Resumo: Este artigo trata do evolutivo do amparo ao menor, desde o Império até os dias atuais, destacando as principais medidas de apoio e socioeducação ao menor, desde as leis até as principais instituições para responder a seguinte questão: Porque o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) não funciona? Com toda a estrutura de leis questiona-se porque as políticas públicas não funcionam em favor dos menores e porque eles não saem das unidades de internação ressocializados e prontos para voltar à vida em sociedade.
Palavra-chave: criança, adolescente, estatuto, políticas públicas
Abstract: This papper talks about the evolutive of the minor, since the Empire to the nowadays, featuring the principal measures of stand and social education to the minor, since the law to principal institutes to answer the question: Why do the ECA (Statute of the Child and Adolescent) doesn’t work? With all the structure of laws we questioned why do the public politicians doesn’t work in favor of the minors and why they don’t leave the units of internation re-socialized and ready to back to life in society.
Key-words: child, adolescents, statute, public politicians
Sumário: Introdução. 1. Histórico do amparo ao menor. 1.1 Roda dos Expostos. 1.2 Ponto de Partida Legal. 1.3 1926: Menino Bernardino. 1.4 1927: Primeiro código para menores. 1.5 O código de menores de 1979. 1.6 1988 – Constituição Federal 1.7 1990 – ECA 1.7.1 Quem é a Criança e o Adolescente? 2. Instituições socioeducativas e sua infraestrutura. 3. Demais órgãos de controle social. 4. Unidades Socioeducativas ou Sistema Neoprisional? Falhas no cumprimento do Estatuto da Criança. Conclusão. Referência.
INTRODUÇÃO
Na sociedade brasileira muito se questiona sobre as sanções relativas ao menor infrator, quanto a sua aplicabilidade e qual seria o melhor momento para passar a punir estes indivíduos como verdadeiros adultos. Porém o que se observa é que com o passar dos anos e com o progresso do judiciário, as normas vigentes não são o suficiente para punir ou pelo menos coibir a ação dos legalmente inimputáveis.
Este artigo tem como objetivo analisar o percurso histórico do amparo ao menor no país, assim como o surgimento das primeiras medidas socioeducativas, passando pelas instituições de controle social, chegando à resposta das seguintes questões: Porque o ECA não funciona como deveria? Porque não se ressocializa os jovens que passam pelas unidades de socioeducação? Por que a legislação vigente é insuficiente para o Estado a ponto de ser cogitada uma redução da maioridade penal?
1. Histórico do Amparo ao Menor
Começando pela colonização portuguesa no inicio do século XVI, o país passou pelo seu processo evolutivo de maneira forçada, considerando a imposição de cultura e de força deste povo.
O que havia por aqui eram apenas índios e sua inocente ignorância. O modo como viviam, apesar de ser de forma primitiva, não representava um abandono social e mesmo com os primeiros ataques contra os colonizadores, isto não caracterizava uma sociedade criminosa, mas que apenas se defendia dos ataques que sofriam ao ver que um lugar que era seu ser tomado e terem a sua liberdade e seus direitos subtraídos pelo outro lado, que era munido de artefatos materiais para coibi-los e conhecimentos intelectuais para persuadi-los e confundí-los.
Começa a partir daí a caminhada rumo à busca não somente dos direitos individuais e fundamentais do indivíduo, mas a busca das garantias de uma parcela da sociedade que além de mais frágil cruzou os séculos de forma negligenciada: o Direito da Criança e do Adolescente.
1.1 A Roda dos Expostos
Chegando ao século XIX, com desenvolvimento industrial e pelo período de intensa imigração, a sociedade começou a crescer de forma desordenada e desorganizada e da mesma maneira que veio a cultura, a formação da sociedade, a literatura e tantos outros recursos dos países desenvolvidos, vieram junto os problemas sociais não diferentes dos que enfrentamos hoje, como o desamparo à criança e um dos principais fatores que derivam da pobreza: a criminalidade.
A sociedade humilde encontrava-se marginalizada pela escassez de recursos da época. Para Silva, R. (2011), o aumento do numero de crianças enjeitadas estava associada à prostituição que se proliferou na época do crescimento populacional, assim como as condições de miséria, a precariedade nas condições de vida das mulheres, a falta de trabalho e o abandono delas pelos homens.
Antes da intensiva imigração, as crianças eram abandonadas em menor quantidade. Em Silva, R. (2011) explica-se que o que prevalecia era o sistema caritativo da sociedade. Em São Paulo as crianças desvalidas eram logo agregadas às famílias paulistanas sob a forma de apadrinhamento, incentivados pela Igreja Católica e pela caridade cristã, porém, posteriormente o crescimento demográfico da cidade fugiu do controle e terminou desencadeando diversos problemas sociais, entre eles o aumento do abandono de crianças, pois as famílias já não conseguiam absorver todas elas em seu seio como um membro de sua família.
Após a aquisição da Chácara dos Ingleses, no largo da Rua da Glória, em 02 de setembro de 1825, instalou-se o Hospital de Caridade e nela a Roda dos Expostos. Neste contexto, veio de Portugal no Brasil colonial esta primeira forma de amparo, que consistia em um cilindro instalado em abrigos ou casas de misericórdia para que estas crianças fossem lá criadas.
Uma consideração importante a fazer sobre a Roda dos Expostos diz respeito ao caráter figurativo da expressão. Nem todas as entidades assistencialistas da época adotaram um cilindro físico para receber crianças. A exemplo, temos a Santa Casa de Misericórdia do Pará, que recebia diretamente as crianças para os devidos cuidados sem a intervenção da Roda.
Marcílio (1997) também aponta esta fase caritativa no século XIX, denominando tal período como assistencialista e que tinha como principal marca o sentimento da fraternidade humana de conteúdo paternalista. O assistencialismo deste período era caracterizado pelo imediatismo das famílias abastadas no auxílio dos menos favorecidos. Porém, tais famílias abastadas não tinham em vista apenas o sentimento de amor ao próximo. Mesgravis (1976) descreve que as primeiras expressões referentes aos expostos da época do Bandeirismo são relacionadas ao trabalho em pequenas e médias propriedades, comparadas ao feudo do período medieval, ou seja, os expostos acabavam assimilados como mão-de-obra nestas propriedades.
O apadrinhamento recebido pelos expostos, segundo Venâncio (1999), era semelhante ao parentesco espiritual, em que o afilhado devia submissão e respeito ao padrinho que por sua vez oferecia a proteção social. Diferentemente da condição de escravo, os afilhados faziam tarefas mais leves e baseadas no favor, mesmo que não remunerados, enquanto no escravagismo o trabalho era bem mais árduo e não havia a idéia de contraprestação de favores.
Em consequência das más condições de vida do menor, existia uma alta taxa de mortalidade infantil. Relacionam-se a esta taxa as condições de higiene precárias, a pobreza a baixa instrução familiar e o aumento populacional desregrado, não muito diferente das condições que temos hoje em nosso país.
Não apenas Silva, R. (2011), mas Barreto (2012), apontam a Roda dos Expostos como não somente como uma forma de diminuir o abandono de crianças, mas como uma alternativa para as altas taxas de infanticídio da época. Segundo o descrito por ambos, os fetos das crianças mortas ficavam espalhados pela cidade, com suas vísceras expostas, servindo de alimento para cães e outros animais que por ali transitavam. A Roda dos Expostos serviu em caráter emergencial diante da indignação da sociedade em relação ao descaso sofrido por aquelas crianças.
Além da estrutura dada pela Igreja com o apoio da sociedade, os expostos também contavam com amas de leite, a morada e a educação durante a internação, a inserção no trabalho e o casamento para as moças, sendo que para estas havia inclusive o pagamento de dote para quem se casasse com elas.
O tipo de internação era diferente entre homens e mulheres que viviam nestes lares de caridade. As medidas socioeducativas para eles eram dadas de acordo com o seu papel na sociedade. Em Silva, R. (2011) aponta-se que a educação feminina nestes lares era mais organizada que a dos homens. As moças, além de receberem melhores tratos na internação, aprendiam a ler, escrever, fazer contas e as prendas domésticas, enquanto os homens iam para oficinas de mestres artesãos, apenas por moradia, comida e pela profissionalização, pois socialmente o homem além de ser visto com menos fragilidade que a mulher, eles tinham, segundo a sociedade, mais força para agüentar este tipo de trabalho e tratamento. Barreto (2012) descreve as atividades femininas das meninas desvalidas da província do Grão-Pará como voltadas a formação cristã sob a égide católica, que seria o ensino primário e secundário, o aprendizado de prendas domésticas e o ensino religioso.
1.2 Ponto de Partida Legal: 1890 – Código Criminal da República e a Teoria do Discernimento
O Decreto nº847/1890, o então chamado Código Criminal da República trazia, no seu texto do Título III, a imputabilidade e a avaliação psicológica na criança de 9 aos 14 anos para averiguar o discernimento para a prática de infrações. De acordo com o art. 27 deste decreto, a sanção aplicada seria de acordo com este discernimento diante dos atos infracionais cometidos.
Eram inimputáveis os menores de 9 anos e imputáveis os que entre 9 e 14 anos agissem com discernimento, ou seja, a partir dos 9 anos o menor já poderia sofrer um processo criminal. A medida socioeducativa adotada neste código era o recolhimento em estabelecimentos disciplinares industriais de acordo com o art. 30.
“Art. 30. Os maiores de 9 anos e menores de 14, que tiverem obrado com discernimento, serão recolhidos a estabelecimentos disciplinares industriais, pelo tempo que ao juiz parecer, contanto que o recolhimento não exceda á idade de 17 anos.”
O juiz determinaria o destino do menor, que seria submetido ao ensino profissional industrial como forma de sanção aos seus atos infracionais, desde que não ultrapassassem os 17 anos no recolhimento.
Em Silva, C. (2015) destaca-se a delegação de funções para a polícia quanto a conter a criminalidade e a desordem, portanto, a repressão era garantida pela lei, não havendo a preocupação com a intervenção educativa. Desta forma, temos até então medidas que já eram de intolerância contra o menor, que além de nascer desvalido e não abastado, já tinha a sua repressão assegurada na lei.
1.3 1926: Menino Bernardino. Marco na Maioridade Penal
De acordo com o Portal Brasil, Bernardino era um engraxate de 12 anos que levou calote de um senhor que não quis pagar o seu serviço e por isso joga-lhe tinta na roupa. Ao chamar a policia ele termina sendo preso sem sequer poder explicar o que houve. È apenado em quatro semanas na cadeia, sendo lá deixado em uma cela com 20 homens adultos, os quais abusam do menino de forma coletiva e em seguida é jogado na rua em estado de saúde delicado. Ao chegar à Santa Casa, ele narra o acontecido para um jornalista, vindo a óbito em seguida por conta das agressões.
Este foi o ponto de partida para discussões sobre a maioridade penal, pois com isso foi constatada a necessidade de um lugar específico para cuidar da criança, pois é inadmissível que elas fossem tirada da rua e fosse levada para uma prisão comum.
Até então, diante do ponto de vista legal, ainda não existia nas leis brasileiras nenhum tipo de legislação pertinente à situação das crianças no país.
1.4 1927: O Primeiro Código de Menores
O Estado foi pressionado a criar o que não existia. Segundo Ferreira (2010), o Código Civil de 1916 regulava a adoção, o pátrio poder, a tutela e sobre os bens dos órfãos mas, não tratava dos menores ou os seus direitos.
Com o Código de Menores de 1927, o status da criança foi dividido em dois grandes setores. Primeiro o das crianças de elite, que pertenciam a alta sociedade e o segundo referia-se a grande maioria composta por crianças negras, pobres, faveladas, abandonas, delinquentes, os quais recebem de forma pejorativa a terminologia de menor.
O menor era, segundo o código, denominado de acordo com a sua conduta. Ferreira (2010) detalha como expostos os menores de sete anos, abandonados os menores de dezoito anos, vadios os que esmolassem ou vivessem pelas ruas e libertinos os que frequentassem prostíbulos. Já para Silva, C. (2015) apud Couto & Melo (1998), a subdivisão feita entre os menores então tutelados pelo código de menores era dividido em três grupos de acordo com o seu art. 26, que eram: os abandonados (sem os pais), os que vinham de famílias desprovidas financeiramente e os que praticavam atos criminosos ou contravenções.
Em Silva, C. (2015), aponta-se que o artigo 86º do código vetava a prisão comum para o menor e a responsabilidade criminal se direcionava aos maiores de quatorze anos, teriam um "processo especial".
O Art. 69º define que o menor que tenha participado de crime ou contravenção e tiver entre 14 e 17 anos será submetido a processo especial, sendo consideradas as condições de vida e estado de saúde mental dele e de sua família.
Outra alteração significativa residiu na extinção da Roda dos Expostos. De acordo com o art. 15º do decreto, a consignação de expostos deverá ser de forma direta e não mais através dos cilindros.
As condições de trabalho tiveram uma primeira regulamentação. Não poderiam trabalhar os menores de 11 anos, e se fossem menores de 14, deveriam ter concluído o primário. Tal determinação contrariou os industriais que defendiam que o trabalho era uma forma de proteção contra a marginalização, mesmo que na verdade tivessem o intento de explorar a mão-de-obra barata da criança. O código foi a primeira tentativa de legislação específica para a infância, regulando o trabalho infantil que era prática corrente. “O trabalho da criança é pouco só não aproveita que é bobo” era a frase mais comum para justificar a exploração da criança.
Existia a escola de reforma para o delinquente e de reforma para o abandonado, porém na prática isso era a critério do juiz, que decidia para onde o menor iria.
A teoria do discernimento foi abolida com este código, passando os menores de 14 anos a serem inimputáveis. A maioridade passa a ser a partir dos 14 anos, sendo esta idade mantida até o Código Penal de 1940, em que a imputabilidade passa a ser aos 18 anos.
1.5 O Código de Menores de 1979
O Código de Menores de 1979 não era diferente do de 1927 no que dizia respeito ao tratamento do menor, consistindo apenas de uma releitura deste, ou seja, mantinha-se o caráter corretivo-repressivo dele. Ambos tratavam apenas da Assistência ao menor de forma paliativa, ao invés de preocupar-se com o que realmente seria efetivo na resolução do problema que a cada dia ia tomando proporções cada vez maiores e que na verdade estava cravado na formação das famílias e em seus problemas sociais cotidianos. Segundo Junior (2012), o código era voltado para a assistência, atenção e vigilância, fundamentado na doutrina da situação do menor.
Segundo Azambuja (2006) o foco da lei muda, passando de uma medida assistencialista para uma lei que focava em menores em situação irregular. Bitencourt (2009) sinaliza este código como algo que não amparava todos os menores além de manter sob critério do juiz as penas e o encaminhamento.
Hintze (2007) detalha quem estaria sob a tutela do código de menores. Seriam as que estavam em situação irregular, crianças e adolescentes, de até dezoito anos, que praticassem atos infracionais, na condição de maus-tratos ou em estado de abandono pela sociedade.
1.6 1988 – CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Até a promulgação da Constituição de 1988, as demais constituições traziam em seus textos apenas as expressões “amparo” e “cuidado” em relação aos dispositivos voltados ao menor, nenhuma delas colocando o Estado como um provedor das necessidades dos menores.
A Constituição Federal de 1988 deu maior ênfase às proteções e garantias da criança e do adolescente, que deixaram de ser um objeto de tutela para enfim tornarem-se sujeitos de direito, ou seja, um ente apto a ser titular de direitos e deveres. No art. 227º, a responsabilidade sobre eles, é atribuída à sociedade, à família e ao Estado, proporcionando integral proteção a eles.
“Art 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e aos adolescentes com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-la a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Andrade (2010) lista as garantias dadas inclusive aos pais dos menores a fim de que eles tivessem melhores condições de vida e que por consequencia pudessem oferecer uma melhor estrutura para os filhos, conforme o descrito no art. 280, que deu ao Estado a responsabilidade pela educação infantil em creches e pré-escolas e aos trabalhadores a assistência gratuita aos seus filhos e dependentes até 5 anos em creches e pré-escolas (CF, art. 7º, XXV).
1.7 1990 – ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)
Apesar dos direitos garantidos pela CF faltava um instrumento que detalhasse estas garantias ao menor. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) surgiu com a lei 8.069/90, como uma revolução, modernizando os direitos da criança, mesmo sendo na verdade fortemente baseada na Convenção Internacional dos Direitos da Criança e da Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1979. Junior (2012) afirma que a Convenção dos Direitos da Criança é um reflexo dos Direitos internacionais na busca do amparo à criança e que elas devem ser protegidas independente do seu ato infracional. Ele também aponta a Convenção como um grande marco na busca pelos direitos e na proteção social dos menores.
Para Hintze (2007) a busca pelos direitos da Criança e do Adolescente rompe “a cultura da “coisificação” para torná-los cidadãos com direitos e deveres, diferentemente do que se estabelecia no Código de Menores de 1979”.
O ECA reforça no seu art. 4º o previsto no art. 227º da CF quanto a quem se dirige o dever de proteção à criança e ao adolescente:
“Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”
1.7.1 Quem é a Criança e o Adolescente?
O art. 2º do ECA, considera criança o indivíduo com idade inferior a 12 anos e o adolescente aquele entre 12 anos completos e 18 anos incompletos, salvo nos casos expressos no parágrafo único do artigo em que o adolescente compreende a idade entre 18 e 21 anos.
2. Instituições Socioeducativas e sua Infraestrutura
Junto com a evolução do texto jurídico, acompanharam as mudanças no amparo ao menor as respectivas instituições de aplicação de sanções corretivas aos menores, estes vistos como um grupo que deveria ser isolado da sociedade por representarem certo perigo.
Sendo a criminalidade infantil derivada da pobreza, tem-se a ela o mesmo tratamento que se dá a própria pobreza: as políticas públicas e a sociedade tentam de qualquer forma enclausurar o problema bem distante dos olhos da sociedade. As instituições então criadas deveriam além de prender, tirar das vistas da sociedade o que é “feio” aos olhos da maioria abastada.
Entre as instituições de repressão ao menor no país, temos as seguintes como as de maior repercussão, visto que depois do FUNABEM[1] as demais instituições como FEBEM[2] e CASA[3] derivaram desta e que cada estado possui a sua política de tratamento ao menor:
– 1941 – SAM: Serviço de Assistência ao Menor
Criado pelo Decreto Lei 3.799/41 durante o Estado Novo de Vargas, o SAM (Serviço de Assistência ao Menor) só existiu em algumas capitais, mas era serviço de tortura e violência contra a criança e ineficaz em termos de reeducação.
Hintze (2007) caracteriza o SAM como um “Sistema Penitenciário para a menor idade”. O sistema de socioeducação desta instituição era corretivo-repressivo. O serviço foi criado para que fossem aplicadas as medidas pelos juízes aos infratores. Dependendo da condição do menor ele seria encaminhado para uma socioeducação diferente. Se fosse um menor abandonado ele iria para patronatos agrícolas ou escolas de aprendizagem urbana, mas se fosse um infrator ele iria para o reformatório ou casas de correção.
Salienta ainda Hintze (2007) que apesar de o decreto dispor das principais finalidades do SAM, como estudo e identificação das causas sociais, estudos e publicações periódicas sobre a conduta e o aspecto social do menor, mantê-los em local de internação adequado, a prática era bem diferente, pois além de se preocupar apenas com as internações sem saber como lidar com os infratores, não havia uma busca por medidas preventivas. O SAM entendia a internação como algo mais eficiente, quando na verdade as internações não passavam de um novo sistema prisional, sendo chamado nos anos 50 de internato dos horrores.
– 1964 – FUNABEM
Criada no Regime Militar através da Lei 4.513/64, com o nome de Fundação Nacional do Bem Estar do Menor, incorporou a estrutura física e o pessoal do extinto SAM e deu origem à FEBEM em alguns estados.
A então FUNABEM, que tinha por objetivo implantar a Política Nacional do Bem Estar do Menor. Era vinculada ao Ministério da Justiça, deste modo, permanecia o caráter “prisional” da instituição.
Além de abrigar menores abandonados, com os pais presos ou infratores, também tinha tratamento de agressão contra a criança e por consequência disto, havia a superlotação e a fuga em massa de menores.
3. Demais Órgãos de Controle Social
Sabemos que somente as instituições públicas não têm capacidade de sozinhas promoverem as necessidades da sociedade inclusive no que diz respeito à formação do caráter do indivíduo. Tanto que no texto da Constituição no art. 227 é claro que as medidas de atenção ao menor devem ser promovidas pelo Estado, pela Família e pela Sociedade. Desta forma, segundo autores e sociólogos renomados, existem os órgãos de controle social. Durkheim de forma especial traça as finalidades destes órgãos, como a Religião, a Família, a Sociedade, a Escola e o Estado.
Ele dividiu as instituições de controle social como formal e informal. As de controle informal são as que não tem interferência estatal, como a família, a escola, a religião, a profissão e a opinião publica e as de controle formal são a que têm intervenção estatal, dividindo-se em Imediata (polícia, poder judiciário, a penitenciária) e mediata (a lei, o processo e a execução legal).
Fantecelli (2014) (apud MOLINA; GOMES, 2002) explica que se houver falha no controle social informal, as esferas formais atuam de modo coativo. Ele também explica que para Durkheim o “delito é fato social negativo, e quanto mais abrangente uma sociedade, mais crescerá o número de delitos”. Ele também defende que a ação educativa promove a integração do indivíduo e por sua vez uma forte identificação com o sistema social. Talcott Parsons, seguidor de Durkheim, compartilha que a educação é mecanismo de constituição, manutenção e perpetuação de sistemas sociais e que sem a socialização o sistema social é ineficaz para manter-se integrado, e preservar sua ordem, equilíbrio e seus limites.
Não somente a educação auxilia o indivíduo no engajamento social. A família como órgão de controle social tem papel fundamental neste processo de integração, pois segundo Noé (2000) ela é reprodutora de sistemas sociais e que a mesma será quem vai introduzir o indivíduo no mundo da cultura. Com isto temos a família não só como um núcleo físico da sociedade, mas como um provedor na formação da índole do individuo para que ele possa integrar o meio social de forma proveitosa. Para ele, lá é que o indivíduo será formado antes de ir para a escola e para ele os valores da socialização são o patrimônio cultural do universo a que pertencem.
4. Unidades Socioeducativas ou Sistema Neoprisional? Falhas no cumprimento do Estatuto da Criança.
Apesar de o Brasil ter um sistema legal moderno e detalhado ainda falta cumprirmos de forma material o que está proposto em nossas leis.
Esperava-se que como o ECA foi criado a partir das bases das convenções internacionais, ele seria uma solução efetiva para sanar os problemas dos menores infratores, porém o que temos em realidade é um Estatuto ignorado e um sistema que nunca deixou de ser prisional. As unidades socioeducativas implantadas em todo o país, que não garantem sequer os direitos humanos dos jovens lá recolhidos, agem de forma totalmente indiferente ao Estatuto, deixando de promover as políticas de reeducação do indivíduo que já parou na internação por não ter boa conduta.
O art. 5º do ECA é exatamente o contrário do que está sendo oferecido pelo Estado quanto às medidas de proteção ao menor. Embora a lei seja taxativamente clara, o tratamento dado aos infratores é pelo menos desumano e sem qualquer preocupação com a formação da índole de quem ainda está em desenvolvimento. O Art. 5º do ECA diz:
“Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.”
Temos como um dos inúmeros exemplos, de negligencia aos internos e falta de cumprimento da lei, a Fundação CASA de Porto Alegre, denunciada pelas péssimas condições pela TV RBS do Rio Grande do Sul[4], que em reportagem mostra que além da superlotação e da falta dos padrões de higiene básicos, os internos vivem no que deveriam ser dormitórios, mas na realidade são celas sem banheiros. Vários internos na mesma cela, sem atividades esportivas, educacionais ou profissionais.
Segundo a Juíza da Infância e da Juventude, Dr. Vera Lúcia Deboni, a privação de liberdade nunca foi uma alternativa pedagógica, ninguém é educado preso e o que existe hoje é uma premência de muito curto prazo, pois é uma geração inteira que se perde (informação Verbal)[5].
No Rio Grande do Sul existe um projeto pioneiro de Justiça Restaurativa na reabilitação do menor, que consiste em colocar o infrator e o agredido de frente com seus respectivos familiares, para que através de conversas se cheguem às causas do que ocorreu. Trata-se basicamente em reunir o infrator e o agredido, a fim de que diante um do outro, ponha-se fim a determinado conflito, auxiliando o menor no processo de reflexão e entendimento do que cometeu, para que a partir da exposição dos fatos ele tenha noções de discernimento e por consequência venha o seu arrependimento.
De acordo com o CNJ, a Justiça Restaurativa tem sido um dos métodos de apoio nas medidas socioeducativas aplicadas por todo o país. Em estados como São Paulo, Maranhão, Bahia e Distrito Federal a Justiça Restaurativa já é utilizada em crimes de baixo ou médio potencial ofensivo, além dos casos de violência doméstica. A justiça neste caso não é feita pelo juiz, mas pelo mediador, que pode ser alguém que não seja da área jurídica, como por exemplo, o assistente social.
Da parte das políticas públicas sempre existe algum tipo de promessa ou de discursos de indignação quanto às condições abjetas em que vivem estes menores, mas o que se tem na realidade são a morbidade e o desinteresse, visto que como se trata de algo que se direciona às classes mais baixas, recebe o mesmo tratamento que a pobreza: a indiferença.
Um exemplo da falta de políticas públicas em prol do menor está no Estado do Piauí. De acordo com noticiado no Portal Cidade Verde.com, no ano de 2015 o Piauí perdeu um Repasse de aproximadamente 8,4 milhões que seriam utilizados para a construção do novo CEM (Centro Educacional Masculino), pois desde 2010 a contrapartida para a obra de mais de 3 milhões de reais ficou parada na conta do respectivo recurso. Como resultado, teve não só que devolver a contrapartida inicial como deixou de receber o resto da verba. Foi feito o pedido para que a verba fosse aplicada na reforma da atual instalação por falta de condições para iniciar a obra, mas receberam como resposta da Secretaria Nacional de Direitos Humanos que a obra deveria ser feita uma nova obra.
O que é comum em qualquer unidade socioeducativa é que não existe socioeducação prevista no art. 90, II do ECA e o mais importante: não existem infratores de classe média internados nestes locais. A então justiça contra “delinquentes” aplica-se apenas aos menos favorecidos, que durante toda a sua vida não dispuseram de nenhum tipo de amparo para melhor formar o seu caráter.
Temos então a representação mais viva do que a terminologia “menor” do Código de Menores de 1927 significa: é a denominação dos que estão às margens da sociedade, na pobreza, abandonados à própria sorte. A classe C em especial, nasce em condições precárias, em famílias não planejadas e mal estruturadas, em convívio direto com más influências, como o consumo de drogas e armamento, escolas em péssimas condições em áreas de risco, mas em compensação, existe toda uma articulação policial para coibi-los no primeiro mau passo. O ECA está se aproximando de um código penal para menores da mesma forma que as unidades socioeducativas se tornaram mini-presídios, com reclusão absoluta dos que estão recolhidos por lá.
CONCLUSÃO
O Amparo ao menor percorreu desde o Brasil Colônia, com a implantação da Roda dos Expostos, um longo caminho até chegar aos dispositivos legais atuais, como a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Analisando todo o aspecto histórico do amparo ao menor, observa-se que o ECA não funciona como deveria pois nunca houve amparo algum. A reeducação de jovens, que ainda estão em fase de formação da índole, nunca existiu e o tratamento dado a eles é de presidiários mirins, tendo sua total privação de liberdade. Os internos do atual sistema não têm nenhum tipo de tratamento que possa trazer à consciência que seus atos são lesivos à sociedade e a eles mesmos, que seria possível através da implantação da Justiça Restaurativa como parte da internação. A educação não está sendo uma porta ao retrocesso do infrator porque esta porta não está sendo aberta.
Outro ponto chave quanto a ignorar a condição do menor no país está relacionado com o fato deste problema ser derivado da pobreza que por sua vez surgiu com o crescimento desordenado. Como todo problema que vem daquilo, costuma-se dar tratamento indiferente, como se fossem uma espécie de escória ou algo que pessoas mais abastadas que eles não gostam de ver por perto.
Os jovens que passam pelas unidades de socioeducação não se ressocializam pelo fato de não haverem medidas internas nestes locais para que isto aconteça. Elas até hoje foram consideradas paliativas neste quesito de amparo ao menor, mas o problema trata-se da segurança pública do país de uma forma geral. Não existem medidas resolutivas quanto ao problema, por exemplo, da superlotação. As medidas educacionais ou socioeducativas dentro de instituições tanto do cuidado ao menor infrator como no sistema prisional praticamente não existem.
A legislação vigente não é insuficiente para o Estado a ponto de ser cogitada uma redução da maioridade penal, ela apenas não é cumprida por quem a propôs. Da mesma forma que não houve interesse público em cumprir as medidas do ECA, a políticas públicas falham na busca de ressocialização do indivíduo, ou simplesmente se comportam de forma omissa com relação a este assunto. Temos gerações e gerações perdidas, uma seguida à outra, pela falta de quem se comprometa em garantir o que a Constituição Federal prega em favor dos que não tiveram muito para viver com o mínimo de dignidade.
A sociedade não acredita que estes lugares auxiliem de algum jeito na recuperação destes menores. De certa forma estão certos. Mas dizer que eles estão “indo para um hotel” ou “quem tiver pena manda pra Disneylandia” está longe de uma solução efetiva. O sistema está falido. Os jovens não conseguem se recuperar, não pelo fato de serem irrecuperáveis, mas pela falta de um sistema que venha a trabalhar nisso.
Se a família virou uma instituição falida, o conselho tutelar não contorna os problemas e a sociedade é cada dia mais intolerante com a falha do nosso próximo a ponto de não enxergar que o “bandido” também é vítima. A sociedade caminha para a sua auto-destruição, para o fim dos tempos, para o real apocalipse.
Desta forma, a evolução formal de mecanismos de amparo ao menor aconteceu sem a sua respectiva evolução material, visto que as leis, embora criadas de acordo com as convenções internacionais, não tiveram o interesse vindo das autoridades no seu cumprimento.
Não se propõe neste artigo defender a má índole daqueles que desde a tenra idade, já se vê nas suas pequenas atitudes o traço da maldade e da falta de caráter, mas os mecanismos para atenuar este comportamento não aparecem e as entidades que deveriam funcionar nestes casos não funcionam.
Desde a família que não impõe padrão de certo ou errado, passando pelo conselho tutelar que não contorna a situação, temos cidadãos que nada têm de protetivo, mas muito têm de proibitivo.
A intolerância da sociedade está se tornando algo cada vez mais presente no comportamento em geral. As pessoas esquecem se colocar no lugar do próximo diante de tanta indignação. A impunidade no país tomou proporções gigantes e este mesmo sentimento alcançou os menores, quando muitos entendem que as medidas socioeducativas não passam de “estadia num hotel”.
Falta política, falta estrutura, falta vontade e falta amor ao próximo para enfim fazermos do ECA um instrumento verdadeiramente social e que auxilie numa caminhada menos dura para a sociedade.
Informações Sobre o Autor
Deny Savia Martins da Silva
Graduada em Ciências Contábeis (UESPI), Esp. Auditoria e Controladoria (UESPI), Graduanda em Direito (CESVALE), Experiência na área Fiscal e Pessoal de Empresas de Pequeno Porte