim tipificou o artigo 150:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:(…)

IV – utilizar tributo com efeito de confisco;

Desse modo, a toda atividade administrativo-tributário, é terminantemente proibido o efeito do confisco, inclusive a multa administrativa, como o caso em questão, objeto de nossa reflexão. O jurista Celso Antonio Bandeira de Mello refere-se, inclusive, ao caráter confiscatório da multa exageradamente fixada, em sua obra Curso de Direito administrativo (data 2015:438):

"Tal como as demais sanções administrativas, as multas têm que atender ao princípio da proporcionalidade, sem o quê serão inválidas. Além disto, por muito grave que haja sido a infração, as multas não podem ser "confiscatórias", isto é, de valor tão elevado que acabem por compor um verdadeiro confisco. Nisto há aprazível concórdia tanto na doutrina como na jurisprudência."

A nossa indagação é por que, mesmo com a proibição do confisco, elevado a princípio constitucional, conforme exposto, o Estado – e sua ganância – por meio de seus agentes, bem como o exercício deformado do poder de polícia, insiste em lesar a propriedade privada? Um Estado que não observa sua constituição não pode ser considerado democrático. É impositivo o Estado que se supõe acima da própria Constituição.

Da natureza jurídica da Infração de trânsito.

A natureza jurídica de infração de trânsito é de multa administrativa. Dentre as várias modalidades de atos administrativos, encontramos o ato administrativo punitivo.

O Professor Hely Lopes Meirelles (2000:185), ensina:

“Atos administrativos punitivos são os que contêm uma sanção imposta pela administração àqueles que infringem disposições legais, regulamentares ou ordinatórios dos bens ou serviços públicos. Visam a punir e reprimir as infrações administrativas ou a conduta irregular dos servidores ou dos particulares perante a Administração.”

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Os atos punitivos se caracterizam pela multa administrativa, a interdição de atividades e a destruição de coisas. Nesse contexto, centramos nossa análise na multa administrativa de trânsito.

Respaldando-nos no professor Hely Lopes Meirelles, (2000: 185) entendemos que “multa administrativa é toda imposição pecuniária a que se sujeita o administrado a título de compensação do dano presumido da infração”.

Da infração de evasão de balança, da expropriação e confisco e do conflito de normas.

Ao analisarmos a descrição do tipo do artigo 209 do CTB, bem como da Resolução 4.799, de 27 de julho de 2015, art. 36, I da ANTT, verificamos que há mais verbos descritos no artigo 209 do CTB, a descrição da hipótese de incidência da infração é mais robusta, completa, elucidando de forma abstrata, com mais propriedade a realidade fática. Trazemos o citado dispositivo:

 

“Art. 209. Transpor, sem autorização, bloqueio viário com ou sem sinalização ou dispositivos auxiliares, deixar de adentrar as áreas destinadas à pesagem de veículos ou evadir-se para não efetuar o pagamento do pedágio:

Infração – grave;

Penalidade – multa – R$127,69”

Verificamos a existência de três comandos típicos na estrutura da hipótese de incidência do artigo 209 do CTB, os quais não “deixam” grandes aberturas para atividades discricionárias do agente estatal. Os três verbos dos comandos na hipótese de incidência do artigo 209 do CTB são: transpor; deixar e evadir-se. Verificamos que esses verbos formam os três comandos da hipótese de incidência.

Convém destacar o preceito secundário, ou seja, a descrição do valor da penalidade. A sanção imposta é a multa, e o valor é de R$ 127,69. Nesse ponto, há sintonia entre o preceito primário e o secundário, bem como proporcionalidade, razoabilidade, seu caráter compensatório e educativo na imposição da sanção.

 

Não bastasse a existência de uma norma já em vigor, o artigo 209 do CTB, os “coletores” públicos da ANTT definem-se legisladores e editam a Resolução 4.799, de 27 de julho de 2015, art. 36, I da referida agência.

Convém analisar que a descrição da hipótese de incidência, no tocante ao artigo 36, I da resolução 4.799/2015, é incompleta, em seu preceito primário, encontrando-se desta forma em estado de completa inconstitucionalidade, conforme veremos.

A descrição típica incompleta deixa grandes margens ao autoritarismo, ou a discricionariedade do poder estatal, ensejando arbitrariedades do Estado.

“Resolução 4.799/2015:

Artigo 36: Constituem infração:

I – evadir, obstruir ou de qualquer forma dificultar a fiscalização: R$ 5.000,00 (cinco mil reais)”

Narramos a descrição da hipótese de incidência. Evadir, Obstruir ou de qualquer forma dificultar a fiscalização.

Indagamos: Quais são as formas de dificultar a fiscalização? Quais são as fiscalizações?

Para respondermos essa indagação, faz-se necessário o elemento subjetivo. Tudo que entender que seja dificuldade, um agente do Estado poderá autuar e toda e qualquer menção à fiscalização será (i) legitima, haja vista seu “poder de polícia” e sua “fé pública”, que muitas vezes, encontramos apenas nos manuais de direito administrativo.

Os verbos evadir e obstruir compõe a estrutura da hipótese de da incidência; no entanto, a descrição da infração, no preceito primário da norma, não é taxativo, o que fere, desta forma, o princípio da tipicidade quanto à taxatividade do fato imponível e, por desdobramento lógico, à segurança jurídica e à legalidade. Por sua vez, o preceito secundário é ainda mais tirano: R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Saltam aos olhos tamanha lesão à propriedade privada em seu caráter confiscatório, aliás, digamos princípios constitucionais.

O princípio do direito à propriedade privada é garantia constitucional e, uma vez resguardado pelo princípio do não confisco, cumpre ser referendado.

O bem jurídico tutelado em ambos os artigos tratados neste estudo são idênticos: o patrimônio público, as estradas.

Por obviedade, um veículo de cargas é obrigado a efetuar a pesagem nas balanças próprias, espalhadas por todo o país. Aquele que se evade da balança tem motivo para tal. Motivo este conhecido: o excesso de peso. O excesso de peso é visto como causador de danos às estradas. Sem adentrarmos no mérito da qualidade da matéria prima e da forma com que são construídas nossas rodovias, com menor quantidade de massa asfáltica ou não, a questão é: qual realmente é o dano causado por um veículo com excesso de peso em uma via? Isto é o que verificamos quando aplicada a multa do excesso.

Para ilustrar e reforçar a caracterização de expropriação legal da infração do artigo 36, inciso I, trazemos coeficiente de medição para aplicação do excesso de peso de acordo com a resolução do CONTRAN n. 258/07:

“Resolução n° 258/07 – CONTRAN

Para o calculo da multa devido ao excesso da Carga Máxima de Tração – CMT consideramos que a CMT do veiculo trator é de 50.000Kg.

PBTC aferido = 54.000 Kg
CMT do veiculo = 50.000 Kg

Excesso no CMT = 4.000 Kg

 16412a

(1°) – Divide-se o excesso (4.000Kg)/500 = 8,0 (arredondando-se o valor para o inteiro superior).
2°) – Multiplica-se o valor encontrado pelo valor correspondente na tabela acima ao excesso aferido.
Portanto: 8 x 191,54 = R$ 1.532,32 valor da multa pelo excesso de CMT.”

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Sendo assim, basta fazermos um exercício de multiplicação para ilustrar o caráter confiscatório de todas as multas por evasão de balança do artigo 36, inciso I da resolução da ANTT. Teríamos que trafegar com um veículo, com aproximadamente 65.000 mil quilos de peso, com um excesso de 15.000 quilos, para chegarmos ao valor cobrado pela multa de evasão de balança. Impossível, basta analisar o setor de transportes, nesse quesito.

Verificamos que o valor da sanção é de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para todas as infrações, independentemente do excesso de peso que “porventura” com que esteja o veículo de cargas. Se forem 100 quilos ou 15.000 mil quilos, o valor da multa é idêntico. Acreditamos que não se faz necessário nenhum comentário a mais, no tocante a esta afronta à propriedade privada das pessoas, das empresas, do trabalhador.

Sendo assim, o excesso de regulação, o emaranhado de legislações existentes no ordenamento jurídico brasileiro, oriundo de um sistema que busca a todo o momento interferir na vida das pessoas, das empresas, regulando, dizendo para a sociedade o que é e o que não é permitido, traz, muitas vezes, situações embaraçosas, conflituosas. Nesse diapasão, criam-se teorias jurídicas para resolver as peripécias legislativas. Busca-se em princípios, como já demonstramos aqui, a mais das vezes, alguma saída para as obnubiladas legislações.

A ofensa aos princípios constitucionais do não confisco, da legalidade, e da propriedade privada, refuta qualquer legitimidade ao artigo 36, inciso I da resolução 4.799/2015 da ANTT, haja vista, flagrante inconstitucionalidade material do artigo 36, inciso I. Mas não é só. Existe um conflito de normas e a inconstitucionalidade formal da resolução, que pode ser atacada.

Para ventilarmos uma reflexão a partir desta análise, trazemos ao texto a consagrada teoria de Hans Kelsen (2008:240), jurista austríaco, de grande influência, que nos ensina algumas lições. Hans Kelsen entende que, para que tenha validade, todas as normas devem estar em consonância com a lei maior. A lei maior, segundo o autor austríaco, é a Constituição Federal. Parte-se da Constituição, lei maior, para leis de menor hierarquia, para o que se convencionou chamar de hierarquia das leis. Pois bem, como é sabido, essa famosa teoria é aplicada no sistema jurídico pátrio, e, sendo assim, recorremos a ela para nossa análise e nossas reflexões.

Dividiremos esta análise em duas partes: na primeira, admitimos a existência de um conflito de normas; e, na segunda, demonstramos a inconstitucionalidade formal da resolução.

Conflito aparente de Normas e a Pirâmide de Hans Kelsen:

Critérios de solução de conflitos de normas idênticas são tomados como base para encontrar, dentre as possibilidades existentes, qual é a norma a ser usada. Há três critérios para a solução de conflitos de normas: Especialidade, cronologia e hierarquia das normas.

Especialidade.

A norma mais específica sobre o assunto que precisa de solução é a norma a ser usada. No caso em questão, as normas são a Lei 9503/97, em seu artigo 209 do CTB e a resolução 4.799/2015, em seu artigo 36 inciso I.

Cronologia

O critério da cronologia é aquele que analisa quando as normas em conflito foram elaboradas, aspecto temporal.

A norma que tenha sido mais recentemente elaborada sobre o assunto que precisa de solução é a norma a ser usada; no caso em questão, seria a resolução. No entanto, resolução não revoga Lei, pela própria análise da questão hierárquica que é o próximo aspecto da pirâmide de Kelsen. O que revoga lei é outra lei. Lei na concepção estrita do termo, ou seja, lei aprovada pelo legislativo, no caso, legislativo federal.

Resolução não é lei. É ato normativo administrativo, não se reveste do caráter constitucional da formação das leis, conforme determinam os artigos 59 e seguintes da Constituição Federal.

Resolução, segundo Hely Lopes Meirelles (2000:172):

 “Resoluções são atos administrativos normativos expedidos pelas altas autoridades do Executivo (mas não pelo Chefe do Executivo, que só deve expedir decretos) ou pelos presidentes de tribunais, para disciplinar matéria de sua competência especifica”.

“As resoluções são atos inferiores ao regulamento e ao regimento, não podendo inová-los ou contrariá-los, mas unicamente completá-los e explicá-los.”

Sendo assim, mesmo que mais recente resolução não revoga lei; portanto, não aplica ao caso, causando conflito ao caso concreto.

Hierarquia

Havendo mais de uma norma sobre o mesmo assunto a ser solucionado, pelo critério da hierarquia das normas, devemos usar aquela norma que se encontre no mais alto grau, dentre elas. No caso em análise, é a Lei, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB).

Conforme demonstrado, estamos diante de uma lei e de uma resolução, ambas com naturezas jurídicas diferentes e hierarquias distintas. Sendo a lei, em tese, a comando normativo que se reveste da vontade do povo, pois na casa do povo – congresso nacional – é que ocorrerão seu processo, discussão e votação, adquirindo, por estes pressupostos, caráter democrático e republicano; logo, legítima quanto à matéria e à forma.

Ante os requisitos mencionados, a lei tem posição hierárquica superior à resolução, comando normativo, meramente aplicado ao executivo, norma de segunda categoria, desfigurada de conteúdo legal.

Sendo assim, aplica-se a Lei, CTB, artigo 209.

Da Inconstitucionalidade Formal do artigo 36 inciso I da Resolução 4799/2015 da ANTT.

Não bastasse todas as ofensas causadas pelo artigo 36 inciso I, da resolução da ANTT, verificamos, ainda, que sua elaboração, por sua própria natureza jurídica, é inconstitucional. É inconstitucional porque é resolução e, como tal, não pode cuidar de matéria legislativa. A lesão ao direito das pessoas é gritante, demonstrando a face autoritária do Estado. A doutrina rechaça com veemência tamanho abuso do Estado, um verdadeiro caos, no que tange ao sentido de Estado Democrático de Direito.

Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2002:125) esclarecem:

“O princípio da legalidade é a diretriz basilar de todos os Estados de Direito, constituindo, em verdade, sua própria qualificação (o Estado é dito de direito porque nele vigora o império da lei).”

E continuam suas observações:

“Inexistindo previsão legal para uma hipótese, não há possibilidade de atuação administrativa, pois a vontade da administração é a vontade expressa na lei, sendo irrelevantes as opiniões ou convicções pessoais de seus agentes.”

“Assim, diz-se que a administração, além de não poder atuar contra a lei ou além da lei, somente pode agir segundo a lei.”

Não podemos nos afastar daquilo que foi duramente construído pelos pensadores e legisladores ao longo do tempo. O princípio da legalidade é fundamento basilar do Estado de Direito. Tudo que não observa este valor constitucional está contrário aos anseios democráticos de direito, e, portanto estranho à democracia republicana.

Hely Lopes Meirelles (2000:138) diferencia com grande clareza a natureza dos atos, quando destaca:

“A administração pública realiza sua função executiva por meio de atos jurídicos que recebem a denominação de atos administrativos. Tais atos, por sua natureza, conteúdo e forma, diferenciam-se dos que emanam do Legislativo (leis) e do Judiciário (decisões judiciais), quando desempenham suas atribuições especificas de legislação e de jurisdição.”

A natureza, conteúdo e forma a que o professor Hely Lopes Meirelles se refere é exatamente o exercício do princípio da legalidade. Um ato administrativo que emane da administração pública deve estar vinculado a um ato administrativo legislativo, ou seja, da lei. A lei, por sua vez, deve ser elaborada, conforme os ditames constitucionais para sua elaboração.

A professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2000:68) vai ao mesmo sentido:

“Segundo principio da legalidade, a Administração Publica só pode fazer o que a lei permite.”

“Em decorrência disso, a Administração Publica não pode, por simples ato administrativo (lembremos que a multa é ato administrativo punitivo), conceder direitos de qualquer espécie criar obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto ela depende de lei.”

Verificamos a exaustão que ato jurídico administrativo não derivado de lei não é lei. A resolução n. 4799/2015 da ANTT, foi elaborada pela diretoria do órgão em questão, com competência unicamente para o exercício de atos do poder executivo.

Agência reguladora como é a ANTT, são, nos dizeres de Marcelo Alexandrino e de Vicente Paulo (2002:82):

 “entidades administrativas com alto grau de especialização técnica, integrantes da estrutura formal da Administração Publica, instituídas sob forma de autarquias de regime especial, com função de regular um setor de atividade…”.

Não dispondo, portanto, de legitimidade jurídica para elaboração de leis, de competência somente do Legislativo.

Para finalizarmos, a matéria do artigo 36, inciso I da resolução 4799/2015 é inconstitucional também quanto á forma. Resolução não tem força normativa – a qual só cabe à lei – para instituir multas, ou seja, atos administrativos punitivos.

Conclusão.

O excesso de regulação é típico de Estados intervencionistas. O intervencionista busca a todo o momento, por meio de comandos normativos, intervir na vida das pessoas.  Busca regular as atividades empresariais, ditar normas de convívio, anseia pela “praga do politicamente correto”, expressão usada por Luiz Felipe Pondé, filosofo brasileiro. É um Estado paternalista e, por isso, injusto.

E mais: o excesso de regulação atrasa o desenvolvimento do setor privado, emperra a competitividade e a inovação. No caso em estudo, gera espoliação clara e inconteste na propriedade privada, empobrecendo deliberadamente empresas, autônomos e as pessoas em geral. Ofende a constituição federal na legalidade, no não confisco direito a propriedade privada e na segurança jurídica. Afasta-se dos preceitos básicos de um Estado Democrático de Direito, gera conflito de normas, confusão jurídica, um caos normativo. Enfim, gera inconstitucionalidade formal e material.

Especificamente, o setor de transportes de cargas rodoviárias no país, que é responsável pela logística de, no mínimo, 80% (oitenta por cento) das riquezas produzidas no Brasil, está à míngua. Excesso de regulação e agentes do estado sob a égide da fiscalizar e regulamentar punem e expropriam empresas de transporte, autônomos e a sociedade em geral. Quer um exemplo? Acabara de ler um.  

 

Referências.
BASTIÁ, F. (2016). A Lei. As bases do Pensamento Liberal: Faro Editorial. 1. Edição.
MELLO, C.A. Bandeira de (2015). Curso de Direito Administrativo: Editora Saraiva. 3. Edição.
KELSEN, Hans. (2008) Teoria Pura do Direito: Editora Martins Fontes, 8. Edição.
MEIRELLES, Hely Lopes. (2000). Direito Administrativo: Editora Malheiros. 25. Edição.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. (2002). Direito Administrativo: Editora Atlas. 15. Edição.
ALEXANDRINO, Marcelo. (2002). Direito Administrativo: Editora Impetus. 4. Edição.

Informações Sobre o Autor

Julio Cleber Cremonizi Gonçales

Advogado e empresário Pós graduado em Direito Tributário; Pós Graduando em Gestão de Negócios pela Fundação Dom Cabral. Autor de artigos jurídicos e filosóficos. Estudioso de filosofia direito economia e politica


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