Inseminação artificial heteróloga: o conflito entre os direitos ao reconhecimento da origem genética e à intimidade

Resumo: O presente trabalho tem como principal objetivo contextualizar uma das principais discussões em torno da reprodução humana assistida, qual seja, aquela que se refere ao direito ao conhecimento da origem genética da pessoa gerada por meio de inseminação artificial heteróloga, contraposto ao direito ao sigilo dos doadores de gametas. A fonte de pesquisa utilizada foi a bibliográfica, mediante análise de artigos científicos, livros, leis, resoluções, jurisprudências e outros. Verificou-se que, no Brasil, não há lei regulamentando todos as hipóteses advindas de tal meio de reprodução assistida, sendo que tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátria ainda divergem sobre o assunto, que deve ser dirimido no caso concreto, mediante a ponderação de interesses e segundo critérios de razoabilidade e proporcionalidade. Parece haver consenso, entretanto, que ainda que reconhecida a possibilidade de identificação da origem genética, não são garantidas às pessoas geradas por inseminação artificial heteróloga os direitos referentes à filiação e sucessão, perante o doador de gametas.

Palvaras-chave: Inseminação artificial heteróloga. Sigilo do doador de gametas. Reconhecimento da origem genética. Conflitos entre direitos.

Sumário: 1. Introdução – 2. Fundamentação – 3. Conclusão – 4. Referências

1 – Introdução

Com o avanço da ciência, surgiram vários e modernos tipos de reprodução humana assistida, que vieram a auxiliar diversos casais com dificuldade ou impossibilidade de gerarem filhos de forma natural. Ocorre que a legislação brasileira não acompanhou, na mesma proporção, a evolução da ciência, ocasionando o surgimento de várias lacunas legais e situações conflituosas. 

Objetiva-se, portanto, analisar e ponderar sobre a melhor alternativa em caso de conflito principiológico e de direitos, em situações em que a busca pela origem biológica, no caso de reprodução assistida heteróloga, esbarra no direito ao sigilo do doador do material genético.

Assim, por se tratar de questão que suscita dúvidas aos operadores do direito em geral é que se pretende, com o presente trabalho, verificar o posicionamento de doutrinadores sobre o tema e, mediante uma interpretação sistemática da constituição, de leis infraconstitucionais e de princípios, tentar dirimir o já mencionado conflito existente.

Para melhor conhecimento do assunto, cumpre esclarecer que, conforme os ensinamentos de Dias:

“[…] reprodução medicamente assistida é utilizada em substituição à concepção natural, quando houver dificuldade ou impossibilidade de um ou de ambos de gerar. São técnicas de interferência no processo natural, dai o nome de reprodução assistida. A reprodução humana assistida, além de ser utilizada por casais inférteis, também poderá ser usada para evitar a transmissão de doenças genéticas degenerativas de pessoas férteis.” (DIAS, 2011, p. 366)

No caso em questão, entretanto, ater-se-á apenas à inseminação denominada heteróloga, que é aquela realizada com o material genético de terceiros, doadores anônimos, buscando-se verificar se o sigilo destes deve prevalecer ou não frente aos anseios da pessoa que foi gerada de ter conhecimento à sua ascendência materna e/ou paterna, não obstante seja mais comum a utilização do material genético masculino, mediante a utilização dos denominados “bancos de sêmen”. Como bem observa Maluf “inseminação artificial heteróloga é aquela realizada com material genético de doador, podendo ser de apenas um deles – homem ou a mulher – ou de ambos, havendo assim a transferência de embrião doado.” (MALUF, 2010, p. 163).

O certo é que há divergências quanto à (in)violabilidade do sigilo da identidade dos doadores de gametas e, neste ponto, Frediani (2000, p. 140), Gama (2003, p. 903), entre outros, posicionam-se a favor da manutenção do sigilo dos doadores anônimos, de modo a garantir a autonomia e o desenvolvimento normal da família, de forma segura e com discrição.

Por outro lado, muitos são os que não concordam com o irrestrito sigilo dos doadores, entre eles Dias (2011, p.363), Welter (2008, p. 183) e Goldhar, tendo esta última se manifestado no sentido de que “o anonimato, no viés de direito a intimidade, por si só não se sustenta na ponderação com tantos outros direitos fundamentais, de modo que, normalmente este deverá ceder para dar lugar a outros direitos de maior relevo”. (GOLDHAR, 2010, p. 284)

Percebe-se que há amparo constitucional e legal tanto para se buscar o conhecimento da origem genética, por se tratar de direito inerente à personalidade humana, sendo seu conhecimento indispensável para a conquista de uma vida digna, quanto para se manter a inviolabilidade do sigilo dos doadores, sob a perspectiva do direito à intimidade e também da dignidade da pessoa humana.

O que se deve perquirir, então, é até que ponto a pessoa terá direito ao conhecimento da sua origem biológica e quais serão os efeitos inerentes a tal descoberta, ou seja, se será ou não criada uma relação de direitos e deveres entre o doador de gametas e a pessoa gerada.

2 – Fundamentação

Inicialmente, faz-se necessário e é de todo recomendável que sejam tecidas breves considerações sobre o tema filiação, haja vista que a relação existente entre o filho gerado mediante inseminação artificial heteróloga e um dos seus genitores, ou ambos, será destituída de vínculo biológico, tornando-se pertinente, pois, a análise do tipo e efeitos da filiação nesses casos.

Segundo Maria Helena Diniz, “a filiação matrimonial é a concebida na constância do matrimônio, seja ele válido, nulo ou anulável, ou, em certos casos, antes da celebração do casamento, porém nascida durante a sua vigência, por reconhecimento dos pais”. (DINIZ, 2009, p. 457).

Dito isso, observa-se que a filiação advinda da inseminação heteróloga, desde que assentida, também é definida como uma filiação matrimonial, vez que o próprio Código Civil estabelece em seu artigo 1597, inciso V, “que presumem-se nascidos na constância do casamento filhos havidos da inseminação heteróloga, quando há a anuência do marido”.

Em sendo assim, a pessoa gerada por tal método de reprodução assistida – inseminação heteróloga -, na constância do matrimônio e desde que com o consentimento do marido, em hipóteses em que este não contribuiu com o fornecimento do seu material genético, presume-se filho(a) do casal.

Sendo certo que, consoante dispõe o Código Civil, o consentimento à inseminação artificial heteróloga não pode ser posteriormente revogado pelo marido e, consequentemente, a paternidade não poderá ser por ele impugnada em razão do critério biológico. Conforme Dias:

“O consentimento não precisa ser por escrito, só necessita ser prévio. A manifestação do cônjuge corresponde a uma adoção antenatal, pois revela, sem possibilidade de retratação, o desejo de ser pai. Ao contrário das demais hipóteses, a fecundação heteróloga gera presunção juris et de jure, pois não há possibilidade de a filiação ser impugnada. Trata-se de presunção absoluta de paternidade socioafetiva. A paternidade constitui-se, desde a concepção, no início da gravidez, configurando hipótese de paternidade responsável.” (DIAS, 2011. p. 369)

De todo modo, não se pode descurar que será estabelecido entre a criança gerada e o casal que optou pela fecundação artificial, não importando se tenha sido utilizado o material genético de apenas um dos parceiros ou de nenhum deles, laços de afetividade, alçando-a à condição de filho(a), com o estabelecimento de todos os efeitos inerentes ao estado de filiação, ainda que não se trate, nos termos da lei, de uma filiação matrimonial, pois, segundo Paulo Lôbo, “filiação é a relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, uma das quais nascida da outra, ou adotada, ou vinculada mediante posse de estado de filiação ou por concepção derivada de inseminação artificial heteróloga”.(LÔBO, 2009, p.195).

Importante ressaltar, ainda, que a atual família brasileira, segundo Ferraz:

“Passa a priorizar os laços afetivos. A troca de afeto, de cuidado e a solidariedade entre os membros como meio de se realizarem como pessoa humana adquire mais relevância do que o tipo de entidade familiar no qual tal realização se concretizará. Portanto, seja qual for a espécie de entidade familiar, o indivíduo é o centro em torno do qual gravitam todos os direitos, a fim de que a pessoa se realize sentimentalmente no grupo familiar em que está inserida.” (FERRAZ, 2011, p. 96)

Dessa forma, vê-se que a paternidade/maternidade passou a ter um significado mais abrangente, não relacionados apenas à condição biológica, mas focados também nos laços de afetividade criados entre os pais e os filhos, ainda que sem relação de consaguinidade. Neste sentido, Ferraz explica que, “a paternidade real não é a biológica, mas sim a cultural, fruto dos vínculos e das relações de sentimento que vão sendo cultivados durante a convivência com a criança”. (FERRAZ, 2011, P96).

Ultrapassada a questão atinente à filiação e retornando-se ao cerne da questão, ou seja, em relação à controvérsia existente em torno da possibilidade ou não do filho concebido mediante inseminação heteróloga de ter conhecimento à sua ascendência biológica, tem-se que, de acordo com Guilherme Calmon “o sigilo do doador é justificável, uma vez que a quebra do mesmo pode gerar grandes conseqüências não só para o doador do material fecundante, como também para o filho concebido pela referida técnica” (GAMA, 2003, p. 903). Conforme explica o referido autor:

“O anonimato dos pais naturais – na adoção – e na pessoa do doador – na reprodução assistida heteróloga – se mostram também necessários para permitir a plena e total integração da criança na sua família jurídica. Assim, os princípios do sigilo do procedimento (judicial ou médico) e do anonimato do doador têm como finalidades essenciais a tutela e a promoção do melhor interesse da criança ou adolescente, impedindo qualquer tratamento odioso no sentido da descriminação e estigma relativamente à pessoa adotada ou fruto de procriação assistida heteróloga.” (GAMA, 2003, p. 903)

Para os que são favoráveis ao anonimato, são apontados também, como fatores negativos da possibilidade da investigação da origem genética, o risco de se desaparecerem os doadores, além da possibilidade, por fatores desconhecidos ou interesses escusos, do doador querer estabelecer algum vínculo com a criança ou esta com ele, interferindo na relação afetiva preexistente entre o filho e os verdadeiros pais, ainda que não biológicos.

Sendo certo que, para os que assim se posicionam, a vedação da identificação do proprietário do material genético encontra guarida na própria Constituição Federal, que em seu artigo 5°, inciso X, dispõe “[…] são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Observa-se ainda que o artigo 21, do código civil de 2002, prescreve que “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.”

Ainda nesse sentido, a Resolução nº 2.013/13 do Conselho Federal de Medicina dispõe o seguinte:

“Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa. Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.” (CFM, 2013)

 Ocorre que, conforme já dito alhures, no Brasil não existem normas que regulamentem a matéria em comento, o que gera vários e complexos problemas, sendo certo que a Resolução do CFM acima citada nada mais é que um regulamento interno, dotado de princípios gerais que devem ser seguidos pela classe médica, mas que não esclarece e muito menos soluciona problemas relacionados à ordem jurídica. Com efeito:

“Enquanto não houver no Brasil uma lei específica disciplinando os efeitos jurídicos da filiação originária da reprodução assistida, a construção teórica do modelo de paternidade-maternidade e filiação decorrente da reprodução assistida heteróloga deverá conjugar aspectos dos outros dois modelos – adoção e a filiação clássica -, sempre procurando compatibilidade e harmonia, observando-se os princípios e regras constitucionais e infraconstitucionais e aplicáveis.” (KRELL, 2011, p. 162)

 Por outro lado, ao se considerar a identidade como um dos direitos fundamentais inerentes a todos os seres humanos, inserido no âmbito dos direitos da personalidade, encontramos diversos defensores da possibilidade do filho gerado por inseminação heteróloga de conhecer sua origem genética.

Nesta vertente, há quem defenda que a garantia constitucional da identidade genética do ser humano conduz, necessariamente, ao princípio da verdade biológica.  (OTERO, 1999, p. 90)

Vários outros doutrinadores também se posicionam favoravelmente à possibilidade da investigação da origem genética, ao argumento de que esta revelaria os genitores biológicos, evitando-se eventuais relações incestuosas, impedimentos matrimoniais e até para facilitar o prognóstico de doenças hereditárias.

Segundo entendimento de Krell:

“No tangente à especialidade da fecundação artificial heteróloga, o anonimato do doador pode ser quebrado, assim como o anonimato do pai biológico na adoção por ação de estado, que garanta ao filho o direito à personalidade e ao conhecimento da sua origem genética, para poder verificar doenças hereditárias e evitar impedimentos matrimoniais.” (KRELL, 2011. p. 186)

No mesmo sentido, assim dispõe Lôbo:

“O objeto da tutela do direito ao conhecimento da origem genética é assegurar o direito da personalidade, na espécie direito à vida, pois os dados da ciência atual apontam para necessidade de cada indivíduo saber a história de saúde de seus parentes biológicos próximos para prevenção da própria vida.” (LÔBO, 2004, p. 525)

Cumpre notar, então, que o direito à identidade genética e o direito ao anonimato do doador de material genético encontram amparo, respectivamente, no direito à personalidade e no direito à intimidade, sendo ambos direitos fundamentais. Assim, em caso de conflito entre eles, faz-se necessária a utilização de critérios de razoabilidade e proporcionalidade para verificar, no caso concreto, qual direito deverá prevalecer, senão veja-se.

“Nos casos de colisão de direitos fundamentais existem princípios constitucionais que podem ser utilizados como parâmetros para que se verifique qual deve prevalecer, tais como o princípio da proporcionalidade e adequação, e o princípio da dignidade da pessoa humana.” (GASPAROTTO E RIBEIRO, 2008, p. 372)

Diante disso, pode-se dizer que, ainda que o direito ao anonimato seja fundamentado na intimidade e até mesmo na privacidade, esse direito fundamental deverá ceder quando confrontado com o direito à vida, cuja garantia é, de certo modo, irrestrita e incondicionada.

Segundo Gama:

“Mesmo para aqueles que consideram o anonimato absoluto, tal afirmação deve necessariamente ceder interesses maiores que se revelam pelo risco concreto de doenças hereditárias ou genéticas que podem ser prevenidas ou mais bem tratadas em relação à pessoa concebida com o auxilio de técnica de reprodução assistida heteróloga. Não há como reconhecer que o anonimato do doador possa prevalecer perante a iminente lesão à vida ou a higidez físico-corporal da pessoa que foi gerada com material fecundante do primeiro.” (GAMA, 2003, p. 910)

Até porque, “o progresso dos meios de diagnóstico e dos meios terapêuticos das doenças genéticas tornou fundamental, em certos casos, conhecer os antecedentes biológicos de um indivíduo”. (OLIVEIRA, 1998, apud WELTER, 2003, p.183)

Por outro lado, caso a pessoa deseje conhecer sua origem genética por mera curiosidade e sem qualquer outro motivo relevante, os doutrinadores vêm se inclinado no sentido de que deverá prevalecer o direito à intimidade, mantendo-se o sigilo do doador do material genético.

Assim sendo, repita-se, embora tanto o direito ao reconhecimento à origem genética quanto ao direito ao sigilo do doador de gametas sejam tidos como direitos fundamentais, eis que interligados aos direitos da personalidade e da intimidade/dignidade da pessoa humana, em caso de conflito necessário se faz, no caso concreto, a ponderação de valores e interesses para verificar qual direito prevalecerá.

Finalmente, importante salientar que, mesmo que seja concedida à pessoa gerada mediante inseminação artificial o direito ao conhecimento da origem genética, tal fato não acarretará, em face do pai/mãe biológicos, o surgimento dos efeitos jurídicos inerentes à filiação e à paternidade/maternidade, sendo assente tal entendimento, pois “a ação de investigação da origem genética nada mais é do que uma ação de investigação de paternidade com conteúdo meramente declaratório, sem efeitos jurídicos”.(DIAS, 2011, p. 392/393)

No mesmo sentido, temos o posicionamento de Ferraz, para quem:

“Uma vez estabelecida a filiação socioafetiva com os pais não biológicos, não mais caberia investigar a paternidade ou a maternidade, para a produção dos efeitos típicos da relação de filiação, tais como: nome, alimentos, direitos sucessórios etc. em relação ao doador do sêmen, mas, apenas, na esfera do direito da personalidade.” (FERRAZ, 2011, P. 139)

Desse modo, a descoberta da origem biológica poderá representar para a pessoa gerada mediante inseminação artificial o suprimento de uma lacuna de cunho emocional ou mesmo a cura de uma doença, mas não será estabelecida com o doador do material genético relação de filiação, não podendo ser a ele, portanto, imputada qualquer tipo de responsabilidade assistencial.      

3 – Conclusão

Viu-se que, não obstante a inseminação artificial heteróloga seja de grande valia aos casais que não podem ou não desejam gerar um filho mediante reprodução convencional, podem surgir alguns problemas de difícil solução, em decorrência do estado de filiação peculiar advindo de tal meio de fecundação, pois em tais hipóteses, como visto, o filho será gerado por meio do material genético de apenas um dos parceiros ou, em alguns casos, de nenhum deles.

Assim, verificou-se que, ainda que haja o consentimento mútuo do casal, o filho gerado mediante tal método de reprodução assistida não será, em face daquele que não contribuiu com o material genético, biologicamente seu, sendo, por outro lado, seu filho socioafetivo. Trata-se, portanto, do chamado parentesco civil, previsto no art. 1593 do Código Civil, e que é resultante, nos termos do referido diploma legal, de outra origem, que não a consaguinidade.

Com efeito, conforme abordado, poderá a criança gerada mediante inseminação artificial heteróloga, por várias razões, ter interesse em conhecer sua ascendência biológica. O problema reside, então, em conciliar o direito ao sigilo do doador de gametas com o direito ao reconhecimento da origem genética por parte da pessoa nascida de tal meio de reprodução, sendo que, no caso concreto, deverá se verificar qual deve prevalecer.

Embora não seja uma questão de fácil solução, apresentou-se firme o entendimento de que, em algumas situações, o direito ao reconhecimento à origem genética deve se sobrepor, sobretudo em casos em que o prognóstico de doenças hereditárias e a forma de tratamento reclamam o conhecimento da ascendência paterna/materna. Nessas hipóteses, viu-se que os direitos à vida e à saúde tendem a prevalecer sobre o direito à intimidade.

Por outro lado, situações que não passam de mera curiosidade da pessoa em saber sua ascendência biológica viabilizam o anonimato, de modo que o princípio da intimidade do doador passa a receber, em tais casos, grande atenção.

Conclui-se, pois, que estando diante de direitos colidentes, quais sejam, o direito à intimidade e o direito à personalidade, e sendo ambos direitos fundamentais, critérios de razoabilidade e proporcionalidade deverão ser utilizados para se verificar, no caso concreto, qual deve preponderar.

Entretanto, importante ressaltar que, qualquer que seja a solução a ser dada ao caso, parece haver consenso de que não será criada uma relação de direitos e deveres entre o doador do material genético e a pessoa nascida por meio de inseminação artificial, ou seja, ainda que reconhecido o direito ao conhecimento da origem genética, não poderá ser imputada ao doador a paternidade ou maternidade da pessoa gerada. Em outras palavras, mesmo que reconhecido o doador de gametas como mãe/pai biológico, a ele e à pessoa gerada não serão atribuídos, reciprocamente, os efeitos inerentes à filiação e à paternidade/maternidade, tais como direito à herança, direito a alimentos, exercício do pátrio poder, entre outros.

 

Referências
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 6.ed. revista, aumentada e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 546.
FERRAZ, Ana Claudia Brandão de Barros Correia. Reprodução humana assistida e suas consequências nas relações de família. 1. ed., 2. reimpr. Curitiba: Juruá: 2011.
FREDIANI, Yone. “Patrimônio Genético”. Revista de Direito Privado. n. 2, v. 1, Coord. por Nelson Nery Júnior e Rosa Mª de Andrade Nery. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A Nova Filiação: O Biodireito e as Relações Parentais – de acordo com o novo Código Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
GASPAROTTO, Beatriz Rodrigues. RIBEIRO, Viviane Rocha. Filiação e Biodireito: Uma Análise da Reprodução Humana Assistida Heteróloga sob a ótica do Código Civil. In: CONPEDI. Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, Brasília – DF, 2008, p. 354-376.
GOLDHAR, Tatiane Gonçalves Miranda. O Direito à informação e ao conhecimento da origem genética. In: ALBUQUERQUE, Fabíola Santos; et al. (Cood.) Familias do Direito Contemporâneo – Estudos em homenagem a Paulo Luiz Netto Lôbo. Bahia: Jus Podivm, 2010.
KRELL, Olga Jubert Gouveia. Reprodução humana assistida e a filiação civil. Curitiba: Juruá, 2011.
LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
LÔBO. Paulo Luiz Neto. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
OTERO. Paulo. Personalidade e identidade pessoal e genética do ser humano. Coimbra: Almedina, 1999.
MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Curso de bioética e biodireito. São Paulo: Atlas, 2010.
WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: RT, 2003.
WELTER, Belmiro Pedro. Fenomenologia no Direito de Família: O Direito à investigação e o não-direito à negação da paternidade/maternidade genética e afetiva. In: COLTRO, Antônio Carlos Mathias. e TELLES, Marília Campos Oliveira e.; et. al.; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. e MADALENO, Rolf. (Coord.). Direito de Família: processo, teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

Informações Sobre o Autor

Fabrício Orzil Viana

Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais PUC/MG. Pós-graduado em Ciências Criminais e em Direito de Família pela Universidade Cândido Mendes UCAM. Analista do Ministério Público do Estado de Minas Gerais


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