Dos contratos – Interpretação

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I – Fontes das Obrigações.


Três são as fontes das obrigações: contratos, declarações unilaterais de vontade e atos ilícitos. A elas pode ser adicionada uma quarta, a lei, que é a fonte primária e única de todas as obrigações. Assim, as obrigações decorrentes dos contratos são obrigações que resultam da lei, porque é a lei que disciplina os contratos, sujeitando-os a um estatuto jurídico.


II – Definição de Contrato.


O contrato pressupõe necessariamente intervenção de duas ou mais pessoas que se põem de acordo a respeito de determinada coisa. Teoricamente não se pode admitir a figura do contrato consigo mesmo, concebida pelo gênio especulativo alemão (Rômer, Rümelin, Kohler, Arnô), mas sem apoio legal. Sem o concurso de duas pessoas, pelo menos, impossível surgir o contrato, não se podendo admitir que alguém seja ao mesmo tempo, credor e devedor de si mesmo, o que viria a constituir verdadeiro contradictio in adjectis.


Num só caso se pode condescender com o auto contrato: se o contratante intervém por si mesmo, em seu próprio nome, e como representante de outrem. É o caso da venda feita a si próprio pelo mandatário em causa própria. É o caso ainda do contrato de fornecimento realizado pela mesma pessoa, como parte e como administradora da entidade jurídica fornecedora.


Segundo Washington de Barros Monteiro, contrato é “o acordo de vontades que tem por fim criar, modificar ou extinguir um direito.” Por essa definição, percebem-se a natureza e a essência do contrato, que é um ato jurídico e que por isso reclama, para a sua validade, conforme o artigo 82 do Código Civil, agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei.


III – Elementos dos Contratos.


A capacidade dos contratantes é assim, o primeiro requisito para a validade dos contratos. Qualquer pessoa pode contratar, desde que não seja absolutamente incapaz (artigo 145, I Código Civil).


Objeto lícito é o segundo elemento, como sendo a operação que os contraentes visaram a realizar, o interesse que o ato jurídico tem por fim regular.


O objeto do contrato, como o da obrigação, tem de ser possível, lícito e suscetível de operação econômica. Além disso, não só as coisas presentes como igualmente as futuras podem ser usadas pelos contraentes. O objeto do contrato deve ser certo, ou, no mínimo, determinável.


O último requisito para a validade dos contratos é respeitante à sua forma, que deve ser legal: a forma dá ser às coisas.


Mas, além desses requisitos gerais, comuns a todos os atos jurídicos, outro deve ser ainda acrescentado em matéria contratual, o acordo de vontades, o consentimento recíproco. Aí está o elemento essencial, mais característico dos contratos. Pode ser expressa ou tácita.  


IV – Princípios fundamentais do Direito Contratual.


Dos elementos dos contratos, resultam três princípios fundamentais, a cuja sombra se estrutura o direito contratual:


o princípio da autonomia da vontade;


o princípio da supremacia da ordem pública;


o princípio da obrigatoriedade da convenção, limitado, somente, pela escusa do caso fortuito ou força maior.


V – Interpretação dos Contratos.


Conceito e Função.


Constituindo em duas distintas declarações de vontade que se integram, o contrato requer sempre interpretação.


Interpretar um contrato é esclarecer o sentido dessas declarações e determinar o significado do acordo ou consenso.


Deve-se inicialmente verificar o sentido das palavras. Em seguida, a busca da vontade real dos contratantes.


Nessa pesquisa realiza-se a análise jurídica do contrato a fim de enquadrá-lo, pelo seu conteúdo, numa das categorias contratuais definidas na lei, levando-se em conta apenas os elementos essenciais, e não dando importância ao nome que as partes lhe atribuíram. O enquadramento é necessário para a determinação dos efeitos específicos próprios de cada tipo de contrato. Em conseqüência, a determinação dos verdadeiros efeitos do contrato depende, grandemente, da interpretação da vontade das partes.


A função  tradicional do intérprete é perseguir e aclarar a vontade dos contraentes, manifestada no contrato, mediante declaração destinada a provocar efeitos jurídicos. Função da interpretação do contrato é a determinação dos efeitos jurídicos que visa a plasmar e a produzir. O que importa, afinal, é definir a vontade contratual objetivamente expressa nas cláusulas, mesmo que não corresponda à intenção do declarante.


O intérprete não pode se afastar da regra  que manda interpretar as declarações de vontade, atendendo-se mais à sua intenção do que ao sentido literal da linguagem, a fim de determinar com precisão a efetiva vontade das partes.


Tal como acontece na interpretação da lei, admite-se interpretação restritiva e extensiva do contrato.


Por maior que seja, finalmente, o poder atribuído ao intérprete na medida em que se acentua a inclinação para dessubjetivar a vontade, não se consente que imponha às partes um contrato diverso do que realizaram, ainda que preferível do ponto de vista do interesse público. Não é lícito ao juiz invocá-lo para o ajustamento por meio de interpretação, cabe-lhe unicamente decretar a nulidade do contrato se o contraria, ou dizer que as cláusulas infringentes estão substituídas pelas disposições legais que prevêem a substituição automática.


As lacunas da regulação contratual exigem a sua interpretação complementar, tal como sucede com a lei, com a diferença de que o contrato estabelece regras que somente valem para as partes e para situações concretas.


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A interpretação da lei e a interpretação do contrato.


Distinguem-se a interpretação da lei da interpretação do contrato.


A interpretação da lei seria a interpretação da vontade do legislador, isto é, a vontade objetiva e constante que se exprime no texto, não a vontade subjetiva das pessoas físicas que o elaboram ou do órgão que a aprovou. Já a interpretação do contrato é conceituada, na hermenêutica tradicional, como processo de esclarecimento da vontade subjetiva dos contraentes e, na doutrina mais recente, como investigação da vontade objetividade no conteúdo do vínculo contratual.


Na interpretação da lei, o intérprete deve determinar o sentido e alcance, enquanto na interpretação do contrato, deve-se descobrir a vontade concreta das partes.


Tende-se para construir uma teoria unitária da interpretação. Os seus mais conseqüentes defensores incluem o contrato entre as fontes normativas. Segundo a teoria preceptiva do contrato, a interpretação jurídica visa sempre e somente a fixar o teor e a importância dos comandos jurídicos legais ou negociais, devendo-se abandonar o princípio de que a interpretação é averiguação de uma vontade interna ou psicológica. Desse modo, a determinação do sentido da manifestação ou declaração numa cláusula contratual ou num artigo de lei deve obedecer aos mesmos princípios e critérios.


Para os tradicionalistas, a relação jurídica nascida de um contrato deve ser interpretada em obediência a regras e métodos distintos dos que se observam na interpretação da lei, desigualmente os que presidem a chamada interpretação subjetiva.


Tipos de interpretação.


Distingue-se a interpretação subjetiva e objetiva.


A interpretação subjetiva tem por fim a verificação da vontade real dos contraentes, enquanto a interpretação objetiva visa a esclarecer o sentido das declarações que continuem dúbias ou ambíguas por não ter sido possível precisar a efetiva intenção das partes. A interpretação objetiva é subsidiária, pois suas regras só se invocam se falharem as que comandam a interpretação subjetiva.


Ambas as interpretações têm regras prescritas nos códigos mais recentes. Tais disposições são verdadeiras e próprias regras jurídicas.


Ao interpretar um contrato, a fim de dirimir um litígio, o juiz tem de observá-las como qualquer outro preceito legal.


O código civil brasileiro deixou a tarefa da hermenêutica contratual, quase que por inteiro, para a doutrina e a jurisprudência.


Interpretação subjetiva.


É denominada pelo princípio da investigação da vontade real.


Tal investigação precede a qualquer outra, devendo o intérprete indagar antes de mais nada, qual foi a intenção comum das partes, e não a vontade singular de cada declarante, atendendo ainda ao comportamento coetâneo e posterior à sua celebração.


A intenção das partes passa a ser comum com a integração das vontades, mas não se sabe o que verdadeiramente se deve entender com o tal nem como conduzir a investigação para descobri-la.


A indicação da causa do contrato como meio interpretativo próprio para definir a intenção comum dos contraentes peca por escassez.


A vontade comum no contrato é, para a doutrina objetivista, um conceito vazio, se elaborado em termos subjetivos. Mas, a interpretação subjetiva é necessária, pois o objeto da interpretação do contrato é sempre a vontade e a meta a ser alcançada pelo intérprete, a exata determinação dos efeitos jurídicos que as partes quiseram provocar.


Interpretação objetiva.


O intérprete deve examinar o contrato principalmente do ponto de vista da vontade das partes. O legislador o ajuda à medida que dita preceitos interpretativos. Juntamente ditam-se regras para a solução de dúvidas que perdurem após a pesquisa feita para a descoberta da vontade real do contrato em exame. Passa-se, nesses casos, da interpretação subjetiva para objetiva.


Três princípios dominam a interpretação objetiva:


1 – princípio da boa fé;


2 – princípio da conservação do contrato;


3 – princípio da extrema ratio (menor peso e equilíbrio das prestações).


O princípio da boa fé é uma regra que contribui para precisar o que se deve entender como o consenso, assim considerando o encontro e a consumação de duas vontades para a produção de efeitos jurídicos vinculativos. O que importa é o “significado objetivo” que o aceitante de proposta de contrato “podia e devia” entender razoavelmente segundo a regra da boa fé.


O princípio da conservação do contrato, funda-se na razão principal de que não se deve supor que as partes tenham celebrado um contrato inutilmente e sem seriedade.


O contrato deve ser interpretado, como qualquer de suas cláusulas, no sentido de que possa ter qualquer efeito, devendo prevalecer a interpretação que lhe dê o significado mais útil.


A extrema ratio é uma regra que se inspira na necessidade de atribuir ao contrato um significado, por mais obscuro que seja. Quando a sua obscuridade permanecer a despeito da aplicação de todos os princípios e regras de interpretação, recorre o intérprete ao critério extremo que o orienta no sentido de entendê-lo menos gravoso para o devedor, se gratuito, de que se realize eqüitativo equilíbrio entre os interesses das partes, se a título oneroso.


As regras da interpretação objetiva são normas jurídicas ligadas à estrutura do contrato, à sua função e à retidão das técnicas de contratação que atualmente se empregam em certos setores econômicos, como por ex.: a do contrato em massa.


Usos interpretativos.


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Resultam da repetição constante do modo de agir na execução de determinado contrato, como por ex., de se dilatar por 30 dias o pagamento considerado à vista do preço de certas mercadorias.


Atribui-se a mesma função ao emprego de termos que designam correntemente atos ou objetos, sempre com a mesma significação, uma vez que , toda declaração de vontade deve produzir os efeitos jurídicos correspondentes ao significado usual das palavras pelas quais se exprime.


Os usos interpretativos  não devem ser confundidos com as normas consuetudinárias. Estas são autênticas normas jurídicas gerais e obrigatórias, enquanto aqueles, representam práticas úteis à interpretação das declarações de vontade.


Os usos interpretativos apresentam duas funções: uma estritamente hermenêutica e outra nitidamente supletória: ao uso supletivo recorre-se para integrar lacuna do contrato, podendo ser excluído por vontade expressa das partes, enquanto ao uso interpretativo stricto sensu deve o intérprete reportar-se para investigar se há efeitos jurídicos não declarados, mas correspondentes ao que é usual em tais contratos.


O uso pode instaurar-se no curso de uma relação contratual, como se verifica quando as duas partes observam durante muito tempo, conduta uniforme a que se atribui habitualmente determinada significação, e não pode ser considerada nova cláusula tacitamente admitida pelas partes.


A doutrina continua dominada por dúvidas sobre a significação dos usos interpretativos  e da qualificação do tipo de interpretação a que devem ser conduzidos.



Informações Sobre o Autor

Ricardo Araújo de Deus Rodrigues

Bacharel em Direito


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