Dos desafios impostos pela globalização econômica no estado democrático de direito: exclusão social versus concretização dos direitos sociais

Resumo: Longe de pretender esgotar o tema, o presente artigo caracteriza-se na perspectiva da eficacialidade, das implicações e correlações entre direitos fundamentais sociais, democracia e globalização. Apresenta um dos principais e mais perniciosos efeitos da globalização econômica. Em contrapartida verifica-se a necessidade da concretização dos direitos fundamentais sociais, em países como o Brasil, um Estado Democrático de Direito, que prevê de forma expressa em sua Constituição, direitos fundamentais. É sabido que a superação dos quadros de desigualdade imposto pela globalização não poderá ser atingida facilmente. Ressalte-se que com a globalização, a exclusão social está atingindo maior número de pessoas, que vivem abaixo da linha da pobreza, que sequer tem conhecimento de uma previsão expressa de direitos básicos inerentes à sua condição de pessoa humana. A concretização dos direitos sociais pode ser encarada como instrumento para resgatar a dignidade da população que vive excluída, bem como para fortalecer a democracia do Estado.


Palavras-chave: Globalização. Estado democrático de direito. Direitos sociais.


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

Abstract: Far from exhausting the subject you want to, this Article is characterized in terms of effectiveness, the implications and correlations between fundamental social rights, democracy and globalization. Presents a major and more pernicious effects of economic globalization. In contrast there is a need for the realization of fundamental social rights, in countries like Brazil, a democratic state of law, which expressly provides in its Constitution, individual and social rights. It is known that the overcoming of the management of inequality imposed by globalization can not be achieved easily. Emphasized that with globalization, social exclusion is reaching more people who live below the poverty line, which even has knowledge of an explicit forecast of basic rights inherent in their condition of the human person. The implementation of social rights can be seen as an instrument to redeem the dignity of people living excluded, as a way to achieve equal citizenship of individuals and strengthen democracy in the state.


Keywords: globalization. Democratic state of law. Social rights.


Sumário: . Introdução. 1. Breves notas sobre o modelo democrático do estado de direito. 1.1. Do estado social ao estado democrático de direito. 1.2. Democracia: governo do povo? 2. O papel do direito como regulador da realidade social num estado democrático de direito. 3. Dilemas do estado democrático de direito frente à globalização. 4. Exclusão social e concretização de direitos sociais no estado democrático de direito perante o contexto da globalização. 4.1 Efetivação dos direitos sociais num cenário de exclusão social agravada pelo contexto da globalização. 5. Conclusão.


INTRODUÇÃO


Este artigo pretende provocar a reflexão do leitor, especialmente do acadêmico ou operador do direito acerca da função desenvolvida pelo Direito como uma ordem normativa reguladora da vida em sociedade, bem como sobre a maneira como o Estado e o Direito tem se relacionado, fazendo-se referência a evolução e ao significado da expressão Estado de Direito. O artigo primeiro da Constituição Federal de 1988 expressamente define o modelo de Estado adotado no Brasil como sendo o Estado Democrático de Direito, a partir desta previsão normativa específica decorrem dois pilares da Ordem Jurídica Brasileira: a Democracia e o Direito. Impende observar que muitos são os desafios impostos pela globalização econômica no estado democrático de direito. Inicialmente constata-se o agravamento e o aumento da exclusão social, daí surge a necessidade premente de efetivação dos direitos sociais. Partindo-se desta premissa, será feita uma sucinta abordagem acerca da teoria da democracia no que tange às definições de Estado democrático de Direito.


O tema globalização vem marcando o debate sobre a economia mundial e efetividade de direitos fundamentais, precipuamente aqueles ligados à prestação do Estado. Num país tão marcado pela desigualdade social como o Brasil, os impactos do processo de globalização econômica e as nuances neoliberais políticas fazem brotar no constitucionalismo contemporâneo a necessidade de elaborar formas de proteger e efetivar os direitos sociais, sob pena de aumentar ainda mais o abismo existente entre os pobres e ricos e conseqüentemente a exclusão social. A globalização econômica faz com que os Estados, em geral, percam o controle de sua economia, imprimindo ações que atinjam de forma direta ou indireta na consecução de programas que efetivem os direitos sociais. O que tem acontecido é uma tendência de retrocesso na proteção e efetividade destes direitos.


A pesquisa realizada para a elaboração do trabalho, descomprometida com corrente filosóficas, escolas jurídicas, tem como objetivo principal expor alguns dos desafios impostos pela globalização econômica no estado democrático de direito, notadamente a exclusão social em contrapartida a urgente e necessária concretização dos direitos sociais. O primeiro tópico Em relação aos aspectos metodológicos, as hipóteses foram investigadas através de pesquisa bibliográfica e documental. No que tange à tipologia da pesquisa é, segundo a utilização dos resultados, pura, pois não tem como objetivo mudanças na realidade, almeja-se apenas um acréscimo de conhecimento aos que dela venham a se utilizar. Segundo a abordagem é uma pesquisa qualitativa, pois seu critério não é numérico, visando apenas aprofundar e abranger os conceitos e teorias.


1. BREVES NOTAS SOBRE O MODELO DEMOCRÁTICO DO ESTADO DE DIREITO


A expressão “Estado Democrático de Direito” foi incluída em nosso atual texto constitucional, no seu primeiro artigo, adjetivando a República Federativa do Brasil. Alguns autores entendem que tal expressão “Estado Democrático de Direito” é redundante, porque Estado de Direito seria o mesmo que Estado Democrático. A democracia representativa é uma das decorrências diretas do Estado de Direito.


Para José Afonso da Silva (2009, p.143) “a configuração do Estado Democrático de Direito não significa apenas unir formalmente os conceitos de Estado Democrático e Estado de direito.” Para o referido constitucionalista “Consiste, na verdade, na criação de um conceito novo, que leve em conta os conceitos dos elementos componentes, mas os supere na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo.”


1.1 DO ESTADO SOCIAL AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO


O Estado Social começa a ser delineado após a Constituição alemã de Weimar (1919). Como principal conseqüência do surgimento desta nova forma de Estado tem-se uma ampliação no conjunto dos direitos fundamentais, com alteração nas bases de interpretação dos direitos anteriores.


Sobre o conceito de Estado Social adverte Vital Moreira (1987, p. 90) que “Certamente poucos conceitos são objecto de menos concordância do que o conceito de Estado Social, e poucos qualificativos se aplicam a realidades tao díspares como esse.” Prossegue o autor que a polissemia do conceito resulta desde logo do termo “social”, que povoa densamente as páginas da literatura econômica social e política. Para o referido jurista (1987) o “Estado social é fundamentalmente um fornecedor de prestações de assistência”, ao mesmo “é imposta uma actividade de igualização de possibilidades de acesso ao bem-estar social.” Para Bonavides (2003, p. 156-157) o Estado social é o mais indicado para realizar a paz social: “O Estado social nasceu de uma inspiração de justiça, igualdade e liberdade; é a criação mais sugestiva do século constitucional, o princípio governativo mais rico em gestação no universo político do Ocidente.”


Segundo STRECK e MORAIS (2000, p. 89), surge um novo conceito, “na tentativa de conjugar o ideal democrático ao Estado de Direito, não como uma aposição de conceitos mas sob um conteúdo próprio”, onde estejam presentes, segundo os autores, “as conquistas democráticas, as garantias jurídico-legais e a preocupação social”. Arremata os autores, quanto ao Estado Democrático de Direito, nos seguintes termos (2000, p. 90):


“O Estado Democrático de Direito, tem um conteúdo transformador da realidade, não se restringindo, como o Estado Social de Direito, a uma adaptação melhorada das condições sociais de existência. Assim, o seu conteúdo ultrapassa o aspecto material de concretização de uma vida digna ao homem e passa a agir simbolicamente como fomentador da participação pública quando o democrático qualifica o Estado, o que irradia os valores da democracia sobre todos os seus elementos constitutivos e pois, também sobre a ordem jurpidica.” (grifos no original)


Para Ingo W. Sarlet (1999, p. 113) o princípio do Estado Social garante as condições existenciais mínimas, há uma interface com “outros valores constitucionais essenciais consagrados pela Lei Fundamental”, tais como: com o princípio da isonomia (art. 3º, inc. I), a garantia das condições existenciais mínimas, bem como com a garantia fundamental da propriedade, impregnada do conteúdo de justiça social inerente ao princípio do Estado Social e Democrático de Direito.


1.2 DEMOCRACIA: GOVERNO DO POVO?


Segundo o professor Friedrich Müller(1998, p.47) “o termo “democracia” não deriva apenas etimologicamente de “povo” , Estados democráticos chamam-se de governos “do povo” [“Volks” herrschaften]; eles se justificam afirmando que em última instância o povo estaria “governando”[“herrscht”].” Para o mesmo “Democracia” é uma expressão bastante indeterminada pois utilizada de vários modos não poucas vezes opostos. “A história do termo oferece os significados de “governo” e “povo”; mas se isso resulta em algo como “governo do povo”, é, justamente, a questão.” (MÜLLER, 1998, p.48) Mas não se pode esquecer que a referência ao povo é necessária às diferentes concepções de democracia, pois elas precisam legitimar-se. Prossegue o autor quanto ao tema:


“O sistema deve poder representar-se como se funcionasse com base na soberania popular, na autodeterminação do povo, na igualdade de todos e no direito de decidir de acordo com a vontade da maioria. Devem haver, também, chances iguais para os partidos políticos chegaram ao poder e o direito à oposição legal. Só que a teoria tradicional da democracia não deixa claro como o exercício do poder estatal pode ser retroreferido “ao povo”, concretamente”. (MULLER, 1998, p.48)


Com efeito, as idéias desse ilustre jurista germânico representam o fio condutor e o denominador comum de expressiva parte dos estudos atuais sobre democracia e direitos fundamentais, nomeadamente. Muitos e variados são os conceitos de democracia. Para Paulo Bonavides (1996, p. 17) democracia representa “aquela forma de exercício da função governativa em que a vontade soberana do povo decide, direta ou indiretamente, todas as questões do governo, de tal sorte que o povo seja sempre o titular e o objeto, a saber, o sujeito ativo e o sujeito passivo de todo poder legítimo”.


 Com a simplicidade e percuciência que lhe é peculiar, Bobbio define democracia como sendo uma das várias formas de governo, em particular aquelas em que o poder não está nas mãos de um só ou de poucos, mas de todos, ou melhor, da maior parte, como tal se contrapondo às formas autocráticas, como a monarquia e a oligarquia.


Müller (1998, p. 57) ressalta que a idéia fundamental da democracia é : “determinação normativa do tipo de convívio de um povo pelo mesmo povo”. Veja-se o que ensina Klaus Von Beyme (1975, p. 26) acerca de democracia:


“Democracia significa soberania del pueblo. No hay ninguna definición de democracia generalemente aceptada que se pueda formular em uma sola proposición.Pero de las diferentes definiciones de este concepto político, discutido en su interprtación, puden extraerse algunas ideas que , de ordinário, se vinculan com la palabra democracia: a) la igualdad; b) la soberania del pueblo – expresada em el derecho del pueblo a darse a sí mismo uma constitución y a nombrar, em elecciones periódicas, los representantes del pueblo – ; c) la satisfacción de las exigencias esenciales del constitucionalismo moderno: salvaguardia del Estado de derecho, conservacción del sistema representativo, garantia de los derechos fundamentales; em cierta medida también, de la división de poderes, predomínio de la mayoría.”


 Sobre o princípio democrático, assim se posiciona Canotilho(1998, p. 77):


“O princípio democrático é um princípio jurídico normativo e não um simples modelo ou teoria abstracta. Como impulso global dirigente, ele aponta para a idéia de democracia como forma de vida, como forma de racionalização do processo político e como forma de legitimação dom poder. Como princípio complexo, ele significa que a eficácia jurídica do princípio democrático é também polivalente. Em primeiro lugar, acolhe os mais importantes aspectos da democracia representativa (art. 2º ), ele implica esquemas de organização e de procedimento que ofereçam aos cidadaos efectivas possibilidades de particiapar nos processos de decisao e exercer o controle democrático do poder” (arts. 2º, 9º, 112º )


Piovesan ensina que “a afirmação dos direitos humanos como tema global vem ainda acenar para a relação existente entre democracia, desenvolvimento e direitos humanos.” (1997, P. 252) Prossegue a autora aduzindo que a Declaração de Viena “é o primeiro documento das Nações Unidas que expressamente endossa a democracia como forma de governo mais favorável ao respeito dos direitos humanos e liberdades fundamentais.” (PIOVESAN, 1997, p. 252)


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

É preciso ter presente, neste ponto, que conforme ressalta Dimoulis alguns direitos fundamentais podem ser obstáculos à democracia, preservando interesses individuais. “Do ponto de vista macrossocial, são utilizados para perpetuar um sistema de dominação política e econômica, permitindo aos grupos dominantes tomar decisões que não podem ser controladas pela maioria.” (DIMOULIS, 2007, p. 33)


2. O PAPEL DO DIREITO COMO REGULADOR DA REALIDADE SOCIAL NUM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO


Muitos dos atos que são praticados pelas pessoas em seu dia-a-dia estão totalmente normatizados, guiados pelo Direito. Pelo fato de viver-se em sociedade é necessário a criação de normas que garantam ou possibilitem uma convivência harmoniosa e pacífica. O simples fato de comprar um pão, abastecer o veículo com combustível, ir ao cinema são exemplos triviais da interferência do Direito na Sociedade. Conforme entendimento de Angel Latorre em situações como essas existe um ponto relevante em comum:” em todos esos casos podemos exigir de otros uma conducta determinada u otros nos la pueden exigir a nosostros.”(1988, p.13) O mesmo autor adverte que para que isto seja possível é necessário “que exista un conjunto de normas establecidas por virtud de cuales, dados unos hechos, surjan esas posibilidades de reclamar o de quedar sujetos a uma reclamación.” (1988, p. 13). Manuel García-Pelayo adverte que os homens desenvolvem sua existência dentro de um âmbito composto por um repertório de situações de bens e serviços materiais e imateriais, em uma palavra, por possibilidades de existência às quais Forssthoff designa como espaço vital. (Tradução livre, 1977, p. 27)


Conforme Bobbio (1992), a nossa vida se desenvolve em um mundo de normas, a maioria destas já estão tão incorporadas à nossa rotina que nem nos apercebemos de sua presença. Ensina Miguel Reale (1974) que a regra ou a norma é o resultado da tomada de posição de uma lei cultural, perante a realidade, “implicando o reconhecimento da obrigatoriedade de um comportamento”. Conforme leciona o professor Marcelo Lima Guerra a norma jurídica, na sua expressão mais básica, consiste na qualificação deôntica de uma conduta como devida.


Para Rudolf Von Jering, citado por Tércio Ferraz Jr.(2006, p.36), norma é regra, já que o seu conteúdo é apenas a orientação do que ela contém. O Professor Marcelo Lima Guerra(2008) ensina que o fenômeno mais básico que constitui aquilo que se denomina direito é o fenômeno denominado norma jurídica. Igualmente “o conceito fundamental de um saber sobre o direito, não poderia deixar de ser o conceito de norma jurídica. Por isso é que o tema inicial, e também principal, da teoria do direito é a compreensão da norma jurídica.” (GUERRA, 2008)


 Ensina Miguel Reale (1974, p.34) que a regra ou a norma é o resultado da tomada de posição de uma lei cultural, perante a realidade, “implicando o reconhecimento da obrigatoriedade de um comportamento”.


Segundo o professor Adrian Sgarbi (2007, p. 119) “a conseqüência normativa estabelecida pelas normas jurídicas varia consideravelmente.” Prossegue o autor nos seguintes termos:


Pode ser a qualificação normativa de uma conduta como “obrigatória”, ou “proibida”, ou “permitida”, como também, pode ser a atribuição de uma propriedade “institucional” a pessoas (competências)), estados de coisas (“caso, “viúvo”, “proprietário”), objetos (“móvel”, “imóvel”, “inalienável”), ação humana (“assassinato”), e assim por diante.


Apesar dessa multiplicidade de atribuições as normas jurídicas podem ser agrupadas em duas categorias básicas: as normas “prescrtivas” cuja finalidade é a de governar os comportamentos humanos estabelecendo as condutas devidas; e as normas “constitutivas”, cuja tarefa é a de compor a malha institucional necessária para o funcionamento das “peças do direito” Ambos esses sentidos mantêm conexão com o que parte considerável dos teóricos do direito reconhece como “normas primárias” (ou normas “de conduta”) e normas “secundárias (ou “normas de estrutura”)”. (SGARBI, 2007, p. 120)


Conforme ressalta Miranda Rosa “Se o Direito é condicionado pelas realidades do meio em que se manifesta, entretanto, age também como elemento condicionante.” (1974, p. 63) Para o referido professor “A vida política é regulada pelas normas de Direito. Ela se processa segundo princípios e normas fixados na ordem jurídica, e o Estado, mesmo, é a institucionalização maior dessa ordem jurídica estabelecida.” (1974, p. 63)


Ricansés Siches acrescenta que “O Direito, que para o jurista aparece como um conjunto de significações normativas e que é estudado assim pela ciência jurídica sensu strictu” no ponto de vista sociológico se apresenta como um fato social como uma forma coletiva real em seus vínculos de causalidade inter-humana. Por um viés sociológico, “o Direito surge como um fato social que é efeito de outros fatos sociais, e que está em interação com outras formas coletivas” – prossegue o autor aduzindo que – “uma vez constituído o Direito aparece como uma fôrça social que atua como fator configurante da coletividade e que produz efeitos sôbre outras manifestações da vida social” (SICHES, 1965, p. 692) Ora, é justamente em por existir o Direito regulando a vida das pessoas em sociedade que é possível que “muitas pessoas podem realizar atos que seriam incapazes de cumprir, se tivessem de contar exclusivamente com suas próprias fôrças naturais.” (SICHES, 1965, P. 693) Referido autor exemplifica atos desta natureza: “remetem dinheiro a países longíquos por meio de cheque ou de transferência bancária;um tenente comanda uma companhia; um fiscal do trãnsito detém o tráfego; o proprietário de um terreno o é ainda que não esteja materialmente nele, etc.” (p. 693) Conclui o autor argumentando que “Em todos êsses fatos, e na inumerável quantidade de outros semelhantes encontramos atos humanos que produzem determinados efeitos não por si mesmos, mas em virtude de uma organização jurídica.” (SICHES,1965, p. 693) Acrescenta Carla Faralli (2006, p.3) que:


“Para MacCormick e Weinberger o direito situa-se no plano dos fatos, mas não dos fatos brutos, junto com ‘sapatos, navios, lacres de cera ou couve-flor’, e sim no plano dos’fatos institucionais’. Estes últimos constituem uma categoria especial de fatos, que têm sua própria dimensão e dignidade ontológica, paralela, por assim dizer, à dimensão dos fatos brutos, na medida em que se originam de regras constitutivas. O que distingue as normas jurídicas no vasto âmbito dos fatos institucionais é o fato de serem funcionais a fins particularmente relevantes para a sociedade, como a proteção da vida e da segurança de seus membros e a alocação dos bens, inevitavelmente insuficientes para satisfazer todas as necessidades de cada membro da sociedade”. (FARALLI, 2006, p. 3-4)


A linguagem é composta de regras. Na dicotomia fatos institucionais versus fatos brutos, Searle estabeleceu dentre os fatos institucionais a distinção entre regras regulativas e constitutivas. Enquanto “as regras regulativas regulam formas de condutas existentes independentemente ou antecedentemente; por exemplo, muitas regras de etiqueta regulam relações interpessoais que existem independentemente das regras ” (GUERRA, 2008). Já as regras constitutivas “constituem uma atividade cuja existência é logicamente dependente das regras.”


Engisch entende que existe uma interface entre realidade e direito, mas adverte que não se deve entender o direito como simples submissão às concretizações da realidade. Importante a transcrição de entendimento da lavra do autor:


“Em cualquier época debe entenderse sus metas a tal altura que alcance sus irrenunciables fines, aunque se hayan de cargar em su cuenta infracciones legales. El derecho no puede sin más pactar com la debilidad humana, sino que há de confiar también em el “libre albedrío”(simplemente em el sentido de capacidad de cumplir la norma), em el poder de enfretamiento de los impulsos de la voluntad. No hay que dejar aparte el peligro de que no logre acatamiento general. Aqui nos enfrentamos com los limites de la “concreción”, que acompañan siempre al derecho.” (ENGISCH, 1968, p.200)


Pelo exposto, ficou evidenciado que o Direito modifica e é modificado pela realidade social para que as situações criadas por uma era tecnológica sejam normatizadas a fim de evitar um colapso nas relações humanas, sejam elas comerciais, industriais, trabalhistas ou particulares. A Globalização é um exemplo de como a constante mutação e evolução da sociedade necessita do Direito para minimizar os conflitos e possibilitar o constante avanço. Este tema será abordado no capítulo seguinte.


3. DILEMAS DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO FRENTE À GLOBALIZAÇÃO


O processo de democratização da sociedade brasileira, formalmente retomado com a Constituição Federal de 1988 requer das instituições sociais e governamentais a necessidade de se moldarem ao modelo do Estado democrático de Direito estatuído no artigo 2º. Um dos grandes desafios é promover os direitos fundamentais, em especial, os de segunda geração, tendo em vista a notória e constatável pobreza crescente na qual se encontra grande parte da população brasileira.


A partir do fim da 2ª Guerra Mundial, iniciaram-se os processos de globalização econômica, política e social de blocos regionais. A União Européia é um dos mais relevantes exemplos da atualidade. Surge o Mercosul, que foi instituído através do Tratado de Assunção, em 1991, tendo como membros o Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai, com adesões anunciadas da Bolívia e Chile, tendo como objetivo o de formar um Mercado Comum. O que se verifica hoje, no entanto, é uma associação entre o Mercado e o Estado no processo de globalização econômica e financeira, conforme adverte Becker (2001) “são mecanismos e instrumentos a serviço de uma determinada classe”.


Como dito, a globalização tem aprofundado as dimensões da desigualdade social, alargando ainda mais o fosso social existente entre os detentores de poder economico, político e social e aqueles que formam a massa, que simplesmente existem, mas que nao gozam de seus direitos humanos básicos, os que estao à margen da sociedade: aos que fazem parte do processo denominado exclusão social. A ordem global, em suas várias perspectivas, trouxe importantes conseqüências para a América Latina. Aliado a este problema encontra-se “o problema da democracia, como liberdade do povo e possibilidade de participação, tornou-se central na história recente da América latina.” (ZIMMERMANN, 1987, p. 222) Este autor averte que nos países periféricos, como no Brasil, a situaçao se agrava, pois ocorre a “desapropriaçao da vida humana pela transferencia de plusvalor ao capital central.” (ZIMMERMANN, 1987, p. 221)


Paulo Bonavides (1996, p. 17) leciona que “a globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos da quarta geração que correspondem à última fase da institucionalização do Estado social”. Entre os chamados direitos da quarta geração encontra-se o direito à democracia. A questão colocada pela globalização no campo das relações políticas entre Estados refere-se justamente ao tema da democracia.


No atual contexto de globalização constata-se conflitos entre grupos sociais e Estados. Os direitos sociais que exigem prestação positiva do Estado, não podem ser encarados como uma mera referência formal, mas que sejam efetivados, concretizados, onde todos cumpram efetivamente seu papel de cidadão. Como é de conhecimento público e notório a Globalização econômica distribui seus efeitos negativos, tais como: concentração de rendas, diminuição da oferta de empregos, retirada das garantias trabalhistas etc. E quem é mais atingido de forma negativa é justamente a parcela excluída de nossa sociedade, exércitos de desempregados e sub-empregados são formados e as pessoas – familiares – que são diretamente atingidos por este contingente de excluídos, multiplicam os efeitos maléficos da globalização, pois desta grande parte da sociedade marginalizada advém mazelas sociais, tais como violência, prostituição, trabalho infantil e muitas outras conseqüências atentatórias á dignidade da pessoa humana. Conforme se constata, o Brasil não estabeleceu mecanismos que filtrassem os efeitos perversos da Globalização, de modo a fazer com que esta implementasse os direitos sociais fundamentais estabelecidos pela Constituição de 1988. Assim, o fenômeno da Globalização atuando no modelo neoliberal sem efetivo controle por parte do Estado gera efeitos negativos, onde o poder político da nação é destruído e comandado pelo Poder Econômico e Financeiro dos grandes grupos internacionais, do capital especulativo.


A globalização econômica gerou novos desafios para o direito, conforme WALD (2001) a grande ruptura do terceiro milênio consiste na criação, reconhecimento e na generalização, no mundo inteiro, da nova economia, baseada no desenvolvimento tecnológico e na competição, mas também na globalização e na desmaterialização parcial da riqueza. Esta nova modalidade de economia gera conseqüências em todos os campos da sociedade e inclusive no direito. A globalização que por um lado representa a maior possibilidade de geração e circulação de riquezas, por outro, agrava mais ainda o fosso existente entre pobres e ricos, independente da posição econômica do país.


Não se pode atribuir ao fenômeno da globalização a responsabilidade de que todas as novidades jurídicas sejam fruto de sua atuação na sociedade. O certo é que globalização reflete no Direito, sendo necessário, portanto, análise axiológica para a formação do conhecimento jurídico.


O fenômeno da globalização desenvolve um processo no qual o espaço público deixa de ser legitimado pelo princípio de Estado e pelo princípio da comunidade, passando a legitimar-se pelo princípio da economia, sintetizada numa relação de custos/benefícios e relativamente incompossível com a natureza de Estado lastreada no contrato social, consoante HOBBES, LOCKE e, especialmente, ROUSSEAU. Os direitos sociais, cuja criação está imbuída no princípio da dignidade da pessoa humana e e ligada ao resgate de uma dívida histórica em relação aos menos favorecidos na sociedade, com linhas gerais comuns a todos os países, estão se enfraquecendo como conseqüência da globalização econômica.


4. EXCLUSÃO SOCIAL E CONCRETIZAÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO PERANTE O CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO


O primeiro passo para efetivar direitos fundamentais sociais, precipuamente dos excluídos, é o de constatar a situação da população. O que se verifica, como já aventado no texto, é um crescente aumento no fosso entre pobres e ricos, tanto em segmentos da sociedade, como o aumento de famintos em contrapartida a poucos abastados economicamente, fruto da desigualdade de oportunidades, de tratamento; bem como aumento no desnível entre nações e Estados, fruto da globalização e a conseqüente desigualdade que essa mesma globalização acarreta.


Para melhor abordar o tema objeto deste artigo, aqui entendida como possibilidade de exigência judicial deste direito, é necessário um breve estudo dos direitos sociais. O Poder Constituinte Originário resguardou os direitos sociais como direitos fundamentais, dando prevalência a esses direitos em detrimento dos puramente econômicos. Percebe-se que o constituinte dispôs expressamente a possibilidade de existirem direitos fundamentais que, por o serem materialmente, incorporam-se à Constituição em seu conceito material, caracterizando assim um processo permanente de incorporação de novos direitos, que alcança igualmente os direitos sociais, além daqueles previstos nos demais capítulos do já referido Título. Os direitos sociais foram inicialmente reconhecidos como, via de regra, voltados não a uma abstenção do Estado, mas a uma ação o que lhes dá a característica de positivos.


Segundo a definição de CAPPELLETTI (1989, p.22) “Direitos sociais são caracterizados pelo fato de que não têm natureza, por assim dizer, puramente normativa; eles são ‘promocionais’ e projetados no futuro, exigindo para sua gradual realização a intervenção ativa e prolongada no tempo pelo Estado.” Conforme aponta CLÈVE (2006) “Os direitos fundamentais sociais devem ser compreendidos por uma dogmática constitucional singular, emancipatória, marcada pelo compromisso com a dignidade da pessoa humana e, pois, com a plena efetividade dos comandos constitucionais.” Para LAFER (1988, p. 127):


“(…) É por essa razão que os assim chamados direitos de segunda geração, previstos pelo ‘welfare state’, são direitos de crédito do indivíduo em relação à coletividade. Tais direitos — como o direito ao trabalho, à saúde, à educação — têm como sujeito passivo o Estado porque, na interação entre governantes e governados, foi a coletividade que assumiu a responsabilidade de atendê-los. O titular desse direito, no entanto, continua sendo, como nos direitos de primeira geração, o homem na sua individualidade. Daí a complementaridade, na perspectiva ‘ex parte populi’, entre os direitos de primeira e de segunda geração, pois estes últimos buscam assegurar as condições para o pleno exercício dos primeiros, eliminando ou atenuando os impedimentos ao pleno uso das capacidades humanas. Por isso, os direitos de crédito, denominados direitos econômico-sociais e culturais, podem ser encarados como direitos que tornam reais direitos formais: procuraram garantir a todos o acesso aos meios de vida e de trabalho num sentido amplo (…).”


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

Conforme ABRAMOVICH e COURTIS (2004, p. 22) “La esctructura de los derechos econômicos, sociales y culturales se caracterizaria por obligar al Estado a hacer, es decir, a brindar prestaciones positivas: prover servicios de salud, asegurar la educación (…)”


Segundo NEUNER (2006, p.343) a dignidade humana constitui o fundamento para a legitimação dos direitos humanos sociais. Complementando-a e concretizando-a apresentam-se diversos caminhos de fundamentação. Segundo a doutrina dominante, a dignidade da pessoa humana, enquanto direito positivo, funciona como centro e fundamento do ordenamento jurídico, matriz de todos os direitos fundamentais.[1]


4.1 EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS NUM CENÁRIO DE EXCLUSÃO SOCIAL AGRAVADA PELO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO


O modo de efetivação dos direitos sociais, devido a sua natureza diversa não coincide como dos direitos individuais. A eficácia dos direitos sociais pressupõe por um lado a implementação de políticas legislativas e políticas públicas que requerem investimento significativo de finanças por parte do Poder Executivo. O tema “políticas públicas” não é um tema ontologicamente jurídico, mas é originário da ciência política, onde sobressai o caráter eminentemente dinâmico e funcional, que contrasta com a estabilidade e generalidade jurídicas. A noção de políticas públicas emergiu como tema de interesse para o direito com a configuração prestacional do Estado. O interesse para o estudo jurídico das políticas públicas justifica-se porque estão ligadas ao resguardo dos direitos sociais e políticos, pois estes demandam do Estado prestações positivas e significam o alargamento do leque de direito fundamentais, principalmente quanto à efetivação do direito à saúde, objeto de estudo deste artigo.


Embora estejam expressamente previsto na nossa Lei Maior os direitos sociais, tais como a educação, a saúde, a moradia, o trabalho, direitos estes que compõem o mínimo existencial que por sua vez tem íntima relação com o principio da dignidade da pessoa humana verifica-se que o verdadeiro problema da nossa época consiste em criar mecanismos para garantir a efetividade dos direitos sociais básicos previstos nos textos legislativos.


Os princípios básicos inerentes aos direitos sociais estão sendo desprezados em primazia da economia globalizada. A ameaça sobre os direitos sociais sempre presente em países em desenvolvimento como o Brasil, em tempos como os de hoje, no auge da crise econômica que assola o mundo, inclusive atingindo países desenvolvidos e em desenvolvimento, em que a globalização econômica tem como efeito a exclusão social e a mitigação de recursos orçamentários. A não efetivação dos direitos sociais em relação àqueles que não detém condições econômicas agrava e contribui para a exclusão social latente em nossa sociedade.


A preocupação com a exclusão social não é de hoje. Há mais de trinta anos o professor chileno Aníbal Pinto advertia que: “a extrema desigualdade na divisão dos frutos do processo constitui um problema social e econômico de primeira magnitude.” ( PINTO, 1976, p. 7) Sabe-se que a exclusão social é conseqüência direta da forte desigualdade social que avança de forma mais voraz em decorrência da globalização.


 Fábio Konder Comparato ressalta que a democracia pode ser tida como um instrumento legitimador da exclusão social, tão presente nos países que adotam esta forma de governo. Nas palavras do referido autor (In Müller, p.27): “A minoria, detentora do poder de controle social, pode se utilizar periodicamente do voto majoritário popular, para legitimar todas as exclusões sociais em nome da democracia”


Sobre exclusão social, importante a contribuição de Álvaro Dávila (2007, p. 113):


“Entre as muitas apreciações que se fizeram sobre a pobreza, devemos assinalar que, além de sua definição a partir das carências, das necessidades básicas insatisfeitas ou do não-desenvolvimento de capacidades, está a pobreza entendida como exclusão das possibilidades de participação política e afirmação cidadã, do acesso à informação, à educação e à expressão da diversidade cultural. Em um trabalho recente elaborado pela Fundação Social, admite-se o conceito de pobreza construído pela União Européia; a pobreza, afirma-se, não pode continuar sendo considerada um fenômeno residual, simples herança do passado, fadada a desaparecer com o progresso econômico e o crescimento; tampouco como a ausência ou insuficiência de recursos econômicos que afetam o indivíduo. Ao contrário, é necessário reconhecer tanto o caráter estrutural das situações de pobreza e os mecanismos que a geram quanto o caráter multidimensional dos processos que provocam a exclusão de pessoas, grupos e territórios dos intercâmbios, da participação e dos direitos sociais.”


Para Comparato a democracia justa é aquela em que o bem comum predomina sobre todos os interesses particulares. Prossegue o jurista: “Ora, o bem comum hoje, tem um nome: são os direitos humanos, cujo fundamento é, justamente, a igualdade absoluta de todos os homens, em sua comum condição de pessoas.” (In: Muller, p.28). Sobre o tema, acrescenta Joseph E. Stiglitz (2002, p. 32) que:


“Se a globalização não logrou êxito em reduzir a pobreza, também não teve sucesso em garantir a estabilidade. As crises na Ásia e na América Latina tem ameaçado as economias e a estabilidade de todos os países em desenvolvimento. Existe o medo de o contágio financeiro se espalhar por todo o mundo, de que a queda da moeda de um mercado emergente signifique que outras também virão a cair.”


Peréz Luño (2005, p. 136-137) aduz que a globalização é o termo em que se alude aos atuais processos integradores da economia: financiamento, produção e comercialização. Com o surgimento da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), os direitos sociais passaram a ser reconhecidos juntamente com os direitos civis, políticos e humanos, que engloba: direito ao trabalho, direito ao salário igual por trabalho igual, direito à educação, entre outros. Estes direitos são de tal ordem importantes que fazem parte da Constituição de quase todos os países com vista a um mundo mais justo e igualitário. Entretanto, o que realmente acontece é um enorme defasagem entre os princípios de igualdade que estão contidos na lei em contraste com a verdadeira realidade – desigualdade e exclusão social. O professor Marcelo Lima Guerra esclarece que “No Estado Social, a simbiose entre direitos fundamentais e princípio da dignidade ganha destaque e relevância. A exaltação da dignidade humana e dos direitos fundamentais não pode se circunscrever à esfera teórica, devendo transpor esse âmbito para alcançar efetividade. “ (GUERRA, 2008, p.27)


Com a globalização, as classes marginalizadas estão cada vez mais atingidos pela exclusão da riqueza social por ela gerada. A globalização gera também a deterioração das suas condições de vida em termos de alimentação, saúde, habitação, saneamento e educação, entre outros aspectos. A análise do processo de globalização reforça a convicção de que sua lógica implacável, mais do que bem-estar, tem produzido um aumento da exploração da força de trabalho e promovido maior destruição de todas as formas de sobrevivência que não se adaptam aos padrões econômicos da sociedade global. O aumento das desigualdades atinge principalmente as classes marginalizadas que residem nos grandes centros urbanos, os trabalhadores sem terra e os desempregados do meio rural, tornando cada vez mais visíveis as contradições do sistema. No seio da sociedade global, dominada pelo capitalismo, reproduzem-se constantemente as contradições de classe, os antagonismos, as hierarquias e as diversidades sociais. De fato, o desenvolvimento do capitalismo pode ser caracterizado como desigual, combinado e contraditório. Juan Daniel Videla[2] adverte que o quadro de exclusão social presente nos dias atuais, gerado em grande parte pela desigualdade e pela preocupação dos que detém o poder tão somente com mais lucro, é inédito, sem precedentes.


 A globalização econômica procura transformar o globo terrestre em um imenso e único mercado. Todo o aparato legal que se constituiu em torno do Estado social, densificando os princípios e regras constitucionais, tem sido desafiado pela globalização econômica. A substancial redução do Estado social é a conseqüência lógica da globalização econômica, pois esta é naturalmente excludente. Para Peces-Barba (1995) a escassez amplia sua incidência sobre o jurídico, estendendo-a a dimensões não apenas de validade, mas de justificação da existência do Direito[3].


A exclusão social traduz-se em indicadores que estão em patamares pouco compatíveis com o nível de desenvolvimento econômico do País. A proporção de pobres na população brasileira é três vezes maior que a apresentada pelos paises com renda per cafetã similar à do Brasil. A partir da segunda metade dos anos de 1990 o aumento do desemprego e da informalidade, juntamente com a queda dos rendimentos dos trabalhadores, agravaram o quadro social. Tudo isso se expressa na precariedade dos postos de trabalho e no incremento do número de trabalhadores sem nenhum tipo de vínculo com o sistema de previdência social e sem acesso ao seguro-desemprego. Essas vulnerabilidades contribuíram para o aumento do número de candidatos a ingressar no mundo dos pobres e miseráveis. traduz o firme compromisso com a inclusão social mediante a criação de condições que garantam igualdade de oportunidades a todos os cidadãos, independentemente de sua origem social, no contexto de uma sociedade democrática. Conforme Jacques Maritain citado por Ricardo Haro (2007, p. 658-659):


La gran tragédia de las democracias modernas – sostiene – consiste em que ellas mismas no han logrado aún realizar la democracia, ya sea porque sus enemigos crecen em la medida que las debilidades y las faltas de las democracias Le Dan sus pretextos; o porque la realización de la democracia se quedó em lo político, sin trascender a lo social, ante la miséria y la deshumanización del trabajo, circunstancias que no pudieron solucionar ni el capitalismo ni el marxismo. A lo cual podríamos agragar entre otras muchas causas contemporáneas , las gravísimas y variadas formas de violaciones a los derechos humanos, la corrupción tan generalizada; la globalización, em sus proyecciones negativas y em las nuevas formas de imperialismo tecnológicos y financieros que impone. (grifos no original)


 Constata-se que após o avanço da globalização econômica, vivencia-se a exclusão de gigantescas parcelas da humanidade das condições elementares de subsistência a acumulação por parte de uma pequena maioria da maior fatia da riqueza mundial. Para Flávia Piovesan (1999, p. 195), ao contrário do que muitos apregoam, a globalização aprofundou ainda mais a exclusão social, “o processo de globalização econômica tem agravado o dualismo econômico e estrutural da realidade latino-americano, com o aumento das desigualdades sociais e do desemprego, aprofundando-se as marcas da pobreza absoluta e da exclusão social.”


 Não há que se dizer que existe uma relação direta entre globalização e aumento da exclusão social, mas utilizando as palavras de Márcio Pochman (2004, p. 45) “num contexto de expansão desregulada do capital financeiro, de manutenção do protecionismo nos países desenvolvidos e de reforço de políticas discricionárias (…) a exclusão social acaba por se tornar um corolário da globalização.” O autor afirma que além da pobreza absoluta, da fome e do analfabetismo, as principais formas de exclusão de que se tem notícia, “novas formas ganham destaque, associadas à crescente desigualdade, precarização do mercado de trabalho (desemprego e informalidade), expansão da violência urbana e novas epidemias.” (POCHMAN, 2004, P. 45) Como se vê, a exclusão social afasta ainda mais a possibilidade de concretização de direitos sociais que necessita de ações positivas do Estado, que requer despesas para garantir direitos fundamentais sociais tais como saúde, educação, etc., mas com o aumento de formas de exclusão o argumento da reserva do possível, com o qual o Estado se defende de sua inércia ganha mais força, porquanto o Estado tem que efetuar mais despesas com os problemas gerados pela exclusão.


CONCLUSÃO


À medida que o processo de globalização avança novos fatos, tais como flexibilização empresarial e de emprego, aumenta o desrespeito a direitos sociais duramente conquistados o que revela serias distorções e contradições entre a retórica doutrinária sobre os direitos sociais e o agravamento da exclusão social de grande parte da humanidade, a crescente desigualdade social num mundo em que se tornou prioridade as máximas do mercado em detrimento de milhões de vidas humanas, que não vivem no limite da pobreza, mas muito abaixo da linha de pobreza demarcada pelo países ricos. Percebe-se, não raramente, grande distância e uma inadequação entre globalização e efetividade dos direitos sociais. Não se pode aceitar que, através da globalização econômica, o ser humano seja relegado a plano de objeto descartável, na medida em que a globalização quer eliminar qualquer direito social duramente adquirido pela sociedade ao longo dos tempos. A modernização do sistema produtivo, com a inserção na globalização econômica, por si, não proporcionará melhor distribuição de renda ou redução da desigualdade. Na verdade constata-se exatamente o contrário.


As dimensões deste trabalho impediram, todavia, que tais temas fossem aprofundados como deveriam, mas espera ter cumprido o seu intento, qual seja, trazer à tona e proporcionar aos leitores uma reflexão sobre o contexto atual dos direitos sociais num mundo globalizado, no qual a exclusão social atinge número de pessoas cada vez maior, com todas as suas maléficas conseqüências. A preocupação com este tema é o ponto de partida para a construção de uma consciência popular, pois não existe democracia sem um governo verdadeiramente popular, com cidadãos conscientes de seus direitos para que possam lutar pela efetivação dos mesmos, precipuamente da parcela excluída da sociedade.


 


Referências

ABRAMOVICH, Victor & COURTIS, Christian. Los Derechos Sociales como Derechos Exigibles. Prólogo de Luigi Ferraioli. Madrid: Trotta, 2004.

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Trad. Ernesto Garzon Valdés. Madrid: Centro de Estúdios Politicos y Constitucionales, 2002.

BECKER, Dinizar Fermiano. (org.). Desenvolvimento Sustentável: Necessidade e/ou Possibilidade (caps. 4, 5 e 6). Santa Cruz do Sul, EDUNISC, 1997.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003.

___________________; MOREIRA, Vital. Fundamentos da constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991.

CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Irresponsáveis? Tradução Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1989.

CLÈVE, Clèmerson Merlin. A eficácia dos direitos fundamentais sociais. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, a. 14, n. 54, p. 30, jan./mar. 2006.

COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o Juízo de Constitucionalidade das Políticas Públicas. In Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, ano 86, v. 737, mar. 1997, p. 11-22.

DÁVILA, Álvaro. América Latina na economia global: entre as possibilidades e os riscos. IN: CORTINA, Adela. Construir Confiança. Ética da empresa na sociedade da informação e das comunicações. Alda da Anunciação Machado (trad.) São Paulo: Loyola, 2007

DINIZ, Eli. Globalização, Estado e Desenvolvimento: dilemas do Brasil no novo milênio. In: DINIZ, Eli (Org.) O pós-consenso de Washington: Globalização, Estado e governabilidade reexaminados. Rio de janeiro: FGV Editora, 2007

ENGISCH, Karl. La idea de concrecion em el derecho y em la ciência jurídica actuales. Trad. Juan Jose Gil Cremades. Pamplona: Ediciones universidad de Navarra, 1968.

FARALLI, Carla. A filosofia contemporânea do direito: temas e desafios. Tradução de Candice Premaor Gullo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2006)

FARIA, José Eduardo (Org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 1994.

FERRAZ JR, Tércio. Teoria da Norma Jurídica. 4ª Ed. Rio de janeiro: Forense, 2006.

GARCÍA-PELAYO. Manuel. Las transformaciones del Estado contemporáneo. Madrid: Alianza, 1977.

GUERRA, Marcelo Lima. Juslaboralismo crítico. Fortaleza: Tear da Memória, 2009.

____________________. Ontologia Jurídica, Filosofia Da Linguagem e o Papel do Judiciário. Manuscrito gentilmente cedido pelo autor, 2008.

HARO, Ricardo. Algunas reflexiones sobre el humanismo y la democracia em el pensamiento de Jacques Maritain. In: Revista Latino-americana de estudos consitucionais número 7 janeiro-junho de 2006Belo Horizonte: Del Rey, 2007

LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos. São Paulo: Companhia de Letras, 1988.

LATORRE, Angel. Introducción al Derecho. Barcelona: Ariel, 1988.

LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Derechos humanos, estado de derecho y constitución. Madrid: Tecnos, 2005.

MORILLO Joaquín García, La protección judicial de los derechos fundamentales. Madrid: Tirant lo Blanch, 1994.

MÜLLER. Friedrich. Democracia e Exclusão Social em Face da Globalização. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_72/Artigos/artigos.htm. Acesso em: 09 de maio de 2.009.

________________ Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. São Paulo: Max Limonad, 1998.

NEUNER, Jörg. Os direitos humanos sociais – In: Revista latino-americana de estudos constitucionais, n. 7 – jan/jun de 2.006.

PECES-BARBA MARTÍNEZ, Gregório. Curso de Derechos Fundamentales: teoria general. Madrid: Universidad Carlos III de Madrid,1995.

PINTO, Aníbal. Distribuição de renda na America Latina e desenvolvimento. Rio de janeiro: Zahar editores.1976.

PIOVESAN,Flávia. Justiciabilidade dos direitos sócias e econômico no Brasil: desafios e perspectivas. In: LIMA, Martônio Mont’Alverne Barreto; ALBUQUERQUE, Paulo Antonio Menezes (Org.). Democracia, direito e política: Estudos Internacionais em homenagem a Friedrich Muller. Florianopólis: Conceito Editorial, 2006.

_______________. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 1997.

POMPEU, Gina Vidal Marcílio. Direito à educação: controle social e exigibilidade judicial. Rio de Janeiro – São Paulo – Fortaleza: ABC Editora, 2005.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 2’ edição, São Paulo: José Bushatsky – editor, 1974.

 

ROSA, Felippe Augusto de Miranda. Sociologia do Direito: O fenômeno jurídico como fato social. Terceira Edição. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1974.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

SGARBI, Adrian. Teoria do Direito: Primeiras liçoes. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007

SICHES, Luis Ricaséns. Tratado de sociologia. Volume II. Tradução de João Baptista Coelho Aguiar. Rio de Janeiro: Globo, 1965.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004.

_________________. Poder Constituinte e Poder Popular: estudos sobre a constituição. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria geral do Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.

VIDELA, Juan Daniel. Contra Fukuyama: Modernidad, globalización y fin de la historia. Disponível em: < http://www.oei.org.ar/edumedia/pdfs/T07_Docu6_Lacreaciondeunsistemade_Oiberman.pdf > Acesso em: 14.05.2009.

VIEIRA, Oscar Vilhena. Globalização, Direito e Justiça. In: PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos, globalização econômica e integração regional. Desafios do Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 2002.

VITAL MOREIRA. A ordem jurídica do capitalismo. 4ª edição. Lisboa: Caminho, 1987.

WALD, Arnoldo. “Um Novo Direito para a Nova Economia: Os Contratos Eletrônicos e o Código Civil”. In GRECO, Marco Aurélio & MARTINS, Ives Gandra da Silva (coordenadores). Direito e Internet – Relações jurídicas na sociedade informatizada. São Paulo: RT, 2001.

 

Notas:

[1] Sobre os direitos fundamentais como concretizações da idéia de dignidade da pessoa humana, cf. Ingo Wolfgang Sarlet, Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais, passim, esp. Cap. 4; Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, p. 516; Edilsom Pereira Nobre, Colisão de Direitos Fundamentais – a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação, pp. 54 e ss;

[2] Porque aquellos que demandan derechos en el siglo XXI no son, como en los casos mencionados de la nobleza, la burguesía o aún el proletariado europeos, grupos ya insertados en procesos económicos. Precisamente, uno de los rasgos mas característicos de la economía global es poder funcionar perfectamente con total independencia, al margen de naciones enteras de indigentes cuyas vidas no obstante afecta. Técnicamente no podría llamárseles desposeídos por cuanto nunca poseyeron nada. Por ello no están en condiciones de decir, como la burguesía o el proletariado europeos, en los panfletos clásicos de Sieyes y Marx, “hasta ahora hemos sido todo, de aquí en mas queremos ser algo”. Porque ellos son nada y están totalmente excluidos del orden global. Exterminados por el genocidio, dispersos geográficamente, culturalmente fragmentados, ignorándose los unos a los otros, no constituyen técnicamente una nación o un pueblo que pueda reclamar derecho a constituir un estado, como árabes o israelíes han hecho en el siglo XX. (ON-LINE)

[3] Veja o trecho no original: “Asi y volviendo a nuestro tema concreto, la escasez amplia su incidência sobre lo jurídico, extendiendola a dimensiones no sólo de validez, es decir, de justification de la exitencia misma del Derecho (siempre que hablo de Derecho me refiero al Derecho positivo), sini de justicia y de eficácia”(PECES-BARBA, P. 201)


Informações Sobre o Autor

Vanessa Batista Oliveira Lima

Advogada em Fortaleza/Ce. Especialista em processo civil. Mestranda em Direito Constitucional – PPGD – UNIFOR


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!
logo Âmbito Jurídico