Após o
decurso de mais de 25 anos de tramitação no Congresso Nacional, enfim
sancionada a nova codificação civil, composta de 2.046 artigos. Defendem alguns
doutrinadores que o estatuto civil de 1916, à época de sua vigência, adaptou-se
melhor às mudanças comportamentais do que, possivelmente, adaptar-se-á a nova
codificação às céleres inovações tecnológicas atuais. Suscitam, ademais, que o
estatuto civil de 2002 veio à tona com traços já superados, isto é, decretam a
caducidade precoce da nova lei. Por outro lado, diversos intelectuais
reconhecem, com veemência, o indubitável mérito da obra legislativa em comento,
haja vista a ruptura de preceitos normativos há muito defasados, incapazes de
satisfazer as contemporâneas necessidades da modernização.
Obviamente,
as mais de 350 emendas apresentadas ao Projeto de Lei n° 634/75 ocasionaram, a
cada aprimoramento na redação do texto legal, uma sucessiva revisão e, por
conseguinte, reiteradas tramitações na Câmara e no Senado. No interregno entre
a feitura do projeto (esboçado em plena ditadura militar) e a posterior
positivação legislativa do mesmo, grandes acontecimentos sobrevieram, dentre os
de maiores relevâncias¸ o notável acréscimo populacional, o aumento da taxa de
urbanização (mudança de mentalidade das pessoas) e a revolução tecnológica.
Hercúleo é o dever da codificação do século XXI em acompanhar integralmente as
incessantes e imprevisíveis transformações da sociedade.
Em que
pese as considerações acima tecidas, não é demais acentuar que esta nova lei
ordinária ensejou grandes inovações, sobretudo aqueles concernentes às relações
familiares. Destarte, observa-se que, finalmente, é consagrado na esfera cível
o princípio constitucional da igualdade entre homens e mulheres, dando margem,
por exemplo, à fixação de novo critério relativo à guarda de filhos (a mãe não
mais tem preferência); na supressão da denominação “pátrio poder”,
hoje denominado “poder familiar” (exercido uniformemente tanto pelo
pai como pela mãe), no poder do homem de exigir pensão alimentícia da mulher em
caso de separação, na impossibilidade de anulação do casamento, caso o marido
descubra a perda da virgindade da esposa, anteriormente ao enlace matrimonial.
Ressalte, por oportuno, que no tocante a este último tema, desde a promulgação
da Constituição Federal de 1988, as sentenças judiciais não mais o observava.
A
unificação dos padrões etários para a responsabilização civil e penal,
certamente, torna o ordenamento jurídico brasileiro mais harmonioso quanto ao
tratamento igualitário às diversas áreas do direito. Ademais, no campo do
direito comercial, importante destacar a preocupação da nova Lei Civil em
distinguir os conceitos de associação (fins não econômicos) e sociedade (fins
econômicos), o que, até então, muitas dúvidas traziam aos jurisdicionados.
Outrossim, outro aspecto de grande relevância foi o incentivo à arbitragem,
desafogando, assim, o acúmulo de disputas judiciais nos pretórios do Brasil.
É de bom
augúrio concordar que, fatalmente, várias matérias atuais e polêmicas não puderam
ser abordadas pela nova Lei Civil, tais como os contratos eletrônicos, a união
entre homossexuais, as experiências científicas em seres humanos (clonagem,
inseminação artificial, barriga de aluguel), as relações de consumo, dentre
outras. Em razão de suas peculiaridades substanciais, é cediço que são questões
pertinentes a outros ramos jurídicos, diversos do direito civil. Logo, a nova
ordenação legal remete às normas extravagantes o encargo de positivar os temas
alhures enfocados.
Acreditar
na existência de uma obra legislativa capaz de tutelar todos os direitos que a
sociedade almeja, no mínimo, é pretender o irrealizável. Se, porventura, o novo
estatuto civil, irrestritamente, enfocasse todas as modernas e debatidas
hipóteses fáticas que nem ao menos foram pacificadas na doutrina e na
jurisprudência dos tribunais, provavelmente as redações legais, em curto espaço
de tempo, se tornariam inócuas e logo necessitariam de reformas, em decorrência
da evolução natural da própria ciência do Direito. Ademais, como se sabe, nos
códigos devem figurar apenas matérias cristalizadas, sedimentadas na
consciência jurídica nacional. É evidente que a criação de dispositivos de leis
para regular os costumes da sociedade não é tarefa tão simples, posto que exige
tanto uma inequívoca bagagem jurídica quanto um profundo conhecimento do
Brasil, de nossa gente, de nossos valores e de nossos costumes.
Informações Sobre o Autor
Danielle Camello
Danielle Camello cursa o 8º período de Direito pela UNICAP (Universidade Católica de Pernambuco), sendo também componente do quadro de estagiários do Escritório Leonardo Coêlho Advocacia.