A decretação da falência pelo não pagamento no vencimento de obrigação e a jurisprudência

Resumo: O Direito Falimentar foi desenvolvendo-se ao longo do tempo englobando diversas mudanças. Os credores que eram os principais afetados pela quebra de um estabelecimento comercial deveriam ser protegidos pela lei, já que uma empresa é sempre criada para gerar riqueza e desenvolvimento para o país. Várias leis foram criadas visando regular o instituto da falência, algumas mais rígidas outras mais brandas, mas todas visavam tanto proteger os interesses dos credores quanto o desenvolvimento econômico do local ou país onde encontravam-se. No Brasil não foi diferente, principalmente devido à influências que o país recebeu da Europa, principalmente de países como Portugal e França. Até o ano de 2004 estava em vigência o Decreto-Lei de 1945 que regulava a falência no nosso país, mas em 2005 foi promulgada a Lei 11.101 que acabou por revogar o Decreto-Lei, trazendo em seu bojo o instituto da recuperação judicial e extrajudicial. O principal motivo para a criação dessa nova lei foi a não mais adequação da antiga frente as novas controvérsias que estavam surgindo na economia nacional e mundial. A nova lei veio então tentar contornar esses novos problemas que surgiram, sempre com o principal objetivo de preservação da empresa.

Palavras-chave: Direito. Falência. Impontualidade. Jurisprudência.

Abstract: The insolvency law was to develop over time comprising several changes. Creditors who were the most affected by the breakdown of a business should be protected by law, as a company is always created to generate wealth and development for the country. Several laws were created aimed at regulating the bankruptcy institute, some stricter other milder, but all were intended to both protect the interests of creditors and the economic development of the place or country where they were. Brazil was no different, mainly due to the influences that the country received from Europe, especially from countries such as Portugal and France. By the year 2004 was in effect the 1945 Decree-Law regulating bankruptcy in our country, but in 2005 was enacted Law 11,101 that turned out to repeal Decree-Law, bringing in its wake the institute of judicial recovery and extrajudicial . The main reason for creating this new law was no longer fit the old front new controversies that were emerging in the national and world economy. The new law came then try to circumvent these new problems that have arisen, always with the main objective of preserving the company.

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Keywords : Right. Bankruptcy. Lateness. Jurisprudence.

Sumário: Introdução. 1. A evolução do direito falimentar. 2. O direito falimentar no Brasil. 3. A lei n.º 11.101/2005 e o instituto da falência. 4. A impontualidade e o pedido de falência. 5. Jurisprudência. Considerações finais. Referências.

Introdução

O instituto da falência foi evoluindo com o passar do tempo, nos primórdios as obrigações assumidas pelos devedores recaiam sobre seu próprio corpo, fato este que foi evoluindo até ficar restrito somente aos bens do devedor. O desenvolvimento do comércio, juntamente com diversos outros fatores, fez com que fossem criadas leis regulando o processo de falência dos comerciantes, que posteriormente foram denominados por empresários e sociedades empresárias.

A regulação do procedimento falimentar impôs aos empresários e sociedades empresárias determinados pressupostos necessários para o pedido de falência. O pressuposto abordado neste trabalho é o da impontualidade, ou seja, o devedor não paga no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados, desde que a soma dos mesmos ultrapassem o equivalente a 40 (quarenta) salários mínimos. Todos estes pontos são abordados especificamente, abordando os principais pontos de divergência quanto à sua regulação na lei.

Na parte final deste trabalho será exposto a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça abordando todos os pontos citados anteriormente, principalmente em relação a questão da impontualidade no pagamento das obrigações, mostrando com a justiça brasileira posiciona-se em relação as diversas divergências que são colocadas em sua seara para julgamento.

1. A evolução do direito falimentar.

Nos primórdios das civilizações, principalmente no Direito Romano, as responsabilidades obrigacionais eram adimplidas fazendo-se utilização da liberdade e até mesmo da própria vida da pessoa que se configurava como sujeito passivo de uma obrigação. Isso pode ser comprovado através deste trecho:

“[…] em razão da vinculação das pessoas, o devedor respondia com o próprio corpo pelo cumprimento da obrigação. O compromisso estabelecia o poder do credor sobre o devedor (nexum), que possibilitava, na hipótese de inadimplemento, o exercício da manus iniectio, reduzindo o obrigado à condição de escravo.  (GONÇALVES, 2014. p. 22 e 23)

Já Caio Mário da Silva Pereira (2014, p. 7) nos mostra que essa prática era considerada comum naquela época, sendo tal prática comprovada através de um escrito encontrado na Lei das Doze Tábuas, escrito na Tábua III: “Tertiis nundinis partis secanto; si plus minusve secuerunt se fraude esto”. Segundo o autor, os devedores insolventes eram levados além do Tibre, um rio existente em Roma, e lá eram sacrificados e tinham os seus corpos divididos em pedaços e entregues aos credores as partes, como uma forma de saldar a dívida. Observa-se com isso que a obrigação pela qual respondia o devedor não recaía sobre seus bens, mas sobre o próprio indivíduo.

Percebe-se a existência naquela época que os institutos jurídicos,  principalmente em referência ao processo de falência, tinham a preocupação no jus puniende do devedor que não honrasse as dívidas para com os seus credores. Era uma execução pessoal, cujo procedimento consistia no credor deter a posse sobre a vida da pessoa do devedor.

A Lex Poetelia Papiria, datada de 428 a.C., aboliu a execução da dívida sobre a pessoa do insolvente, passando-se a projetar a responsabilidade sobre os bens do devedor, fazendo com que as execuções passassem a ter um caráter patrimonial. Posteriormente, pela bonorum venditio, ou seja, os bens do falido eram alienados a uma pessoa, que pagava os credores, em rateio, para a satisfação dos créditos, instituída pelo pretor Rutilio Rufo, o desapossamento dos bens do devedor era feito por determinação do pretor, nomeado um curator bonorum para a administração destes (ALMEIDA,1996, p.3).

Dinamarco esmiuçou o alcance da Lex Poetelia ao aduzir:

“…com a Lex Poetelia do ano 326 a.C (ou 441 a.u.c), a qual ditou várias normas  atenuadoras do sistema então vigente, a saber: a) proibiu a morte e o  acorrentamento do devedor; b) institucionalizou o que antes era simples alternativa  oferecida ao credor, ou seja, a satisfação do crédito mediante a prestação de trabalhos forçados; c) permitiu que o executado se livrasse  da manus injectio,  repelindo  a  mão  que  o  prendia  ( manum sibi depellere) mediante o juramento  de  que  tinha  bens  suficientes  para satisfazer o crédito (bonam copiam jurare); e,  acima de tudo  isso,  (d) extinguiu o nexum, passando então o devedor a  responder  por  suas obrigações com o patrimônio que tivesse, não mais com o próprio corpo (pecuniae creditae bona debitoris, non corpus obnoxium esset). Estava aberto o caminho para eliminar a execução corporal.”(DINAMARCO, 1997. p. 43-44)

Depois, surge a Lex Julia Bonorum, cuja data é de 737 a.C., criando a cessio bonorum, onde facultava-se ao devedor que o mesmo cedesse seus bens ao credor, com isso ele poderia vendê-los. Segundo alguns autores a cessio bonorum seria um instituto que deu origem a concordata preventiva na falência.

Essa mudança de foco da pessoa do devedor para o seu patrimônio durou séculos, quando no século VI de nossa era, o Corpus Iuris Civilis, concebe a obrigação como uma decorrência da vontade, onde o devedor sujeita-se a uma prestação que é garantida pelo seu patrimônio e não pelo seu corpo ou vida.

Na França, em meados de 1807 o Código Napoleônico é criado, trazendo em seu bojo o desenvolvimento do instituto da falência. Este código também era intitulado de Code de Commerce, já que trazia sua estrutura normas que regulavam o comércio como um todo, restringindo a possibilidade de falência somente ao devedor comerciante e criminalizando a figura do devedor que caísse em insolvência. Após o período napoleônico, várias reformas nas leis foram realizadas no sentido de amenizar gradativamente a severidade com que o devedor faltoso era tratado.

Entre o século XVIII e XIX existiam duas modalidades de entendimento sobre quem poderia ser considerado falido. A primeira delas é a do sistema franco italiano onde encontravam-se as leis que conferiam um caráter exclusivamente comercial à falência, e a segunda corrente era a do sistema anglo saxônico, cujas leis não diferenciavam o alcance do instituto da falência, sendo que a sua incidência recaía sobre qualquer tipo de devedor.

2. O direito falimentar no brasil.

No Brasil o direito falimentar foi desenvolvendo-se com base em leis já existentes de outros países. Na época da colônia, as leis aplicadas eram as portuguesas, já que na época a legislação vigente era as Ordenações Afonsinas. Em 1521, essas ordenações foram substituídas pelas Ordenações Manuelinas, prevendo em sua estrutura que no caso de ocorrência de falência o devedor deveria ser preso, sendo sua liberdade concedida somente após o pagamento dos credores. Mas, devido à influência do direito italiano nas Ordenações Manuelinas, havia uma segunda opção para o devedor, que seria ceder seus bens ao credor, evitando assim, o seu encarceramento. Já em 1603, surge as Ordenações Filipinas, cuja influência se deu basicamente no desenvolvimento das atividades comerciais e mercantis.

Após o período das Ordenações, o Marquês de Pombal promulga o Alvará de 13 de Novembro de 1756,  trazendo em sua estrutura o detalhamento do processo de falência, nitidamente mercantil, tendo como foco os comerciantes, mercadores ou homens de negócio, fato comprovado através da publicação do Alvará de 29 de Julho de 1809, documento este disponível no sítio do Senado Federal brasileiro, conforme figura a seguir:

17022a

As diretrizes impostas pelo Alvará de 13 de novembro de 1756 eram as seguintes: o falido tinha que se apresentar na Junta do Comércio para jurar sobre a verdadeira causa da falência, com isso o falido era forçado a entregar as chaves dos armazéns das fazendas, declarando todos os seus bens móveis e de raiz e a entregar o Livro Diário, o qual devia conter os lançamentos de todos os assentos das mercadorias, inclusive com a discriminação das despesas realizadas.

Após todas essas medidas era realizado o inventário de todos os bens do devedor, terminado esta fase publicava-se um edital com o objetivo de convocar os credores. A realização deste procedimento culminava com a divisão do que foi arrecadado, sendo que 10% (dez por cento) do total era destinado ao falido, para que o mesmo tivesse possibilidade de bancar o sustento da família e próprio, os outros 90% (noventa por cento) eram destinados aos credores, repartindo-se o montante na proporção de seus créditos.

Durante este processo de falência ou após o mesmo fosse descoberto que se tratava de um caso de fraude, a decretação da prisão do comerciante falido era autorizada e por conseguinte realizava-se a abertura do processo criminal.

A promulgação da Independência no Brasil fez com que a legislação fosse alterada, passando-se agora a ser aplicado no território brasileiro o Código Comercial francês, devido a imposição da Lei da Boa Razão, Alvará Português de 1769, que continuou a viger no Brasil mesmo após a sua independência. Esta lei obrigava aplicar subsidiariamente, as leis das nações civilizadas.

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Ainda durante o período imperial, em 1850, foi criado o Código Comercial brasileiro, lei esta bastante influenciada pela ideias francesas já em seu primeiro dispositivo, cujo teor determinava que o comerciante que cessasse os seus pagamentos seria considerado quebrado ou falido.

A legislação comercial do Brasil adotou em sua estrutura a Teoria dos Atos de Comércio, também francesa, onde de acordo com a mesma só era considerado comerciante aquele que praticasse compra e venda de mercadorias de forma profissional, além de algumas espécies de serviços.

O Código Comercial brasileiro não descreveu taxativamente os chamados atos de comércio, como fez o Código francês, sendo tais atos detalhados na edição do Regulamento nº 737, também de 1850, relacionando como atos de comércio todas as operações de câmbio, banco e corretagem, seguros, transporte de mercadorias, além, claro, da compra com objetivo de posterior revenda de bem móvel ou semovente, ou até para alugar seu uso.

O Código Comercial Brasileiro cuja terceira parte expõe as regras do Direito Falimentar, tinha como título “DAS QUEBRAS”, sendo as mesmas dispostas nos artigos 797 a 911. A parte processual da falência foi regulamentada pelo Decreto n.º 738, de 25 de novembro de 1850. Nele não havia a concordata preventiva, mas era possível a suspensiva, demonstrando assim uma preocupação com a participação dos credores no processo de quebra. A concordata suspensiva só poderia ser concedida quando a mesma fosse aprovada pela maioria absoluta dos credores e desde que estes possuíssem dois terços de todos os créditos submetidos à concordata, de acordo com Rubens Requião (2006, p. 19).

Levando-se em conta o procedimento da falência descrito anteriormente, observa-se que o destino do comerciante encontrava-se nas mãos dos credores, já que a concordata tinha que ser aprovada pela maioria absoluta dos mesmos, e um exemplo disso foi o caso do empresário Visconde de Mauá, que segundo a narrativa de Roberto Ozelame Ochoa e Amadeu de Almeida Weinmann:

“Conta a história que o Barão de Mauá, endividado pelas despesas realizadas na construção da ferrovia Rio-São Paulo, e traído pelos ingleses, que se haviam comprometido a financiar a obra, ficando às portas da falência, não conseguiria cumprir o requisito da concordância dos credores do seu banco, espalhados pela América Latina, aos milhares, muitos deles formando grupos enfurecidos, pela perda de seus investimentos. Obteve junto à Coroa a mudança da legislação, abrandando a exigência da concordância dos credores e admitindo a representação em assembleia por procuração. Necessitava o apoio financeiro da Coroa. Até nisso, Mauá mostrou ser um pioneiro, pois ali estava o primeiro caso documentado de crise sistêmica do sistema financeiro, sendo, portanto, o idealizador do primeiro PROER. Suas intenções esbarraram em conselheiros palacianos que obstaculizaram seus projetos, disseminando boatos e intrigas. Entre estes, espalhavam que o povo dizia haver um imperador e um Rei, este o próprio Mauá. Temendo ser desmoralizado, Dom Pedro II abandonou Mauá à própria sorte. Este tentou, na Justiça, uma ação de indenização por quebra de contrato, mas de modo aberrante foi decidido que a matéria deveria ser submetida às Cortes Inglesas. Falido, pagou todos os credores, tendo vendido até o último de seus bens particulares. Chegou a tornar-se, depois, mais uma vez, um dos homens mais abastados do país”. (OCHOA; WEINMANN, 2006. p. 130)

De acordo com relatos, Visconde de Mauá sustentou perante o Parlamento a real necessidade de alteração do preceito legal que estabelecia a obrigatoriedade de maioria absoluta dos credores para aceitação da concordata. Essa mudança veio a confirmar-se em 1882 por meio do Decreto-Lei nº 3.065, que estabelecia a regra da maioria simples, ou seja, durante a realização da assembleia dos credores para que a concordata fosse aceita era necessário que apenas a maioria dos presentes aceitassem.

O Decreto-Lei nº 3.065 também alterou a questão do credor está presente pessoalmente na assembleia, autorizando a possibilidade do mesmo ser representado por procuradores ou prepostos, introduzindo também a figura da concordata preventiva, conforme salienta Sampaio de Lacerda (1971, p. 36).

Segundo Rubens Requião (2006, p. 19-20), outro instituto muito importante do Código Comercial de 1850 é a moratória, que para o comerciante fazer uso do mesmo, seria necessário demonstrar a impossibilidade de solver as suas dívidas de pronto em razão de acidente extraordinário imprevisível ou de força maior, e, adicionalmente, ter fundos suficientes para fazê-lo caso se pudesse aguardar por algum tempo, prazo que não poderia ultrapassar os três anos.

Durante este período histórico, no caso o império, houve a quebra da Casa Bancária Vieira Souto no Rio de Janeiro, fazendo com que se criasse uma legislação que regularia a intervenção e liquidação forçada dos estabelecimentos bancários ou instituições financeiras, no caso, o Decreto-Lei nº 3.516 de 30 de setembro de 1865.

A passagem do Império para a República no Brasil, proporcionou diversas mudanças na legislação até então vigente, principalmente com o surgimento da crise do Encilhamento. Esta crise decorreu principalmente da excessiva liberação de crédito para o investimento na área industrial garantido pela emissão monetária, mas esse excesso gerou muita especulação financeira e uma alta taxa de inflação, ocasionando graves problemas no mercado econômico, principalmente para as casas bancárias e o comércio.

Em 24 de novembro de 1890 cria-se o Decreto-Lei n.º 917, desenvolvido pelo jurista Carlos de Carvalho em apenas 14 dias, cujo objetivo era tão somente de derrogar o Decreto-Lei n.º 738/1850, sob a justificativa de que ele não estava mais adequado às condições do comércio brasileiro, particularmente devido a ocorrência constante de fraudes no processo de falência e a crise do Encilhamento piorava cada vez mais.

A mudança mais impactante deste decreto foi a caracterização do estado de falência pelo critério da impontualidade, ou seja, a falta de pagamento de obrigação líquida e certa no seu respectivo vencimento. Esta forma de caracterização do estado de falência substituiu a da cessação de pagamentos, já que este suporte fático apresentava uma difícil definição, causando sérias divergências quanto ao seu real sentido, segundo Valverde (2001, p. 18).

Diversas críticas ao Decreto-Lei n.º 917 foram feitas, principalmente pelos doutrinadores, justificando-se tal fato devido ao excesso de autonomia aos credores e a benevolência aos devedores. Devido a esses pontos, entre outros, tornou-se necessária a reforma da legislação, o que ocorreu em 1902 através do Decreto-Lei 859, introduzindo na legislação falimentar a figura do síndico da massa falida, evitando assim o conluio e fraudes do devedor com o credor.

Outras leis foram surgindo, sempre com o objetivo de tornar mais célere e menos fraudulento o processo de falência, até que em 1945 através do Decreto-Lei 7.661, cria-se a Lei de Falências, que tinha como principal objetivo a retirada das empresas nocivas à economia.

O Brasil, principalmente a  partir da Segunda Guerra Mundial, passou por um processo de industrialização e desenvolvimento comercial intenso. Durante as décadas que se seguiram foram surgindo novas tecnologias, a globalização tornou-se um fato real, empresas internacionais passaram a instalar-se em solo brasileiro, e viu-se que apenas a retirada de falidos do cenário econômico não seria mais tão profícuo quanto tentar recuperá-la e fazê-la voltar a gerar renda e riqueza para o país.

Todos esses questionamentos juntamente com a pressão por parte dos mais interessados em mudanças na legislação, o Ministério da Justiça no início da década de 90 cria uma comissão para analisar e desenvolver um anteprojeto de lei que reformasse a antiga lei de falências e introduzisse em nosso ordenamento jurídico os institutos da recuperação judicial e extrajudicial. Em 2005 é promulgada a Lei n.º 11.101, cuja denominação é Lei de Recuperações e Falências.

3. A lei n.º 11.101/2005 e o instituto da falência.

A nova lei de falências, como ela é mais conhecida, inovou em diversos pontos a legislação falimentar, entre eles podemos citar a retirada do ordenamento jurídico da figura da concordata preventiva e suspensiva, introdução da recuperação judicial e extrajudicial, manutenção do instituto da falência com substanciais alterações, entre outros.

O Senador Ramez Tebet apresentou um relatório remodelando o Projeto, sendo que um dos mais notáveis pontos foi a enunciação de doze princípios que regulariam a nova lei de falências, sendo que esses princípios deveria regular a aplicação da lei. Os doze princípios são:

I)     Preservação da empresa: esse princípio leva em conta a função social da empresa, que deve ser preservada sempre que possível, já que a mesma é uma fonte geradora de riqueza econômica e de emprego e renda;

II)    Separação dos conceitos de empresa e empresário: não se deve confundir a empresa com a pessoa natural ou jurídica de quem a compõem ou controla;

III)        Recuperação das sociedades e empresários recuperáveis: o Estado deve dar condições e instrumentos para possibilitar a recuperação da empresa, mantendo-se, sempre que possível, a sua estrutura societária ou organizacional;

IV)  Retirada do mercado de sociedades ou empresários não recuperáveis: caso seja inviável a recuperação de uma empresa, por problemas crônicos na atividade ou na administração da mesma, o Estado tem o dever de retirá-la de forma rápida e eficiente do mercado;

V)    Proteção aos trabalhadores: estes devem ser protegidos, tendo a precedência no recebimento de seus créditos na falência e na recuperação, e devem ter instrumentos, na manutenção da empresa, capazes de preservar seus empregos e criar novas oportunidades àqueles que se encontram desempregados;

VI)  Redução do custo do crédito no Brasil: a classificação de créditos na falência deve fazer com que haja a preservação das garantias, contendo normas precisas na ordem dessa classificação;

VII) Celeridade e eficiência dos processos judiciais: as normas procedimentais na falência e recuperação judicial devem ser simples, objetivando a celeridade e eficiência do processo;

VIII)   Segurança jurídica: as normas relativas à falência, recuperação judicial e extrajudicial devem ser claras e precisas, para que se evite múltiplas possibilidades de interpretação, ocasionando a insegurança jurídica nos institutos, prejudicando o planejamento das atividades empresariais;

IX)  Participação ativa dos credores: os credores não podem ser mero expectadores, devendo participar ativamente do processo de falência e recuperação, otimizando os resultados a serem obtidos com o processo e evitar fraudes ou malversação dos recursos da empresa ou da massa falida;

X)     Maximização do valor dos ativos do falido: a lei deve estabelecer normas e mecanismos que assegurem a obtenção do máximo valor possível pelos ativos do falido, evitando assim a deterioração provocada pela demora excessiva do processo e priorizando a venda e empresa em bloco, para evitar a perda dos intangíveis;

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XI)  Desburocratização da recuperação de microempresas e empresas de pequeno porte: permitir a desburocratização e desoneração do procedimento que as microempresas e as empresas de pequeno porte tenham ampliado o acesso à recuperação;

XII)   Rigor na punição de crimes relacionados à falência e à recuperação judicial: tipificação da conduta de atos definidos como crime, em razão da falência e da recuperação judicial, coibindo a prática de fraudes de natureza falimentar. 

A falência vem regulada no Capítulo V, Seção I, a partir do artigo 75 da nova lei. Este instituto tem sua origem etimológica do verbo “falir”, segundo o renomado comercialista Carvalho de Mendonça (apud, NEGRÃO, 2004. p. 5), tem sua fonte mais remota na palavra latina “falece”, equivalendo à ”faltar com o prometido”.

Ricardo Negrão define precisamente o conceito de Falência:

“ Falência é um processo de execução coletiva, no qual todo o patrimônio de um empresário declarado falido – pessoa física ou jurídica- é arrecadado, visando o pagamento da universalidade de seus credores, de forma completa ou proporcional. É um processo judicial complexo que compreende a arrecadação dos bens, sua administração e conservação, bem como a verificação e o acertamento dos créditos, para posterior liquidação dos bens e rateio entre os credores.” (NEGRÃO, 2005. p. 21)

A fundamentação do pedido de falência, tanto na nova lei quanto no Decreto-Lei é a mesma, disciplinado no artigo 97 na lei 11.101/05 e no artigo 1º da antiga lei de falências. O pedido de falência tem como base os seguintes requisitos, a impontualidade, a execução frustrada e os atos de falência. Mas, antes de adentrarmos na questão da impontualidade, precisamos realizar uma distinção entre falência ou insolvência empresária e insolvência civil.

A insolvência civil encontra-se prevista nos artigos 748 a 786-A do CPC/73 e insolvência empresarial prevista nas hipóteses do art. 94 e 105 da Lei 11.101/05. Mesmo com o Novo Código de Processo Civil de 2015, “as execuções contra devedor insolvente permanecem reguladas pelo Livro II, Título IV, da Lei 5.869, de 11.01.1973” (CPC/2015, art. 1.052).

A insolvência civil é caracterizada pela desproporção negativa patrimonial, ou seja, ocorre a insolvência civil do devedor quando este, não empresário, ostenta um passivo superior ao seu ativo. A insolvência empresarial não tem correlação com o ativo e o passivo do devedor empresário, mas sim com a presunção de insolvência.

Na forma da Lei 11.101/05, a insolvência empresarial poderá ser presumida nos casos de impontualidade na satisfação de suas dívidas (art. 94, I) ou ser confessada — autofalência (art. 105) e pela prática de atos de falência (art. 94, II e III).

Importante notar que o inadimplemento no cumprimento de uma obrigação no prazo determinado se diferencia da insolvência civil porque a primeira pode decorrer de um erro, negligência ou por dificuldades em dispor do patrimônio para o devido cumprimento da obrigação, constituindo, assim, um fato jurídico próprio da pessoa. Já a insolvência empresarial é um fato econômico próprio do patrimônio. Diante do que se o inadimplemento é um ato, a insolvência é um estado: o inadimplente pode ter e não dar, o insolvente não dá porque não tem.

A diferença identificada entre o inadimplemento — ato — e a insolvência — estado — é considerada relevante porque justifica a distinção feita na forma execução do crédito. Esta diferenciação é relevante, ainda, porque justifica a distinção feita na forma de tutela do crédito: o inadimplemento é tutelado pelas execuções individuais, enquanto que a insolvência é tutelada pela execução coletiva.

No Direito brasileiro, a falência não pressupõe nem a insolvabilidade nem a simples inadimplência, mas tão somente a impontualidade ou a prática de atos de falência — atos e situações fáticas previstas na própria Lei (art. 94, II e III da Lei 11.101/05) conforme Ricardo Negrão (2006, p. 46-47), caracterizando a denominada presunção de insolvência.

4. A impontualidade e o pedido de falência.

Dispõe o artigo 94, da nova Lei, em seu inciso I, que será decretada a falência do devedor que sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários mínimos na data do pedido de falência. Observando este artigo vemos que para ser decretada a falência do devedor com fundamento na impontualidade, faz-se necessário a conjugação de vários fatores, que serão listados a seguir.

O primeiro deles é que a obrigação assumida pelo devedor, não paga no vencimento deverá ser líquida, representada por título executivo judicial ou extrajudicial, enumerados nos artigos 584 e 585 do CPC/73, já no novo CPC, os títulos executivos extrajudiciais estão descritos no artigo 784 e os judiciais no artigo 515.

Há, no entanto, algumas obrigações que, mesmo líquidas, não podem servir de base à impontualidade injustificada prevista no art. 94, I, da Lei de Falências. São aquelas que não podem ser reclamadas na falência, como as obrigações gratuitas, por exemplo municipais etc. (Lei de Falências, art. 5º, I) conforme nos expõe Fábio Ulhoa Coelho (2011, p. 356).

Os títulos executivos extrajudiciais são:

“I – a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque;

II – a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor;

III – o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas;

IV – o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia Pública, pelos advogados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por tribunal;

V – o contrato garantido por hipoteca, penhor, anticrese ou outro direito real de garantia e aquele garantido por caução;

VI – o contrato de seguro de vida em caso de morte;

VII – o crédito decorrente de foro e laudêmio;

VIII – o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio;

IX – a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei;

X – o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas;

XI – a certidão expedida por serventia notarial ou de registro relativa a valores de emolumentos e demais despesas devidas pelos atos por ela praticados, fixados nas tabelas estabelecidas em lei;”

Os títulos executivos judiciais são:

“I – as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa;

II – a decisão homologatória de autocomposição judicial;

III – a decisão homologatória de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza;

IV – o formal e a certidão de partilha, exclusivamente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal;

V – o crédito de auxiliar da justiça, quando as custas, emolumentos ou honorários tiverem sido aprovados por decisão judicial;

VI – a sentença penal condenatória transitada em julgado;

VII – a sentença arbitral;

VIII – a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça;

IX – a decisão interlocutória estrangeira, após a concessão do exequatur à carta rogatória pelo Superior Tribunal de Justiça;

Outro ponto relevante é que a impontualidade deverá ser injustificada, já que se o devedor deixar de pagar no vencimento obrigação líquida, fundado em uma das situações previstas no artigo 96 da nova lei (art. 4º do Decreto-Lei), não poderá ter a sua falência decretada. Eis o teor do artigo 96:

A falência requerida com base no art. 94, inciso I do caput, desta Lei, não será decretada se o requerido provar:

“I – falsidade de título;

II – prescrição;

III – nulidade de obrigação ou de título;

IV – pagamento da dívida;

V – qualquer outro fato que extinga ou suspenda obrigação ou não legitime a cobrança de título;

VI – vício em protesto ou em seu instrumento;

VII – apresentação de pedido de recuperação judicial no prazo da contestação, observados os requisitos do art. 51 desta Lei;

VIII – cessação das atividades empresariais mais de 2 (dois) anos antes do pedido de falência, comprovada por documento hábil do Registro Público de Empresas, o qual não prevalecerá contra prova de exercício posterior ao ato registrado.”

O terceiro ponto do pedido de falência, fundado no art. 94, inciso I, exigirá que o autor demonstre a impontualidade do devedor, juntando à petição inicial a certidão de protesto, referente a crédito próprio ou de terceiro. Neste último caso, deve também juntar prova de que é credor.

De acordo com Fábio Ulhoa Coelho:

“A prova da impontualidade é sempre o protesto do título por falta de pagamento. Qualquer que seja o documento representativo da obrigação a que se refere a impontualidade injustificada, deve ser protestado. Se for título de crédito (letra de câmbio, nota promissória, cheque, duplicata, cédula de crédito etc.), o protesto cambial basta à caracterização da impontualidade, mesmo que extemporâneo, isto é, ainda que ultrapassado o prazo fixado na legislação cambial para a conservação do direito de regresso contra codevedores. Protestado o título por falta de pagamento a qualquer tempo, caracteriza-se a impontualidade injustificada do devedor principal (aceitante da letra de câmbio, subscritor da nota promissória, emitente do cheque ou sacado da duplicata). Para a decretação da falência de codevedor (avalista, endossante etc.), hipótese mais rara embora igualmente possível, o protesto cambial deve ter sido providenciado pelo credor no prazo da lei cambiária, visto ser esta uma condição de exigibilidade da obrigação, no caso. De outro lado, não se tratando de título sujeito a protesto cambial (sentença judicial, verificação de contas, certidão de dívida ativa etc.), será ele também protestado, como forma de caracterização da impontualidade (é o chamado protesto especial da falência; Requião, 1975, 1:99). Nenhum outro meio de prova — testemunhal, documental etc. — é apto a essa finalidade, isto é, demonstrar a impontualidade para os fins da lei falimentar.” (COELHO, 2014. p. 235).

De acordo com o art. 1º da Lei 9.492/97, o ato de protesto é a declaração pública do não pagamento de uma obrigação, ou seja, é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em título e outros documentos de dívidas.

Portanto, o § 3º do art. 94 da Lei 11.101/05 é norma cogente ao determinar que o pedido de falência será instruído com os títulos executivos superiores a 40 (quarenta salários mínimos) na forma do parágrafo único do art. 9º da mesma lei, acompanhados, em qualquer caso, dos respectivos instrumentos de protesto para fim falimentar.

Nota-se que o valor mínimo imposto pela Lei 11.101/05 para instrução do pedido de falência poderá ser composto por um único título executivo superior a 40 (quarenta) salários mínimos ou por um conjunto de créditos vencidos que somados serão superiores ao respectivo critério determinado pela Lei.

Importante ressaltar que parece haver distinção entre protesto obrigatório e protesto especial falimentar, querendo referir-se ao protesto cambiário e ao introduzido pela Lei Falimentar. Todavia, o protesto realizado para fins cambiais pode ser utilizado para o requerimento de falência, desde que obedecida a regra do enunciado 361 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: A notificação do protesto, para requerimento de falência da empresa devedora, exige a identificação da pessoa que a recebeu. Esse entendimento deu margem a debates no Superior Tribunal de Justiça expostos a seguir na seção de Jurisprudência.

5. Jurisprudência.

A primeira questão a ser levantada no caso do requerimento de falência do devedor com relação a questão da impontualidade é se apenas o pressuposto citado anteriormente é necessário e suficiente para o ajuizamento do pedido de falência. De acordo com precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do REsp 1.354.776 (2012/0245624-3 de 08/09/2014), torna-se desnecessário o prévio ajuizamento de execução forçada para se requerer falência com fundamento na impontualidade do devedor.  Isso porque o art. 94, I e II, da Lei de Falências (Lei 11.101/2005) prevê a impontualidade e a execução frustrada como hipóteses autônomas de falência, não condicionando a primeira à segunda. Precedentes citados: REsp 1.079.229-SP, Quarta Turma, DJe 12/6/2014; e AgRg no Ag 1.073.663-PR, Quarta Turma, DJe 10/2/2011. REsp 1.354.776-MG, Min. Rel. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 26/8/2014.

Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados:

“RECURSO ESPECIAL – PEDIDO DE FALÊNCIA – EXTINÇÃO DA PROCESSO, SEM JULGAMENTO DE MÉRITO, PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS, POR AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR EM RAZÃO DE MERA PRESUNÇÃO DE INSUCESSO E DIFICULDADE DE OPERAÇÃO DA VIA ELEITA – PEDIDO FALIMENTAR QUE ATENDE ÀS EXIGÊNCIAS LEGAIS (DECRETO-LEI 7.661/45) – MUITO EMBORA A POLÍTICA JUDICIÁRIA BUSQUE, ACERTADAMENTE, EVITAR A PROFUSÃO DA DECRETAÇÃO DE FALÊNCIA, O CREDOR DO TÍTULO QUE RENDE ENSEJO À EXECUÇÃO FORÇADA PODE INTENTAR PEDIDO DE QUEBRA DO DEVEDOR, DESDE QUE SUA PRETENSÃO REÚNA TODAS AS CONDIÇÕES EXIGIDAS PARA TANTO, O QUE DEVE SER PRONTAMENTE DEMONSTRADO, DE SORTE A PERMITIR AO JUÍZO TAL AVERIGUAÇÃO NA FASE PROCEDIMENTAL PRÓPRIA – RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

Hipótese em que o Tribunal de origem manteve a extinção da ação falimentar por ausência de interesse de agir, com fundamento na improbabilidade de êxito em razão de dificuldades operacionais, sugerindo o ajuizamento de execução, a despeito de se afigurarem atendidos pela credora todos os requisitos para o pedido de quebra.

1. As regras de experiência podem e devem ser utilizadas pelo julgador para formar sua convicção, sempre que não puder respaldar-se em específicas normas jurídicas, a teor do que prescreve o art. 335 do CPC.

1.1. A extinção da ação falimentar, sob o fundamento de que o credor,  provavelmente, não lograria sucesso na sua pretensão, em razão de dificuldades de operar a execução coletiva, propicia indevida preterição da lei de regência pela mera  presunção de que o direito perseguido não se concretizaria, trazendo à tona a superada escola processualista que atrelava a ação ao direito subjetivo que ela visava proteger.

2. A impontualidade, quando injustificada, encerra a presunção relativa do estado  de insolvência, a justificar a quebra do empresário, que poderá ser afastada, caso seja  levado  a efeito alguma das providências apontadas no artigo 4º do Decreto n.  7.661/45,dentre elas, cita-se verbi gratia a efetivação de depósito elisivo, a comprovação da nulidade da obrigação ou do título respectivo, a falsidade do título da obrigação.

2.1. Pode-se concluir que a mera presunção subjetiva do julgador, no sentido de  que a ação não terá êxito, em razão de possíveis dificuldades operacionais inerentes ao processo, seja quanto à localização de bens ou nomeação de síndico, não afeta a utilidade do pedido de falência, tampouco retira sua aptidão de, eventualmente, vir a ter eficácia.

2.2. Na hipótese ora em foco, a insurgente cumpriu todos os requisitos legais para requerer a quebra. Segundo alegado e demonstrado, a demandada não pagou no vencimento as duplicatas, mesmo depois de protestadas, daí exsurgindo claramente a necessidade de intervenção dos órgãos jurisdicionais para alcançar ao autor seu crédito. Nesse  contexto, é de se reconhecer que o pedido de falência – em tese –  está  apto a tutelar a situação jurídica do requerente, revelando sua utilidade.

3. Em que pese se esteja atento à política judiciária direcionada a evitar a decretação  da quebra,  o credor do título que rende ensejo à execução forçada,  consideradas  as  circunstâncias fáticas em que se encontra o devedor, pode intentar pedido de  quebra, desde que sua pretensão reúna todas as condições exigidas para tanto. Afastada a hipótese de qualquer excesso no exercício do direito do credor e atendidos os requisitos legais, é lídimo ao acionante optar pelo meio judicial que a própria lei lhe confere, desde que atenda aos requisitos próprios do procedimento, vez que inexiste disposição legislativa que o obrigue a aviar uma ação executiva, quando está apto a requerer a falência do devedor.

4.  Recurso  especial  provido  para  que  se  prossiga  com  a  ação  de falência  nos  termos da lei. (REsp 1.079.229/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, DJe 12/06/2014, sem grifos no original).

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. FALÊNCIA.  IMPONTUALIDADE. TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. EXECUÇÃO  FRUSTRADA. DESNECESSIDADE. LIQUIDEZ DO TÍTULO. SIMPLES  CÁLCULO ARITMÉTICO PARA INCLUSÃO DO VALOR DOS ENCARGOS E  ABATIMENTO DOS PAGAMENTOS PARCIAIS.

1. Não se verifica ofensa ao art. 535 do CPC uma vez que o Tribunal de origem  dirimiu todas as questões  jurídicas relevantes para a solução do litígio.

2. Para a decretação falência com fulcro no art. 94, I, da Lei 11.101/2005, basta a comprovação dos requisitos da lei. Na presente hipótese, a alegada violação do  referido dispositivo legal assenta-se em ocorrências no procedimento executório, o que não tem o condão de atingir o requerimento de falência, ante a ausência de  vinculação entre a execução e o pedido de falência por impontualidade.

3. Não se revela como exigência para a decretação da quebra a execução  prévia. A mora do devedor é comprovada pela certidão de protesto.

4. O título executivo não se desnatura quando, para se encontrar o seu valor, se  faz necessário simples cálculo aritmético, com a inclusão de encargos previstos no contrato e da correção monetária, bem como o abatimento dos pagamentos parciais.  Precedentes.

5. O preenchimento do requisito de liquidez do título foi examinada pelo  Tribunal  a  quo com base nas provas dos autos. Rever esse entendimento requer reexame de provas. Incide a Súmula 7.

6.  A alegação de que a ausência de citação para a "segunda execução" tornaria  clara a não ocorrência da tríplice omissão requerida pelo dispositivo da Lei Falimentar revela-se como indevida inovação  recursal  trazida somente nas razões do recurso especial. Ausente o prequestionamento, não se conhece do recurso especial.

7. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgRg  no  Ag 1.073.663/PR,  Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 10/02/2011, sem grifos no original).

Outra questão questão que se mostra relevante neste caso da impontualidade é a definição de um valor mínimo como pressuposto para ajuizar a ação de falência, sendo que a Lei nº 11.101/05 estipulou o valor de no mínimo 40 (quarenta) salários mínimos, sendo que valores diferentes deste para baixo não são considerados como pressupostos autorizadores do ajuizamento da ação. O julgado que será exposto a seguir explicita essa questão, no caso o Recurso Especial nº 870.509 – SP (2006/0161225-2). Eis a ementa do mesmo:

“EMPRESARIAL. FALÊNCIA REQUERIDA SOB A ÉGIDE DO DECRETO-LEI Nº 7.661/45. PEQUENO VALOR. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA IMPLÍCITO NAQUELE SISTEMA LEGAL. INVIABILIDADE DA QUEBRA. Apesar de o art. 1º do Decreto-lei nº 7.661/45 ser omisso quanto ao valor do pedido, não é razoável, nem se coaduna com a sistemática do próprio Decreto, que valores insignificantes provoquem a quebra de uma empresa. Nessas circunstâncias, há de prevalecer o princípio, também implícito naquele diploma, de preservação da empresa.” (REsp nº 870.509/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 04/08/2009)

A relatora deste Recurso Especial, no caso a Ministra Nancy Andrighi, deu relevância em seu relatório a questão da intertemporalidade do direito falimentar, em relação à nova lei de falências e a antiga, conforme veremos a seguir:

“Preliminarmente, deve-se fincar um marco divisório, na linha do tempo, para isolamento de dois momentos normativos diversos referentes à disciplina do processo de falência e de recuperação judicial. Num primeiro momento, verifica-se que, como norma base de regência do procedimento falimentar, o art. 1º do Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, fazia referência apenas e tão-somente à comprovação da impontualidade do devedor comerciante a ensejar o pedido de decretação da falência. Assim, segundo uma interpretação literal, era irrelevante o pequeno valor do débito reclamado. Ocorre que o diploma legal  acima referenciado foi revogado pela Lei nº. 11.101/2005 que, ao disciplinar a recuperação  judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, deu um importante passo modernizador em comparação com a antiga legislação, pois albergou em seu repertório normativo  princípios que se volta à  preservação  da  atividade  empresarial. Para a presente hipótese, releva destacar que a nova Lei passou a prever, expressamente, que a presunção da falência do devedor empresário revelar-se-ia apenas com o inadimplemento de obrigação ou obrigações no montante superior a 40 (quarenta) salários mínimos (art. 94, inciso I). Estabelecidos, portanto, esses dois momentos normativos do instituto da falência, depreende-se que não florescem maiores debates em relação a determinado pedido de “quebra” de empresa que tenha sido processado e julgado na vigência do Decreto-lei 7.661/45, exclusivamente, ou da nova Lei de Falências n. 11.101/2005. A questão, todavia, não é tranquila quando, – como na hipótese em exame -, a falência fora  postulada na vigência do Decreto-lei em testilha, mas, sem que ainda houvesse sido  processada e julgada, acabou ela colhida pela vigência da nova Lei de Falências, que estabelece condições de processamento diversas daquelas exigidas no momento da formulação do pedido. Todavia, o legislador ordinário, antecipando-se à celeuma, fez inserir  no bojo da nova Lei de Falências disposição expressa, definindo o seu próprio campo de aplicação e conferindo ultratividade ao Decreto-lei revogado, de forma a fixar aquelas hipóteses em que ele continua sendo a norma de regência do processo falimentar. É o que se depreende dos artigos 192, caput, parágrafo 4º., e 200 da Lei de Falências (nº 11.101/2005): Art. 192.  Esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata  ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-Lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945. (…). Parágrafo 4º. Esta Lei aplica-se às falências decretadas em sua vigência resultantes de convolação de concordatas ou de pedidos de falências anteriores, às quais se aplica, até a decretação, o Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, observado, na  decisão que decretar a  falência,  o disposto  no art. 99 desta Lei.” Como se vê, a nova Lei de Falências coloca em evidência que os processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência deverão ser concluídos nos termos do Decreto-Lei nº. 7.661/45. Força é convir, assim, que todo e qualquer pedido de falência formulado antes do advento da Lei nº. 11.101/2005 deveria ser processado à luz do Decreto-Lei revogado, aplicando-se a nova disciplina falimentar somente nas hipóteses do parágrafo 4º já transcrito, ou seja, quando a falência tenha sido decretada em sua vigência, mas resultante de convolação de concordatas ou de pedidos de falências anteriores, o que não ocorre na presente hipótese”. (REsp nº 870.509/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 04/08/2009)

Com isso observa-se que mesmo no Decreto-Lei, ainda que de forma implícita, com base no princípio da preservação da empresa, um dos pressupostos autorizadores do ajuizamento da ação tem que ter um valor mínimo para que seja autorizada, já que não é qualquer valor que corrobora para o ingresso da ação.

Considerações Finais

O instituto da falência passou por diversas fases durante o seu processo evolutivo. Antes o devedor respondia por suas dívidas através do seu corpo, da sua vida e até mesmo da sua liberdade. Tudo isso foi mudando e a partir de determinado momento na história as dívidas passaram a recair somente sobre o patrimônio do insolvente.

Antigamente qualquer obrigação não paga pelo devedor na data do vencimento da mesma era motivo para o pedido de falência do indivíduo que apresenta-se algum débito. Esse quesito foi ficando mais restrito com o passar dos anos, adotando um valor mínimo para o pedido da falência e restringindo aqueles que podem ser declarados falidos, no caso os empresários e sociedades empresárias.

O pedido de falência deve ser feito baseando-se em um dos motivos descritos no art. 94 da lei nº 11.101/05, que são a impontualidade, a execução frustrada e a prática dos atos de falência. Nos detemos especialmente no na impontualidade, esmiuçando os detalhes que fazem parte de sua estrutura, juntamente com o posicionamento da doutrina referente a este assunto. O primeiro ponto controverso é se a impontualidade seria autônoma em relação aos outros quesitos, segundo o Superior Tribunal de Justiça ele é sim autônomo, podendo ser ajuizada a ação de falência. Outro ponto é se o protesto do título precisar ser o especial ou o cambiário já é suficiente para autorizar o ajuizamento, onde precedentes do STJ confirmam a não necessidade do protesto especial, já que apenas o cambial é autorizador.

Por último, tem-se levantado a questão do valor mínimo necessário para corroborar a entrada do pedido de falência, comparando-se a antiga lei com a nova. Na antiga não havia um valor mínimo estabelecido, já na nova há, que equivale a 40 (quarenta) salário mínimos. Diversas controvérsias surgiram na justiça com base neste quesito, já que muitos processos foram ajuizados durante a vigência da lei antiga e só foram julgados já no período de vigência da nova lei, criando-se um questão de intertemporalidade do direito. Mas, a lei nova traz em seus dispositivos questão referente a isto, explanando que se o processo foi ajuizado durante a vigência da antiga lei, mas só foi julgado durante a nova, o que será aplicado é a nova lei. O STJ confirmou tal posicionamento em diversos julgamentos.

Podemos perceber que o processo de falência sempre traz mais malefícios do que benefícios, uma vez que acaba por gerar desemprego, instabilidade econômica, entre outros problemas. Por isso, o processo falimentar deve ser realizado da forma mais célere possível, evitando o desgaste de todos os envolvidos neste processo.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Francisco Régis Leite Lima

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará


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